quinta-feira, 4 de julho de 2019

Guiné 61/74 - P19948: (De) Caras (132): Manuel Barros Castro, ex-fur mil enf, CCAÇ 414 (Catió, Bissau e Cabo Verde, 1963/65), natural de Fafe, nosso grã-tabanqueiro nº 793..... Assumiu a paternidade da sua filha guineense, Maria Biai Barros Castro (1964-2009): uma história aqui (re)contada por Jaime Silva


Manuel Barros Castro, nascido em Fafe, em 9 de outubro de 1940. Andou na escola Escola Industrial e Comercial de Fafe. Vive na sua terra natal.  Tem página no Facebook sob o nome de  Manuel Castro . Cinco anos depois do nosso convite, decidiu finalmente formalizar a sua entrada na Tabanca Grande. Senta-se, desde hoje, no lugar nº 793 (*).



O Manuel Barros Castro, quando jovem: é o primeiro da primeira fila, de cócoras, a contar da esquerda, de óculos escuros. Os restantes são amigos e/ou talvez familiares. Foto tirada em Cabo Verde ou na Guiné, s/d, da autoria de Guilhermino Teixeira. Faz parte do seu álbum (vd. página do Facebook do Manuel Castro).

Fotos (e legendas): © Manuel Barros Castro (2009). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]



A história de Manuel Barros Castro, natural de Fafe (**)

 por Jaime Silva

[, ex-alf mil para, BCP 21, Angola, 1970/72], prof educação física ref, e ex-autarca, que  viveu em Fafe há cerca de 4 décadas, e que regressou agora à sua terra natal, Seixal, Lourinhã] [, foto à esquerda]

1. O Manuel Barros Castro esteve na Guiné e pertenceu á Companhia Operacional Independente, de atiradores de infantaria,  a CCAÇ 414, sediada em Catió, onde o pessoal se instalou em tendas de lona. Era furriel miliciano e tinha a especialidade de enfermeiro.

Desembarcou em Bissau no dia 21.3.63 e regressou a Portugal a 4.5.1965 [, mais de dois anos depois].

Formou companhia em Chaves, a qual esteve mobilizada para Moçambique, sendo à última hora desviada para a Guiné.

Nas conversas que, entretanto, ele fez o favor de ter comigo (eu conhecia a filha, mas não conhecia o contexto que tinha gerado a situação), ao falarmos do nosso relacionamento com as mulheres africanas, disse-lhe eu, a determinada altura:

“Até porque havia algumas facilidades de relacionamento pela facto de algumas se oferecerem para ser as nossas lavadeiras”.

“Não. Ela não era a minha lavadeira. Houve empatia entre os dois. Eu, como enfermeiro, dava apoio à população, distribuía medicamentos e foi nesta circunstância que a conheci”, disse, emocionado. “Emociono-me, sempre que falo neste período da minha vida”.

A gravidez foi problemática e, apesar de a jovem ser acompanhada por dois médicos militares, teve que ir para Bissau por falta de condições [, em Catió].

Em Bissau, para onde a companhia, a CCAÇ 414, se tinha deslocado temporariamente, soube, por uma tia da jovem, que esta estava hospitalizada e numa das vezes qua a visitou perguntou-lhe se ela concordava em entregar-lhe a filha, ao que ela respondeu que “só queria que ela seja branca”. Era uma jovem sem instrução que, embora não fosse católica, concordou em batizar a filha.

Após 16 meses no mato [, desde abril de 1963],  a companhia, em vez de ficar em Bissau como estava previsto inicialmente, foi parar a Cabo Verde [, em 28 de julho de 1964], alterando os planos do furriel Castro. Disse que já tinha tudo preparado para instalar a filha, conhecida já como “a menina da companhia” e protegida da esposa do comandante da companhia [, o cap inf Manuel Dias Freixo].

A menina nasceu a 16 de maio de 1964 e foi-lhe dado o nome de Lurdes Maria Biai Barros Castro. A Mimi, para a família e amigos.

A companhia esteve nove meses em Cabo Verde e , durante esse tempo,  a Mimi esteve, primeiro, internada num orfanato em Bissau, por interferência do bispo de Bissau, depois ao cuidado da madrinha, uma senhora nativa que era funcionária nos CTT de Bissau, para quem o Castro mandava mensalmente uma pensão.

Alguns anos depois de ter terminado a Comissão [, em maio de 1965], a madrinha da Mimi veio a Portugal, em 1969,  trazer a menina, cuja mãe, entretanto, falecera.

A Mimi fez o seu percurso escolar em Fafe, tal como os irmãos (um irmão e uma irmã), concluiu a Curso de professores do 1.º ciclo do ensino básico e, infelizmente, faleceu com 45 anos em setembro de 2009, de doença incurável, quando trabalhava numa escola do concelho da Póvoa do Varzim, em Maceira da Lixa.

