Carlos Nery, hoje um homem do teatro,
uma paixão antiga, como ator; a sua primeira
experiència como encenador foi na Guiné
É um dos fundadores da Companhia
Maior. E um exemplo maior, para todos nós, antigos combatentes, de como se pode e deve envelhecer de maneira ativa, proativa, com saúde, com autonomia e com qualidade de vida.
1. No passado dia 15 de outubro, pedi ao Carlos Nery, ex-cap mil, cmdt da CCA2382 (Buba, 1968/70), que nos respondesse a algumas questões relacionadas com o ataque a Contabane, de 22 de junho de 1968:
Carlos: acho que podes esclarecer aqui algumas dúvidas...
(i) os militares da tua CCAÇ 2382 que foram galardoados com a cruz de guerra, por louvor teu, foram-no na sequência da sua atuação na noite de 22 de junho de 1968, essencialmente: confirmas ?
(ii) por que razão não é mencionado explicitamente o topónimo Contabane no teor do louvor ?
(iii) não houve mortos, apenas feridos (alguns graves), no ataque, civis e militares;
(iv) onde estava instalada exatamente a força atacante: a norte/nordeste da tabanca ?
(v) tens mais fotos de Contabane ?
(vi) o reordenamento de Sinchã Sambel, na margem esquerda do rio Corubal, frente ao quartel do Saltinho (que ficava na margem direita), já não é do teu tempo mas do tempo do Paulo Santiago e da CCAÇ 2701 (1970/72).
Para já é tudo. Dou conhecimento das fotos da Ivone Reis à suas e nossas camaradas Arminda, Rosa, Aura e Giselda, nossas tabanqueiras.
Um alfabravo. Luis
Capa do livro de Carlos de Azeredo - Trabalhos e Dias de Um Soldado do Império. Porto, Livraria Civilização Editora, 2004,
496 pp.
No CTIG, Carlos de Azeredo (Marco de Canaveses, 1930- Porto, 2021) foi comandante de:
- CCav 1616 / BCAV 1897 (Mansoa e Olossato, 1966 / 1968);
- Comando Operacional do Sector de Aldeia Formosa / COP 1 (1968/69);
- Centro de Instrução Militar de Bolama (1969).
Caro Luís,
Durante a minha estada em Bissau, vindo de Buba, ocupei o meu tempo a redigir a história da minha companhia socorrendo-me dos relatórios das diversas situações vividas.
Vim a saber, mais tarde, pelo então major Carlos Azeredo, que cópias desse relatório tinham sido distribuídas por algumas unidades como material de estudo.
Pedi também aos alferes da minha companhia a sua opinião acerca dos militares por eles comandados para louvá-los apontando para eventuais condecorações.
Desloquei-me várias vezes à Secção de Justiça do QG para me informar como deveria redigir os louvores.
Conheci, então, o alferes Barbot (hoje escritor Mário Cláudio). Lembro-me de ter pedido desculpa por andar lá a incomodá-los mas ouvi a seguinte resposta, "sabe, capitão, aqui o nosso trabalho tem que ver sobre infrações, desvios de dinheiro, problemas de indisciplina, etc. É com gosto que vemos aparecer alguém que pretende premiar os homens que comandou."
Sobre as questões que me pões e no que respeita a Contabane, direi que a decisão de retirar a população e abandonar a tabanca estava tomada antes do ataque do PAIGC comandado por 'Nino' Vieira.
Sobre as questões que me pões e no que respeita a Contabane, direi que a decisão de retirar a população e abandonar a tabanca estava tomada antes do ataque do PAIGC comandado por 'Nino' Vieira.
Spínola não concordava com unidades instaladas perto da fronteira e a decisão de abandonar Contabane fora-me comunicada por Carlos Azeredo nas vésperas do ataque.
O PAIGC perdera a paciência com os Fulas. Contabane e Mampatá, por exemplo, tinham aceitado receber armas das nossas tropas e o régulo de Contabane, recebidas essas armas, decidiu atravessar a fronteira para meter na ordem tabancas que pertenciam ao seu regulado.
Não sei o que se passou nessa incursão mas ponho a hipótese que o ataque tentasse punir esse atrevimento. Azeredo decidiu deslocar o comando da companhia e um dos dois grupos de combate que estavam em Mampatá, para Contabane, por forma a poder executar com segurança a saída de toda a população e o posterior abandono da tabanca.
Lembro-me de que, na véspera do ataque, houve alguns civis que durante a noite tentaram sair e atravessar a fronteira. Atento a tudo o que se passava, o régulo, perseguiu-os e capturou-os apresentando-mos debaixo de prisão.
Confesso que, com a minha pouca experiência na altura, não liguei muito ao que acontecera. Hoje estou convicto de que se tratavam de informadores da guerrilha, sabedores do ataque que se preparava e que pretendiam avisar de que Contabane estava agora defendida por um efectivo considerável e simultaneamente saírem para uma zona mais segura.
A pressão do PAIGC sobre toda a zona iria continuar depois do ataque a Contabane. Aldeia Formosa foi flagelada por diversas vezes com a consequente destruição de casas da população e perdas de vidas.
A pressão do PAIGC sobre toda a zona iria continuar depois do ataque a Contabane. Aldeia Formosa foi flagelada por diversas vezes com a consequente destruição de casas da população e perdas de vidas.
