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segunda-feira, 18 de janeiro de 2016

Guiné 63/74 - P15636: Antropologia (24): Esculturas e objectos decorados da Guiné Portuguesa (João Sacôto)

1. Mensagem do nosso camarada João Sacôto (ex-Alf Mil da CCAÇ 617/BCAÇ 619 (Catió, Ilha do Como e Cachil, 1964/66), com data de 19 de Dezembro de 2015:

Luís,
Ao ler o Post 15503: Esculturas e objectos decorados da Guiné Portuguesa no Museu de Etnologia do Ultramar, (Mário Beja Santos), lembrei-me que seria interessante que os amigos e camaradas da Guiné contribuíssem com fotografias de objectos de artesanato, eventualmente trazidos da Guiné, a fim de serem publicadas no Blog e assim, possa ser criado um acervo que julgo seria de grande valia etnográfica.
Tomo, pois a liberdade de te enviar fotografias de alguns objectos que vieram comigo da Guiné e que acabei agora de fotografar.







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Nota do editor

Último poste da série de 9 de dezembro de 2015 Guiné 63/74 - P15465: Antropologia (23): “Portugal Romântico”, com texto de Frederic P. Marjay, edição de 1955 (Mário Beja Santos)

Guiné 63/74 - P15635: Inquérito 'on line' (30): "Sim, a Tropa fez de mim um Homem"... (Mário Vitorino Gaspar)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Vitorino Gaspar (ex-Fur Mil At Art e Minas e Armadilhas da CART 1659, Gadamael e Ganturé, 1967/68), com data de hoje, 18 de Janeiro de 2016, com a sua opinião sobre o tema "A Tropa vai fazer de ti um homem":

Caros Camaradas

A tropa, na minha modesta opinião, também polémica e contestável, foi um desastre na minha vida, isto era já o que pensava quando a PIDE através das Câmaras Municipais de Sintra (onde nasci) e Vila Franca de Xira, devido a habitar em Alhandra. Existe um pedido desta última Câmara à Junta de Freguesia de Alhandra.

Este pedido é formulado devido ir frequentar o Curso de Sargentos Milicianos (CSM).

Isto devia suceder com os Camaradas todos que viessem a frequentar os Cursos de Oficiais e Sargentos Milicianos. Obtive essa informação quando fui à Torre do Tombo consultar o meu Processo. Isto por termos muitos de nós esses Processos. Infelizmente que no meu Processo Civil e Militar, nada consta sobre a carnificina em Ganturé, morreram 10 civis e mais de 20 feridos. Era o primeiro visado.

Abriram um Processo Civil (a cargo da PIDE, isto já em Gadamael) e o Militar sobre a responsabilidade do Comandante da Companhia de Caçadores 1620, o Capitão Miliciano de Infantaria Fernando António de Magalhães Oliveira, Sangonhá e Cacoca. A CCAÇ 1620 foi para Sangonhá a 01AGO67 e foi rendida pela CCAÇ 1621 a 20MAR68.

À partida ir para a tropa prejudicava a minha vida e meus sonhos e ambições.


Velha Vila de Sintra. Ao virar à direita, fundo prédio amarelo estavam os Bombeiros 

© Foto do meu filho Alexandre Miguel Marques Gaspar


A Inspecção na Vila de Sintra a 27 de Julho de 1963 (nos Bombeiros Municipais da terra), onde veio a ser mais tarde o Museu do Brinquedo – parece não ser o local onde se situa este – mas não tenho a certeza e pouco importa.

A Inspecção unanimemente era para quase toda a rapaziada um dia de festa. “Não era homem não era nada se não fosse apurado para o Serviço Militar”.

O meu pai tentou que fosse trabalhar para as Oficinas Gerais do Material Aeronáutico (OGMA). Quem trabalhasse nestas Oficinas fazia  julgo que só a Recruta. Mas não quis por não ser diferente de todos os outros. Reconheço não ter o direito de julgar todos aqueles que ficaram livres de embarcarem para a Guerra quando eram trabalhadores das OGMA. Existiam outros abrangidos – trabalhadores por exemplo da Fábrica de Braço de Pátria (FBP – onde nasceu a nossa Pistola Metralhadora “FBP”) – que também, entre outros ficado livres – ao fim e ao cabo – de partirem para a Guerra. Fui à Inspecção e logo que o “nosso Sargento” gritou “Todos nus”, despi-me e coloquei-me na varanda nu, turistas que passavam riam.

Verifiquei terem ficado satisfeitos e radiantes ao tomarem conhecimento “terem ficado apurados para todo o serviço…”. Combinavam festas, almoços e adquiriram umas fitas que traziam escrito o apuramento para a tropa.

Trata-se de dar a minha opinião quando os meus filhos Carlos Pedro e Alexandre Miguel, também meus netos Raquel e Pedro, me perguntaram ou venham a fazê-lo: "Pai, avô, a tropa fez de ti um homem?".

Nem todos os camaradas possuem esta relíquia. Sempre pendurado no pescoço. 
Denomino Chapas dos Mortos

Pois contrariado e sempre, fui cumprindo. Quanto a “fazer de mim um homem”, não. A primeira resposta: “Não, a tropa não fez de mim um homem”, mas ajudou-me a evoluir noutros aspectos, andei num Curso Superior da Vida – Tropa/Serviço-Militar, antes uma “Pós-Graduação”, principalmente por ser de Especialista de Minas e Armadilhas. Aprendi e muito por vontade própria e defesa pessoal e defesa dos outros, a olhar para o meu interior, tendo adquirido o domínio, e alarguei os “meus sentidos”, conseguindo preencher as lacunas que permitiram tornar-me um perito no controlo de emoções, aumentando a minha biblioteca mental. Aprendi a controlar o tempo e dar uma resposta logo que solicitada.

Também assumo que a “tropa ajudou muito jovens a libertarem-se da enxada ao tomarem conhecimento que o mundo não era a sua aldeia, a sua terra e que existia um outro mundo por descobrir”. Fico imensamente radiante e orgulhoso quando fui professor de analfabetos e levei a passarem no Exame da 3.ª ou 4.ª Classes estes camaradas, mesmo aqueles que nem sequer fizeram esses Exames. Existiam aqueles que sabiam o suficiente para passarem no Exame e outros que não reuniam condições para passarem no Exame. Aqueles que reuniam as condições – segundo a minha opinião, e aqui era somente eu o responsável, só eu – foram a Exame, os outros foram por mim substituídos por camaradas já com a 4.ª Classe feita. Tudo feito unicamente com a minha responsabilidade. O Capitão só viu quando estavam todos sentados a fazerem as Provas, e eram 1.º Cabos os substitutos. Os Alferes Milicianos oriundos de Bissau acompanhavam os Exames. Depois de Aprovados, tiveram os substituídos de saberem assinar os seus nomes. Fiz mal? Se fiz, condenem-me. Fiquei feliz quando encontrei um camarada desses a conduzir um táxi. Tomei conhecimento ter feito depois a 4.ª Classe. Respeito todos aqueles que se libertaram, nesse aspecto a “tropa ajudou”, não a “serem homens” – homens já eram – ajudou a que dessem uma volta na vida. Alguns são proprietários de Empresas, a satisfação para mim.

Eu fui ajudado no dia 24 de Janeiro de 1969 na Entrevista com o Engenheiro Sucena, Administrador da DIAMANG e DIALAP que depois de confessar ser “um estudioso do ser humano e que nada tirara de mim, mas que se respondesse à questão que colocou «que razões tinha eu Mário Vitorino Gaspar para convencer o Engenheiro que veria ser um bom Lapidador de Diamantes, já que o diamante era matéria cara, podia ser muito valiosa e valer milhões”?
Respondi que tinha terminado o Serviço Militar e tinha feito uma Comissão e ter lidado com a morte, especialmente por ser de Minas e Armadilhas, e ter comandado homens. Terminando por dizer que lapidar diamantes seria tarefa mais fácil e com certeza viria a ser um bom Lapidador de Diamantes”. Respondeu o Engenheiro Sucena: “Venha trabalhar no dia 27 de Janeiro para a DIALAP – Sociedade Portuguesa de Lapidação de Diamantes, SA”. E acabei mesmo por ser um bom Lapidador de Diamantes.

