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terça-feira, 28 de outubro de 2025

Guiné 61/74 - P27360: (Ex)citações (439): Ainda a propósito dos bravos de Contabane... "O maluco do Carlos Azeredo está a bombardear a Guiné-Conacry", dizia, em pânico, o QG... (Carlos Nery, ex-cap mil, CCAÇ 2382, 1968/70)





Carlos Nery, hoje um homem do teatro,
uma paixão antiga, como ator; a sua primeira
experiència como encenador foi na Guiné
É um dos fundadores da Companhia
Maior. E um exemplo maior, para todos nós, antigos combatentes, de como se pode e deve envelhecer de maneira ativa, proativa, com saúde, com autonomia e com qualidade de vida.


1. No passado dia 15 de outubro, pedi ao Carlos Nery, ex-cap mil, cmdt da CCA2382 (Buba, 1968/70), que nos respondesse a algumas questões relacionadas com o ataque a Contabane, de 22 de junho de 1968:

Carlos: acho que podes esclarecer aqui algumas dúvidas...

(i) os militares da tua CCAÇ 2382 que foram galardoados com a cruz de guerra, por louvor teu, foram-no na sequência da sua atuação na noite de 22 de junho de 1968, essencialmente: confirmas ?

(ii) por que razão não é mencionado explicitamente o topónimo Contabane no teor do louvor ?

(iii) não houve mortos, apenas feridos (alguns graves), no ataque, civis e militares;

(iv) onde estava instalada exatamente a força atacante: a norte/nordeste da tabanca ?

(v) tens mais fotos de Contabane ?

(vi) o reordenamento de Sinchã Sambel, na margem esquerda do rio Corubal, frente ao quartel do Saltinho (que ficava na margem direita), já não é do teu tempo mas do tempo do Paulo Santiago e da CCAÇ 2701 (1970/72).

Para já é tudo. Dou conhecimento das fotos da Ivone Reis à suas e nossas camaradas Arminda, Rosa, Aura e Giselda, nossas tabanqueiras.

Um alfabravo. Luis
Carlos Azeredo 
______________


Capa do livro de Carlos de Azeredo - Trabalhos e Dias de Um Soldado do Império. Porto, Livraria Civilização Editora, 2004,
496 pp.



No CTIG, Carlos de Azeredo (Marco de Canaveses, 1930- Porto, 2021) foi comandante de:

  •  CCav 1616 / BCAV 1897 (Mansoa e Olossato, 1966 / 1968);
  • Comando Operacional do Sector de Aldeia Formosa / COP 1 (1968/69);
  • Centro de Instrução Militar de Bolama (1969).

2. Resposta do Carlos Nery com data de 20/10/2025, 20:03:


Caro Luís,
 
Durante a minha estada em Bissau, vindo de Buba, ocupei o meu tempo a redigir a história da minha companhia socorrendo-me dos relatórios das diversas situações vividas. 

Vim a saber, mais tarde, pelo então major Carlos Azeredo, que cópias desse relatório tinham sido distribuídas por algumas unidades como material de estudo.

Pedi também aos alferes da minha companhia a sua opinião acerca dos militares por eles comandados para louvá-los apontando para eventuais condecorações. 

Desloquei-me várias vezes à Secção de Justiça do QG para me informar como deveria redigir os louvores. 

Conheci, então, o alferes Barbot (hoje escritor Mário Cláudio). Lembro-me de ter pedido desculpa por andar lá a incomodá-los mas ouvi a seguinte resposta, "sabe, capitão, aqui o nosso trabalho tem que ver sobre infrações, desvios de dinheiro, problemas de indisciplina, etc. É com gosto que vemos aparecer alguém que pretende premiar os homens que comandou."

Sobre as questões que me pões e no que respeita a Contabane, direi que a decisão de retirar a população e abandonar a tabanca estava tomada antes do ataque do PAIGC comandado por 'Nino' Vieira. 

Spínola não concordava com unidades instaladas perto da fronteira e a decisão de abandonar Contabane fora-me comunicada por Carlos Azeredo nas vésperas do ataque. 

O PAIGC perdera a paciência com os Fulas. Contabane e Mampatá, por exemplo, tinham aceitado receber armas das nossas tropas e o régulo de Contabane, recebidas essas armas, decidiu atravessar a fronteira para meter na ordem tabancas que pertenciam ao seu regulado. 

Não sei o que se passou nessa incursão mas ponho a hipótese que o ataque tentasse punir esse atrevimento. Azeredo decidiu deslocar o comando da companhia e um dos dois grupos de combate que estavam em Mampatá, para Contabane, por forma a poder executar com segurança a saída de toda a população e o posterior abandono da tabanca. 

Lembro-me de que,  na véspera do ataque, houve alguns civis que durante a noite tentaram sair e atravessar a fronteira. Atento a tudo o que se passava, o régulo, perseguiu-os e capturou-os apresentando-mos debaixo de prisão. 

Confesso que, com a minha pouca experiência na altura, não liguei muito ao que acontecera. Hoje estou convicto de que se tratavam de informadores da guerrilha, sabedores do ataque que se preparava e que pretendiam avisar de que Contabane estava agora defendida por um efectivo considerável e simultaneamente saírem para uma zona mais segura.

A pressão do PAIGC sobre toda a zona iria continuar depois do ataque a Contabane. Aldeia Formosa foi flagelada por diversas vezes com a consequente destruição de casas da população e perdas de vidas. 

