Caríssimos
Não foram apenas a família e as namoradas que nos ligaram ao mundo do lado de cá da guerra, como podem ver nos anexos.
Abraços
Zé Teixeira
OS AMIGOS E AMIGAS QUE NOS LIGARAM AO NOSSO MUNDO
Alguma coisa se tem escrito sobre as noivas e namoradas que viram os seus “amores” partirem para Guerra Colonial. Seguiam-se normalmente cerca de dois anos de separação em que o amor e os afectos eram alimentados pelas cartas e “bate-estradas”, vulgo aerogramas. Tempo de sofrimento. Tempo que nunca mais passava.
Um camarada meu recebia um montão de cartas sempre que a avioneta chegava com notícias frescas. A sua namorada assumiu o compromisso de lhe escrever todos os dias e ...ele correspondia de igual modo. Teve azar o Miguel. Uma mina traiçoeira roubou-lhe uma perna. Os seus gritos de dor eram entremeados com gritos de desespero porque pensava que ela, a sua querida, não ia querer um manco como marido. Felizmente o drama acabou bem. Hoje são um casal feliz.
E, quantas vezes, o tempo que teimava em não passar, fazia arrefecer o calor desse amor jurado e selado com beijos de saudade. Namoradas que, cansadas de esperar, por quem nunca mais chegava, mandaram o parceiro dar uma volta ao bilhar grande, para desgosto e sofrimento deste. O contrário, creio bem, que também aconteceu.
Os que conseguiram vencer esta difícil etapa tiveram com certeza uma recompensa proveitosa.
As madrinhas de guerra e o seu excelente papel no apoio aos seus afilhados. Algumas, deixaram-se apanhar pelo “cupido” e transformaram-se com o andar dos tempos em namoradas e até esposas. Outras, assumiam o papel de madrinhas de guerra como uma missão humana quando não patriótica. Elas eram raparigas novas cheias de vida, quantas vezes com compromissos de namoro assumidos com outro, eram mulheres casadas e até velhinhas.
Recordo o caso da madrinha de guerra de proveta idade, já avó e viúva que decidiu entrar nesta roda. Deu o seu nome a uma revista fofoqueira da época e lá lhe apareceu um candidato. Ao fim de algum tempo o “atrevidote” pediu-lhe uma fotografia, que teimava em não chegar. Depois foi mais longe e pediu em namoro. Claro que recebeu uma carta da senhora a dizer que aceitava o seu pedido de namoro.
Aproveitou para lhe enviar uma fotografia pessoal e informou-o do seu estado civil. Calculem o estado de espírito com que ficou o nosso camarada.
Havia ainda os amigos e amigas, sem qualquer rótulo, que nos acompanharam com a sua palavra escrita, naquele tempo de sangue, suor e lágrimas.
Há dias em conversa com uma amiga e esposa de um camarada combatente na Guiné, ao tempo, estudante na ESBAP – Escola Superior de Belas Artes do Porto, hoje uma conceituada pintora da nossa praça, disse-me ela que, em determinado ano escolar, os rapazes da sua turma desapareceram. Apenas ficou um porque era deficiente motor. Os outros “voaram” todos para a Guerra Colonial. A turma ficou vazia. A colega e amiga, tomou a iniciativa de manter uma ligação de carinho e amizade com os desventurados estudantes que desde há vários anos eram os seus amigos do dia-a-dia, assumindo o compromisso de lhes escrever a contar as novidades da escola e da terra. A linguagem que utilizou foi a que eles como estudantes de Belas artes melhor entendiam. O desenho com arte e imaginação, como se pode ver nas imagens.
Um dos colegas com quem ela se correspondeu, muitos anos depois, recordou esta forma de estar e devolveu-lhe com carinho alguns dos belos desenhos que recebera na selva africana, que aqui se reproduzem.
Eu fui dos que tive a sorte de ter alguém que de vez em quando me presenteavam com notícias frescas do meu País. Muito lhes devo pela sua presença fraterna e amiga que de vez em quando, dava sinais de vida, a lembrar-me que eu não estava só. A sua forma de escrita era diferente. Liberta de sentimentos amorosos e preocupações, enviavam notícias, comentários, contos e ditos, enfim!
Transportavam-me de novo ao meu mundo.
Acabada a guerra. Regressado ao ninho de afectos. Abraços distribuídos. Algumas cenas do outro mundo, contada. E a vida recomeçou. Cada um de nós seguiu o seu caminho. A amizade e a gratidão, essas ficaram cá dentro de nós, estejam eles ou elas onde estiverem.
Nunca mais pensei nesses amigos e amigas como os tais que se preocuparam com o meu bem-estar durante a guerra. Apenas a amizade ficou mais solidificada.
José Teixeira
(Cortesia de uma amiga que, ao tempo da guerra colonial, era estudante de belas artes. JT)
____________Nota do editor
Primeiros postes da série:
26 de junho de 2015 > Guiné 63/74 - P14799: Nas férias do verão de 2015, mandem-nos um bate-estradas (1): Carta aberta aos camaradas da Tabanca Grande: o que fiz (e não fiz) como cofundador e dirigente da associação APOIAR (Mário Gaspar, ex-fur mil at art, MA, CART 1659, Gadamael e Ganturé, 1967/68)
13 de julho de 2015 > Guiné 63/74 - P14872: Nas férias do verão de 2015, mandem-nos um bate-estradas (2): Convívio da Tabanca de Porto Dinheiro, 12 de julho de 2015 (Parte I): organização 'impex' do Eduardo Jorge Ferreira (ex-1º cabo inf, do exército luso-britânico que se cobriu de glória na batalha no Vimeiro, em 21/8/1808; ex-alf mil, PA, Bissau, Bissalanca, BA 12, 1973/74)
14 de julho de 2015 > Guiné 63/74 - P14874: Nas férias do verão de 2015, mandem-nos um bate-estradas (3): Convívio da Tabanca de Porto Dinheiro, 12 de julho de 2015 (Parte II): João Crisóstomo e António Nunes Lopes, do mesmo pelotão, da CCAÇ 1439, encontram-se 50 anos depois e falam, com emoção e dramatismo, da violenta emboscada que uma vez sofreram em Darsalame (Baio), no subsetor do Xime
14 de julho de 2015 > Guiné 63/74 - P14874: Nas férias do verão de 2015, mandem-nos um bate-estradas (3): Convívio da Tabanca de Porto Dinheiro, 12 de julho de 2015 (Parte II): João Crisóstomo e António Nunes Lopes, do mesmo pelotão, da CCAÇ 1439, encontram-se 50 anos depois e falam, com emoção e dramatismo, da violenta emboscada que uma vez sofreram em Darsalame (Baio), no subsetor do Xime