Tivera a oportunidade de ver o Mancebo chegar ao RI 14, em Viseu – fui Monitor de Instrução desde 3 de Abril de 1966 a Agosto do mesmo ano e vi chegarem esses jovens (cada Pelotão da Recruta com 77 jovens) e tive na minha presença o Soldado Português com características que faziam com que o nosso papel de Instrutores e Monitores fosse facilitado. A crueldade da vida ao viverem em terras remotas, longe dos grandes centros urbanos e terem como utensílio a enxada e viverem longe e terem de caminhar muitos quilómetros e também viverem isolados. Reunidas estavam as condições para serem os meus Heróis. Ao ministrar a Especialidade, neste caso já à Companhia a que pertencia, a CART 1659 e chamada ZORBA e com o lema “Os Homens não Morrem”, fiquei consciente que teria de partir com eles. Afastei a ideia de desertar e assumi conscientemente esse compromisso, mesmo sendo sempre contrário à Guerra. Defensor acérrimo que o Amor é a solução. E a 100% parti para a Guiné. Nunca na Guerra – para mim foi uma Guerra Colonial – me baldei. Cumpri.

Aceito que a tropa, neste caso a Guerra foi uma oportunidade de mudar de vida. Foi um virar de página para uma grande maioria. Para mim foi um travão e só me libertei com quase 26 anos. Mudei realmente, mas era também essa a minha intenção – MUDAR DE VIDA…

Mário Vitorino Gaspar
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Nota do editor

 Último poste da série > 18 de janeiro de 2016 > Guiné 63/74 - P15633: Inquérito 'on line' (29): "A tropa fez de mim um homem"... Em 100 respostas, 34 dizem Sim, 21 dizem Não, 42 dizem Nim... Comentários de A. Sousa de Castro, António Carvalho [de Mampatá], Leão Varela, Alcides Silva, Juvenal Amado e Hélder Sousa...

Guiné 63/74 - P15634: A minha guerra a petróleo (ex-Cap Art Pereira da Costa) (16): “A Tropa vai fazer de Ti um Homem!”

 
1. Em mensagem de hoje, 18 de Janeiro de 2016, o nosso camarada António José Pereira da Costa, Coronel de Art.ª Ref (ex-Alferes de Art.ª na CART 1692/BART 1914, Cacine, 1968/69; ex-Capitão de Art.ª e CMDT das CART 3494/BART 3873, Xime e Mansambo, e CART 3567, Mansabá, 1972/74), enviou-nos mais um artigo para incluir na sua série "A Minha Guerra a Petróleo", desta vez a propósito do tema em discussão "A Tropa via fazer de ti um homem".
 


A Minha Guerra Petróleo (16)

“A Tropa vai fazer de Ti um Homem!”

Era uma frase feita e, como todas as frases feitas, tinha um fundo de verdade à mistura com uma fraca resistência a uma análise de significado mais cuidadosa. Outros diziam que “a Guerra faz os Homens fortes”. Coisas que se dizem…

Desde logo haveria que esclarecer o que é isso de ser “um Homem”. Toda gente daquele tempo – velhos e novos, homens e mulheres – sabia e lembra ainda hoje o que isso significava, mas, ao tempo, o melhor era não aprofundar o conceito, pois ele esboroava-se e as dúvidas surgidas seriam mais do que muitas…

Tinha de ser um “chefe de família”. Aí todos estávamos de acordo. Tinha algo de positivo e construtivo esta espécie de título nobiliárquico que oficializava a afirmação do Homem (do povo) como chefe, no ambiente familiar, mas, ao mesmo tempo, obrigava-o a ser o sustentáculo do agregado familiar e a não ser “marido de modista”, isto é, um alérgico ao trabalho vivendo à sombra da profissão da mulher. Havia, assim, uma espécie de divisão de tarefas pela qual a mulher era responsável, em primeira linha, pela educação e preparação dos filhos para a vida, e o homem que, com certo brio, normalmente no exterior, arranjava pelo trabalho, os meios para o sustento da casa. Sabemos que as novas gerações acham este padrão absurdo e nem sequer tentam entendê-lo, mas que era assim, salvo excepções, lá isso era.

Esquecem-se apenas de que o trabalho feminino se desenvolveu em consequência de uma guerra e que hoje as mulheres trabalham não por uma questão de “independência e dignidade”, mas muito principalmente porque a família só pôde melhorar os rendimentos familiares somando os salários de ambos os progenitores. Além disso, aos patrões agrada a presença de quem ganhe menos, produza o mesmo e tenha uma capacidade de organização sindical e reivindicativa menor. Mas isto já são “outros caminhos da História”.

Naquele tempo “Tropa” era um acidente previsto na vida dos homens, mas que, ao mesmo tempo, funcionava como uma meta a atingir. Há quem diga que era uma forma de controlo da população e é provável que tivesse sido, mesmo que indirectamente.

Antes de 1961, (antes da guerra do ultramar/colonial) assistia-se a um espectáculo triste, mas que se aceitava na esperança de que caísse nos outros e não em nós. A incorporação do contingente disponível não podia ser muito elevada por ser antieconómica – a vários níveis – e muito mais num país a contar os tostões na sua vida pública. Ir às sortes era uma espécie de totoloto destinado a determinar quem seria incorporado e quem voltaria para “a vida fácil”. No sorteio, a corrupção – por vezes caricatamente baixa – fazia parte dos dados a introduzir e, por consequência, “quem não tinha padrinhos, morria mouro”, a menos que o seu fervor patriótico ou a crença de que a tropa fazia bem o levasse a aceitar ficar apurado. Era o tempo dos “pés chatos” (fosse isso o que fosse e às vezes não era nada) que davam direito a “ficar-se livre à tropa”.

Mas a ida às sortes tinha um aspecto muito positivo. Em muitos casos, era a primeira vez que o jovem ia a uma consulta médica e, se ficasse apurado, sabia que tinha saúde e devidamente autenticada. Os “fraquinhos e os enfezadinhos” ficavam de fora, com as vantagens e inconvenientes que isso comportasse. Depois eram as tais “sortes”, às quais se seguiria um alegre retorno a casa, em liberdade, ou “um não há-de ser nada” para os que seriam incorporados. A incorporação e o serviço militar eram feitos normalmente longe de casa e aí começava um choque na vida do homem que, se tinha aspectos negativos, não podemos negar que abria horizontes – e muito mais naquele tempo – pelo contacto com outros homens, de outras terras e com outros hábitos. É uma realidade que não podemos negar e que hoje procuramos. Porém, feita por obrigação… pelo menos nos primeiros tempos, era uma experiência desagradável para muitos.

Seguia-se o contacto na caserna com outros jovens, de outras terras, com outros hábitos e outras maneiras de pensar, especialmente em relação ao meio em que tinham sido mergulhados. Surgiam os pequenos desenrascanços (sempre maus) e os furtos de caserna (revoltantes e, às vezes significativos) que chegavam a atingir peças de fardamento e equipamento, e a falta de higiene e a deficiência das instalações onde os refeitórios e cozinhas tinham lugar de destaque, pela negativa. E o fardamento que, numa demonstração de miséria nacional, era distribuído já usado com períodos de duração por vezes bastante curtos e que tinha que ser ajustado por troca entre interessados. Instalavam-se as pequenas rivalidades e até invejas de certa monta, às vezes de uma estupidez impressionante: ricos versus pobres, “copinhos de leite” versus “copofónicos”, “pintas de Lisboa” versus “alantejanos”, etc.. Quem não se lembra dos “meninos de Lisboa” que tinham a mania que sabiam tudo ou dos “balentáxos” da “Beira Ialta” que escondiam ao garrafão debaixo da cama e traziam a “churicha” embrulhada num guardanapo gorduroso e cortada com um canivete afiadíssimo, mas com gordura profundamente instalada, da base do cabo à ponta da lâmina?

Era o povo português no seu melhor e no seu mais significativo exemplo…

As mulheres não cumpriam serviço militar e, no fundo, os homens, na sua maior parte, se pudessem deixar de o cumprir, assim fariam. Todavia era algo a que dificilmente podiam fugir. Por isso, acabavam por exibir a sua passagem pelas fileiras como um emblema que os credenciava como homens mais completos. Não era o culto da "ideologia do marialvismo". Poderia ser um "rito de passagem" incentivado pela ideologia política e social do tempo.

