2 - Instrução, embarque e viagem até á GUINÉ da CArt 2339
2 -1 - O 2º GrComb
Concentração em Évora
RAL 3, Setembro de 1967, local de concentração dos graduados da Companhia Independente 2339.
Dias depois chegariam os soldados, a maioria saída da recruta, para receberem a especialidade de atiradores. As outras especialidades seriam dadas noutras Unidades Militares e mesmo no RAL.
Nos primeiros dias as habituais reuniões de graduados, a constituição de grupos para ministrar a instrução e outros assuntos.
Os Cabos Milicianos escolhiam os aspirantes para a formação dos quatro pelotões de instrução. O meu era, devido á classificação, o 2º Grupo. Fui escolhido pelos futuros Furriéis – Rei, Rodrigues e Sousa. Todos tínhamos tirado, na mesma altura e local, Vendas Novas, a especialidade: Atirador de Artilharia.
Vieram os soldados, foram integrados nos vários grupos, creio que de forma aleatória, ou mais pelo conhecimento, que tinham entre eles, da recruta ou vida civil.
Com os graduados era metade, metade: O Alferes era algarvio, criado no Alentejo e um Furriel natural de Vila do Bispo, algarvio portanto. Os outros dois Furriéis eram da zona do Porto.
Já na Guiné houve mudanças. O Sousa (Fernando Luís, desportista e professor conhecido) foi ao segundo ou terceiro mês para a 3ª ou 5ª de Comandos. Ficou nos Comandos, mudando de Companhia, até ao fim da comissão. Não perdeu o contacto connosco e regressamos juntos. Foi substituído pelo Sérgio, natural de Angola. Estudou e trabalhava na zona do Porto. O Rei, ficou sempre, felizmente, no grupo a corrermos Guiné fora.
Um outro devia ter sido evacuado mas nunca o foi.
Mas estes relatos, estas estórias para reproduzirem, o mais fielmente possível o que se passou têm, tanto quanto possível, ser vistas com os “olhos” de outrora. Era um grupo, a procurar união, a mais ou a melhor preparação para “ a guerra colonial”, um espírito próprio e coeso. Não procurava ser melhor, pior ou diferente dos outros. Tinha, isso sim a auto estima, a vontade de contribuir para uma Companhia unida, onde todos fossem solidários com todos e os Viriatos fossem um conjunto forte e coeso. Parece-me que isso foi conseguido. Creio mesmo que se mantém até hoje.
Ordem de embarque
Terminada a instrução, depois de curtas férias aparece a ordem de embarque. Numa gélida manhã de Janeiro, que certamente ninguém esquece devido aos gritos, choros e ao dramatismo de uma despedida, para muitos a ser vivida como final, embarcámos no Ana Mafalda, rumo á Guiné.
Ao quinto dia aportámos, por horas, em Cabo Verde. No dia seguinte, aí estava a Guiné. Fizémos o treino operacional no Xime. A
Nunca o Grupo ou a Companhia sentiu o peso da derrota.
Regressámos. Despedimo-nos, aos poucos, num fim de tarde e princípio de noite de Dezembro, novamente, de onde, cerca de dois anos antes havíamos saído: Évora.
Partimos por esse País fora, á procura da Vida interrompida. Só que antes já tinha partido o melhor da nossa juventude, o tempo perdido, as transformações em nós operadas, a visão da violência sofrida. Aos poucos recuperamos, talvez ou certamente nem todos o tenham conseguido. Mas certamente tentámos esquecer e viver outras vidas.
Voltámos a encontrar-nos, creio que em 1991, num restaurante da cidade de Aveiro no habitual almoço convívio. Emocionámo-nos. Todos os anos se repetiram os almoços em convívio-terapia. Só voltei, há dois anos a Évora. Julgava ser uma despedida. Ainda por cá estou e talvez volte um dia. Gosto demasiado da malta.
Mas sinto muito a despedida, a falta de brancos e negros que já partiram…e algo de “raiva surda” por certo passado… aos poucos passa…aos poucos encontrarei certamente a paz ou o saber esquecer e perdoar… talvez não…talvez sim…talvez alguém leve os meus fantasmas…
2 – 2 - Breve síntese, desde a formação e instrução em Évora, á Comissão na Guiné e finalmente o regresso. Parece estar tudo dito. Mas não está. Só focar mais dois ou três pontos: a instrução, a preparação e o embarque, a viagem.
Assim:
- A instrução foi em Évora e arredores, tendo o RAL3 por base. Procurou ser a mais consentânea com a guerra que nos esperava, com os conhecimentos adquiridos e com os homens que formavam cada pelotão. A Guiné, o destino não desejado, estava sempre presente. Era muito pouco tempo para ministrar uma instrução adequada.
