domingo, 6 de dezembro de 2020

Guiné 61/74 - P21614: Pequenas histórias dos Mais de Nova Sintra (Carlos Barros, ex-fur mil at art, 2ª C/BART 6520/72, 1972/74) (13): O Elias Parafuso e o bolo de chantili


Guiné > Região de Quínara > Nova Sintra > 1972 > Entrada do quartel dos "Duros de Nova Sintra", a CART 2711 (1970/72). 

A CART 2771 foi para Nova Sintra em 8 de dezembro de 1970, a fim de efectuar o treino operacional e a sobreposição com a CCAV 2765, assumindo logo a seguir a responsabilidade do respectivo subsector (Nova Sintra). Era comandada pelo cap art Vasco Prego Rosado Durão, daí talvez ter passado a chamar-se os "Duros de Nova Sintra. Pertencia ao BART 2924, sediado em Tite, Sector S1. Em 20 de agosto 72, foi rendida pela 2ª C/BArt 6520/72,


Foto: © Herlander Simões (2007). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]



1. Mais uma pequena história do 

(i) ex-fur mil, defurriel mil, 2ª  C/BART 6520/72 (Bolama, Bissau, Tite, Nova Sintra, Gampará, 1972/74), "Os Mais de Nova Sintra", os últimos a ocupar o aquartelamento de Nova Sintra antes da sua transferência para o PAIGC em 17/7/1974; 

(ii) membro da Tabanca Grande nº 815, tem 16 referências no nosso blogue; vive em Esposende, é professor reformado.



O Elias Parafuso e o bolo de chantili

por Carlos Barros


Estavam os graduados a jantar na Messe, um arroz com salsichas, para variar (era quase sempre este prato…). Na mesa estavam vários furriéis: Barros, Elias, Mendonça, Ferreira, Sousa,  Gonçalves e no final do jantar havia um bolo de aniversário, já que um  desses  militares fazia anos e o Cozinheiro Bichas, com apoio do  Cunha,  fizeram um bolo cremoso e muito chantilizado….

Olhámos para esse “delicioso” bolo e ninguém teve apetite em comê-lo. O Barros fez então uma proposta:

 Quem me der 50 pesos,  atiro o bolo à cara do Parafuso [, furriel Elias, mecânico]!

Mal recolhidos 30 pesos e, quando menos se esperava, o Barros pega no bolo e atira-o contra a cara do infeliz Elias que ficou sem ver…

Passados segundos, todo besuntado, o Elias lá se recompôs, com um guardanapo limpou a cara e todos se riram pela ousadia do Barros. O  Ferreira não tinha dado o dinheiro que prometera  e só o daria  afiançava ele − caso o Barros  mandasse o resto do bolo que tinha sobrado, outra vez à cara do Elias…

Claro que este camarada não contava com o segundo ataque  e o Barros, quando ninguém esperava, mandou novamente o bolo ao nariz do Elias que ficou furioso e, com o rosto cheio de chantili, levantou-se para atacar o Barros…

Este,  ágil como uma pantera, com muita experiência no mato e bem preparado fisicamente,  fugiu do Elias, e, em plena escuridão, o Parafuso  correu  atrás dele e, com tanto azar, que  enfiou uma perna  num buraco do saneamento que estava destapado…

O azarento do Elias ficou K.-O. e aleijou-se no joelho esquerdo, ficando a mancar e,  deste modo,  estava acabada a perseguição ao Barros!

O Barros desapareceu na escuridão e não regressou à Messe porque o Elias Parafuso “vomitava fogo” mas já estava “entornado”,  como sempre…

No dia seguinte, os dois “beligerantes “ encontraram-se  na messe, ao pequeno almoço, com os ânimos serenados, nada aconteceu , foi um abraço fraterno em mais um dia passado, num ambiente de guerra, muito  “engraçado,”  sempre desgastante... 

Afinal, estas  peripécias mudavam um pouco a terrível rotina em que vivíamos.

Neste campeonato das festas de S. João que decorria na Metrópole, o resultado foi: Barros, 1;  Elias, 0… Enfim, pequenas histórias da Guiné...