Seguia-se a recruta onde o homem era confrontado com uns saberes esquisitos cuja finalidade não entendia. Desde as alocuções sobre o patriotismo, ao funcionamento das armas, o tiro dos diversos calibres, passando por uns exercícios físicos que o cansavam sem que percebesse para que serviam. Mas, a pouco-e-pouco, a integração ia-se dando e estabelecia-se até uma certa rivalidade com “os outros”, os civis, os do outro grupo. E vinha o juramento de bandeira, essencialmente uma festa com rancho melhorado, uns gritos, uma alocução patriótica (que se esquecia no minuto seguinte, mas da qual ficava uma ideia, ou mesmo duas, a juntar ao que se aprendera na Escola Primária) e mais exercícios de ginástica e outros que constituíam uma afirmação. De quê? Isso era outra questão, mas lá que era uma afirmação, disso não havia dúvidas. No final da vida de unidade, monótona e pouco atractiva, vinha a “peluda”. Saíam do quartel “à paisana” com a “consciência do dever cumprido”, dotados da valentia que o grupo sempre dá, impondo à contemplação da sociedade a vitória que acabavam de obter. No dia seguinte iniciavam o processo de esquecimento, confrontados com a vida todos os dias, mas, indiscutivelmente, com uma experiência que os marcava para o resto da vida, mesmo que não dissessem senão mal dela. E, às vezes até diziam bem…

Em muitos casos, o mito de que a tropa "forma homens" tinha confirmação. Os pais e a aldeia, ou seja, a família e a sociedade, notavam uma melhor inserção do homem que acabara de passar por aquela “etapa de desenvolvimento”. Embora durante o serviço militar, o homem tivesse de sobreviver autonomamente e com poucos meios, a emancipação, pelo menos para efeitos legais, chegava aos 21 anos, ou seja durante a sua passagem pelo quartel. Na etapa seguinte, vinha a constituição da família própria e a saída de casa com a correspondente independência garantidas pelo trabalho, mais ou menos afincado. Era um desiderato dos homens jovens daquele tempo.

Tudo ficava por aí e... as coisas iam andando.

E veio a “guerra”. Subitamente, o país, em geral, e os jovens, em especial, foram confrontados com a verdadeira “utilidade” das Forças Armadas. As sortes desapareceram. Agora “aproveitavam tudo”. A breve trecho, os quartéis passaram a turbinar cada vez mais aceleradamente na produção de militares, muitos dos quais não passavam de civis fardados (à pressa) que, depois de terem passado por tudo aquilo que os seus pais e irmãos mais velhos haviam passado, iam “aplicar a sua formação” no jogo de vida ou morte – que não conheciam senão dos filmes – e numa terra de que só tinham ouvido falar. No início, esta opção foi bem aceite por todos. Mais uma vez a “informação disponibilizada” e a História aprendida nos bancos da escola funcionaram como determinantes do comportamento cívico colectivo. Se uns aceitavam, pois a “Pátria estava em perigo”, outros não hesitavam e venderiam a sua parte de Angola (É nossa!) por meia garrafa de branco. Mas muitos partiram, e os que não foram permaneceram nas fileiras, sujeitos às suas regras de funcionamento, durante três anos, solução que, não envolvendo riscos de maior, deixava marcas mais profundas do que no passado.

O embarque era outro momento traumatizante e que marcava todos. Os que iam porque tendo tido a secreta esperança de que “comigo vai ser diferente”, viam que, afinal, tinham mesmo que ir; e os que ficavam porque não saberiam se voltavam a ver os que partiam e, se os voltassem a ver, se não seria com um bocado do corpo ou da mente a menos. Apesar de tudo, os que por cá ficavam engrenavam nos que fazeres diários e prosseguiam na vida. Depois eram as cartas, os aerogramas e o resto de todas as formas de comunicação possíveis ao tempo, mas que não transmitiam a experiência vivida. Tudo acabou por entrar na rotina com uns a irem e outros a virem e o país a habituar-se a este vai-e-vem.

E, para quem ia, chegava a parte mais marcante do serviço militar. Tudo era diferente nas terras onde se desembarcava. Umas mais ricas e progressivas; outras muito pobres e outras que quem chegava nem sequer sabia classificar, como as dos interiores, onde eram procuradas semelhanças com as gravuras dos tais livros escolares. E vinha uma enxurrada de situações vividas a um ritmo alucinante, durante dois anos. É absolutamente indescritível o número de situações e as suas características que viviam. A primeira operação, fosse ela uma coluna ou uma acção no final do IAO; a progressão no mato ou na estrada, à espera que os turras surgissem; o assalto a uma instalação ou a reacção a uma emboscada, uma mina, um ataque ao quartel com armas pesadas ou “ao arame”. E vinha a primeira baixa: um ferido ligeiro ou grave que, em sofrimento, era evacuado, ou um morto, a cujos últimos segundos assistiam ou que os olhava já de olhos fechados. A revolta que sentiam era enorme e a impossibilidade de sair “dali” tornava-a insuportável. Surgia a pergunta: o que é que estamos aqui a fazer?

Hoje pega-se nisto tudo, mete-se dentro do mesmo saco e chama-se-lhe “síndrome pós-traumática”. Não se faz nada, mas o tempo remedeia tudo. Mas naquela altura nem nome científico havia para o fluxo das vicissitudes pelas quais se passava.

Claro que havia coisas “giras”, situações cómicas, mas seria necessário ir para tão longe para nos rirmos uns dos outros? A entreajuda, a confraternização e a amizade fortaleciam-se, como normalmente sucede no meio da desgraça, quando o inimigo é comum. As condições de vida eram as que “podiam ser” e aquelas que se podiam ir granjeando na esperança que o tempo passasse, pois ninguém estava interessado em ir além da defesa da sobrevivência, embora houvesse que manter o inimigo em respeito e evitar que nos surpreendesse.

E as horas de incerteza, antes, durante e depois do que acontecia, fosse o que fosse? Um verdadeiro suplício durante o qual eram levantadas as mais diversas hipóteses.
Era um infinito de coisas que sucediam num dia-a-dia sem que se pudesse fazer algo para controlar o que acontecia.

E, no regresso vinham velhos. Muito velhos, às vezes. Não em idade, pois que essa era a mesma, mas de espírito. Algo desenraizados, aprendiam a questionar qual era efectivamente o seu papel e já não ali, mas na vida e na relação com os outros. Concluíam da relatividade da vida e da facilidade com que ela se ia, sem que pudessem fazer nada para o evitar. Podiam ter momentos de nostalgia ao contemplar a beleza natural, que sempre existe nas Áfricas e contactavam com povos que, vivendo no “mesmo país”, eram tão diferentes. Se estivessem atentos aprenderiam, como sempre acontece, mas, se quisessem aprender, a guerra não fazia falta nenhuma e nem todos tinham em si um antropólogo amador…

A soma, não necessariamente algébrica, de todas as amolgadelas que o destino lhes tinha imposto era o seu principal enriquecimento e é daí que, quer se queira, quer não, tiravam um amadurecimento que fazia dos que passaram por esta experiência mais capazes de, numa rápida apreciação, determinarem o que é mais importante na vida que daí em diante iam levar.

Depois de tanta provação ficavam “mais homens”? Certamente, na medida em que ficavam a conhecer melhor a natureza humana no seu melhor e no seu pior e estavam com maior apetência para a prática do bem, da paz e da solidariedade. Pena que a aprendizagem tivesse sido tão dura. Há quem diga que os maiores pacifistas são os que passaram por uma guerra. Nem sempre será assim, infelizmente, mas creio que no nosso caso será.
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Nota do editor

Último poste da série de 11 de setembro de 2015 Guiné 63/74 - P15104: A minha guerra a petróleo (ex-Cap Art Pereira da Costa) (15): Afinal houve mesmo guerra?

Guiné 63/74 - P15633: Inquérito 'on line' (29): "A tropa fez de mim um homem"... Em 100 respostas, 34 dizem Sim, 21 dizem Não, 42 dizem Nim... Comentários de A. Sousa de Castro, António Carvalho [de Mampatá], Leão Varela, Alcides Silva, Juvenal Amado e Hélder Sousa...

Motoqueiros de Alcobaça > 1965, Foto: © Juvenal Amado (2016). 
Todos os direitos reservados
A. Mais alguns comentários de camaradas  nossos, relativamente ao tema que está a serobjeto de inquérito de opinião, no nosso blogue, esta semana (*):



Sousa de Castro:

Não sei se a tropa fez de mim um homem!... A educação que me deram fez de mim uma pessoa responsável, no entanto admito que na tropa me tornei mais maduro, acho também que no tempo de hoje a tropa obrigatória seria muito bom para muita juventude dos 20, tornavam-nos mais responsáveis, mais calmos...

Hoje rapaziada não valoriza aqueles que obrigatoriamente tiveram que ir à tropa. Recordo-me aquando da minha inspecção ainda se valorizava ser ou não apurado, era... como dizer, sinónimo de pessoa saudável, prestável. 

Para mim a minha maior preocupação era não ir para a Guiné, Angola ou Moçambique tudo bem. No final senti-me satisfeito com a minha prestação e nunca me arrependi de ter participado na guerra colonial. Naquele tempo muitos mancebos pensavam que era obrigação um dever de todos servir e defender a Pátria, nomeadamente os menos informados, como eu por exemplo.

Carvalho de Mampatá:

Fez de mim um homem?

Como posso saber o homem que seria se por lá não tivesse passado ! Sim, se não tivesse passado pela Guiné, hoje, eu seria uma outra pessoa. De facto a Guiné mudou-me, mas o mesmo não direi da simples incorporação e permanência nos quarteis de cá, que pouco me marcou. 

