sexta-feira, 17 de novembro de 2006

Guiné 63/74 - P1286: Estórias de Bissau (4): A economia de guerra (Carlos Vinhal)






Guiné > Bissau > 1972 > Diversos documentos de despesa, remetidos pelo Carlos Vinhal, relativos às suas estadias em Bissau: (i) Pensão, bar e restaurante Chez Toi; (ii) Hotel Portugal; (iii) Agência de Viagens Correia; (iv) Mamaud Elawar & Cia Lda.

Foto: © Carlos Vinhal (2006)

Recebi vários e-mails do Carlos Vinhal, com documentos em anexo que nos dão indicações, interessantes, sobre o custo de vida em Bissau no nosso tempo. O Carlos Vinhal foi Fur Mil Art e Minas e Armadilhas da CART 2732 (Mansabá,1970/72). Reside na Leça da Palmeira e é um dos tertulianos activos... Com este post do Carlos, damos continuiddae à série Estórias de Bissau (1).


1. Luís: Junto envio uma factura referente à compra de um rádio-gravador que curiosamente há poucos dias foi parar ao ecoponto. A compra foi efectuada numa daquelas casas de comerciantes libaneses que enxameavam Bissau e arredores. Dir-se-ia que eram os chineses lá do sítio.


2. Luís: Junto envio uma factura referente à estadia de dois dias no Hotel Portugal, onde estive na companhia dos camaradas Furriel de Alimentação Costa e Cabo Maciel. Como te deves lembrar, podíamos ser muito ricos, que mesmo assim nos estava interdito o acesso ao Grande Hotel, onde só podiam ficar Oficiais (por mais labregos que fossem) e civis. Nós, os furrielitos, praças e demais maltrapilhos estávamos confinados ao melhor que havia, nomeadamente o Hotel Portugal ou o Chez-Toi.

A propósito do ChezToi, eles tinham um desdobrável, do qual junto parte, que sucessivamente ia aparecendo: Abra com cuidado, Desdobre de vagar e leia com atenção, Vá..., comer..., no..., CHEZ TOI... Especialidade em Cachupa Rica, etc.

Uma curiosidade...


Guiné > 1971 > Cópia de uma nota de cem escudos da Guiné (ou pesos), emitida pelo BNU (Banco Nacional Ultramarino), em circulação no nosso tempo.

Foto: © Jorge Santos (2005). Direitos reservados


Guiné > 1971 > Cópia de nota de 5o escudos (pesos) da Guiné. Frente. Imagem gentilmente enviada à nossa tertúliua pelo Sousa de Castro.

Foto: © Sousa de Castro (2005). Direitos reservados.


3. Luís: Junto envio, por fim, uma cópia da factura do pagamento da minha viagem à Metrópole. Dei 6.000$00 (dos de cá) à Agência de Viagens Correia para pagar a despesa de 6.430$80 e ainda recebi de troco cerca de 170 pesos.

Mando-te esta e outras facturas por as achar históricas, mas farás delas o que quiseres que eu não tomarei a mal. Juro que comigo podes estar à vontade. Aquilo que, indo da minha parte e no teu critério não acrescentar nada ao blogue, podes arquivar no ficheiro morto (vulgo cesto de papéis), sito por baixo de qualquer secretária que se preze.

4. Comentário de L.G.:

Carlos: Eu admiro o teu espírito de coleccionador! Como é possível teres guardado, estes anos todos, estes documentos, relativos a compras ou despesas efectuados em Bissau em 1972, numa moeda que já não existe mais... A não ser que já na altura tu tivesses a visão premonitória da criação do nosso blogue!!!... Para muitos camaradas nossos, estes papéis já não têm qualquer sentido ou significado. Seguramente, para ti, que os guardaste, eles têm algum valor, sentimental ou documental... E ainda bem que os guardaste e quiseste partilhá-los connosco... Eles fazem parte das nossas memórias e das nossas estórias de Bissau por onde todos nós - pessoal do mato - éramos obrigados a passar, nem que fosse por umas horas ou por uns dias; dão, além disso, informações preciosas sobre a economia de guerra... Obrigado, camarada. Aqui nada vai parar ao caixote do lixo, garanto-te. E, quanto mais não seja, podemos vir a entregar os documentos originais ao Arquivo Histórico-Militar...

Já há tempos, na anterior edição do blogue, eu tinha lançado um desafio aos membros da nossa tertúlia, para tentar saber o que se comprava na altura com... cem pesos... Chegámos à conclusão que era... manga de patacão! (Carlos, fico a saber que, já no teu etnpo, em 1972, uma nota de 100 não chegava para pagar uma noite no Hotel Portugal... E obrigado por me teres trazido à memória do Chez Toi: também tenho lá uma ou duas estórias para contar...).

Aqui ficam alguns excertos desses posts do Blogue-fora-nada (2):

Luís Graça:

"Eu tenho ideia que [cem pesos] era manga de patacão, pessoal ! Eu já não me recordo quanto pagava à lavadeira, em 1969/71, mas se fosse serviço extra, era capaz de lhe dar uma nota destas. A minha não fazia favores sexuais, mesmo em dias de festa: não era cristã nem animista, era uma fula, recatada e virtuosa…

"Mas em Bissau ou em Bafatá, uma queca (como os nossos filhos e as nossas tias dizem agora, 'tás-a-ver...) podia custar uma nota (preta) destas... Já não me lembro das cotações no lupanário em tempo de ocupação e de guerra... As verdianas do Pilão, essas, podiam ser até mais caras…

"Com uma nota destas, ó tuga, tu compravas duas garrafas de uísque novo (disso lembro-me bem…). O Old Parr (uísque velho, muito apreciado lá e cá) já custava mais: 130 ou até 150 pesos, se não me engano…

(...) "Ainda em matéria de comes & bebes, um quilo de camarões tigres, do Rio Geba, comidos na tasca do tuga que era turra (ou, pelo menos, suspeito de vender e comprar vacas aos turras), em Bambadinca, com uma linda vista para o rio, custava cinquenta pesos… Um bife com batatas fritas e ovo a cavalo (supremo luxo de um operacional como eu ou o Humberto) na Transmontana em Bafatá já não me lembro quanto custava (talvez vinte a vinte e cinco? ).

"Ainda me lembro, isso sim, de o vagomestre comprar uma vaca raquítica por 950 pesos, depois de bater não sei quantas tabancas da região de Bambadinca… Nas tabancas, fulas, por onde passei e onde fiquei, uma semana ou mais, era costume comprar, mesmo a custo, galinhas e frangos, mas já não me lembro quanto pediam pelos bichos de capoeira (sete pesos e meio?)… As ostras em Bissau custavam 20 pesos (uma travessa)… E por aí fora.

(...) "De qualquer modo, o que comíamos e bebíamos [, em Bissau,] era praticamente tudo importado...O grande ventre de Bissau era alimentado por uma economia de guerra que deu dinheiro a ganhar a muita gente... Manga de patacão, pessoal! ... Desde as rachas de cibe e o cimento para os reordenamentos (a construção de aldeias estratégicas, como a de Nhabijões, deve ter ajudado a dourar a reforma de muita gentinha mais patriótica do que eu) até aos transportes (civis) em comboios militares, sem esquecer os efeitos (mais nefastos do que benéficos) que a guerra teve na pobre economia natural dos guinéus.

Um deles foi a sua própria militarização. Nos últimos anos da guerra, tudo girava à volta (e vivia) da guerra. A guerra tornou-se, ao mesmo tempo, o ópio e a grande sanguessuga dos guinéus (e dos próprios tugas). E a prova disso, trinta e tal anos depois, é a bidonvilização, a lumpenproletarização da população que engrossou Bissau" (...).

Humberto Reis:

(...) "Das chamadas meninas & vinho verde não me lembro, mas dos produtos que eu mais consumia, entre 69 e 71, não me esqueci: Um maço de SG Filtro: 2,5 pesos (sempre que saía para o mato levava 3 a 4 maços para 2 dias); uma garrafa de whisky novo (J. Walker Juanito Camiñante de 5 anos, rótulo vermelho, JB): 48,50 pesos; idem, de 12 anos, J. Walker rótulo preto, Dimple, Antiquary: 98,50; idem, de 15 anos, Monks, Old Parr: 103,50; um whisky, no bar da messe, eram 2,50 pesos sem água de sifão e com água eram 3,00 pesos...

"Quanto à lerpa, ou ramim, uma noite boa, ou má, poderia dar (valor médio) 200 a 300 pesos para a lerpa e 50 a 100 para o ramim.

(...) "Já não me lembro da maioria dos preços mas tenho uma ideia de que uma viagem na TAP em Março de 1970, Bissau-Lisboa-Bissau, me custou à volta de 6 contos e nós ganhávamos cerca de 5.

"O pré dos soldados era de 600 pesos os de 2ª, 900 pesos os de cá e os cabos 1200 pesos. Eu sei dessa diferença pois tinha no meu Gr Comb o Arménio (o vermelhinha) que foi como soldado, visto que levou cá uma porrada (foi apanhado numa rusga pela PM no Porto quando já estávamos no IAO em Santa Margarida) que lhe lixou a promoção.

(,..) "Sei bem, isso não me esqueceu, que o visque era mais barato que a cervejola : 2,50 simples contra 3,00 ou 3,50, além de que dava direito, o whisky, a gelo. As cervejas nunca estavam suficientemente geladas pois os frigoríficos da messe, a petróleo, não tinham poder de resposta para a quantidade de pedidos.

"Não se riam, meus amigos, com a expressão frigoríficos a petróleo, pois era assim mesmo que funcionavam, visto que o gerador eléctrico [de Bambadinca] só trabalhava à hora de almoço e depois durante a noite" (...).

A. Marques Lopes:

"Interessante também esta reflexão (fez parte da nossa vida). No entanto, eu, pessoalmente, muito pouco posso dizer. Lembro-me que pagava 5 pesos quer à minha lavadeira de Geba quer à de Barro; além da lavagem também trabalhavam com as mãos (eram fulas, pois).

"Quanto a tainadas e saber o preço delas, é um bocado difícil pois nunca tive tempo para muitas... Só sei que, quando em Bissau à espera de embarque, paguei 5 pesos aos miúdos que andavam perto do Bento (a 5ª Rep...) a vender sacos de camarão.

(...) "No Pilão, frequentei várias vezes a Fátima, que não era caboverdiana mas sim fula, e dava-lhe 50 pesos de cada vez. Uma rapariga esperta: uma noite, a Fátima propôs-me que eu trouxesse uma grade de cervejas do QG para ela vender aos visitantes (era giro ouvi-la gritar da cama: Está ocupado!, quando os páras ou os fusos batiam à porta dela), dava-me metade da venda (não entrei nisso, claro) " (...).

Sousa de Castro:

"Quero dizer-vos que no meu tempo (1972/74) não era muito diferente: os preços que se praticavam eram mais ou menos os mesmos...

(...) "Puxando um pouco pela memória, eu como 1º cabo radiotelegrafista ganhava 1.500$00, sendo 1.200$00 por ser 1º cabo e mais 300$00, de prémio de especialidade.

"A dita queca, se a memória não me trai, creio que era assim: para os soldados cinquenta pesos; para os cabos sessenta pesos; a partir daqui não me lembro quanto pagavam os mais graduados... Quanto às cabo-verdianas, a coisa era de facto mais cara, em final de comissão paguei cento e cinquenta ou duzentos pesos, isto em Fevereiro de 1974.