Perante a dificuldade em defender uma população que ocupava uma área considerável, Azeredo não hesitou. Apontou os obuzes 14 ali existentes a povoações da República da Guiné. Por cada granada que atingisse a tabanca imediatamente era enviada uma de obus 14 para lá da fronteira.
Foi remédio santo, nunca mais Aldeia foi flagelada. Para Bissau, Azeredo comunicou somente: "enviadas três granadas 14 para o objectivo ..." e dava as coordenadas de um objectivo no território de Guiné-Conacri.
No quartel general foi o pânico: "o maluco do Azeredo está a bombardear a Giné-Conacri!"
Spínola mete-se num avião e desce em Aldeia, furioso com Azeredo. Este imita-se a pedir que viesse com ele à tabanca. Perante a destruição de casas e vidas, Spínola despede-se e diz a Azeredo: "continue".
Meu amigo, acabei por falar em tudo, menos a responder às tuas perguntas.
Terás que esperar... Estou assoberbado com ensaios, tenho que arranjar uma aberta. (**)
Abração, CNery
Data - 20/10/2025, 20:32
Brilhante, meu capitão. Posso publicar estes esclarecimentos adicionais ? São pequenos afluentes do rio da Grande História.
Bom ensaio, e sempre em frente até aos c(s)em. Diz-me qual a próxima peça. Para a gente ir ver. Um alfabravo. Luís
(Revisão/fixação de texto, negritos: LG)
(*) Vd. poste de 15 de outubro de 2025 > Guiné 61/74 - P27318 Louvores e condecorações (18): os bravos de Contabane, naquela longa e pavorosa noite de 22 de junho de 1968, posteriormente condecorados com a cruz de guerra: fur mil inf Joaquim de Oliveira S. Gonçalo, 1º cabo inf, Amândio da Conceição Justo e sold inf Fernando Gomes da Silva
(**) Último poste da série : 21 de setembro de 2025 > Guiné 61/74 – P27239: (Ex)citações (438): Noite de petisco: cabrito assado no forno (José Saúde, ex-fur mil op esp / ranger, CCS / BART 6523, Nova Lamego, 1973/74)
________________________
Notas do editor LG:


11 comentários:
Talvez o Zé Teixeira e o Paulo Santiago possam responder.
Como é que o régulo de Contabane, o Samuel Baldé, passou incólume á fúria vingadora do 'Nino' Vieira e outros cabra-matchu do PAIGC ?
... A seguir á independência.
A lealdade, as alianças, naquela e em todas as guerras, têm um preço. E dificil ou impossível ficar-se neutro
Os fulas não eram um bloco compacto. Começou a haver fissuras.
Conheci o Major Carlos Azeredo, em Contuboel, como Director de Instrução, em 1969, aquando da formação das C.Art.11 e C.Caç. 12. Naqueles meses foi lá várias vezes, e uma delas com o Gen. Spinola.
Abílio Duarte. C.Art.2479/ C.Art.11
Junto às fronteiras os fulas começaram a ser mais permeáveis ao cerco, sedução ou intimação do PAIGC.
1.- https://ultramar.terraweb.biz/CarlosManueldeAzeredoPintoMeloeLeme_BrevissimaResenhaCastrense_1.htm
2.-
https://ultramar.terraweb.biz/CarlosManueldeAzeredoPintoMeloeLeme_Livro_1.htm
3.-
Carlos Nery de Sousa Gomes de Araújo -
- em Out1953 ingressa na Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa;
- em 01Nov1961 alferes miliciano de artilharia na situação de disponibilidade;
- em 09Nov1965 promovido a tenente miliciano e colocado no RAL5-Vendas Novas;
- em 04Nov1967 conclui na EPI-Mafra o curso de promoção a capitão do QC;
- em 18Nov1967 conclui no CIOE-Lamego o estágio para oficiais do QC;
- em 01Mai1968, tendo sido mobilizado pelo RI2-Abrantes para servir Portugal na Província Ultramarina da Guiné, embarca em Lisboa no NTT 'Niassa' rumo ao estuário do Geba, como comandante da CCac2382;
- em 03Abr1970 embarca no NTT 'Niassa' de regresso à Metrópole (HU cota PT/AHM/2/4/96);
- em 20Set1971 agraciado com a Medalha de Prata de Serviços Distintos com palma (OE.19/2ª/71-p2215).
O Major Carlos Azeredo,em 1971,era o chefe da repartição que tratava dos Reordenamentos.Estou a vê-lo,nas várias vezes que foi verificar o andamento das construções,com a característica boina e à cintura, num coldre de lona, uma pistola Parabellum.
O AlfMIl Valentim Oliveira,curso de Arquitetura após regresso da Guiné,comandante do 4º Pelotão da CCaç 2701,foi o responsável pela edificação do reordenamento.Morreu novo,46 anos,vítima de um cancro do cólon.
Paulos, os deslocados ou refugiados de Contabane que foram inicialmente para Aldeia Formosa e depois reordenados em Sinchã Sambel eram abastecido pela tropa em bens essenciais, incluindo arroz. Confirmas ?
Não posso confirmar esse abastecimento.
Houve um problema com arroz,o Carlos Clemente teve um auto às costas que não teve consequências.Se a memória não me falha,ainda eu não estava na Guiné,houve uma grande falta de arroz durante a época das chuvas de 1970. Sei que o Clemente requesitou uma grande quantidade daquele cereal,que terá chegado muito fora do tempo em que era necessário,daí o auto.Lembro-me falar-se no assunto passados dias ter chegado ao Saltinho em fins de Out ou início de Nov/70.
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