O Manuel Barros Castro disse-me, ainda, que sempre se revoltou contra a falta de responsabilidade daqueles camaradas de armas que não assumiram os filhos que deixaram por lá, e foram muitos, tanto na Guiné como em Cabo Verde,

Contou-me um episódio, relativamente recente, em que uma mulher guineense, a residir nos Estados Unidos, filha duma situação ocorrida na sua companhia,  e que tinha descoberto a morada do pai, fez questão de vir a Portugal encontrar-se com o pai no aeroporto, só para lhe dizer: “eu sou sua filha, aquela mulher ali é a minha mãe. Eu não quero nada de si. Vim só para o conhecer. Passe muito bem!" [...]

2. Deu-me mais alguns pormenores que eu não sabia:

A filha, a Mimi, era casada com um colega professor e deixou uma filha de 11 anos que está a ser educada pelo pai, claro, mas com grande apoio dos avós. Aliás, frequenta a escola em Fafe.

Voltámos a falar da mentalidade da época, dos preconceitos sociais em relação à “cor” da pele e à rejeição social, sobretudo nas aldeias do norte e interior do país, a dificuldade em aceitar casos destes. Diz que sentiu bem os “olhares” quando a filha chegou. Aliás, quando se referiam à filha, perguntavam-lhe: “Então como vai a sua filha adotiva”?...  Ao que o Manuel Castro, disse, respondia perentório: “Eu não a adotei. A menina é mesmo minha filha”.

Disse-me, ainda, que no dia do funeral da filha, a madrinha (de quem já te falei) esteva em Portugal e esteve presente. Pois as pessoas, ainda então, “cochichavam ao ouvido” e perguntaram-lhe, mesmo, se ela não seria a mãe. Teve que esclarecer que mãe já tinha falecido e que a senhora era a madrinha da Mimi.

Lembrei-me da história do meu colega de escola, do Seixal, Lourinhã, de quem já te falei [, poste P12709]. Quando me deu o seu testemunho, disse-me que, algum tempo após o regresso à metrópole, teve saudades e pensou seriamente em mandá-los vir da Guiné, ao filho e à mãe. Mas, disse-me (na presença de mais dois conterrâneos, um deles esteve na Guiné, também) que recuou, com medo do que iriam dizer as pessoas !

Como tu bem dizes, não se deve julgar.

A propósito, o Castro disse-me, hoje, que nos encontros da companhia alguém (que ele identificou) lhe perguntou: “Trouxe a miúda, porquê?".

Caro Luís:

Uma história de vida edificante, sem dúvida. É exemplar e merece ser conhecida. (***)

Abraço, Jaime.
_____________

Notas do editor:

(*) Vd. poste de 4 de julho de  2019 > Guiné 61/74 - P19946: Tabanca Grande (482): Manuel Barros Castro, ex-Fur Mil Enfermeiro da CCAÇ 414 (Guiné e Cabo Verde, 1963/65)

(**) Vd. postes de:

6 de fevereiro de 2014 > Guiné 63/74 - P12687: Filhos do vento (27): Manuel Barros Castro, natural de Fafe, fur mil enf, CCAÇ 414 (Catió, Bissau e Cabo Verde, 1963/65) teve uma filha, de mãe guineense,e que ele de imediato perfilhou, Maria Biai Barros Castro (1964-2009)... Uma história exemplar (Jaime Bonifácio Marques da Silva)

27 de fevereiro de 2014 > Guiné 63/74 - P12780: Filhos do vento (29): Ainda a história do Manuel Barros Castro, natural de Fafe, ex-fur mil enf, CCAÇ 414 (Catió, Bissau e Cabo Verde, 1963/65), e os preconceitos ainda hoje existentes (Jaime Bonifácio Marques da Silva)

(***) Último poste da série > 1 de julho de  2019 > Guiné 61/74 - P19935: (De)Caras (107): Um ninho de "lacraus", em Espinho, Silvalde, fevereiro de 1969, na véspera de partida para o CTIG (Valdemar Queiroz / Abílio Duarte, CART 2479 / CART 11, 1969/70)

7 comentários:

José Marcelino Martins disse...

Para começar as boas vindas ao Barros Castro.
Senta-te à sombra do poilão e traz novas daqueles tempos que, aliás, são os do inicio da guerra "oficialmente". Para mim, começou em 3 de Agosto de 1959.

Ao Jaime Silva, que tão bem sabe toda esta história, obrigado pela narrativa que, afinal, desfaz a "teoria de que é tudo igual". Quantos casos não haverá, não iguais, mas quase iguais?