"Recordo que, com um peso, comprava quatro ou cinco bananas. Os uísques novos como o Johnnie Walker (cavalo branco) e outros custavam, em 1972/74, cinquenta pesos; o Dimple 100 pesos; o Old Parr 150 pesos; e havia o Monks, a 250 pesos" (...).

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Notas de L.G.:

(1) Vd. post de 14 de Novembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1278: Estórias de Bissau (3): éramos todos bons rapazes (A.Marques Lopes / Torcato Mendonça)

(2) Vd. post de:

1 de Agosto de 2005 > Guiné 63/74 - CXXXII: Cem pesos, manga de patacão, pessoal! (2) (Luís Graça / Humberto Reis)

28 de Julho de 2005 > Guiné 63/74 - CXXIX: Cem pesos, manga de patacão, pessoal! (1) (Luís Graça / Humberto Reis / A. Marques Lopes / Luís Carvalhido / Jorge Santos)

Guiné 63/74 - P1285: Bibliografia de uma guerra (14): Rumo a Fulacunda, um best seller, de Rui Alexandrino Ferreira (Luís Graça)






FERREIRA, Rui Alexandrino - Rumo a Fulacunda. 2ª ed. Viseu: Palimage Editores. 2003. [1ª ed., 2000]. (Colecção Imagens de Hoje). 415 pp. Preço: c. 20€.


Recebi há duas ou três semanas, pelo correio, um exemplar autografado do livro acima referenciado. Rumo a Fulacunda era o grito de guerra, muito pouco guerreiro, da Companhia de Caçadores 1420, em cujas fileiras ingressou o Alf Mil Ferreira, substituindo um camarada "desaparecido em combate", o Vasco Cardoso, nado e criado em Angola, como o Rui. Rumo a Fulacunda é o título, irónico, da "história, igual a tantas [outras], da comissão dum Alferes por terras da Guiné", escreve o autor... O livro é também uma crítica mordaz da instituição militar da época onde a falta de formação, na arte e na ciência de comando, era por mais evidente numa boa parte dos oficiais do quadro permanente, incluindo os comandantes de companhia (como era o caso da CCAÇ 2402).

Já em tempos tínhamos aqui feito uma breve recensão desta obra, pelo mão do nosso camarada Jorge Santos (1). Por outro lado, no encontro da nossa tertúlia, na Ameira, em 14 de Outubro de 2006 (2), o Carlos Santos - ex-Furriel Míl da CCAÇ 2701, sedeada em Saltinho (1970/72) - falou deste livro do antigo alferes miliciano, depois capitão e agora coronel, na reforma, Rui Alexandrino Ferreira, em luta hoje contra um inimigo mais traiçoeiro e poderoso que é a doença... Um exemplar do livro circulou entre os presentes, com muita curiosidade e apreço.

Montemor-o-Novo > Ameira > Hotel da Ameira > 14 de Outubro de 2006 > O Virgínio Briote folheando um exemplar do livro Rumo a Fulacunda, da autoria do nosso camarada Rui Alexandrino Ferreira (2).
Fotos: © Luís Graça (2006) . Direitos reservados.



A obra pode ser adquirida através do editor ou no mercado livreiro: a Palimage (3) é uma jovem editora, criada em 1997, em Viseu, e é um caso de sucesso, pela quantidade e qualidade das obras que tem lançado, originais de autores portugueses, nos mais diversos domínios, desde a crónica da guerra colonial (como é aqui o caso), até à ficção, à poesia, à história, à sociologia, etc.

Já depois do encontro da Ameira, o Rui teve a amabilidade de me mandar, pelo correio, um exemplar da o seu livro, com um dedicatória que muito me sensibilizou. Não posso deixar de a reproduzir aqui, tanto mais que ela não é estritamente pessoal:

"Ao ilustre camarada e antigo combatente, Luís Graça, na esperança e na expectativa de o poder ajudar no muito que tem feito para não deixar cair no esquecimento o marco que influenciaria a vida colectiva dos Portugueses na segunda metade do Séc XX, que já lá vai - a guerra colonial.

"Com a alegria de quem sente renascer uma sã e leal amizade, no desejo de reviver os nossos vinte anos, e sentir o orgulho de termos sido o que fomos e o orgulho de o termos feito. Com um grande abraço do Rui A. Ferreira, Viseu, 23 /Out /2006".

Peço desculpa ao Rui se me enganei numa palavra ou outra. Habituado que estou à letra de médico, não tive grande dificuldade em decifrar a tua mensagem, escrita em letra muito miudinha e estilizada. Creio que captei bem a tua mensagem, que é um estímulo poderoso para todos nós, para toda a nossa tertúlia, e para todos os demais camaradas que combateram na Guiné, e que lutam pelo direito à memória...

O livro do Rui é já um best-seller, vai na segunda edição, e é neste momento o meu livro de cabeceira. O Rui, com duas comissões na Guiné, primeiro como Alferes Miliciano (CCAÇ 1420, 1965/67) e depois como Capitão Miliciano (CCAÇ 18, 1970/72), é um profundo conhecedor da Guiné e das suas gentes. Esta obra - apresentada pela editora como crónica de guerra (colonial) - tem, como particularidade, o facto de ser sido prefaciada por dois dos furriéis milicianos do Grupo de Combate do Alf Mil Ferreira, na CCAÇ 1420 - O José da Silva Monteiro e o Carlos Luís Martins Rios. O Monteiro explica-nos por que é que Rumo a Fulacunda é sobretudo um hino à amizade...

Prometo em breve voltar a esta publicação, fazendo uma análise mais detalhada e crítica da obra. Este post pretende ser uma homenagem ao nosso camarada e, mais do que isso, um acto singelo de solidariedade. Ficam aqui duas sugestões: (i) ponham o livro do Rui no saco do Pai Natal; (ii) vamos propor ao Rui que aceite o nosso convite para, desde já, integrar a nossa tertúlia e autorizar-nos a publicação, no blogue, de um ou dois pequenos excertos do seu livro. Até lá, força, Rui!... Será um privilégio também podermos vir a ser considerados, por ti, como parte integrante da tua frota de amigos!...
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Notas de L.G.:

(1) Vd. post de 12 de Julho de 2005 > Guiné 69/71 - CVII: Bibliografia de uma guerra (3) (Jorge Santos)

(3) Vd. auto-apresentação da Palimage:

"Quem somos

"Um livro: Um amigo... dedicado. A Palimage Editores foi fundada na cidade de Viseu em 1997. Resulta da concretização de um sonho antigo daqueles que pensam a edição e a divulgação do livro como um verdadeiro projecto de desenvolvimento cultural. A poesia e o romance, os trabalhos científicos, ensaios nas diversas áreas do saber e imagem são os géneros e temas que elege como principais objectos de publicação. Lentamente, livro a livro, a Palimage Editores vai conquistando o seu espaço na implantação sucessiva das obras editadas e na sua distribuição por todo o País e estrangeiro. Livros que marcam o panorama editorial pela qualidade e beleza dos seus conteúdos, pelo cuidado e atenção na forma, pelo rigor e talento das obras de investigação.



"A Palimage Editores valoriza sobretudo a profunda ligação da obra ao seu autor. Assim, é dada nestas páginas uma atenção muito especial aos criadores, investigadores e artistas, tornando especialmente dinâmico o vínculo anímico do autor com os seus leitores. Autores e Editora apresentam-se a todo um público leitor através das obras que criam e editam. Toda a crítica é bem vinda, toda a sugestão é bem aceite... A Editora".

quinta-feira, 16 de novembro de 2006

Guiné 63/74 - P1284: A Intendência também foi à guerra (Fernando Franco / António Baia)







Guiné > Região de Tombali (Catió) > Cufar > Rio Cumbijã >1973 > Três fotos que documentam as brutais consequências do accionamento de duas minas, colocadas pela guerrilha do PAIGC junto ao cais acostável de Cufar e ao destacamento do PINT (Pelotão de Intendência) 9288 (1)... A viatura, onde seguia o Fur Mil Pita da Silva e mais militares (dois morreram), ficou completamente desfeita, tendo sido projectada a 100/150 metros...

O 1º Cabo Enfermeiro assistiu a esta tragédia... Numa das fotos pode ver-se a cratera originada pela explosão... O Fernado Franco não sabe se os dois soldados do seu pelotão que morreram, vieram ou não para Continente, ams ele fez Guarda de Honra aos seus restos mortais, "até Hospital de Brá"...

Um outra mina, escondida no lodo, foi accionada por um barco, ao atracar ao cais. O barco, que levava carga da Intendência, pegou fogo e ficou destruído...

Às vezes esquecemo-nos destes valorosos camaradas da Intendência que, à parte roubarem-nos uma ou outra caixa de uísque ou de cerveja, também corriam riscos de vida nos seus destacamentos e nas viagens que faziam pelas rios e braços de mar da Guiné, acompanhando as colunas logísticas...

Fonte de informação: Fernando Franco & António Baia, entrevistados na Ameira, em 14 de Outubro de 2006... (LG)

Foto: © Fernando Franco (2006). Direitos reservados.
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Nota de L. G.:

(1) Vd. post anterior, com data de hoje > Guiné 63/74 - P1283: Os nossos intendentes, os homens da bianda (Fernando Franco / António Baia)

Guiné 63/74 - P1283: Os nossos intendentes, os homens da bianda (Fernando Franco / António Baia)

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Guiné > S/d > Parte de um documento das NT, de contrapropaganda, em português e em crioulo de caserna, dirigido aos guerrilheiros do PAIGC e à população sob o seu controlo: "Bó presenta na otoridade: Tabanca está contente, tabanca tem bianda, tabanca tem doutor. No mato só mofineza, no mato só fome, no mato só muri"...

A bianda tinha um papel fundamental no moral das nossas tropas... À Intendência competia pôr, a tempo e horas, nos seus entrepostos os comes-e-bebes (do arroz às batatas, do uísque à cerveja) indispensáveis a cada uma das unidades de quadrícula ou de interveção, estacionadas no interior...

Foto: © José Teixeira (2006). Direitos reservados. Foto alojada no álbum de Luís Graça > Guinea-Bissau: Colonial War. Copyright © 2003-2006 Photobucket Inc. All rights reserved.



Guiné > Zona Leste > Sector L1 > Bambadinca > 1970 > Vista aérea da tabanca de Bambadinca, tirada no sentido sul-norte. Em primeiro plano, a saída (lado leste) do aquartelamento e posto administrativo, ligando à estrada (alcatroada) Bambadinca-Bafatá. Ao fundo, o Rio Geba Estreito, por onde chegavam, vindos de Bissau - depois de passaram por pontos temíveis como a Ponta Varela e o Mato Cão - as embarcações civis, motorizadas, de pequeno calado, fretadas pelo BIG- Batalhão de Intência Geral.

Na foto, assinaladas com um círculo a amarelo, são visíveis as instalações do Pelotão de Intendência (PINT), junto ao Rio Geba. Por aqui passava grande parte do abastecimento em géneros, destinado às numerosas unidades da Zona Leste (que estava dividida em 5 sectores).O abastecimento dos frescos (legumes, fruta...) era, em geral, feito por aeronaves (DO 27), que também traziam o precioso correio...