Motoqueiros de Alcobaça > 1965
Foto: © Juvenal Amado (2016).
Todos os direitos reservados.  
Na Guiné, no confronto com culturas distintas da minha, durante mais de dois anos no meio de um conflito sem fim, ao serviço de uma causa cada vez mais notavelmente perdida, assistindo a mortes na Primavera da vida, longe do afecto da família, abandonado no meio de uma selva traiçoeira... esta Guiné mudou-me, se não fez de mim um homem, fez de mim um homem diferente,fez-me mal.


Leão Varela:

Já respondi ao Inquérito com um "Falso",  pois, para mim, quem me ajudou a ser um homem foi o meu saudoso pai.

Contudo, acrescentei que a tropa no seu todo me beneficiou em alguns aspetos que ainda hoje completam o meu "eu":

- Sentido de responsabilidade;
- Capacidade de organização pessoal;
- Capacidade de comando na minha vida profissional;
- Espírito de solidariedade e de camaradagem.


Alcides Silva

Camaradas, para mim a tropa só atrapalhou a minha vida mas adquiri alguns ensinamentos, por exemplo, não confiar tanto no outro.

Eu, com 15/16 anos,  sabia bem a minha posição na sociedade, com 14 anos passei a trabalhar com o meu pai, ele era bastante rígido no trabalho, comecei a programar sair para outro lado, com 16 anos fui trabalhar para uma empresa em trabalho diferente. 

Sempre me adaptei as situações, desde jovem sempre soube gerir a minha vida, apesar de entregar sempre o meu ordenado em casa. Trabalhando horas extras,  esse valor ficava para mim, fui juntando o possível para quando chegasse o tempo de tropa não pedir nada ao meu pai.

Andei 41 meses na tropa, fui para a Guiné, já tinha cumprido cá 18 meses, estava na Guiné hà 7 meses recebia a noticia de que o meu pai tinha falecido, resultante de um cancro, que era desconhecido e, assim fui ultrapassando as dificuldades, nunca fiz gastos desnecessários, hoje estou reformado como bancário, oportunidade que surgiu depois de chegar do Ultramar e assim se vai vivendo.

Cavaleiros de Sabugal em dia de ir às sortes, 1968
Foto © José Corceiro (2011).
Todos os direitos reservados. 
Juvenal Amado:

Se não foi à tropa será menos homem?

Penso que não.
Na minha família todos os homens foram militares, eu fui o terceiro a participar na guerra colonial. o meu irmão foi em 1966 para Moçambique, o meu primo Mário um ano mais tarde para Angola (um dos motoqueiros da fotografia; penso que é o único de óculos). 

Mas conheço muitos homens bons que não foram há tropa e são homens de corpo inteiro na cidadania e profissionais exemplares. Dito isto, penso que a tropa não faz de ninguém um homem, até porque hoje também há milhares de mulheres fazem serviço militar por este Mundo, fora o que não faz delas homens ou mulheres .

No caso dos homens que participaram na guerra colonial, alguma coisa mudou neles obrigatoriamente, mas não foi isso que fez deles uns homens.


Hélder Sousa:

Não me parece haver uma resposta simples para esta questão.

Que ela é pertinente, disso não tenho dúvidas. Aliás,  essa era uma frase muitas vezes ouvida: uma vezes soava como ameaça, outras como premonitória, outras esperançosa.
E, afinal, a 'tropa' faria ou não de nós uns 'homens'?
Sim. E não!
Dependo do ponto de vista e do que se estiver a referir.
Não falo do 'crescimento' físico, pois isso seria resultado natural da evolução humana. Nem é a esse aspecto que a frase [que o Juvenal colocou muito bem como título do seu livro, que vai ser lançado no dia 23, sábado, às 16h30, em Lisboa] se refere.  A(s) intenção(ões) da frase dizem mais respeito ao 'crescimento' interior, ao amadurecimento, portanto à maturidade.
Claro que não é obrigatório que tal só possa ser conseguido através da 'tropa', mas que, no 'nosso tempo' isso contribuiu para muitas coisas boas, sou da opinião que sim.

Disciplina alimentar, regras básicas de higiene, procura de autonomia e autosuficiência, etc. foram coisas que, no 'nosso tempo', repito, muito contribuíram para um maior e melhor conhecimento do País e suas realidades gerais, com jovens do interior a terem a visão do litoral e vice-versa e com isso a tomarem consciência.

Se a isso se acrescer o que se veio a revelar como a entreajuda, a solidariedade, a partilha, etc. temos, por aí, uma pista para se poder dizer que "se não nos fez ser 'um homem' contribuiu bastante para um 'crescimento' mais acelerado".


2. INQUÉRITO DE OPINIÃO: "SIM, A TROPA FEZ DE MIM UM HOMEM"


1. Totalmente verdadeiro  > 6 (6%)

2. Verdadeiro  > 28 (28%)

3. Nem verdadeiro nem falso  > 42 (42%)

4. Falso  > 14 (14%)

5. Totalmente falso  > 7 (7%)

6. Não sei responder  > 3 (3%)

Total de respostas: 100 (100,0%)

Prazo para responder: 21 de janeiro de 2016, 10h06
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Nota do editor:

Último poste da série > 16 de janeiro de  2016 > Guiné 63/74 - P15622: Inquérito 'on line' (28): "A tropa fez de mim um homem"?... Nem sim nem não, metade da malta (12 em 24) responde "nim", "nem verdadeiro nem falso"... Inquérito em curso até 5ª feira...

Guiné 63/74 - P15632: Notas de leitura (798): “La Découverte de L'Áfrique", por Catherine Coquery (1) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 6 de Abril de 2015:

Queridos amigos,
Esta obra tem o condão de nos dar uma sequência histórica de África até à conquista colonial, descrevendo os exploradores romanos, os relatos de geógrafos árabes e destacando os importantes documentos deixados pelos portugueses. Não será seguramente a melhor antologia desses comerciantes e navegadores que abriram uma nova era para o conhecimento do interior africano e da geografia do continente, basta dizer que a autora preferiu Azurara a André Álvares de Almada, mas o que está em causa é que se trata de um interessante livro de divulgação que não esconde ou ilude a probidade dos factos, estávamos em 1965 e o vigor ideológico e a denúncia anticolonial sobrepunham-se muitas vezes ao facto histórico.
Para que conste.

Um abraço do
Mário


À descoberta de África, por Catherine Coquery (1)

Beja Santos

A Coleção Arquivos Julliard foi de grande notoriedade cultural nos anos 1960 e 1970. O livro que vamos falar conheceu a sua publicação em 1965, a sua autora era investigadora da École Patrique des Hautes Études e especializada em história africana. Que singularizava esta coleção? Para o tempo aparecia como um compromisso entre a erudição científica e a literatura histórica, era como se fosse um género novo, mostrando as fontes e pondo o leitor em contacto direto com os documentos cuja montagem era confiada aos melhores especialistas.

Na contextualização desta obra, procura-se entender os porquês da África misteriosa. Primeiro os constrangimentos: a barreira do deserto do Sahara, que fez temer as incursões a partir do Norte de África, segundo, o desconhecimento das mais antigas culturas negras, basta dizer que as “figuras de Nok”, que se desenvolveram no planalto da Nigéria central, no princípio da era cristã, só foram conhecidas em 1931, tratou-se de uma civilização de transição entre a pedra e os metais; na sua sequência, ainda hoje são bastante controvertidas as informações sobre impérios africanos, apesar das descrições dos geógrafos árabes, os impérios do Gana, do Mali, o reino de Tombuctu, o reino de Futa Djalon; e, não menos importante, mesmo com os descobrimentos só esporadicamente se avançou para o interior de África, temia-se o clima insalubre, a floresta impenetrável, mesmo que os mais audazes se sentissem tentados pela desmesura das distâncias ou a majestade dos grandes rios; tudo conjugado, os primeiros e importantes relatos vêm dos reinos da Costa da Guiné, e devem-se a registos assombrosos como o de André Álvares de Almada ou mesmo o de Duarte Pacheco Pereira, para já não falar em Alvise Cadamosto e Filipo Pigafetta. Quando os portuguses chegam à costa da Guiné no século XV existia o reino de Ifé, herdeiro da civilização de Nok, centro de dispersão das cidades Yoruba em que a mais célebre era o Benim, que os portugueses bem conheceram e de que há testemunhos esplendorosos.

