Sede do BNU - Lisboa
1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 3 de Abril de 2018:
Queridos amigos,
Muito tem para dizer o gerente de Bissau, nesta fase que já preludia a subversão. O Ministro Adriano Moreira fez uma curta visita, os comerciantes aguardavam-no com expetativa para resolver o problema dos cambiais, problema eterno, nem novas nem mandados; estão a chegar efetivos à Guiné, os edifícios aprestam-se com medidas de segurança, o BNU mandou instalar em todo o quarteirão luzes elétricas, Bissau é patrulhada, e a questão cabo-verdiana vem claramente ao de cimo, um grupo rival do PAIGC, o Movimento de Libertação da Guiné, capitaneado pelo manjaco François Mendy anuncia em panfleto que nada tem a ver com Amílcar Cabral nem com a sua litania de unidade Guiné – Cabo Verde. O que há de verdadeiramente curioso neste panfleto que diz ser de março de 1951 mas era de março de 1961 é que se apresentava com alguma civilidade e etiqueta, deu provas com o que fez em Susana e Varela de vandalismo puro.
Desses e de outros acontecimentos falaremos seguidamente.
Um abraço do
Mário
Os Cronistas Desconhecidos do Canal do Geba: O BNU da Guiné (62)
Beja Santos
Na documentação avulsa constante nos arquivos do BNU, merece todo o relevo o conteúdo da carta enviada em 8 de junho de 1961 de Bissau para Lisboa, conforme se pode ler:
“Conforme os desejos manifestados por V. Ex.ª, fazemos a seguir um relato resumido da situação geral da Província.
O acontecimento que nos últimos meses mais agitou a população, foi, sem dúvida, a visita do Sr. Ministro do Ultramar. Em especial o comércio (e não há outra actividade marcante no sector privado) alimentou esperanças de que Sua Ex.ª resolveria o mais melindroso problema económico que preocupa a Guiné – o problema cambial.
Não havia, porém, razões para tão eufórica expectativa. O problema cambial desta Província entronca-se noutros problemas igualmente complexos, que possivelmente só podem ser examinados e solucionados num vasto plano de conjunto.
Não era crível Sua Ex.ª o Ministro estivesse, na sua curta visita, apetrechado com as soluções que, no caso específico, o comércio infundadamente aguardava.
Outros e mais importantes problemas preocupavam, na altura dessa visita, estamos em crer, o espírito esclarecido de Sua Excelência. E foram certamente esses problemas que determinaram a sua presença nesta terra.
No aspecto político, a situação é estacionária. Os efectivos militares na Província têm aumentado, constando que são actualmente de 4 mil homens. Este efectivo deverá ser aumentado dentro de dias com mais 500 homens. Esta tropa está repartida pela área fronteiriça, com mais densidade na área da vizinha República da Guiné, havendo também fortes guarnições nas principais cidades (Bafatá, Farim e Bolama).
Em Bissau, além das forças de reserva aquarteladas, as de Polícia Militar, PSP e PIDE asseguram a ordem. Pelo que sabemos de fontes autorizadas, está completado o sistema defensivo com vista não só ao perigo exterior (incursões armadas penetrando pelas fronteiras) como ao perigo interno (acções subversivas com núcleos de terroristas civis).
Naturalmente que não conhecemos em pormenor o dispositivo de defesa e como ela se articulará. Temos, porém, informações que nada aconteceu, por hora, mas conta que do lado da República da Guiné se notam concentrações de gente indígena e de chineses. Internamente, em todas as cidades e vilas de maior importância, são rigorosas as precauções e nelas têm colaborado entusiasticamente a população civil e as empresas.
Nalgumas vilas mais distantes, organizaram-se milícias que policiam dia e noite e esta actividade é ‘coberta’ por patrulhas móveis de tropa. Aos que não dispunham de armas, o Comando Militar forneceu-as.
Na cidade de Bissau, as precauções são mais importantes. A Casa Gouveia, por exemplo, contratou na Metrópole paraquedistas de reserva, adquiriu armas automáticas em quantidade, além de isolar todas as suas instalações erguendo muros e montando novos sistemas de luz. A Sociedade Comercial Ultramarina e Barbosas & Cta. tomaram providências semelhantes.