Foto do arquivo de Humberto Reis (ex-furriel miliciano de operações especiais, CCAÇ 12, Bambadinca, 1969/71). © Humberto Reis (2006). Direitos reservados.




Guiné > Bissau > Batalhão de Intendência Geral (BIG) > 1974 > O Fernando Franco, 1º cabo Caixeiro. Foto: © Fernando Franco (2006)

Guine > Região de Tomboli > Cufar > PINT 9288 > 1974 > O 1º cabo enfermeiro Báia. Foto: © António Báia (2006). Direitos reservados.

Já aqui falámos do nosso intendente Fernando Franco: esteve no BIG (Batalhão de Intendência Geral) em Bissau entre 1973 e 1974 numa CIAG (Companhia de Intendência de Apoio Directo). Desencontrámo-nos no 10 de Junho de 2006, em Belém, viémos a conhecer-nos, pessoalmente, na Ameira, a 14 de Outubro de 2006 (1).

No final de Junho ele mandou-me a chapa da praxe: "Luís, conforme o pedido aqui vai uma fotografia de quando ainda era magro, em Bissau, onde estive, de 20 de Abril 1973 a 11 de Setembro 1974. Como podes ver pela data a minha unidade, CIAD, foi quase das últimas a sair da Guiné"... Enquanto ouvia o Adeus, Guiné... e o barco ou o avião não chegava...

Mais recentemente (4 de Outubro de 2006), ele teve a gentileza de mandar-me os seus dados biográficos: Nascido e criado em Lisboa (Bairro da Graça), trabalhou e estudou de noite. Na tropa, tirou a especialidade em Administração Militar e embarcou para a Guiné como 1º Cabo Caixeiro, integrado numa CIAD (Companhia de Intendência de Apoio Directo), em 20 de Abril de 1973. A sua comissõa foi até mesmo ao fim da nossa presença na Guiné... Rgressou a casa a 11 de Setembro de 1974.

"Casado há 32 anos, tenho um casal de filhos e mais recentemente uma netinha. Profissionalmente passei pela área de escritório e contabilidade. Nestes últimos 16 anos, estive na área dos camiões pesados (compras de material), e actualmente estou no Desemprego, ou à espera da reforma. Seja o que Deus quiser! Um forte abraço. Fernando Franco"... Mora na Venda Nova, Amadora.

2. Outro camarada da Intendência, que eu conheci em 14 de Outubro de 2006, na Ameira (2), foi o António Báia, 1º cabo enfermeiro num PINT (Pelotão de Intendência)... É amigo do Fernando Franco (cujo e-mail partilha provisoriamente.

Reza assim a sua biografia: Nasceu em Beja em 1951, foi sempre bom rapaz, tendo trabalhado como serralheiro até assentar praça na mesma cidade em Janeiro de 1972. De seguida foi tirar a especialidade de enfermeiro em Coimbra, acabando por seguir para a Guiné, em Abril de 1973, integrado numa Companhia de Intendência, com sede em Bissau. O seu pelotão foi destacado para Cufar ( PINT 9288 – Cufar, Os Pioneiros). Regressando para o Continente em 11 de Setembro de 1974.

"Casei há 28 anos, tenho um rebento do melhor que se pode pedir. Profissionalmente e após findar o serviço militar, ingressei como funcionário Ministério Justiça, mas actualmente já estou aposentado. Um grande abraço. António Báia"... Mora nos Moínhos da Funcheira, Amadora.
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Notas de L.G.:

(1) Vd. post de 15 de Outubro de 2006 > Guiné 63/74 - P1177: Encontro da Ameira: foi bonita a festa, pá... A próxima será no Pombal (Luís Graça)


(2) Vd. post de 20 de Outubro de 2006 > Guiné 63/74 - P1195: Ameira: O nosso encontro fez-me bem à alma (Fernando Franco)

quarta-feira, 15 de novembro de 2006

Guiné 63/74 - P1282: História da CCAÇ 2402 (Raul Albino) (1): duas baixas de vulto, Beja Santos e Medeiros Ferreira

Guiné > CCAÇ 2402 (Có / Mansambá, 1968/70) > Emblema da unidade




Amadora > RI 1 > 1968 > CCAÇ 2402, em formação > "De pé e da esquerda para a direita, o primeiro sou eu, o segundo é o Francisco Silva e a seguir o Medeiros Ferreira. Só falta nesta fotografia de grupo o Beja Santos, que, por qualquer razão, andava desenfiado. Também aqui falta o comandante da companhia, Capitão Vargas Cardoso" (RA).




Amadora > RI 1 > 1968 > CCAÇ 2402, em formação > De pé, da esquerda para a direita: Aspirantes Francisco Silva e Raul Albino, e Capitão Vargas Cardoso.


Lisboa > Paquete Uíge > A CCAÇ 2402, pertencente ao BCAÇ 2851 partiu para a Guiné a 24 de Julho de 1968, com as restantes companhias do seu batalhão, e ainda na companhia do BCAÇ 2852 (Bambadinca, 1968/70).

Texto e fotos: © Raul Albino (2006)


Damos início à publicação das memórias de campanha do ex-alf mil da CCAÇ 2402, pertencente ao BCAÇ 2851 (, Mansabá, Olossato, 1968/70), que embarcou no Uíge, em finais de Julho, juntamente com o BCAÇ 2852 (Bambadinca, 1968/70) (1).

Partida para a Guiné

A Companhia de Caçadores 2402 do Batalhão de Caçadores 2851, formou-se no Regimento de Infantaria nº 1, na Amadora.

Embarcou no paquete Uíge a 24 de Julho de 1968, com destino à Guiné. O BCAÇ 2851 foi acompanhado na viagem pelo BCAÇ 2852.

Achei imensa graça a esta poesia popular, sentida, do soldado António Maria Veríssimo, militar da nossa companhia, retirada do seu livro de poesia Diversos.


Uíge! Volta para a terra,
Muda de rota, de direcção,
Não nos leves para a guerra.

Por favor! Pára p’ra pensar,
Não corras tanto,
Navega mais devagar.

Somos crianças, que vais deixar
Na guerra do Ultramar.
Porque não queres a rota mudar ?

Uíge! Não sigas p’rá guerra,
Muda de direcção! Muda de rota!
Volta p’rá nossa terra
.

A M Veríssimo


Mas voltemos um pouco atrás, mais propriamente à altura em que a companhia se formava na Amadora, comandada pelo então Capitão Vargas Cardoso.

Estive inicialmente incluído na formação, em Évora, de uma companhia independente com destino a Timor. A minha felicidade era imensa, como podem calcular. O quartel de preparação da companhia era o R. I. 16, aquartelamento que na altura mais parecia um museu militar em decadência. Não possuía instalações suficientes, pelo que os oficiais eram convidados a procurar alojamento no exterior. A alimentação também era no exterior, salvo erro, numa unidade de artilharia, que não recordo o nome.

Do que me recordo bem – além da simpatia para connosco das raparigas que estudavam em Évora – era do parque de obstáculos para o treino dos militares:

(i) A Ponte interrompida estava tão interrompida pela podridão das madeiras, que foi considerada vedada ao trânsito;

(ii) A Vala estava seca, o que não seria de estranhar nos tempos actuais com as temperaturas elevadíssimas que temos, mas naquela época só se tinha alguma rotura e como os engenheiros tinham ido para a guerra, as valas tinham virado alfobres, com alguma terra no fundo e ervas a crescer;

(iii) As Paliçadas estavam decadentes, com a madeira apodrecida, não aconselhando a sua utilização sem um seguro contra todos os riscos;

(iv) O Pórtico dava graça de tão baixo que era, parecendo ter-se enterrado no chão com o tempo, mas mantendo-se gloriosamente de pé, com as cordas puídas pendentes;

(v) Lá nos entretínhamos a saltar o Muro e mais algumas brincadeiras. Mesmo o muro, devido à idade avançada, a altura mais alta (1ª), parecia a intermédia (2ª) e a intermédia, devido ao desgaste, estava quase alinhada com a baixa (3ª). Um paraíso portanto. E como eu gostava de lá estar …

Mas foi sol de pouca dura. Ao fim de cerca de três semanas de exercícios, chega uma ordem de dissolução da companhia e redistribuição dos militares. Para mim saiu-me na rifa a rendição individual de um aspirante de uma companhia em preparação na Amadora que iria seguir para a Guiné, a CCAÇ 2402.

Qual pára-quedista, fui cair no meio de um barril de pólvora, que outro nome não se pode dar à composição do quadro de oficiais da companhia em formação. Inicialmente o quadro de oficiais era constituído pelos membros abaixo indicados e eu vi-os, na altura, da seguinte forma:

(i) Capitão Vargas Cardoso – Militar de carreira, de perfil autoritário, muito organizado, com tendência para controlar tudo e todos. Gostava de ser considerado como um pai para todos os seus militares;

(ii) Aspirante Francisco Silva – Formação académica no sector das Letras, politizado tanto quanto a vida académica o permitia, parecia ser um militar apostado em cumprir a sua comissão sem hostilizar ninguém. Para melhor o identificar, ele foi, há poucos anos atrás, Embaixador de Portugal na Guiné-Bissau, além de outros cargos diplomáticos;

(iii) Aspirante Medeiros Ferreira – Formação académica no sector das Letras, altamente politizado, parecia querer levar a comissão até ao fim, mas, se assim era, depressa compreendeu que essa pretensão não era fácil de concretizar. Creio que todos se recordam dele, foi Ministro dos Negócios Estrangeiros de Portugal;

(iv) Aspirante Beja Santos – Também oriundo do sector das Letras, politizado, este elemento dispensa apresentação, pois todos o conhecem, pelo menos, como um dos nossos tertulianos mais versáteis na arte de bem escrever, como o Tigre de Missirá, ou pela sua cruzada em defesa do consumidor;

(v) Aspirante Raul Albino – Resto eu, com formação Contabilística e não politizado. Esta minha formação permitiu-me ser inicialmente seleccionado para o CSM na especialidade de Contabilidade e Pagadoria, o que me tornou no mais feliz dos militares ao cimo da terra. Mais uma vez a sorte me foi madrasta, pois acabei – não sei como – por ser reclassificado para o COM, nas especialidades de Atirador Especial e Minas e Armadilhas. Será que viram em mim a capacidade de disparar números e armadilhar escritas?

Viria a crescer posteriormente com a Informática, ao longo de 30 anos na IBM, na especialização de grandes e médios sistemas. Os micro sistemas têm sido para mim um hóbi de velho, que tem a virtude de me manter afectiva e minimamente ligado aos tempos do pioneirismo informático da minha juventude.
– Mas – dirão vocês – onde está o barril de pólvora?

Pois, o barril consistia no clima explosivo que se tinha criado no relacionamento entre o Capitão e os seus Aspirantes.

Quando eu chego ao grupo vejo o Capitão preocupado com a circunstância de levar para a Guiné a dupla Medeiros Ferreira/Beja Santos, sobre os quais não conseguia ter o controlo pretendido e com a perspectiva do relacionamento vir a degradar-se ainda mais com o passar do tempo.

Quanto ao Francisco Silva, não o vi preocupado em sua relação, talvez pensando que ele seria mais fácil de controlar. Algum tempo após a minha chegada, confidencia-me ele (por estas palavras ou semelhantes):
- Sabes? Creio que temos letrados a mais na companhia! – ao que eu lhe retorqui:
- Bem, para compensar, agora tem-me a mim que não sou de Letras, sou de Números!