Na primeira parte da obra, a autora fala-nos da Antiguidade, destaca os egípcios, depois os cartagineses, os etíopes, os romanos. Temos depois o Islão com os seus mercadores e geógrafos. Depois da morte de Maomé, em 632, a conquista árabe progrediu com uma extraordinária rapidez. A expansão dirigiu-se em primeiro lugar para o Oriente (conquista da Síria e da Pérsia), mas logo a seguir iniciou-se a expansão para o Este, a começar pelo Egipto e a Cirenaica. Sustidos em Poitiers, em 732, os árabes não se sentem imediatamente tentados em alcançar a África negra, mas as caravanas ganharam regularidade. Com a redescoberta de Ptolemeu no século IX, os geógrafos árabes, com o apoio dos melhores astrónomos e matemáticos do tempo, começaram a estudar África e orientaram-se para o oceano Índico. O ouro do Sudão passou a ser altamente cobiçado. A autora recorda como o ouro africano esteve na base da grandeza dos Omíadas em Espanha, no século IX, e dos Fatimidas que ocuparam Sijilmassa após a conquista do Egipto.

Os enigmas do interior africano permaneciam, cedo houve a atração do rio Nilo. A partir de Sijilmassa, no Sul de Marrocos, à entrada do deserto, estabeleceram-se contactos com os nómadas e fizeram-se as primeiras travessias do Sahara descritas por geógrafos eminentes como Al-Bakri e Ibn Battuta. Assim se chegou ao conhecimento de reinos e impérios.

Primeiro, o Gana, país de ouro conhecido pelos muçulmanos desde o século VIII, e que teve o seu apogeu no século X, a capital era Bamako, entre o Níger e o Senegal, desapareceu com as conquistas dos almorávidas. Al-Bakri descreve o Gana com imenso pormenor, o poder real e a sua imensa riqueza. Para lá do Gana, era tudo praticamente um mistério. Com a queda do Gana, foi surgindo o império do Mali, nele professava-se o islamismo. As tradições orais dos negros no Sudão guardaram memória dos êxitos de Sundiata, o verdadeiro fundador do Mali, que os árabes conheciam pela designação de Mansa-Moussa, que se distinguiu pelo seu poderio e santidade de vida. Ibn Khaldun e Ibn Battuta deixarão descrições sobre o esplendor da corte do Mali.

No momento em que Ibn Battuta percorria o Mali, este império caminhava para o declínio suplantado por outro, o império de Songhai de Gao, é neste tempo que se fala na prosperidade lendária de Tombuctu, que excitava os descobridores europeus mas também a cobiça árabe, foram estes que a conquistaram em 1591. Estes viajantes árabes descrevem a riqueza do Sudão, o comércio de troca e destacam o comércio internacional que fez a prosperidade do Sudão e que não exigia o uso do dinheiro, o que ali funcionava era o cobre, o sal e o ouro.

Toda esta situação se irá modificar com o aparecimento dos portugueses. Até ao fim do século XIV, África parece dominada pelo Islão, senhora do Mediterrânio Meridional e do oceano Índico, as duas artérias vitais do comércio marítimo. O projeto henriquino e a excelente oportunidade que cabe aos portugueses numa Europa em tumulto, constituem um novo dado para a descoberta de África.

(Continua)

Juntam-se reproduções de gravuras do século XVII incluindo a apanha do ouro, a corte de um rei africano e a confluência entre o Níger e o Senegal imaginada por um missionário do século XVII.




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Nota do editor

Último poste da série de 15 de janeiro de 2016 Guiné 63/74 - P15621: Notas de leitura (797): "Motorizadas portuguesas de 50 cc", de Pedro Pinto, edição dos CTT, 2015 (José Colaço)

Guiné 63/74 - P15631: Blogues da nossa blogosfera (72): Uma aventura em África: em 14 de novembro de 1980, eu estava em Bissau... Depois do jantar, no Hotel 24 de Setembro, fui surpreendido pelo golpe de Estado do 'Nino' Vieira (Francisco George, antigo represente da OMS - Organização Mundial da Saúde na Guiné-Bissau)

1. O dr. Francisco George é uma figura pública, enquanto diretor-geral de saúde (*), e como tal conhecido da generalidade dos portugueses, pelas suas amiudadas intervenções na comunicação social e, em especial, na televisão. 

O que é menos sabido a seu respeito é a sua forte ligação à Guiné-Bissau e o seu grande carinho pelo povo guineense. O Francisco George, meu colega e amigo da saúde pública, é também um grande contador de histórias. Conheci-o em Beja, depois do seu regresso de África, no início da década de 1990. Tem uma página na Net, "Dossier de Lutas", que merece uma visita.  Foi de lá, e esperando contar com a sua compreensão e benevolência, que retirei esta história: acho que os amigos e camaradas da Guiné vão gostar de a ler e comentar... Eu depois peço-lhe a devida autorização... e dou-lhe o nosso "feedback" (**). (LG)




Em 1980 fui colocado em Bissau, no âmbito do recrutamento como novo membro do staff da OMS, depois de terminados os procedimentos administrativos e de informação técnica na Sede Regional em Brazzaville.

A chegada à Guiné-Bissau foi tranquila. O escritório da OMS tinha como Representante o médico de nacionalidade espanhola Garcia Morilla. A correspondência quer com Genebra quer com Brazzaville era assegurada pelo serviço semanal de Mala Diplomática. Para além disso, só telegramas através dos Correios garantiam ligações rápidas, uma vez que, na altura, não se podia contar com telefones.

Garcia Morilla estava muito perto de atingir a idade da aposentação,  que era de 62 anos. O calendário de folhas soltas em cima da sua secretária tinha a enumeração decrescente até ao seu último dia de trabalho. Quando o encontrei pela primeira vez faltavam 421 dias, no dia a seguir diminuiu para 420, depois 419 e assim por diante. Invariavelmente, todos os dias pela manhã, mostrava-me a folha correspondente com assinalável satisfação ao verificar que a distância ia ficando cada vez mais encurtada. Ausentava-se com frequência para se deslocar a Cabo Verde, visto que a Representação assegurava a cobertura dos dois Estados, politicamente ligados desde o tempo da Luta de Libertação conduzida pelo PAIGC.

O dia 14 de Novembro de 1980 foi igual aos anteriores até à hora do jantar. Depois, foi bem diferente como se verá. Julgo que Morilla estaria em Cabo Verde.

Como habitualmente, jantei no “Hotel 24 de Setembro” (antiga messe de oficiais do Quartel General do tempo colonial). Muitos cooperantes, mesmo os que não ficavam nem jantavam no Hotel, concentravam-se na magnífica esplanada a fim de tomarem café ao ar livre e, sobretudo,  para a conversa. Discutiam-se temas sobre o desenvolvimento, sobre política Africana e, naturalmente, sobre Portugal da AD de Sá Carneiro.

Ora, pelas nove da noite, repentinamente, ouvem-se uns ruídos, percebem-se correrias, pessoas espantadas, muito assustadas e, de forma inesperada, surgem grupos de militares rebeldes que montam uma metralhadora pesada no centro da esplanada. Logo de seguida, o Comandante dá ordem para todos levantarem as mãos. Momentos depois estavam todos os guineenses e cooperantes, incluindo eu, com mãos ao alto, surpreendidos, sem sabermos o que se seguia.

Todos nós compreendemos, rapidamente, que eram manobras integradas num golpe para derrubar o Presidente Luís Cabral. No meio deste cenário, surge o gerente do hotel a pedir ao chefe dos revoltosos para os clientes pagarem as respectivas contas. É então que é dada nova ordem: “Todos pagam primeiro as dívidas do café e logo depois voltam a levantar as mãos”…

A situação, apesar de caricata, foi apagada pelo medo generalizado. Medo misturado com a esperança de um futuro melhor.

Era o Movimento de Nino Vieira. Afinal, o grande herói da Luta que todos admiravam e respeitavam. A confiança era imensa. Julgavam que a pobreza podia ser combatida como Nino fizera contra o exército de Spínola. Era agora que o País iria para a frente, pensaram muitos.

Voltando à esplanada. Depois das contas pagas, todos ergueram de novo os braços. Cerca de meia hora depois, os soldados rebeldes às ordens de Nino Vieira mandam todos para os quartos. Acontece que muitos dos que ali estavam não tinham alojamento no hotel. Era essa, aliás, a minha situação. Olhei em redor para ver se conhecia alguém. Resolvi, então, pedir a um cooperante português que me deixasse ficar no quarto dele. Nada levava comigo. Já no quarto do António Manuel Reis, que eu acabara de conhecer, resolvemos proteger as janelas com almofadas. Durante a noite os sons de tiros de canhão que tudo faziam estremecer, aumentavam a nossa ansiedade.

A manhã seguinte foi, pelo contrário, de alegria generalizada perante a confirmação do sucesso da operação rebelde. Luís Cabral, deposto e expulso, deu lugar a um Conselho da Revolução. O próprio Nino Vieira apresentou os membros do Conselho num grande comício que promoveu na Praça do Império cinco dias depois. Assisti a esta manifestação, genuinamente popular, a lembrar-me do nosso Primeiro de Maio em 1974.