Nova Sintra, 26 de junho  de 1973


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5 comentários:

Tabanca Grande Luís Graça disse...

Carlos, antes com bolos de chantili do que com armas...

E elas estavam sempre à mão ... Havia muita violência latente nos nossos quarteis. E às vezes explodia... com consequências mortais, temos aí no blogue vários relatos...de suicídio, homicídio e automutilação...

Por pudor, não falamos disto, temos vergonha de assumir que fazíamos "brincadeiras estúpidas" como esta de chapar um bolo de chantili na cara de um camarada... em troca de 50 pesos (que dava para comprar uma garrafa de uísque ou comer dois bifes com batatas fritas a cavalo em Bafatá, Nova Lamego, Teixeira Pinto ou Bissau, bem regados com cerveja)...

Não há estatísticas sobre a violência "intra muros", ou melhor, dentro do arame farpado... Havia, isso sim, muita ritualização ou sublimação da violência... Mas às vezes puxava-se mesmo mesmo da G3...

Havia apostas "estúpidas", "bravatas", "vamos lá ver quem é mais homem", "vamos lá apostar quem mede um garrafa de uísque num quarto de hora, o primeiro a cair para o lado, paga a despesa"...

Lembro-me de no meu/nosso quarto, éramos uns cinco ou seis, pormos tudo de pantanas, como se tivesse sido alvo de um atentado!... Não nada no seu lugar!... Tudo para chatear um dos camaradas que não mijava fora do penico, gostava de ver tudo certinho, limpinho...

Lembro-me de, já bêbedos, ou na ressaca, acordarmos o pobre Pastilhas com a pistola Walther acostada à cabeça, simulando um ataque ao quartel às 3 da manhã...

Lembro-me de uma noite, às tantas, termos num jipe, conduzido por um oficial superior (e com a cumplicidade deste!), termos morto todos os cães que infestavam a parada, incluindo o nosso pobre Chichas, a nossa mascote... Violência "irracional" ? Já não conseguíamos dormir com tanto latido à noite...

Lembro-me... Quem não se lembra ?

São estas pequenas histórias, que não ficarão para a História, que precisamos de contar uns aos outros para reconstituirmos, com alguma "côr e calor", o clima único do nosso quotidiano de guerra...

Releiam-se as "estórias cabralianas": a Guiné era um manicómio... Quantas "estórias do absurdo" não nos contavam, mal púnhamos os pés em Bissau?!...

Era preciso "acagaçar" os piras... O "terror" era uma boa "terapêutica" para uma gajo ganhar defesas contra a realidade, brutal, da guerra...que nos esperava no "mato"...Sim, porque em Bissau, dizia-se, era o "bem-bom"...

Obrigado, Carlos, por mais esta pequena história da Guiné que não ficareá para a História!

gil moutinho disse...

Não esteve aí ,nesse período,o furr.Tiago Barbosa meu conterrâneo?
gil moutinho

Hélder Valério disse...

Bem, meu caro Barros, lá "quebrar a rotina" isso deve ter acontecido.

Muitas tropelias se fizeram, como acima o Luís dá conta de alguns exemplos, mas deverás reconhecer que a segunda dose já foi para lá do que seria aceitável, como brincadeira.
Já podia ser levado à conta de "gozo", de achincalhamento, de humilhação e isso muitas vezes conduz a comportamentos imprevisíveis com consequências menos boas.
Vá lá que tudo se resolveu e se pode dizer que "acabou em bem".
De facto, as condições de stresse (nessa época isso não era referível) em que se vivia proporcionavam esses ambientes mas também, felizmente, a camaradagem foi capaz de ultrapassar essas situações.

Hélder Sousa

João Candeias da Silva disse...

Bolama.
Natal de 1973.

Fui transferido da Ccac 12 para Bolama como, deduzo eu, consequência de uma recusa da 12 avançar para o Xime
para substituir a companhia que lá estava e com a qual fizemos algumas operações conjuntas de que destaco 2 em Fevereiro desse ano onde tivemos dois contactos com o IN.
Foi um natal excelente porque era para mim o pronuncio do fim da missão.