Depressa me apercebi ao longo desta conversa, por sinal bastante infeliz, que não era mais que uma tentativa de aliciamento da minha pessoa para a sua causa. Tentativa semelhante ter-me-á feito o Medeiros Ferreira. Tentativas inúteis, porque eu era um indivíduo convictamente independente, avesso a alinhamentos e não politizado. Além disto era ingénuo, porque julgava que me podia manter neutral, com o equilíbrio existente a manter-se ao longo da comissão.

Ainda hoje uma dúvida me afecta a alma. Terá a minha resistência a alinhamentos, – comunicada ao Medeiros Ferreira – influenciado de algum modo o desenrolar dos acontecimentos que se seguiram no seio do grupo?

Duas a três semanas antes da partida da companhia, eu era enviado com um sargento, em avião militar, para a Guiné, com a missão de preparar a chegada da companhia em termos de material e equipamento. O que se terá passado durante esse período de tempo, escapou-me, na altura, ao meu conhecimento pessoal, razão pelo qual não o abordo aqui, especialmente agora que o melindre e crítica à falta de rigor se instalaram no seio dos nossos tertulianos, com o caso Ranger Eusébio (2) a servir de exemplo.

A minha surpresa não teve descrição, ao constatar que a companhia chegava à Guiné com duas baixas no quadro de Oficiais: o Medeiros Ferreira e o Beja Santos (2). O capitão tinha ganho a primeira batalha (pessoal), mesmo antes de chegar ao teatro de guerra.

Senti a minha cruz começar a ficar mais pesada...

Raul Albino

____________

Notas de L.G.:

(1) Vd. posts anteriores:

17 de Setembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1082: Notícias da CCAÇ 2402 e do BCAÇ 2851 (Raul Albino)

23 de Setembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1105: Como escrever um livro de memórias de guerra 'à la carte' (Raul Albino, CCAÇ 2402)

4 de Novembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1246: O meu livro Memórias de Campanha da CCAÇ 2402 (Raul Albino)

(2) José Medeiros Ferreira, hoje com 64 anos, é professor universitário (Faculdade de Ciências Sociais, Universidade Nova de Lisboa) e escreve regulamente no blogue, de que é co-editor, Bicho Carpinteiro. E-mail: bichoscarpinteiros@hotmail.com
 


Capa do livro de José Medeiros Ferreira, "Memórias anotadas" 
(Lisboa: Temas e Debates, 2017, 468 pp) (Cortesia da editora)
 

Açoriano da Ilha de São Miguel, nasceu em Ponta Delgada, em 1942... Desertou em 1968, quando estava mobilizado para a Guiné (CCAÇ 2402). Licenciou-se em Ciências Sociais, em Genebra, Suíça. Militante e dirigente do PS, ocupou o cargo de Ministro dos Negócios Estrangeiros no I Governo Constitucional (1976/78), presidido por Mário Soares. No início de 2006, desligou-se de todos os cargos dirigentes no seu partido, voltando à condição de militante de base...Morreu em 2014.




Dr. Mário Beja Santos, conhecido especialista no domínio os direitos do consumidor. É assessor principal do Instituto do Consumidor. É também membro da nossa tertúlia...

Foto: © Beja Santos (2006). Direitos reservados
 

Guiné 63/74 - P1281: Dicas para o viajante e o turista (5): em Bissau, procurem os poetas (Paulo Santiago)


Montemor-o-Novo > Ameira > Hotel da Ameira > Encontro da tertúlia Luís Graça & Camaradas da Guiné > 14 de Outubro de 2006 > Intervenção, emocionada, do Paulo Santiago, ao evocar a sua viagem de regresso à Guiné, em Fevereiro de 2005, a viagem de todas as emoções...


Foto: © Luís Graça (2006) . Direitos reservados.


1. Mensagem do Paulo Santiago , com data de 18 de Outubro de 2006, para a qual chamo a particular atenção dos nossos tertulianos por duas razões: (i) há aqui uma dica (implícita) para o viajante e o turista que vai à Guiné-Bissau (1), país lusófono onde, apesar das enormes dificuldades do quotidiano e das sombras que pairam sobre o seu futuro, há gente que teima em escrever contos e poesia em português (!), numa região de África, fortemente francófona, tradicionalmente de forte influência cultural, económica e política da França; o mínimo que podemos fazer pelos nossos amigos da Guiné-Bissau que escrevem em português, é conhecê-los e lê-los; por isso, façam o favor de comprar pelo menos um livrinho de um escritor guineense, na próxima viagem; (ii) por outro lado, mesmo com o atraso de um mês, é de registar e divulgar esta nota de apreço, por parte do durão Santiago, pelo nosso encontro na Ameira (2)... (LG)


2. Obrigado, Luís! Obrigado a todos os Tertulianos! A festa da Ameira foi bonita...pá! (2)... Eu, que dizem duro, emocionei-me muito. Cada vez as minhas recordações da Guiné são mais fortes.

Um forte abraço para todos
Santiago

PS - Transcrevo a seguir um poema do livro Um cabaz de Amores, de Carlos-Edmilson M. Vieira (Noni). O livro foi-me oferecido pela mãe do Dr. Miguel Nunes, proprietária da residencial Coimbra e da casa Nunes e Irmão. É o primeiro livro do autor (1998) (3). Em 2000 publicou Contos de N'Nori, com prefácio de Leopoldo Amado, nosso tertuliano (4).


POETA

Não!
Não me chamem poeta... porque
aquele de barriga grande
cheia de nada

Tem poema no corpo

Não!
Não me chamem poeta... porque
aqueles olhos perdidos de desespero
cara de criança sem infância

Tem poema no rosto


Não!
Não me chamem poeta... porque
aqueles pés descalços
que caminham léguas de esperança
na ânsia de sobreviver

Tem poema na alma

Não!
Não me sinto poeta...porque
aquele que na tabanca
com engenhos de trapos faz brinquedos a
toda sua vida
são poemas
dedicados a quem nunca os lê


Carlos-Edmilson (Noni),
poeta guineense

_________

Notas de L.G.

(1) Vd. último post desta série (Dicas para o viajante e o turista): 8 de Novembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1259: Dicas para o viajante e o turista (4): Um cheirinho a alecrim & rosmaninho (Luís Graça / Jorge Neto)


(2) Vd. post de 15 de Outubro de 2006 > Guiné 63/74 - P1177: Encontro da Ameira: foi bonita a festa, pá... A próxima será no Pombal (Luís Graça)

(3) Carlos Edmilson Vieira - Um Cabaz de Amores/Une corbeille d’amours. France, Ivry Sur Seine: Nouvelles Sud. 1998.

Carlos Edmilson Vieira - Contos de N’Nori - Edição do autor, Bissau, 2000.

(4) Vd. texto de Filomena Embaló, de Novembro de 2004 > Breve resenha sobre a literatura da Guiné-Bissau, inserido página de Fernando Casimiro (Didinho) > Guiné-Bissau Contributo

Guiné 63/74 - P1280: A vida de um comando (A. Mendes, 38ª CCmds) (7): Um tiro de misericórdia em Caboiana

Guiné > Região do Cacheu > Caboiana > 38ª CCmds > Acção Jovenca > 31 de Dezembro de 1972 > A espingrada semiautomática russa Simonov, capturada ao guerrilheiro abatido.


Guiné > Região do Cacheu > Caboiana > 38ª CCmds > Acção Jovenca > 31 de Dezembro de 1972 > Em primeiro plano, o comando Mendes, com o seu RPG2.


Guiné > Região do Cacheu > Caboiana > 38ª CCmds > Acção Jovenca > 31 de Dezembro de 1972 > A penosa recuperação no tarrafo do Rio Caboiana.


Guiné > Região do Cacheu > Caboiana > 38ª CCmds > Acção Jovenca > 31 de Dezembro de 1972 > Já a caminho da LDM que há-de levar os 2 Gr Comb até ao Cacheu.


Texto e foto: © Amilcar Mendes (2006). Direitos reservados.

Memórias de uma passagem de ano e Natal (com prenda ?)

por A. Mendes

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Foto: © Amilcar Mendes (2006). Direitos reservados. Foto alojada no álbum de Luís Graça > Guinea-Bissau: Colonial War. Copyright © 2003-2006 Photobucket Inc. All rights reserved.

Texto enviado em 4 de Outubro de 2006, por A. Mendes, ex-1º Cabo Cmd da 38ª CCmds (Os Leopardos) (Guiné, Brá, 1972/74). Continuação da série A Vida de um Comando (1).

31 de Dezembro de 1972 - Acção Jovenca

-Missão: Aniquilar, capturar e desarticular as organisações IN na região da Caboiana;
-Força executante: 2 Gr Comba da 38ª CCmds;
-Planos elaborados para a acção: Saída de Teixeira Pinto em coluna auto até ao Cacheu;
-Deslocamento de LDM até a região de S. Domingos até a altura da recuperação em LDM;
-Apoio aéreo: COMdcon(DO27 armada) em alerta, no solo de Teixeira Pinto;
-Duração: 24 horas;
-Resultados obtidos: Pelo IN, 1 morto(confirmado);
-Feita a captura do seguinte material: 1 Esp Aut Simonov.

Desenrolar da acção:

31 de Dezembro de 1972

O meu grupo (2º) e o 4º vamos para a Caboiana-Churo. Vamos de LDM até ao Rio Caboiana, e aí chegados passamos para os botes dos Fuzas Africanos que nos vão levar até ao tarrafo onde iremos desembarcar.

O desembarque e a passagem do tarrafo são feitos à força de braços e com muito custo mas lá chegamos ao trilho e pelas 10h00 lá vamos a caminhar.

Sigo em 5º lugar logo atrás do Cmdt da Companhia. A minha arma era um RPG2. O trilho por onde seguimos revela vestígios de ser usado com regularidade.

O 1º homem da frente segue com cautela observando cada vestígio para não sermos apanhados em falta, pois segundo o nosso credo ... em combate a morte sanciona cada falta!

Já seguíamos há horas no trilho quando ouvimos, no silêncio, barulho de alguém a assobiar uma melodia qualquer. Nem tivemos tempo de parar quando nos apareceu pela frente um guerrilheiro, armado e só. Ainda tentou disparar mas o nosso primeiro homem disparou uma rajada à queima- roupa, atingindo-o. O homem ainda deu uns passos em frente vindo a cair à minha frente.

Reparei que, embora o sangue saísse em golfadas pela boca, ainda estava vivo. Em agonia. Para bem dele e para lhe acabar o sofrimento foi aí que lidei mais de perto com a morte. Para alguns isso será assassínio, para mim foi misericórdia. Um tiro de misericórdia.

Apesar do tempo que já levo de combate, ainda não aperendi na tratar a morte por tu. Ainda tenho algumas reticências em tirar o último sopro a alguém.

Nós, os que passámos pelos palcos de Guerra e que fomos a mão executora em muitas operações, apenas demos seguimento ao que era superiormente planeado.

Fui voluntário para os Comandos, sabia o que me aguardava, sabia que a palavra MORTE iria entrar na minha vida até ser banal pronunciá-la. Que fique claro que até hoje nunca me arrependi de nada do que fiz enquanto militar. Sempre respeitei os mais fracos e os indefesos, nunca pratiquei actos gratuitos só para acrescentar mais uma marca na coronha da minha arma. Fui misericordioso tanto como o IN o era. Para se obter resultados era preciso matar para não ser morto e nisso tornei-me mestre, mas sempre olhei nos olhos aqueles que, como meus inimigos, exalavam o último sopro.