Perante a dificuldade em defender uma população que ocupava uma área considerável, Azeredo não hesitou. Apontou os obuzes 14 ali existentes a povoações da República da Guiné. Por cada granada que atingisse a tabanca imediatamente era enviada uma de obus 14 para lá da fronteira. 

Foi remédio santo, nunca mais Aldeia foi flagelada. Para Bissau, Azeredo comunicou somente: "enviadas três granadas 14 para o objectivo ..." e dava as coordenadas de um objectivo no território de Guiné-Conacri. 

No quartel general foi o pânico:  "o maluco do Azeredo está a bombardear a Giné-Conacri!"

Spínola mete-se num avião e desce em Aldeia, furioso com Azeredo. Este imita-se a pedir que viesse com ele à tabanca. Perante a destruição de casas e vidas, Spínola despede-se e diz a Azeredo: "continue".

Meu amigo, acabei por falar em tudo, menos a responder às tuas perguntas.

Terás que esperar... Estou assoberbado com ensaios, tenho que arranjar uma aberta. (**)

Abração,  CNery

3. De imediato, respondi-lhe e agradeci-lhe. Perguntei-lhe se podia publicar. Como é um homem assoberbado, que continua apaixonado aos noventas pelo teatro e a sua Companhia Maior, não me respondei mas eu entendi o seu silèncio como luz verde. 

Data - 20/10/2025, 20:32  

Brilhante, meu capitão. Posso publicar estes esclarecimentos adicionais ? São pequenos afluentes do rio da Grande História. 

Bom ensaio, e sempre em frente até aos c(s)em. Diz-me qual a próxima peça. Para a gente ir ver. Um alfabravo. Luís

11 comentários:

Tabanca Grande Luís Graça disse...

Talvez o Zé Teixeira e o Paulo Santiago possam responder.

Tabanca Grande Luís Graça disse...

Como é que o régulo de Contabane, o Samuel Baldé, passou incólume á fúria vingadora do 'Nino' Vieira e outros cabra-matchu do PAIGC ?

Tabanca Grande Luís Graça disse...

... A seguir á independência.

Tabanca Grande Luís Graça disse...

A lealdade, as alianças, naquela e em todas as guerras, têm um preço. E dificil ou impossível ficar-se neutro

Tabanca Grande Luís Graça disse...

Os fulas não eram um bloco compacto. Começou a haver fissuras.

Anónimo disse...

Conheci o Major Carlos Azeredo, em Contuboel, como Director de Instrução, em 1969, aquando da formação das C.Art.11 e C.Caç. 12. Naqueles meses foi lá várias vezes, e uma delas com o Gen. Spinola.
Abílio Duarte. C.Art.2479/ C.Art.11

Tabanca Grande Luís Graça disse...

Junto às fronteiras os fulas começaram a ser mais permeáveis ao cerco, sedução ou intimação do PAIGC.

JC Abreu dos Santos disse...

1.- https://ultramar.terraweb.biz/CarlosManueldeAzeredoPintoMeloeLeme_BrevissimaResenhaCastrense_1.htm

2.-
https://ultramar.terraweb.biz/CarlosManueldeAzeredoPintoMeloeLeme_Livro_1.htm

3.-
Carlos Nery de Sousa Gomes de Araújo -
- em Out1953 ingressa na Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa;
- em 01Nov1961 alferes miliciano de artilharia na situação de disponibilidade;
- em 09Nov1965 promovido a tenente miliciano e colocado no RAL5-Vendas Novas;
- em 04Nov1967 conclui na EPI-Mafra o curso de promoção a capitão do QC;
- em 18Nov1967 conclui no CIOE-Lamego o estágio para oficiais do QC;
- em 01Mai1968, tendo sido mobilizado pelo RI2-Abrantes para servir Portugal na Província Ultramarina da Guiné, embarca em Lisboa no NTT 'Niassa' rumo ao estuário do Geba, como comandante da CCac2382;
- em 03Abr1970 embarca no NTT 'Niassa' de regresso à Metrópole (HU cota PT/AHM/2/4/96);
- em 20Set1971 agraciado com a Medalha de Prata de Serviços Distintos com palma (OE.19/2ª/71-p2215).

paulo santiago disse...

O Major Carlos Azeredo,em 1971,era o chefe da repartição que tratava dos Reordenamentos.Estou a vê-lo,nas várias vezes que foi verificar o andamento das construções,com a característica boina e à cintura, num coldre de lona, uma pistola Parabellum.
O AlfMIl Valentim Oliveira,curso de Arquitetura após regresso da Guiné,comandante do 4º Pelotão da CCaç 2701,foi o responsável pela edificação do reordenamento.Morreu novo,46 anos,vítima de um cancro do cólon.

Tabanca Grande Luís Graça disse...

Paulos, os deslocados ou refugiados de Contabane que foram inicialmente para Aldeia Formosa e depois reordenados em Sinchã Sambel eram abastecido pela tropa em bens essenciais, incluindo arroz. Confirmas ?

paulo santiago disse...

Não posso confirmar esse abastecimento.
Houve um problema com arroz,o Carlos Clemente teve um auto às costas que não teve consequências.Se a memória não me falha,ainda eu não estava na Guiné,houve uma grande falta de arroz durante a época das chuvas de 1970. Sei que o Clemente requesitou uma grande quantidade daquele cereal,que terá chegado muito fora do tempo em que era necessário,daí o auto.Lembro-me falar-se no assunto passados dias ter chegado ao Saltinho em fins de Out ou início de Nov/70.