Carência de meios postos á disposição, alguma falta de conhecimentos dos graduados (excepto dois ou três Sargentos do Q.P., com anteriores comissões) e os militares, os instruendos da especialidade que, uma breve recruta, não tinha sido suficiente para lhes dar a devida preparação para a especialidade.
Tínhamos a vantagem, muitas vezes isso é esquecido, da qualidade do homem português. A origem, da maioria daqueles homens era camponesa, trabalhadora da construção civil ou dos têxteis, a darem duro desde tenra idade. A rusticidade deles, o hábito á dureza da vida era uma enorme vantagem. Alguns eram homens que nunca tinham sido crianças. Outros já eram casados e pais de filhos. Muitos não eram bons ginastas, devido á dureza dos músculos travar a flexibilidade ou a dificuldade na coordenação motora. Relembro três casos: um que não era capaz de saltar o muro de terceira. Não me atrevo, dizia ele. Foi excelente combatente. Outro, casado e camponês, foi o “ bazokeiro” do Grupo. Ao segundo mês de comissão recebeu a noticia que era pai de uma menina. Nunca a conheceu. Faleceu pouco antes do embarque e num acidente em Bissau. Era a brutalidade daquela guerra. O terceiro caso é sobre a dignidade de um homem. Já na Guiné recebeu a noticia que ia ser pai, só que não tinha casado com a mulher a quem prometera, certamente depois do regresso, casar. Assim que pode, não eram permitidas férias ao segundo ou terceiro mês, veio para casar. Era esta, felizmente, a massa humana do segundo Grupo. Estes três casos podemos estendê-los a todo o grupo ou à Companhia.
Terminou a especialidade depois de uma semana de campo.
Antes de um merecido período de férias, veio a notícia do destino: Guiné.
Preparação para o embarque
- A preparação e o embarque tinham que ser feitas com certo cuidado. A notícia da ida para a Guiné, não foi recebida com entusiasmo pela maioria. Até os Militares do Q.P., estranharam nova ida para lá, pois a última fora lá passada.
As praças receberam o fardamento, meteram-no em dois sacos cilíndricos, também fornecidos, puseram-nos ás costas e foram de férias. Passaram o Natal e o Ano Novo em casa e apresentaram-se nos primeiros dias de Janeiro. Os graduados receberam um subsídio, creio que foi isso, e foram ao Casão Militar comprar o fardamento apropriado. Se bem me lembro, o 1º Sargento Clemente ou outro, Silva ou Moura Gomes, fizeram uma listagem e fui com ela ao Casão. Comprei a mala mais feia que encontrei – cinzenta e de plástico duro – e meti lá todo o material constante da lista. Mais tarde em minha casa foi, tanta e esquisita roupagem, posta á medida. Curiosamente até certos pormenores os Profissionais nos indicaram.
Embarque
Passaram rápidas as férias e, no dia indicado, parti para Évora. Não tinha a certeza do dia de embarque. Para a Guiné partiram antes de nós um Oficial e um Sargento. Nós iríamos depois. Não me recordo o dia da apresentação ao certo. Sei que tivemos duas baixas; um alferes que espatifou um pé e o furriel mecânico que, talvez devido ao calor e excesso de humidade guineenses, preferiu a Europa ou a América. Gostos…Os restantes apresentaram-se todos.
Esperámos pelo embarque, adiado pelo menos uma vez. Um dia soubemos: embarque a 14 de Janeiro. Telefonei para casa e pedi a meu pai para ninguém ir a Lisboa. Despedidas não.
No dia 12 recebi a ordem de ir, no dia seguinte para Lisboa tratar do embarque. O resto da Companhia iria depois.
Viagem
Deixei as malas no camarote e vim até à amurada. Ali estive, não sei quanto tempo a pensar, a ver o meu País a afastar-se. Ainda o Cabo São Vicente se via ao longe, senti o Rodrigues, Furriel do meu Grupo, ao pé de mim. Disse-me: será que voltamos a ver o nosso Algarve? (lembras-te camarada? Não me deves ler… tentas esquecer…tens esse direito). Respondi-lhe: eu vejo e você também. Com “ganas”e a raiva do não querer estar ali. Porquê? Porque não devia estar ali! Não era guerra minha e devia acabar o curso. Além disso tinha 22 anos e queria viver…mas já estava transformado…
Continuou a viagem, com enjoos de alguns e os dias a escorrerem devagar. Na terça dia 16, ao longe as luzes das Canárias e na madrugada de sexta dia 19, aí estavam o porto de Pedra Lume, Ilha do Sal, Cabo Verde. Carga e descarga de material e nova largada rumo a Bissau.
cont.
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Notas de vb:
1. Continuação e reescrita das Estórias de Mansambo.
2. Artigo anterior em
18 de Novembro de 2008 > Guiné 63/74 - P3474: Estórias de Mansambo (Torcato Mendonça, CART 2339) (14): De Évora a Mansambo...