Prosseguindo no meu diário: Com a morte do guerrilheiro IN capturámos uma arma russa, uma Simonov, novinha. Seguimos pelo trilho e, com a nossa aproximação a um aldeamento, ouviram-se uma série de rajadas. O elemento surpresa fora quebrado e prosseguir era puro suícidio. Tínhamos de certeza emboscada montada algures no caminho. O capitão decidiu sair do trilho e entrámos a corta mato. O objectivo da missão estava perdido quando se quebrou o elemento surpresa e por isso foi decidido terminar e rumar ao local de recuperação.

A morte do elemento IN teve uma virtude, o de me fazer ir passar a passagem do ano no quartel de Teixeira Pinto.

No local de recuperação tivemos de atravessar um tarrafo, aí com 50 m de comprimento, feito a força de braços pois o terreno era pântano e cheguei a estar atascado até a cintura agarrado a raízes.

Lá chegamos aos botes dos Fuzas Africanos que nos levaram até ao Cacheu , daí seguimos em coluna auto até Teixeira Pinto onde nos aguardava a entrada do ano de 73.

A. Mendes
___________

Nota de L. G.:

(1) 24 de Outubro de 006 > Guiné 63/74 - P1210: A vida de um comando (A. Mendes, 38ª CCmds) (6): Guidaje ? Nunca mais!...

Guiné 63/74 - P1279: Encontro com o IN: artigo sobre a viagem Porto-Bissau, publicado no boletim da A25A (A. Marques Lopes)

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Fotos: © A. Marques Lopes (2006). Direitos reservados. Fotos alojadas no álbum de Luís Graça > Guinea-Bissau: Colonial War. Copyright © 2003-2006 Photobucket Inc. All rights reserved.

Cópia do artigo do nosso camarada A. Marques Lopes, sobre a viagem, de jipe, Porto-Bissau, no passado mês de Abril de 2006, publicado em O Referencial, nº 84, Julho-Setembro de 2006. Trata-se do boletim da Associação 25 de Abril, que tem como director Pedro Pezarat Correia. O artigo ocupa 2 páginas (a 6ª e a 7ª) e é ilustrado com várias fotografias.

O título do artigo é sugestivo: Encontro com o IN... O nosso camarada, que relata as peripécias da viagem por terra até à Guiné-Bissau (incluindo a apreensão de 200 kg de medicamentos, destinadas ao Hospital Nacional Simão Mendes, por parte das autoridades marroquinas, a pretexto de poderem ir parar às mãos da guerrilha da Frente Polisário do Sara Ocidental!...), não esconde a sua emoção ao ir à antiga base do PAIGC em Sinchã Jobel, e ao reencontrar o comandante Lúcio Soares, que 39 anos antes, no subsector de Geba, na Zona Leste, o tinha mandado 9 meses para o Hospital Militar Principal...

Trata-se de um resumo dos posts já aqui publicados no nosso blogue: vd. por exemplo, post de 16 de Maio de 2006 > Guiné 63/74 - DCCLXI: Do Porto a Bissau (16): Encontro com o IN (A. Marques Lopes).

O nosso amigo e camarada A. Marques Lopes teve a gentileza de citar o editor do blogue que, na altura, escreveu o seguinte:

"Agradeço ao A. Marques Lopes e ao Xico Allen esta oportunidade, excepcional, de conhecer o rosto daqueles a quem chamávamos eufemisticamente o IN... Pois o IN tinha rosto, eram homens (e mulheres), de carne e osso, como nós, que combatiam pelas suas razões... Reencontrá-los, apanhá-los ainda vivos e lúcidos, pô-los a falar, ouvi-los, saber por onde andaram, reconstituir a sua estória de vida como guerrilheiros, sentir a pulsão das suas emoções, paixões, alegrias e medos, mexer com a sua memória, fazer as pazes come eles... é uma tarefa urgente e imprescindível para que a nossa missão, agora de paz, se cumpra definitivamente...

"Temos essa obrigação, a de dar voz (e imagem) a esses velhos guerrilheiros, caboverdianos e guineenses, que deram o melhor da sua vida e da juventude pela realização de um sonho, o sonho de Amílcar Cabral e de mais um punhado de homens e mulheres que queriam ser livres e donos da sua terra, e passar a falar connosco, em português, mas de iguais para iguais... O texto e as fotos que hoje inserimos marcam um momento muito simbólico da vida da nossa tertúlia... Perdõem-me o abuso do tempo de antena, mas eu, como editor do blogue, precisava de fazer esta pequena chamada de atenção. Obrigado Marques Lopes, Xico Allen, Lúcio Soares, Braima Dakar e irmãos Nabo" (....).

terça-feira, 14 de novembro de 2006

Guiné 63/74 - P1278: Estórias de Bissau (3): éramos todos bons rapazes (A.Marques Lopes / Torcato Mendonça)


Lisboa-Guiné > A bordo do T/T Niassa. Maio de 1968. Grupo de oficiais que viajaram com o A. Marques Lopes (o segundo a contar da direita, de óculos escuros e papéis debaixo do braço) , e entre eles o Almodôvar (o quarto a partir da direita), amigo do Torcato Mendonça e do Paulo Raposo. O Marques Lopes regressava do Hospital Militar Principal, em Lisboa. Depois de ter estado, em Geba, em 1967, na CART 1690, onde foi ferido, acabou o resto da sua comissão em Barro, na CCAÇ 3.

Foto: © A. Marques Lopes (2005). Direitos reservados.


1. Mensagem do Torcato Mendonça ao A. Marques Lopes, em resposta ao post de 11 de Novembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1267: Estórias de Bissau (2): A minha primeira máquina fotográfica (Humberto Reis); as minhas tainadas (A. Marques Lopes):

Porque respondo hoje? Não é por ter chegado à Guiné em Janeiro de 1968 - no Ana Mafalda- , nem por ter passado pouco tempo em Bissau. É porque falas no Almodôvar. Ora se o Almodôvar era um Alferes, baixo, gorducho, sorriso fácil e bom jogador de poker, então é ele. Mas o tipo esteve no mato. Levou uma porrada. Se bem me lembro.

Claro que pode ter ficado esquecido em Bissau. Se é quem eu penso, sinteticamente digo: estudámos (6º e 7º) no Liceu de Beja, tirámos a especialidade juntos, estivemos no RAL 3 em Évora, em Lamego no CIOE e lá trocámos – com dois camaradas – e viemos formar Companhia para Évora, eles para Penafiel (?). Só que ele teve um problema num pé. Nós viemos para a Guiné, ele deve ter ficado na Estrela (Hospital Militar Prinicpal). Foi para a Guiné em rendição individual, um dia encontramo-nos lá. Já lá vão muitos anos…! É bom rapaz.

2. Resposta do A. Marques Lopes:

Respondi-lhe que o Almodôvar que eu conheci tinha, de facto, as características pessoais que ele refere. E admiti que posso ter sido mal informado sobre o destino que ele teve na Guiné, desejando, até, que o Torcato me facilitasse um contacto com ele para esclarecer a questão. E transmito-vos isto para que considerem também que me posso ter enganado, ou ter tido informações incorrectas.

A. Marques Lopes

3. Nova mensagem do A. Marques Lopes, enviada a toda a tertúlia:

Caros camaradas:

Enviei esta fotografia (ver acima) ao nosso amigo Torcato Mendonça e esta mensagem:

"Descobri esta fotografia, onde estão os oficiais que desembarcaram comigo em Bissau em Maio de 1968. Diz-me lá se algum destes é o Almodôvar que tu conheces. Eu sou o segundo a contar da direita (com papéis de baixo do braço). Estou muito interessado, pois não quero levantar falsos testemunhos sobre o Almodovar."

E a resposta dele foi a que deixo abaixo. Fiquei mais sossegado. E quero transmiti-lo a vós todos. E, já agora, vejam se conhecem alguém dessa fotografia. Abraços

4. Resposta, por fim, do Torcato Mendonça:

"É o 4º a partir da direita. Mais magro, o sorriso brincalhão e o olhar gozão.Não estás a levantar qualquer falso testemunho ou erróneo juízo de valor. Calma. Ele é bom rapaz. Quem o não é? Eu, tu, ele… tivemos azar, chutaram-nos para a Guiné. Não te preocupes. Obrigado pelas fotos.

Sabes, eu nunca mais volto à Guiné. Por várias razões. Talvez um dia escreva sobre isso. Respeito quem lá foi ou quer ir. Tudo bem e devemos fazer, tanto quanto possível, o que gostamos.

Meu caro amigo um abraço do

Torcato Mendonça

Guiné 63/74 - P1277: CCAÇ 5 (Gatos Pretos), Canjadude: os filhos dos nossos camaradas nossos filhos são (Daniel Bizarro / José Martins)


Guiné > Zona Leste > Região do Gabu (Nova Lamego) > Canjadude > CCAÇ 5 (Gatos Pretos, 1973/74) - Bandeira.

Foto: © João Carvalho (2006). Direitos reservados.


1. Daniel Bizarro escreveu a seguinte mensagem ao José Martins:

Eu sou Daniel Pessoa da Silva Bizarro, filho de António da Silva Bizarro que foi Furriel Miliciano em Canjadude e que faleceu há 22 anos em São João do Campo, Coimbra.

Tenho agora 30 anos e desde sempre quis saber mais sobre o meu pai por isso lhes envio esta mensagem. Tenho muitas fotos a preto e branco de Canjadude e Bissau que passarei pelo scanner se as quiserem.

Espero não estar enganado em relação a vós (se serviram na mesma altura que o meu pai, etc.) pedindo desde já as minhas sinceras desculpas, se for o caso. Não vos incomodarei mais. Obrigado pela atenção.

Daniel Pessoa da Silva Bizarro


2. Resposta do José Martins:

Neste momento posso mandar-te o que sei sobre o teu pai, já que estou a recolher elementos sobre a Companhia de Caçadores nº 5, à qual o teu pai pertenceu, entre mais de duzentos metropolitanos e muitos mais, ainda, africanos:

António da Silva Bizarro > Furriel Miliciano Atirador, número mecanográfico 12660871.

Foi aumentado ao efectivo da Companhia em 8 de Julho de 1972, assumindo as funções de Comandante de Secção.

Foi abatido ao efectivo da Unidade em Janeiro de 1973 por ter sido transferido para Bolama.



Há alguns textos no nosso blogue sobre a Companhia, escritos por mim e pelo Furriel Enfermeiro João Carvalho (1).

Um abraço e dispõe. Os filhos dos nossos camaradas nossos filhos são.