Curiosamente será pelo mesmo motivo que não falamos nas parvoíces fruto da idade, que não falamos em casos como o da Ccac 12 que fez frente ao comandante da CAOP 3 sediada em Bombadinca.
Nunca li uma linha, uma referência a situações como a ocorrida em meados de MARÇO na 12 em Bambadinca.

Julgo que era o pronuncio do cansaço da guerra e um sinal de a capitulação dos capitães com a cobertura do topo da hierarquia estava próxima.

Por coincidência ou não, pouco tempo depois, cerca de um ano, aconteceu.

Situações como a que vivi nunca vi serem referenciadas nem em blogues nem na media.
Será o caso da 12 único?
Para se ter um pouco a ideia da situação a recusa fez que 2 ou 3 dias depois o General Spinola deslocar-se a Bambadinca ocompanhado de vários quadros africanos.

E o assunto foi ultrapassado.

E com o 25 de abril saímos o mais depressa possível.
No meu caso pessoal paguei a viagem na TAP e no fim de Maio regressei. Tinham-se passado 25 meses.

Fui em rendição individual em Abril de 72, passei pela Ccav 3404 em Cabuca, em seguida, Janeiro Bombadinca para a 12, e, por fim, CIM em Bolama.
Talvez noutras companhias também tenham surgido sinais de insubordinação.

Talvez seja a altura de partilhar essa parte da guerra porque passamos.

João Candeias Silva furriel mil at. Infantaria.


Tabanca Grande Luís Graça disse...

João,a história da CCAÇ 12, no papel, fui eu que a escrevi. Até Fevereiro 1971. E está disponível no blogue.

Depois de fevereiro de 71 não há mais nada, de história escrita, até à extinção da CCAª 12 em 18 de agosto de 1974. Pelo menos no Arquivo Histórico Militar...

Eu e os demais graduados e especialistas, metropolitanos, a 1º geração, éramos todos de rendição individual, pertencíamos à CCAÇ 2590, éramos apenas umas 6 dezenas de militares... Fomos dar a instrução de especialidade e a IAO, no CIM de Contuboel, às 100 praças guineenses, oriundas dos regulados de Badora e Cossé...

Regressámos a 17 de março e 1971, os "metropolitanos"...

O que tu nos contas, ou o que deixas dar a entender, é relevante. Insubordinação? Recusa em ir para o Xime, rendendo a CART 3494 ? Se sim, será a segunda insubordinação na históia da CCAÇ 12...

Teria havido já outra, anteriormente, ao tempo do BART 2917, e do tenente coronel Polidoro MOnteiro... Algo que está mal documentado, mas é referido na história do BART 2917... Terá ocorrido em março de 1971, se não erro.

Os graduados eram já os da segunda geração...Todos "piras"...Tu e o António Duarte que são da terceira, podem e devem esclarecer o que se passou nessa operação para os lados do Poindom / Ponta do Inglês...

Dessa vez não foi o Spínola, mas o Polidoro Monteiro que, metendo-se a caminho pelo mato fora, foi ao encontro dos grupos de combate da CCAÇ 12 que terão "acampado" no mato, aparentemente recusando-se a cumprir a missão que lhes fora destinada...

O assunto é muito melindroso, ignoro as razões da alegada insubordinação, mas terá havido consequências disciplinares...Enfim, falta-me informação dos protagonistas e de fontes independentes (, se é que as há).

O Jorge Araújo também deve saber algo mais sobre o que se passou em março de 1973...De qualquer modo, em finais de março de 1973, a CART 3494 foi para Mansambo e a CCAÇ 12, contrariada ou não, foi para o Xime...

Abraço. Festas boas e quentes. Luís

PS - Tenho pena, João, que não queiras sentar te aqui connosco à sombra do nosso poilão, apesar dos meus reiterados convites. Podíamos ao menos falar pelo telefone...Aliás, não precisas de convite. O blogue é teu/nosso.