De novo, para o Barros Castro, este caso vem trazer ao de cima que, nem todos foram para lá dar "tiros nas bajudas". A Assunção da paternidade não só te honra, como te enche de alegria a neta que, por certo, também tem orgulho no avô Manuel.

Abraço camarigo

Hélder Valério disse...

Caros camaradas

Termina o artigo com a frase "Uma história de vida edificante, sem dúvida. É exemplar e merece ser conhecida."

Aqui, neste post, tudo tem mérito. O Jaime Silva porque nos trouxe a história, contada aliás de forma muito digna; o Barros Castro porque se comportou como Homem e foi passando sempre com elevação pelos pedregulhos (preconceitos) que lhe iam aparecendo.

Mesmo hoje em que, alegadamente, as diferenças seriam já menos preconceituosas, na verdade estamos vivendo novos tempos de intolerância e os velhos e novos preconceitos voltam a fazer o seu caminho e a quase ditar a "normalidade". Nesse sentido tudo o que o Barros enfrentou deve ter sido difícil, muito difícil, mas não se deixou abalar pelas dificuldades. Gostava de poder entender como foi a reacção de familiares próximos (pais, tios, irmãos) do Barros, se também houve oposição, desconfiança, azedume ou se, pelo contrário, foram também "porto seguro" que deram consistência às decisões tomadas.

Seja como for, saúdo a entrada do Barros, a quem presto a minha homenagem pela coragem das suas decisões.

Hélder Sousa

Cherno Baldé disse...

Caros amigos,

De facto, uma atitude de coragem digna de realce naqueles tempos.
Quero saudar a entrada do Senhor Barros na Tabanca que nos une pelos afectos e pelas memorias.

Saudaçoes fraternais,

Cherno Baldé

Anónimo disse...

O Manuel Barros Castro já nos tinha enviado, em 19/1/2016, um mail a pedir a sua inscrição na Tabanca Grande. Por lapso, não vieram as fotos a praxe. E não houve resposta ao seu pedido... de que pedimos desculpa. O assunto que acabou por morrer... Mas, a partir de ontem, o Nanuel passa a estar de pedra e cal, sentado à sombra do nosso mágico e fraterno poilão, no lugar nº 793... É, nfelizmente, o único representante da sua veteraníssima CCAÇ 414 (1963/65)... Ora, queremos saber mais coisas das suas andanças pela Guiné e Cabo Verde. Ele dever ter mais fotos desses tempos e lugares. Para já pedimos-lhe que legende ou comente a foto que publicamos aqui, neste poste.

Por outro lado, ele tem aqui três comentários, a que, se assim o entender, pode responder...

Mando-lhe um abraço, meu e do Jaime Silva, que agora é meu vizinho, na Lourinhã, estamos em contacto regular. Amanhã, por exemplo, tomamos café juntos. Luís Graça

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Manuel Barros Cruz

terça, 19/01/2016, 18:54


Caro camarada,

Tenho, de quando em vez, acompanhado o blogue da Tabanca Grande, que muito aprecio e obedecendo ao chamamento cá estou a inscrever-me como tabanqueiro.

Fui furriel miliciano enfermeiro na Companhia de Caçadores 414, uma companhia que serviu na Guiné como independente e de intervenção sediada em Catió, e intervindo primeiro em todo o Sul depois ao nível de grupos de combate na zona de Mançoa, Ponta do Inglês e outras.
Embora enfermeiro, muitas vezes servi como atirador, comandando secções de camaradas impedidos de saírem para o mato quando doentes ou feridos.
Aqui vão as fotografias e a primeira atuação:

Camarada Fernando Valente (Magro),
O relato da emboscada entre Benten e Cambajá, é impressionante, como impressionante tem sido a atitude de todos os governos de então para cá.
Todos, mas todos esqueceram a guerra de África. Todos, mas todos têm vergonha de uma história que já vai sendo escrita e que ninguém pode olvidar.
Porém, todos, mas todos podem ter a certeza que os combatentes não esquecem aquela guerra, aquelas terras e aquelas gentes.
Ficou-nos lá, o suor, o sangue, o coração e a juventude.
Obrigado pelo relato

Anónimo disse...

Camarada Manuel Barros, um grande abraço pelo dignidade com que foi tratado este assunto, e porque tantos outros não o fizeram, não têm perdão nem desculpas. Há muita rapaziada que sabe os filhos que lá deixou - os filhos do vento - e não se importaram com isso. Não me venham dizer que estou a fazer juízos de valor, porque estou mesmo.

Não tenho mais nada a acrescentar a tudo o que já foi dito, isto merece um louvor de apreço por todos nós.

Bem hajas e a toda a tua familia.

Anónimo disse...

Esqueci-me de assinar o comentário atrás.

Virgilio Teixeira

Anónimo disse...

Esqueci-me de assinar o comentário atrás.

Virgilio Teixeira