José Martins
(Ex-Furriel Miliciano Transmissões,
CCAÇ 5 - Os Gatos Pretos, Canjadude, 1968/70)

PS - Algumas das fotos do álbum fotográfico do teu pai poderão ter interesse (documental) para todos nós: podes mandá-las digitalizadas, em formato.jpg, para mim.
_____________

Nota de L.G.:

(1) Vd., entre outros posts, os seguintes:


4 de Junho de 2006 > Guiné 63/74 - P839: O valente Sargento Enfermeiro Cipriano, da CCAÇ 5, morto em Nova Lamego (José Martins)

12 de Maio de 20067 > Guiné 63/74 - DCCXLVI: Procissão em Canjadude ou devoção mariana em tempo de guerra (José Martins)

7 de Abril de 2006 > Guiné 63/74 - DCLXXX: CCAÇ 5 - Os Gatos Pretos de Canjadude (José Martins)

6 de Março de 2006 > Guiné 63/74 - DCIX: Salazar Saliú Queta, degolado pelos homens do PAIGC em Canjadude (José Martins)

4 de Março de 2006 > Guiné 63/74 - DCIV: Os últimos dias de Canjadude (fotos de João Carvalho)

1 de Março de 2006 > Guiné 63/74 - DXCV: A história do Cancioneiro de Canjadude (José Martins)
28 de Fevereiro de 2006 > Guiné 63/74 - DXCIII: Cancioneiro de Canjadude (CCAÇ 5, Gatos Pretos)

23 de Janeiro de 2006 > Guiné 63/74 - CDLXXIV: O nosso fotógrafo em Canjadude (CCAÇ 5, 1973/74)

24 de Outubro de 2005 > Guiné 63/64 - CCLVII: A contabilidade dos mortos na operação de retirada de Madina do Boé (José Martins)

Guiné 63/74 - P1276: Operação Macaréu à Vista (Beja Santos) (20): A (má) fama do Tigre de Missirá em Bambadinca

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Capa do livro de Anatole France - Os Deuses tém sede. Lisboa: Portugália Editora. s7d. (Contemporânea,38). Tr. do fr [1912]. Capa de João da Câmara Leme.


Foto: © Beja Santos (2006). Direitos reservados. Foto alojada no álbum de Luís Graça > Guinea-Bissau: Colonial War. Copyright © 2003-2006 Photobucket Inc. All rights reserved.


Texto enviado em 20 de Outubro de 2006. Continuação da publicação das memórias do Mário Beja Santos, como alferes miliciano, comandante do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70).

Meu caro Luís, obrigado pelas tuas ilustrações. Para a semana, suspendo os trabalhos para fazer consultas aos meus ex-soldados e a partir de quinta estarei em Roma. Tenho lacunas na minha documentação entre Novembro e Dezembro. 1969 já não trará dificuldades, pois passarei o ano a ferro e fogo, a defender a minha honra, a refazer Missirá, a ir e voltar a Mato de Cão até que finalmente partirei para Bambadinca, como alferes de todo o serviço.

Fizeste bem em convocar o Abel Rodrigues (2). Conservo por ele uma amizade muito especial. Ele era e é reservado, é um daqueles transmontanos incapaz de passar para a face o que lhe vai na alma. Vivemos na mesma camarata com o nosso homem de Matosinhos. Se houver espaço para algumas reminiscências desses tempos, e sem prejuízo do que me competirá escrever ao longo de 70, agradeço que me informes. Vou mandar pelo correio Os Deuses têm Sede, de Anatole France, edição da época. Abraços do Mário.

Há o ir e o foguear, há o voltar e o cuidar
por Beja Santos

O mês de Outubro de 1968, tal como eu guardo nas minhas memórias, goza de versatilidade e ficou composto de múltiplas mudanças. Por exemplo, naquela noite em que o tempo estava borrascoso, o céu encoberto e pouco convidativo para vigiar os postos de sentinela entre a 1 e as 3 da manhã. Mas eu lá fui, conversei com Saco Embaló, Cibo Indjai, Mamadu Djau, o enfermeiro Adão e, quando cheguei ao posto de vigia sito junto dos depósitos dos combustíveis (separados por 20 metros, não viesse por aí uma granada incendiária produzindo fogueira gigantesca e perda absoluta de gasóleo e petróleo) , encontrei Sadjo Baldé num bom dormitar. Abordei-o falando de trivialidades, o olhar estava fixo e a postura indicava um sono bem ferrado.

Estamos a falar do mesmo Sadjo que vai casar dentro de dias no Cossé e ficar desfeito em 19 de Março de 69 (3). Grito-lhe colérico e Sadjo empina-se do banco de madeira como se tivesse havido uma descarga de 1000 vóltios. Segue-me até ao abrigo e dou comigo a olhar para um Sadjo irreconhecível pois os seus 50 e tal quilos parece que duplicaram, está inchado por infecções, tem as bochechas e o estômago contaminados, explica-me que o Dr. de Bambadinca lhe deu uma mezinha que o põe permanentemente zonzo. Tira do bolso a mezinha, é o mesmo Fenergan que me faz vergar, pairar entre o céu e a terra. Ele suplica que não o castigue, mais do que a prisão o que ele teme é não partir para férias. Faço a proposta de tudo ficar entre nós:
-Sadjo, o que fizeste é crime, toda esta gente dorme a confiar na tua vigilância. Até partires, tu vais descansar e tratar a doença. Quando voltares de férias, dirás aos furriéis que farás um mês de vigilância diária. Concordas?

Sadjo que era muito elegante nas suas maneiras, extremamente correcto no trato, procurou abraçar-me as pernas, gesto que ao princípio me deixava paralisado e que tomava como uma pura e dura lembrança colonial (como entrar na minha morança e descalçar-se, beijar-me a mão direita ou levá-lo à sua testa...), abracei-o e a noite prosseguiu sossegada.

Como estamos a falar de versatilidade, chegou uma mensagem a exigir que levasse de manhã o régulo Malã, de Nhabijão Mandinga, pois tinha morrido o seu filho mais novo. Ao amanhecer, peço a Umaru Baldé que prepare torradas com manteiga e doce e chá de cidreira e que peça ao régulo para vir conversar comigo com urgência. Ele chega ataviado na sua bela sabadora e com chapéu colonial. Sentámo-nos na messe, Umaru servia polidamente chá e torradas.
Recorri à velha habilidade de lhe fazer perguntas sobre as guerras entre Infali e Teixeira Pinto, falámos do Rio Gambiel e das suas palmeiras de Samatra, disse-lhe que precisávamos de ir a Bambadinca, a conversa ia deslizando sem porto à vista, e Malã com os olhos bem cravados em mim e nos ziguezagues desta comunicação sem rei nem roque.
-A que propósito é que me quer levar a Bambadinca agora que tenho de tratar da bolanha de Caranquecunda com a minha família e os Mané?

Sorvi o ar num longo hausto, desci a voz ao tom piano e dei-lhe a notícia do falecimento do seu filho mais novo, tanto quanto me recordo teria dois meses, segundo a mensagem recebida.
-Não tenho nenhum filho pequeno, os meus filhos estão em Missirá.

Eu não sabia o que havia de dizer mais, invoquei que certamente Bambadinca sopesara e avaliara quem trouxera a informação. O régulo continuou a tomar chá, o silêncio adensou-se até que ele se levantou atingido por uma recordação súbita:
-Ah, é verdade, comprei uma mulher há um ano e ela pariu. Pode ser que seja assim. Vamos.

E fomos mesmo, e Malã ficou em Bambadinca para o choro. Eu aproveitei para passar pela messe e trazer os últimos despojos esquecidos, móveis oferecidos pelo velho batalhão. Aproveitei para comunicar aos recém-chegados que tinha direitos de saque especiais, preço do isolamento:
-Ficam a saber que levo jornais desportivos para a minha malta, levo a Flama e o Século Ilustrado e depois devolvo.

Nasceu o terror da minha entrada na messe, tudo se escondia quando me sabiam em Bambadinca... fiz sempre o possível para que tal terror não fosse excessivo nem perdulário. Depois dos incêndios de Março [de 1969], quando chegámos praticamente nus a Bambadinca, aceitei o pacto de sairmos vestidos e eu pactuei negociando só levar um jornal de cada vez.
Nesse dia, entre os despojos da tropa [, do BCAÇ 1904,] que partira para Brá, aceitei trazer um papagaio de um capitão que se apaixonar por pássaros tropicais. Em Finete pedi ao Mazaqueu para tratar dele e entreguei-lhe dinheiro para comprar sementes. O papagaio chamava-se Pompílio, foi um ingrato, nunca quis comunicar comigo.

Chegou a altura de vos falar na Operação Meia Onça. Consta dos relatórios que tomaram parte as CART 1746, CART 2339, nós e o Pel Caç Nat 53, um grupo de combate da CCAÇ 2401 e uma Pelotão de Artilharia. Estava em Finete, em 12 de Outubro, quando chegou o Almeida que comandava o Pel Caç Nat 63. Comecei por barafustar:
-Almeida, estou farto de pedir para que quando vocês vêm fazer vigilância a Mato de Cão nos informem do dia e da hora. Pode muito bem acontecer que nos encontremos numa picada qualquer e quero saber quem vai responder pela mortandade deste triste incidente.

O Almeida respondeu descontraído:
- Pá, eu não vou nada para Mato de Cão, eu vou para Missirá e tu vais para o Burontoni.

Assim era, embora eu nada soubesse. Partimos para Missirá, alojei o pelotão do Almeida depois de lhe apresentar os meios de defesa, preparei 35 homens e nessa tarde apresentei-me em Bambadinca, tendo imediato pedido uma entrevista ao novo Major de operações, de nome Viriato Pires da Silva. Era um oficial extrovertido e com vozeirão:
-Ah, quer saber o que vai fazer ao Burontoni, não é? Não se preocupe que daqui a um bocado vou fazer a apresentação da operação, espere um pouco -. Respondi-lhe:
-Não, meu Major, antes do Burontoni vamos falar das idas a Mato de Cão. Eu e as milícias vamos lá praticamente todos os dias. Faz sentido, eu trabalho no Cuor. Se tenho outra missão fora do Cuor, eu devo saber quem vem, em que dia e a que horas. Entre Finete e Missirá, qualquer encontro é motivo de tiroteio. Em Finete não há rádio, se eu andar a patrulhar, poderá ocorrer uma calamidade. Proponho que ninguém entre no Cuor sem sua autorização e sem me dar conhecimento. Imagine que eu hoje estava acima de Mato de Cão e de repente me encontrava com a tropa do Almeida?

Diga-se em abono da verdade, que nunca mais houve deslocações aleatórias e espontâneas. Foi um bem para todos nós.

Por volta das 6 e meia da tarde, teve lugar a apresentação da operação. Recordo que o Burontoni foi apresentado como um santuário quase inexpugnável, dotado do melhor armamento, bem posicionado dentro de uma floresta, o Baio, entre vários rios. Sei que ia dentro do destacamento A, seis pelotões, parámos em Amedalai, e em Taibatá partimos a corta-mato acompanhados por dois guias.

Primeira surpresa: os guias informaram que não sabiam entrar na mata à noite, estavam desorientados. Irrompeu entretanto uma chuva torrencial, lá fomos a passo de caracol, de madrugada fez-se um alto para repouso e ao amanhecer continuámos a progressão. Talvez aí pelas 9 horas chegámos perto de um rio, o nosso guia disse que não podíamos passar não só porque o rio era profundo como tínhamos em frente uma ampla bolanha, havia que a flanquear dentro da mata. É precisamente quando estamos a entrar na mata do Baio que toda a floresta é sacudida de explosões. Parecia que uma aviação invisível lançava tapetes de bombas a 10 Km de distância. Pela rádio procurámos saber o que se passava e pouco depois a notícia chegou, estarrecedora: Mansambo estava a ser severamente flagelada. Ora toda a companhia de Mansambo estava nesta operação, o aquartelamento ficara entregue a milícias e à população civil. O estado de espírito da tropa era de cortar à faca. Do comando, por via aérea, chegou a ordem de retirar para Taibatá, o que veio a acontecer, e lá fomos a patinar na lama e depois regressámos a Bambadinca.