Hoje, trinta anos passados, temos que reconhecer, a construção de um Estado de Direito, regido por princípios democráticos, é um processo ainda inacabado.

Francisco George
Verão de 2011


Guiné-Bissau > Bissau  > 2010 > Hotel Azalai > "Foi piscina dos oficiais, dos hóspedes do Hotel 24 de Setembro, aparece agora retocada para a inauguração do Hotel Azalai. Tem beleza e quem organizou este espaço foi feliz com o traçado do meio envolvente." (Foto e legenda de Mário Beja Santos, aqui).


Foto (e legenda); © Mário Beja Santos (2010). Todos os direitos reservados

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Notas do editor:



Francisco George. Foto: Cortesia
de Direção Geral de Saúde

(i) nasceu em Lisboa, em 1947;

(ii) licenciado em Medicina (1973);

(iii) diplomado com  o Curso de Saúde Pública da Escola Nacional de Saúde Pública (Lisboa) (1977);

(iv) especialista em saúde pública, foi delegado de saúde a partir de 1976 (em Cuba e depois Beja);
 (v) funcionário da Organização Mundial da Saúde (OMS), entre 1980 e 1991;

(vi) para além de Bissau e Harare, foi consultor em missões da OMS nas mais diversas partes do mundo (Pequim, Xangai, Brazzaville, Genebra, Rio de Janeiro, Maputo, Praia, São Tomé, Luanda, Bamako, Antananarivo, Maseru e Lusaka);

(vii) ainda no âmbito da OMS, foi designado: chefe do projecto da OMS para o desenvolvimento dos serviços de saúde, na República da Guiné-Bissau (1980); representante da OMS na República da Guiné-Bissau (1986); epidemiologista do Programa Mundial de Luta Contra a SIDA da OMS (coordenador deste programa na África Austral) (1990):

(viii) tendo regressado à carreira nacional de saúde púiblica,   é chefe de serviço de saúde pública desde 1992;

(ix) nomeado subdirector-geral da saúde em 2001 e reconduzido em 2004;

(x) nomeado director-Geral da Saúde, em 2005, cargo que mantém até hoje;   

(xi) é professor auxiliar convidado da Escola Nacional de Saúde Pública da Universidade Nova de Lisboa (ENSP/UNL);

(xii)  foi condecorado com a Ordem do Infante D. Henrique, Grande-Oficial, pelo Presidente da República, Dr. Jorge Sampaio (2006).

Guiné 63/74 - P15630: O que é feito de ti, camarada ? (5): C. Martins, o último artilheiro de Gadamael, cmdt do 23º Pel Art, 1973/74


Monte Real, Palace Hotel > 4 de Junho de 2011 > 
VI Encontro Nacional da Tabanca Grande > J. Casimiro Carvalho, 
à esquerda,  com  o C. Martins, dois homens de Gadamael... Uma das
raras foto do cmdt do 23º Pel Art (Gadamael, 1973/74). 
Foto: LG (2011)
1. Não sabemos o que se passa com o nosso leitor (e camarada) C. Martins, ex-comandante do 23º Pel Art de Gadamael (1973/74)... 

Deixou de mandar sinais à navegação, ou seja, deixou de fazer comentários no nosso blogue... 

Ele era relativamente assíduo, e tem pelo menos 20 referências no nosso blogue... Nunca quis aceitar o nosso convite para integrar a Tabanca  Grande, por razões da sua vida pessoal e profissional que respeitamos. 

É médico.  Mas já tivemos ocasião, por várias vezes, de estar  e de conviver com ele, nomeadamente nos últimos encontros nacionais da Tabanca Grande. Esteve, inclusive, no último, o X Encontro Nacional, que se realizou em 18 de abril de 2015... Lá está ele na lista, mas sempre avesso à fotografia... 

Apetece-nos perguntar: o que é feito de ti, camarada, C. Martins  ? (*)... 

Esta série é justamente para relembrar alguns de nós que temos andado mais arredados do convívio bloguístico... E vamos começar a perguntar por esses... Devagarinho, como quem não quer a coisa... Naturalmente que respeitamos o silêncio voluntários dos camaradas e amigos/as que, por esta ou aquela, andam mais arredios... Afinal, o blogue vai fazer 12 anos, o que na Net é já uma eternidade...

C. Martins, querido camarada, espero que estejas bem, de saúde. E que a vida profissional esteja a correr o melhor possível, tanto quanto te deixam. Temos saudades das tuas "lições de artilharia para os infantes",  da tua boa disposição, do teu sentido de humor de caserna, da tua saudável irreverência, enfim,  dos teus comentários, por vezes desconcertantes mas sempre certeiros, ou não fosses tu um artilheiro e, para mais, o último artilheiro de Gadamael!...Sei que alguns não te perdoam esse pequeno detalhe do teu currículo, mas a verdade é que alguém tinha que fechar a porta... E em Gadamael coube-te a ti, que nem sequer foste voluntário para a tropa...

Aproveitamos para reproduzir aqui uma das tuas histórias que na altura nos deliciou e que os mais novos, os "piras", nunca leram... Desconfiamos que esta "cena"  passou-se mesmo contigo, que tens um grande sentido de justiça,  e és um camarada de cinco estrelas, um beirão dos quatro costados, mas a verdade é que tu nunca te descoseste. Fica para o teu livro de memórias.

Dá notícias, camarada, se puderes!.. E promete que estás bem...


2. Lições de artilharia para os infantes: quando o oficial de dia fez uma levantamento de rancho (**)

por C. Martins



 (...) A propósito de rancho... Lembro-me de um caso passado num regimento de uma cidade alentejana. O oficial de dia fez um levantamento de rancho !!!

Este tinha por hábito não se limitar a provar a comidinha da bandeja, mas verificar as pesagens dos géneros segundo as NEP. Era vitela à jardineira: tanto de ervilhas, cenouras, batatas e a carne da dita.

Iniciado o repasto, que a bem da verdade o pessoal comia com sofreguidão, o dito oficial, olhando de soslaio para pratos e travessas, repara que havia ervilhas, cenouras, grande quantidade de batatas e, surpresa, a carne praticamente tinha-se evaporado!.
– NINGUÉM COME MAIS, CAR...!!! – berra o gajo com um galãozito transversal no ombro, e enceta uma corrida frenética até à cozinha onde se depara com grandes nacos de carne sobre a bancada.

Transtornado, enfia uma cabeçada no 1º sargento vago-mestre ou lá o que era:
–  Você está preso, seu f... da p...!. E estão todos presos, seus cabr...f...das p..., bandidos, gatunos! ...

Mais calmo, tenta contactar o comandante que não estava, o 2.º também não... Bem, a alternativa era o contacto com o QG da região militar. Atende o oficial de dia da respectiva:
–  ... Fez o quê ?!! Você já desgraçou a sua vida!

Nesse dia almoçou-se só às cinco da tarde.

O sorja f... da p... tinha por hábito gamar a carne e outros géneros que vendia a talhos e estabelecimentos civis, com a conivência dum cabo RD... Os outros elementos da cozinha eram ameaçados para se calarem. A justiça militar atuou com penas exemplares... O aspiranteco teve um elogio verbal e foi mobilizado para o CTIG.

Qualquer coincidência com a realidade não foi mera ficção. (**)

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Notas do editor:

(*) Postes da série > 

23 de fevereiro de 2013 > Guiné 63/74 - P11140: O que é feito de ti, camarada ? (1): Jorge Canhão, Oeiras (ex-fur mil at inf da 3ª CCAÇ/BCAÇ 4612/72, Mansoa e Gadamael, 1972/74)


26 de julho de 2013 > Guiné 63/74 - P11870: O que é feitio de ti, camarada ? (2): Afonso M. F. Sousa, residente em Maceda, Ovar, ex-fur mil, trms, CART 2412 (Bigene, Binta, Guidaje, Barro, 1968/70)

2 de janeiro de 2014 > Guiné 63/74 - P12535: O que é feito de ti, camarada ? (3): "Agora estou na trajetória do vôo livre da borboleta, seguindo outros horizontes da memória, despreocupadamente ! Felizmente com saúde"... (Afonso M.F. Sousa, a residir em Ovar, ex-fur mil trms, CART 2412, Bigene, Binta, Guidage e Barro, 1968/70)

Guiné 63/74 - P15629: Parabéns a você (1019): Luís Rainha, ex-Alf Mil CMD, CMDT Grupo Centuriões (Guiné, 1964/66)

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Nota do editor

Último poste da série de 13 de janeiro de 2016 Guiné 63/74 - P15612: Parabéns a você (1018): Enfermeira Maria Ivone Reis, ex-Cap. Enf.ª Paraquedista (1961/74)

domingo, 17 de janeiro de 2016

Guiné 63/74 - P15628: (Ex)citações (304): O que fez de mim um homem ? Sei lá!... Quando entrei para a tropa, aos 22 anos, já era um homem: trabalhava há 10 anos... Quem me dera agora ter 12 anos! (Valdemar Queiroz)

Valdemar Queiroz

1. Comentário do Valdemar Queiroz [ex-fur mil, CART 2479 / CART 11, Contuboel, Nova Lamego, Canquelifá, Paunca, Guiro Iero Bocari, 1969/70; , foto à esquerda, em Contuboel, 1969] ao poste P15622 (*)


O que fez de mim um homem ?....