No que se refere ao nosso Banco, como V. Exas. sabem, o nosso edifício e terrenos apenas tinham guarda da PSP das 19 horas às 8 da manhã. Só o edifício principal tinha lâmpadas de segurança. Todo o resto do terreno (pavilhões de pessoal, garagem, etc.) permanecia na mais completa escuridão. Por força das circunstâncias e da urgência, mandámos instalar em todo o quarteirão luzes eléctricas, e para esta despesa pedimos o acordo de V. Exas.
Ao mesmo tempo, oficiámos ao Governo da Província, através da Direcção de Fazenda, pedindo o reforço da guarda. Sua Ex.ª o Governador deu imediatas instruções ao Comando da PSP e o sistema defensivo ficou montado. Porém, há um óbice em tudo o que se conseguiu: os muros que, a partir da área do edifício principal são da altura de 1,20 metro, permitem a passagem de toda a gente. Impõe-se o levantamento desse muro, sem o que as precauções policiais tomadas não terão qualquer eficiência, de modo que toda a propriedade fique isolada, fazendo-se o acesso só pelos portões.
Pedimos ao construtor A. F. Parente um orçamento. Por indicação do Comandante da PSP, tivemos de adaptar uma parte dos baixos do Pavilhão n.º 1 para servir de caserna para 6 guardas, em caso de emergência. Iniciámos já esta pequena obra, mas temos de adquirir 6 camas de ferro completas. Também para este dispêndio solicitamos o acordo de V. Exas.”
A exposição muda agora de azimute, o gerente de Bissau vai informar Lisboa da subversão em marcha:
“A avaliar pelas impressões que temos colhido de pessoas responsáveis, a ideia dominante é a de que o indígena do interior está totalmente alheio a qualquer movimento de subversão e não mostra disposições para aceitar e acolher propagandistas.
Porém, nas cidades e vilas de certa importância existe em evolução um movimento clandestino de independência, dirigido de Conacri e de outros pontos fronteiriços pelo chamado Comité de Independência de Guiné e Cabo Verde, cujos mentores são na realidade cabo-verdianos, como cabo-verdianos são os cabecilhas-médios e propagandistas que têm sido presos pela PIDE, entre os quais figurava um empregado da Filial, já demitido por V. Exas.
Raros são os guineenses que estão no ‘movimento’, à parte o chamado ‘calcinha’, fauna de vadios que vive à custa da família e não quer trabalhar. Infelizmente a acção repressiva sobre esta gente tem sido muito tolerante, em obediência a conceitos e directivas de nível superior que, pessoalmente, consideramos prejudiciais. E assim pensa quase toda a população europeia.
Merece registo que a população nativa da Guiné de todas as raças detesta profundamente os cabo-verdianos. Há evidentes provas disso. Este facto, felizmente, contribui para tornar mais difícil a actuação criminosa dos homens do ‘movimento’, e concorre poderosamente a nosso favor. Como demonstração dessa má vontade dos guineenses pelos cabo-verdianos, parece ter-se criado já um outro ‘movimento’ exclusivamente guineense. Anexo encontrarão V. Exas. um panfleto clandestino que há dias foi enviado, por correio, a muitos cabo-verdianos na Província”.
É evidente que o tom usado pelo gerente no seu documento confidencial é de amenidade e confiança. Mas termina a sua carta não iludindo que começara um certo êxodo europeu:
“Desde Abril e mais intensamente em Maio estão a abandonar a Província quase todas as mulheres e crianças europeias. Têm seguido em aviões militares, em navios, que partem cheios. É um desgraçado sintoma do pânico que impera na Guiné. Também têm seguido alguns comerciantes, após terem liquidado os seus negócios ou deixando-os entregues a empregados interessados.
Este êxodo tem criado um agravamento da crise cambial, pois todos os que partem pedem transferências de dinheiros e a fixação de mesadas.”
A próxima missiva para Lisboa anunciará, em 21 de julho, o ataque a S. Domingos. E em junho de 1962 toda a documentação vai referir com clareza quem é o movimento que está a pôr a região Sul em turbilhão: o PAIGC.
(Continua)
Sala no BNU em Lisboa.
Notas do editor
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Último poste da série de 28 de novembro de 2018 > Guiné 61/74 - P19243: Notas de leitura (1125): 38.ª COMPANHIA DE COMANDOS "Os Leopardos" - A História, coordenação de João Lucas (Belarmino Sardinha)