Ainda hoje me interrogo sobre a forma como se preparou esta ida ao Burontoni, independentemente do triste acaso da flagelação a Mansambo, que marcou a corrente do jogo. Voltámos a Missirá, reacendeu-se o meu entusiasmo pelas obras, pelas aulas, pelas emboscadas nocturnas, eu estava cada vez mais disponível para ouvir as histórias dos Soncó, as suas origens, as suas lutas e alianças, o derrube da vida do regulado após a luta armada.

Episódios empolgantes estão para vir. O saudoso Pimbas [, o tenente-coronel Pimentel Bastos, cmdt do novo batalhão, BCAÇ 2852,] vem visitar dentro de dias o regulado. Vou descrever os preparativos para a pompa e circunstância. O Teixeira com os pés embrulhados em ligaduras vai refazer o plinto destruído à morteirada na curta flagelação de 26 de Setembro. Os metais vão ser brunidos, as fardas vão ser desencardidas, as botas engraxadas, Missirá e Finete serão engalanadas com os nossos parcos recursos.
Mas não menos importante que esta efeméride, lá para os fins de Novembro deu-me para uma odisseia: saímos de Missirá pela velha estrada que liga Enxalé a Porto Gol, vamos com duas viaturas a resfolegar mas cheias de vida, e aquela estrada que estava fechada desde 1964, juncada de viaturas retorcidas e casas arruinadas, vai ter visitantes deslumbrados. Foi um acto temerário, premiado com galinha frita em Enxalé. A gente de Madina/Belel [, base do PAIGC,]não gostou, nem sei mesmo se pensaram que a estrada estava a ser revitalizada, e flagelaram Missirá e Finete.


Guiné > Zona Leste > Sector L1 (Bambadinca) > Posições das NT e da guerrilha (1969/71)
Fonte: História da CCAÇ 12: Guiné 69/71. Bambadinca: Companhia de Caçadores nº 12. 1971

Infografia: © Luís Graça. Direitos reservados


Quero igualmente informar que só agora dei conta que ainda não vos falei da minha música, do meu Vivaldi e do meu Mahler. Se queremos ir ao fundo das coisas, aqueles sons musicais que atordoam em Missirá, têm que ser aqui convocados.

Ando cheio de entusiasmo com uma obra prima que estou a reler: Os Deuses Têm Sede, por Anatole France. Há quem o destaque entre os dez mais belos romances da literatura francesa de todos os tempos. Aborda a trágica grandeza e servidão dos homens que constróem história e por ela são devorados, tal como acontece em todos os países revolucionários.
A acção decorre no período da revolução francesa, no curto espaço que medeia entre o julgamento, o triunfo e depois o assassinato de Marat, a república democrática do Ano II e o 9 de Termidor quando Robespierre é guilhotinado. Emprestei este livro de Anatole France a muitos amigos depois do 25 de Abril, para verem que, para além das nossa originalidades, as revoluções somam e seguem..
O anti-herói deste romance é Evaristo Gamelin, um pintor imbuído pelos ideais revolucionários. Vamos assistir à escalada do terror e acompanhar a lógica fria deste revolucionário que aceita a sua imolação para que a república prossiga livre. Antes da sua execução, à volta do 9 de Termidor ele diz à sua noiva, Elódia:
-Não me censuro em nada. O que fiz, tornaria a fazê-lo por causa da pátria, excomunguei-me, sou amaldiçoado. Pus-me fora da humanidade, não reentrarei nela nunca mais. Mas a tarefa ingente ainda não terminou. Ah, a clemência, o perdão... Os traidores perdoam? Os conspiradores são clementes? Os parricidas crescem em número sem cessar... Imolamo-los, e logo os vemos em maior quantidade. Compreendes agora que deva renunciar ao amor, à alegria, ao encanto da vida, à própria existência.
Que grande tirada para justificar crimes monstruosos com a consciência serena do dever cumprido.

Hoje não vos falo do que ando a poetar, que não tem préstimo mas é sinal do tempo. O que vem aí é o entusiasmo da visita do comandante do batalhão. Ele vai ouvir, bem jantado, e na companhia do David Payne Pereira [, o oficial miliciano médico,] a versão integral da ópera Aída, com um elenco estrondoso, com um volume de som elevadíssimo para se sentir a magnificência da Marcha Triunfal e a despedida dilacerante de Radamés e Aída no fundo da cripta. Não resisto a contar.
____________
Notas de L.G.:

(1) Vd. post de 6 de Novembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1252: Operação Macaréu à Vista (Beja Santos) (19): O Soldadinho de Fogo em Missirá
(2) Vd. post de 13 de Outubro de 2006 > Guiné 63/74 - P1171: Abel Rodrigues, o primeiro ex-oficial miliciano da CCAÇ 12 a entrar para a nossa tertúlia
(3) Vd. post de 19 de Outubro de 2006 > Guiné 63/74 - P1191: Operação Macaréu à Vista (Beja Santos) (17): A visita a Missirá do Coronel Martiniano
(...) "Regressamos a Missirá e tenho uma pequena encrenca à minha espera. Ao armar as coisas na minha casa, Sadjo Baldé entrega-me uma folha e afasta-se rapidamente enquanto eu leio o seguinte:
"- Agradecia o obséquio por amor de tudo o que é mais sagrado neste mundo e especialmente sua Excelentíssima esposa. O pedido é o seguinte: como o meu Alferes disse que tenho de ir gozar licença, gostaria que lembrasse aos meus colegas que me devem dinheiro desde o ano passado, e que até agora não pagaram, que eu não posso ir gozar licença sem levar dinheiro para os meus assuntos particulares que tenho que realizar na minha terra. Peço para fazer um desconto de 900 escudos ao soldado Mamadu Camará. Desde já, meu senhor, fico muito grato pela sua costumada atenção para comigo e obrigado" (...).

segunda-feira, 13 de novembro de 2006

Guiné 63/74 - P1275: Memórias de um comandante de pelotão de caçadores nativos (Paulo Santiago) (4): tropa-macaca, com três cruzes de guerra

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Guiné > Zona Leste > Sector L5 (Galomaro) > Saltinho > Pel Caç Nat 53 (1970/72) > Antiga estrada do Saltinho-Aldeia Formosa(Quebo)

Foto: © Paulo Santiago (2006). Direitos reservados. Foto alojada no álbum de Luís Graça > Guinea-Bissau: Colonial War. Copyright © 2003-2006 Photobucket Inc. All rights reserved.

Texto (1) do Paulo Santiago, ex-alf mil, cmdt do Pel Caç Nat 53 (Saltinho , 1970/72), enviado em 24 de Outubro de 2006 .

Aproxima-se o Natal de 70, já sei o nome de todos os meus camaradas do [Pel Caç Nat] 53, sinto mais tristeza e angústia nas cartas dos meus pais.

Em 23 de Dezembro, o Caco passa pelo Saltinho e pelos destacamentos da [CCAÇ] 2701, desejando Bom Natal.

Passei a época com uma grande neura e muitos uísques, sentia muita falta dos meus familiares. Soube que o meu lugar à mesa, na casa paterna, na noite de Consoada foi ocupado por um pobre homem abandonado pela família.

Nos últimos dias do ano fiz uma operação com dois grupos de combate de uma companhia independente de Aldeia Formosa, penso que formada por madeirenses. Viaturas do Saltinho foram buscar os grupos de Aldeia à cambança de Ura Candi ao fim da tarde, tendo jantado e pernoitado connosco. De madrugada arrancámos para a operação.

O Alferes mais antigo de Aldeia Formosa mostrou-se muito admirado com o fardamento de saída para operações do 53: havia bonés e gorros de várias cores, fardas nº 3 e camuflados. Antes que fizesse mais críticas disse-lhe que, no meio daquela mistura de uniformes, havia três Cruzes de Guerra.

Seguimos a pé até à tabanca abandonada de Contabane, cortando à esquerda em direcção a Madina do Boé, pela picada, agora transformada num estreito trilho.Verificou-se que este tinha sido utilizado recentemente e redobraram-se os cuidados.

Ao fim de umas duas horas, após Contabane, encontrou-se outra pequena tabanca abandonada, já no limite [da Zona de Acção] do batalhão de Aldeia Formosa, onde fizemos um pequeno alto.

Continuavam a aparecer vestígios de passagem recente de pessoas.Como o objectivo era ir até esta última tabanca, retrocedemos para Contabane, seguindo o Pel Caç Nat 53
para o Saltinho e os outros dois grupos de combate para Aldeia Formosa pela antiga estrada. Esta companhia de madeirenses(?) foi substituída pela CCAÇ 18, comandada pelo meu amigo Rui Ferreira.

Entretanto ía lendo uns livros que comprara em 11 de Setembro de 1970, sendo um deles Na Tua Morte, de João Palma Ferreira (2) do qual transcrevo:

"Os accionistas gostam, é humano, dizem. Sugere-se que o empregado aperte o parafuso com a mão direita, pinte com o pé esquerdo, desaperte o parafuso com a mão esquerda, raspe com o pé direito, dite uma carta com a boca e no cu talvez possa ter uma ventoínha para refrescar o ambiente". Ainda está actual.

Por vezes em patrulhamentos levava um livrito policial para ler nos altos para descanso.



Paulo Santiago

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Notas de L.G.:

(1) Vd. posts de:

12 de Outubro de 2006 > Guiné 63/74 - P1168: Memórias de um comandante de pelotão de caçadores nativos (Paulo Santiago) (1): Periquito gozado

13 de Outubro de 2006 > Guiné 63/74 - P1170: Memórias de um comandante de pelotão de caçadores nativos (Paulo Santiago) (2) : nhac nhac nhac nhac ou um teste de liderança

19 de Outubro de 2006 > Guiné 63/74 - P1192: Memórias de um comandante de pelotão de caçadores nativos (Paulo Santiago) (3): De prevenção por causa da invasão de Conacri

(2) João Palma Ferreira (1931-1989): vd. nota biobibliográfica publicada pelo Instituto Português do Livro e das Bibliotecas (IPLB). O livro Na Tua Morte foi publicado em 1970.

Guiné 63/74 - P1274: Conheci o Alf Rainha na cambança do Rio Corubal, entre Salltinho e Aldeia Formosa (Paulo Santiago)

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Guiné > Canoas utilizadas para cambar o Rio Corubal entre o Saltinho e Aldeia Formosa (Quebo)

Foto: © Paulo Santiago (2006). Direitos reservados. Foto alojada no álbum de Luís Graça > Guinea-Bissau: Colonial War. Copyright © 2003-2006 Photobucket Inc. All rights reserved.

Mensagem do Paulo Santiago, ex-alf mil, cmdt do Pel Caç Nat 53 (Saltinho , 1970/72)

Luís

Após o meu comentário de 11 de Novembro último [post P1269] , lembrei-me do meu primeiro encontro com o Alf Mil Rainha. Como disse no meu P986 (1), ele tinha uma saúde frágil. Quando em fins de Março de 72 cheguei ao Saltinho, vindo de seis meses de Bambadinca, o Rainha estava para Bissau. Tinha ido a uma consulta externa.