Sei lá!

Com doze anos já era paquete de escritório numa grande empresa, nos Restauradores, em Lisboa. 

(Quem me dera ter agora doze anos!).

Julgo ter sido o mais jovem empregado descontar prá Caixa: em 1 de abril de 1957, tinha feito doze anos em 30 de março. 

(Quem me dera ter agora doze anos!|).

Na grande empresa, onde trabalhei, o meu chefe de secção era familiar de militares e de comportamentos 'não se pode fazer isso'. O paquete, 'EU', era o primeiro a entrar e o último a sair. 

(Quem me dera ter agora doze anos!).

Depois, com o tempo a passar, fui prá Veiga Beirão, no Carmo, à noite, fazer o Curso Comercial. 

(Quem me dera ter agora aqueles extraordinários anos!).

Quando entrei prá tropa já era um homem. Em Santarém, em 16 de julho de 1967, quando fui prá tropa (não sei porquê, chamaram-me com 22 anos), já trabalhava há 10 anos.

Quem me dera estar, agora, em 1957, tinha doze anos de idade!

Quem me dera, agora, começar!...

Quem me dera!|...

Valdemar Queiroz

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Guiné 63/74 - P15627: Agenda cultural (457): Apresentação dos livros "Guerra na Bolanha, de Estudante a Militar e Diplomata", da autoria de Francisco Henriques da Silva e "Cartas do Mato", da autoria de Daniel Gouveia, levado a efeito no passado dia 14 de Janeiro de 2016, na Messe do Militar do Porto (Carlos Vinhal)

Na passada quinta-feira, dia 14 de Janeiro, na Messe Militar do Porto, integrado no 14.º Ciclo das Tertúlias Fim do Império, foram apresentados dois livros, um sobre a guerra na Guiné e o outro em Angola. 

O primeiro, "Guerra na Bolanha - De Estudante a Militar e Diplomata", da autoria no nosso camarada e tertuliano Francisco Henriques da Silva (ex-Alf Mil da CCAÇ 2402/BCAÇ 2851, , Mansabá e Olossato, 1968/70 e ex-embaixador na Guiné-Bissau nos anos de 1997 a 1999) e prefácio de Mario Beja Santos; e o segundo, "Cartas do Mato", da autoria do editor e ex-Alf Mil, combatente em Angola, Daniel Gouveia. 

No acto estiveram presentes muitos ex-combatentes, entre os quais pontificavam: António Pimentel, Francisco Allen, Francisco Baptista e Carlos Vinhal.

Mal chegado, o editor logo deparou com o Pimentel e o Xico Allen. O Pimentel, camarada de Batalhão do Francisco Henriques da Silva, fez as apresentações da ordem. Pouco depois juntou-se o nosso camarada Francisco Baptista. Logo ali se travou conversa amistosa, tanto mais que nada mais nada menos que quatro dos presentes tinham em comum o terem passado por Mansabá. Por sua vez o Xico Allen conhece a Guiné-Bissau como poucos.

Chegado momento de se passar para a sala das sessões, cada um ocupou os seus lugares.

Na ausência do Coronel Cav Barão da Cunha, que desta vez não se deslocou ao Porto, a coordenação ficou a cargo do Coronel CMD José Belchior, Presidente do Núcleo do Porto da Liga dos Combatentes.

A Mesa era composta pelos autores dos livros: Editor e Combatente em Angola, Daniel Gouveia e Embaixador Francisco Henriques da Silva, Combatente da Guiné; também pelo Ten-General Luís Medeiros; pelo Ten-General  Sousa Pinto e pelo Coronel CMD José Belchior, Presidente da Direcção do Núcleo do Porto da Liga dos Combatentes.

Abriu a sessão o Coronel José Belchior que deu as boas-vindas aos presentes, apresentando de imediato o Embaixador Francisco Henriques da Silva.

Vista parcial da Sala

O Embaixador Francisco Henriques da Silva falando do seu livro "Guerra na Bolanha"

Francisco Henrique da Silva falou sobre o seu livro que tem a particularidade de abordar as memórias de antes da sua incorporação no serviço militar obrigatório, com todas as dúvidas que se punham aos jovens de então quanto ao futuro, passando pela experiência em África como combatente, regresso à Tugalândia (palavras suas) e a sempre complicada reintegração. Encetou a carreira diplomática, tendo exercido o cargo de Embaixador de Portugal na Guiné-Bissau entre 1997-1999. Quis o destino que a Guiné se lhe atravessasse outra vez na sua vida. Saiu-se bem em ambas as situações, cada uma delas vivida em tempos de guerra diferentes mas igualmente violentos e incertos.

Finda a explanação, seguiu-se uma animada tertúlia entre o autor e os combatentes presentes, principalmente os da Guiné, aos quais o livro dizia mais. O tema mais abordado foi a manipulação de minas, o mais temível e traiçoeiro meio de guerra.

Um camarada da Guiné dialogando com Francisco Henriques da Silva. Na foto distinguem-se ainda os camaradas António Pimentel e Xico Allen.


Finalmente foi a vez de o Editor/Autor e ex-Alf Mil em Angola, Daniel Gouveia, apresentar o seu já conhecido livro "Cartas do Mato", nas suas palavras, um livro também diferente porque foge ao que é normal, escrever sobre os acontecimentos de guerra. Aqui fala-se de memórias menos bélicas, algumas bem engraçadas, que só África nos pode proporcionar.
Seguiram-se mais uns momentos de troca de palavras e experiências.
Uma curiosidade, Daniel Gouveia é um velho companheiro e amigo de Francisco Henriques da Silva. Conhecem-se dos tempos em que militavam nos conjuntos de música pop dos anos 60. Foram ainda camaradas na Recruta e na Especialidade. 

A tertúlia terminou com uma sessão de autógrafos, tão rápida que o editor/repórter, interpelado pelo Coronel José Belchior, deixou escapar a oportunidade de tirar mais uma ou duas "chapas".
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Nota do editor

Último poste da série de 17 de janeiro de 2016 Guiné 63/74 - P15626: Agenda cultural (456): Integrado no 14.º Ciclo das Tertúlias Fim do Império, comemoração do 7.º aniversário do Programa Fim do Império, com assinatura de protocolo entre as entidades zeladoras do Programa (CMO, LC e CPHM), apresentação do caderno Programa Fim do Império, "Sete anos!" e presença de patrocinadores, editores e autores, dia 19 de Janeiro de 2016, pelas 15 horas, na Livraria-Galeria Municipal Verney/Colecção Neves e Sousa, Oeiras (Manuel Barão da Cunha)

Guiné 63/74 - P15626: Agenda cultural (456): Integrado no 14.º Ciclo das Tertúlias Fim do Império, comemoração do 7.º aniversário do Programa Fim do Império, com assinatura de protocolo entre as entidades zeladoras do Programa (CMO, LC e CPHM), apresentação do caderno Programa Fim do Império, "Sete anos!" e presença de patrocinadores, editores e autores, dia 19 de Janeiro de 2016, pelas 15 horas, na Livraria-Galeria Municipal Verney/Colecção Neves e Sousa, Oeiras (Manuel Barão da Cunha)

1. Mensagem do nosso camarada Manuel Barão da Cunha, Coronel de Cav Ref, que foi CMDT da CCAV 704/BCAV 705, Guiné, 1964/66, com data de 14 de Janeiro de 2016:

14.º CICLO DAS TERTÚLIAS FIM DO IMPÉRIO

Livraria/Galeria Municipal Verney
 

Dia 19 de Janeiro de 2016

Integrado no 14.º Ciclo das Tertúlias Fim do Império, comemoração do 7.º aniversário do Programa Fim do Império, com assinatura de protocolo entre as entidades zeladoras do Programa (CMO, LC e CPHM), apresentação do caderno Programa Fim do Império, "Sete anos!" e presença de patrocinadores, editores e autores, dia 19 de Janeiro de 2016, pelas 15 horas, na Livraria-Galeria Municipal Verney/Colecção Neves e Sousa, Oeiras. 