Passados dois dias no Saltinho, chegou uma mensagem a Aldeia Formosa, informando que o Rainha tinha vindo no Nord-Atlas para aquele aquartelamento, sendo necessário a malta do Saltinho ir buscá-lo à cambança.

Estava com curiosidade de conhecer este Alferes. Pedi a Susuki Wolf ao meu amigo Abdu, chefe de tabanca do Saltinho, e arranquei em direcção a Ura Candi, tabanca à beira da estrada para o Xitole, cortando ali para a picada que conduzia ao Corubal. Quando cheguei à cambança já lá se encontravam o Rainha e alguns militares de Aldeia. Cumprimentámo-nos e ele comentou:
-Os tipos da [CCAÇ ] 2701 já me tinham dito que eras meio doido e apanhado,mas nunca pensei que aparecesses aqui,sózinho e de moto.

Passados uns dez minutos chegaram as viaturas do Saltinho, onde preferiu ir. A cambança ficava em zona amarela (duplo controle) e, meses atrás a FA [Força Aérea] tinha metralhado por engano umas canoas onde vinham civis e militares, felizmente sem consequências muito graves. Hei-de contar.

Era um bom camarada, o Rainha. Não o imaginava a ter um fim tão trágico (2). Lamento Sinceramente.

Paulo Santiago
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Notas de L.G.:

(1) Vd. post de 25 de Julho de 2006 > Guiné 63/74 - P986: A tragédia do Quirafo (Parte II): a ida premonitória à foz do Rio Cantoro (Paulo Santiago)

(2) 10 de Novembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1265: Recordações do ex-Alf Rainha (Xaneco, para os amigos), da CCAÇ 3490 (Saltinho), morto há 20 anos (Maurício Vieira, CCS/3884)

Guiné 63/74 - P1273: Postais Ilustrados (11): Um típico e colorido mercado onde as mulheres é quem mais ordenam (Beja Santos)

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Guiné Portuguesa > Postal Ilustrado (1) > Legenda > 14. Mercado da Guiné. Impresso em Portugal. Lisboa. Edição Foto Iris. Bissau.
Postal ilustrado enviado, por avião, pelo Alf Mário Beja Santos (1) a uma pessoa amiga... Data e local: Missirá, 12 de Julho [de 1969]. Carimbo do correio de Bissau: Ilegível. Valor dos selos: 1$50 pesos.
No postal, Beja Santos escreve, entre outras coisas: (...) "Esperamos que possa ir este ano ainda a Lisboa. Mesmo com os grandes interesses que regem as minhas actividades humanas, preciso de matar saudades da Cristina e dos meus" (...).

__________

Nota de L.G.:


(1) Vd. post de 10 de Novembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1264: Postais Ilustrados (10): Bissau, melhor do que diz o fotógrafo (Beja Santos / Mário Dias)

domingo, 12 de novembro de 2006

Guiné 63/74 - P1272: Álbum de fotografias do José Couto (CCS/BCAÇ 2893) (2): Com saudades de Cacheu para o Joaquim Ascensão

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Guiné-Bissau > Região de Cacheu > Cacheu > 14 de Fevereiro de 2005 > Imagens da cidade de Cacheu e do forte quinhentista, recentemente restaurado e reabilitado. O forte, na margem sul do rio Cacheu, no século XVI, dava protecção a uma das mais importantes feitorias no Noroeste da Guiné.. . Álbum fotográfico do José Couto (ex-furriel milicano de transmissões, CCS/BCAÇ 2893, Nova Lamego) (1).

Fotos: © José Couto / Tino Neves (2006). Direitos reservados. Fotos alojadas no álbum de Luís Graça > Guinea-Bissau: Colonial War. Copyright © 2003-2006 Photobucket Inc. All rights reserved.


Mensagem, com data de 27 de Outubro de 2006, enviada por Joaquim Ascensão:
 
Fui furriel miliciano nº 07539370. Estive na Guiné desde 22 de Setembro de 1971 até 15 de Dezembro de 1973. Para além do tempo dispendido no IAO, estive sempre em Cacheu, cerca de 25 meses.

Que saudades tenho dessa terra! Tantas boas e más recordações tenho de Cacheu.
A minha companhia participou na segurança à construção da estrada para Teixeira Pinto até à região de Capô. Como diria Camões, foi construida para além da força humana.

Quem me pode falar de Cacheu? Há condições para que se possa visitar? Não abro a caixa de recordações já lá vão muitos anos. Vou tentar enviar algumas fotografias.

Um abraço
Joaquim Ascenção


2. Comentário de L.G.: 

Olha, amigo e camarada, tens aqui umas fotos do José Couto para matar saudades de Cacheu, a região da Guiné mais antiga, em termos de conhecimento e experiência dos portugueses. Nunca andei por lá. Mas os nossos avoengos conheciam-na há mais de 500 anos. Sobre a questão que pões - a segurança -, espero que te mandem algumas dicas, aqueles de nós que por lá andaramn mais recentemente ou que que têm informações mais actualizadas do que eu. Diz-nos qual era a tua unidade e, já agora, fala-nos das tuas recordações, boas e más, de Cacheu. 
Um abraço.
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Nota de L.G.:

(1) Vd. post de 7 de Novembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1254: Álbum de fotografias do José Couto (CCS/BCAÇ 2893) (1): Quinhamel

Guiné 63/74 - P1271: O cruzeiro das nossas vidas (1): O meu Natal de 1971 a bordo do Niassa (Joaquim Mexia Alves)

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Lisboa > Cais da Rocha Conde de Óbidos > Niassa > "O barco está de partida" (1)

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A bordo do T/T Niassa > O Alf Mil Mexia Alves, a caminho da Guiné...

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T/T Niassa > Joaquim Mexia Alvs: "Lembro-me de ter ido jantar um dia com os soldados do meu pelotão, e ter ficado impressionado e chocado com as condições de transporte daqueles homens"...


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Guiné > Dezembro de 1971 > No fundo de uma LDG a caminho de Bolama

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Guiné > Dezembro de 1971 > Aspecto parcial da LDG, a caminho de Bolama
Fotos: © Joaquim Mexia Alves (2006). Direitos reservados. Direitos reservados. Fotos alojadas no álbum de Luís Graça > Guinea-Bissau: Colonial War. Copyright © 2003-2006 Photobucket Inc. All rights reserved.


1. A viagem, de barco, para a Guiné, será para todos os efeitos o cruzeiro das nossas vidas... As imagens da partida do Cais da Rocha Conde de Óbidos, num dos barcos da nossa marinha mercante, fretados pelo Exércitio - Niassa, Uíge, Alfredo da Silva, Ana Mafalda, etc. - não mais nos largaram ao longo da vida... Hoje é altura de recordarmos essa viagem que, para alguns dos nossos camaradas, foi sem regresso... Já aqui se publicaram alguns textos interessantes sobre esses cruzeiros que nos levavam directamente de Lisboa para Bissau... Vamos recuperá-los e esperar que outros camaradas nos enviem relatos inéditos... Alguns de nós ficaram a ver Bissau por um canudo: foi o caso por exemplo do J. Mexia Alves cujo batalhão (o BART 3873) foi directamente recambiado, em LDG, para Bolama, depois de passar o Natal a bordo do Niassa... O nosso camarada Mexia Alves vai ter o privilégio do ponto de saída desta nova série...

1. Texto do Joaquim Mexia Alves, ex-alferes miliciano de operações especiais, que de Dezembro de 1971 a Dezembro de 1973 passou por três unidades no TO da Guiné: pertenceu originalmente à CART 3492 (Xitole / Ponte dos Fulas), antes de ingressar no Pel Caç Nat 52 (Bambadinca, Ponte Rio Udunduma, Mato Cão) e depois na CCAÇ 15 (Mansoa ). A CART 3492 pertencia ao BART 3873
Caro Luis Graça:

Mais um relato da tropa!!!

Título: O humor do Estado Português ou a sua preocupação com o bem estar dos seus militares.

O titulo, que podes mudar à vontade, pode parecer estranho, mas a verdade é que só levando a coisa para o gozo é que podemos recordar certos acontecimentos da nossa vida militar.

Ao que julgamos saber, eu e mais todos os que me acompanharam na viagem do Niassa para a Guiné, foi a preocupação do Estado Português em nos proporcionar um Natal diferente e mais familiar, que nos fez embarcar no célebre Paquete de Luxo Niassa, no dia 21 de Dezembro de 1971, por forma a podermos celebrar, com a grande família militar, as festas natalícias desse ano, na certeza de que muito apreciaríamos esse gesto de carinho e interesse pelo nosso bem estar.

Claro, a maior parte de nós, há mais de 19/20 anos que passavámos o Natal com a família e, por isso, sabendo que estavamos enfadados com a rotina, decidiram dar-nos assim umas Festas diferentes.

Ao que me lembro, o Niassa transportava dois Batalhões (o de Bambadinca e o de Galomaro) e uma ou duas Companhias Independentes, o que já era uma população muito considerável para tão frágil navio.

Lembro-me de ter ido jantar um dia com os soldados do meu pelotão, e ter ficado impressionado e chocado com as condições de transporte daqueles homens.

No chamado bar de Oficiais havia uma banda de música, composta se não me engano por três indivíduos de idade avançada, pelo menos para mim, o que tornava o ambiente ainda mais surreal.

A mesa de pingue-pongue na varanda (não sei o termo náutico, tombadilho?), junto ao bar deixou rapidamente de ter clientes porque, julgo eu, devem ter acabado as bolas no Atlântico ao sabor das ondas.

Lembro-me ainda da excitação do pessoal quando se avistaram peixes voadores, porque tirando a experiência dos mais viajados, para a maior parte era algo que apenas pertencia aos livros de Zoologia.

Niassa > Navio misto (carga e passageiros), de 1 hélice, construído em 1955, na Bélgica, registado no Porto de Lisboa, e abatido em 1979; com : mais de 151 metros de comprimento, tinha arqueação bruta de c. 10.700 toneladas, uma potência de 6.800 cavalos e uma velocidade normal de 16,2 nós. Dispunha dos seguintes alojamentos: 22 em primeira classe, e 300 em classe turística, num total de 322 passageiros. (Quando transportavam tropas, a sua lotação quadruplicava...). O nº de tripulantes era de 132. Armador: Companhia Nacional de Navegação, Lisboa . (LG)
Fonte: Navios Mercantes Portugueses (2004) (com a devida vénia...)


O calor, quando entrámos no Golfo da Guiné, era insuportável, e somado ao barulho constante das máquinas do navio e ao cheiro a vomitado que tomava conta dos corredores, tornou o Natal a bordo algo de inesquecível, dando razão àqueles que, preocupados com o nosso bem estar, nos fizeram embarcar naquela data para a Guiné.

Chegados ao largo de Bissau, descemos directamente para as LDG, que nos transportaram para a ilha de Bolama, (pelo menos o meu Batalhão), onde fomos recebidos com cânticos do folclore autóctone, nomeadamente, a por demais conhecida canção Periquito vai no Mato.

Ficámos em Bolama cerca de um mês, mas isso é estória para depois.

Junto fotografias que documentam o acontecido das quais poderás escolher o que interessar.

Abraço do
Joaquim Mexia Alves

________

Nota de L.G.:

(1) Vd. post de 2 de Outubro de 2006 > Guiné 63/74 - P1141: As (des)andanças do TT Niassa em Dezembro de 1971 (Lema Santos)