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Nota do editor

Último poste da série de 12 de janeiro de 2016 Guiné 63/74 - P15608: Agenda cultural (455): Sessão de lançamento do livro do Juvenal Amado, "A tropa vai fazer de ti um homem": Lisboa, Chiado Clube Literário & Bar, Av da Liberdade, sábado, 23 de janeiro, 16h30, com a presença em força da malta tabanqueira

Guiné 63/74 - P15625: Atlanticando-me (Tony Borié) (2): Nunca é tarde (2)

Segundo episódio da nova série "Atlanticando-me" do nosso camarada Tony Borié (ex-1.º Cabo Operador Cripto do CMD AGR 16, Mansoa, 1964/66).




Nunca é tarde - 2 

Nesta viajem que fizemos à Califórnia não pudemos ouvir o nosso interlocutor, mas prosseguimos com a história, não sei se estão lembrados, o Nico regressa da segunda safra, lá na Terra Nova, cá vai a continuação.

Depois de mais esta “safra”, regressa de novo, a Dina e os pais esperam-no na entrada da barra, mais beijos, lágrimas e risos de contentamento, em terra continua aprendendo inglês no liceu da cidade de Aveiro, namorando com a Dina e exercendo funções no seu trabalho temporário. Embarca para a terceira “safra”, o mesmo se segue, abraços à Dina, com beijos e promessas de fidelidade até à morte, a bordo, todos o conhecem, qualquer coisa que não funcione bem, é ao Nico que se dirigem, às vezes ignorando o capitão. Vêm de novo a terra, ao porto de St. John’s, no mar da Terra Nova, abastecerem-se, entre outras coisas, de água fresca e isca, o Nico já fala inglês com alguma facilidade, conhece outros mecânicos, pessoal de outros barcos, de outras nacionalidades. Há um capitão de um barco, de nacionalidade americana, que falando com ele, tomando conhecimento da sua especialidade a bordo, vendo nele um homem robusto e novo, oferece-lhe um contrato para trabalhar num barco de pesca nos Estados Unidos, no sul da Califórnia. O Nico, não lhe diz que sim, nem que não, mas ficam com o contacto um do outro. Regressa a bordo, é quase meia noite, mas no lugar do globo onde se encontra, ainda é dia, cá fora, no convés, escreve mais uma carta apaixonada à Dina, com promessas de amor que, quem sabe, talvez nunca virá a cumprir. Põe essa carta no correio, no porto de St. John’s, no mar da Terra Nova.

Quando veio pôr a carta no correio para a Dina, vai de novo ao local onde se encontrava o tal capitão que lhe tinha feito a oferta, falam de novo, vão ao barco desse tal capitão, acertam tudo, quanto iria ganhar, quais as condições, como ia decorrer o processo, assina algumas folhas que eram só futuras promessas. Regressa a bordo, não sabe porquê, está confiante, sente-se um homem, apesar de ser um jovem ainda, pensa só para si: Há um ditado que diz que o comboio não passa duas vezes, portanto vou apanhar este, pode ser que seja o meu.

Regressou de mais uma “safra”, lá estava a Dina e os pais a espera na entrada da barra, mais beijos, abraços e lágrimas, no regresso a casa, o pai diz-lhe:
- Ó Nico, chegou há dias uma carta dos Estados Unidos para ti, está lá em casa para tu veres.

O Nico, fazendo-se despercebido, disse:
- Deve de ser algum amigo que eu conheci no porto de St. John’s, lá no mar da Terra Nova.

Depois disto chegaram mais cinco cartas, o Nico, abriu-as, algumas continham documentos para preencher e assinar, outras eram pedidos de diversos certificados. Deu aviamento a tudo, sempre com desculpas de que eram amigos a escreverem-lhe, como ninguém compreendia inglês, a não ser ele, foi fácil enganar os pais e a Dina. A sua vida continuou a correr normalmente em terra, os beijos à Dina, o liceu, continuando a aprender inglês e o trabalho temporário na cidade de Aveiro.

Embarca para uma quarta safra, tudo normal, a bordo continua a ser uma pessoa popular, mesmo o capitão João o chama muitas vezes para que lhe traduza algumas cartas em inglês ou para ouvir e responder às pessoas que avisam naquela zona do globo como está o tempo. Pouco a pouco vai-se inteirando de todas as tarefas a bordo, ganha experiência, vai resolvendo muitos problemas. Quando vêm meter isca a terra, fala e convive com pessoas de outras nacionalidades, em inglês, quase sem dificuldade, escreve cartas à luz do dia, embora seja meia-noite, com juras de amor eterno à Dina que, mais uma vez, não sabe se vai cumprir.


Regressa, lá está a Dina e os pais, acenando-lhe na entrada da barra, mais beijos, lágrimas e risos de alegria, no regresso a casa, o pai diz-lhe:

Ó Nico, estão lá, mais umas tantas cartas para ti. E o Nico, fazendo-se despercebido, disse:
- Deve de ser de algum amigo que eu conheci, no porto de St. John’s, lá no mar da Terra Nova.

Uma dessas cartas era do consulado dos Estados Unidos, para tratar de uns tantos documentos e apresentar-se para receber um visto e ir trabalhar para uma empresa marítima na Califórnia. Arranjou todos os documentos, o governo de Portugal, nesses tempos, depois de cumprir quatro anos na safra do bacalhau, não lhe pôs qualquer dificuldade.

Vai ao consulado, é entrevistado, recebe um visto para emigrar para os Estados Unidos, regressando a casa, com alguma coragem, diz ao pai e à mãe:
- Vou emigrar para os Estados Unidos.

Contando-lhes toda a história desde o princípio, agora tinha que dizer à Dina. Foi vê-la, olhando-a nos olhos, explicou-lhe:
- Dina, meu amor, não podemos perder esta oportunidade... Explicou-lhe tudo desde o princípio, com a promessa de que iria na frente para ver como as coisas iriam correr, logo viria casar, levando-a para junto de si. Outra promessa, que não sabia se iria cumprir. O Nico, mais uma vez se despede com beijos, abraços e algumas lágrimas e embarca num navio de origem italiana, rumo aos Estados Unidos, desembarcando em Nova Iorque. Recebe nova documentação, toma o comboio, ao fim de uns dias sai na estação de caminhos de ferro “Santa Fé”, na cidade de São Diego, no estado da Califórnia, dirigindo-se à empresa marítima que lhe ofereceu emprego, que imediatamente lhe proporcionou alojamento, sendo uns dias depois, colocado em determinado barco de pesca, começando o seu trabalho.

Sabendo o idioma inglês, conhecendo todo o sistema das máquinas da embarcação melhor do que ninguém, novo e sempre disponível para ajudar, em pouco tempo começou a ganhar a confiança dos colegas, que o convidavam para frequentes festas, que se realizavam nas redondezas. Numa dessas festas conhece uma rapariga que falava algumas palavras em português, pois os avós eram oriundos dos Açores, mas tanto ela como os pais já tinham nascido na Califórnia, chamava-se Diane, já era a segunda vez que se cruzava com ela, pois a primeira foi no parque de estacionamento da empresa marítima, viu-a chegar de carro, ele ia entrando para o barco, pois iriam sair para o mar dentro de minutos, viu-a, despertou-lhe a atenção, pois ela fechou a porta do carro, com o pé, quase com um pontapé.

E pensou para si, na altura: Porra, mulher duma figa. Só na América.

Este foi tema de começarem a conversar, entendiam-se, ela queria falar português, ele não se importava da companhia dela, tinha cabelo preto, um pouco acastanhado, era da altura dele, usava saia curta, um pouco abaixo dos joelhos, quando ela se movimentava, podia mesmo ver-lhe os joelhos, para ele, ela parecia-lhe bonita, falava com alguma desenvoltura, como já se conhecessem há anos. Ao Nico, dava-lhe a impressão que a Diane não tinha preconceitos, tratava-o por tu, tocava-lhe nos braços ao falar com ele, pedia-lhe para falar em português e, quando o Nico falava, ela ouvia-o com atenção, não sabendo se era para aprender português ou porque estava interessada nele, enfim, deixava-o confuso e, ao mesmo tempo, ficava a pensar nela.

Quando ficava a pensar na Diane, pegava na caneta e escrevia cartas apaixonadas à Dina. Ao fim de algum tempo, já não sabia se escrevia à Dina pensando na Diane, ou se pensava na Dina e queria ver a Diane. O certo é que já não sentia tanto a necessidade de escrever à Dina.

Primeiro, começaram por encontrar-se por acaso no bar que havia junto à empresa marítima, onde em geral, todos os trabalhadores do mar se encontravam, depois já marcavam encontro, dizendo um ao outro:
- Amanhã, à mesma hora.

(continua)

Tony Borie, Julho de 2015
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Nota do editor

Primeiro poste da série de 10 de janeiro de 2016 Guiné 63/74 - P15602: Atlanticando-me (Tony Borié) (1): Nunca é tarde (1)