1. Continuação da publicação do álbum fotográfico do nosso camarada Virgílio Teixeira, ex-alfmil, SAM, CCS / BCAÇ 1933 (Nova Lamego e São Domingos, 1967/69) (*)
[Foto à acima , o Virgílio e a esposa Manuela, o grande amor da sua vida, na Tabanca de Matosinhos, Restaurante Espigueiro (ex-Milho Rei), 5 de setembro de 2018. O casal vive em Vila do Conde. (Foto: LG, 2018)]
CTIG - Guiné 1967/69 - Álbum de Temas:
T091 – O ESTADO DE COMA ALCOÓLICO
UMA SITUAÇÃO REAL DA QUAL NÃO ME ORGULHO
- O COMA PROFUNDO, OS CONVIVIOS, AS FESTAS, OS COPOS E A PERDA DE CONSCIÊNCIA.
- OUTRO TEMA DA PERDA DA CONSCIÊNCIA:
AS DUAS TERRIVEIS CRISES DE PALUDISMO
I - Anotações e Introdução ao tema:
Deixo estas peças – coma, copos e malária – para este fim de ano de 2018.
NOTA PRÉVIA:
Para além de ressalvar os erros e omissões que remeto para final, este tema pode não ser tal como o descrevo, pela razão evidente que o vivi, sem ter consciência do mesmo.
1 - O tema principal é o ‘estado de coma’ porque passei, na noite de 31 de Dezembro de 1968, para 1 de Janeiro de 1969. Não me agrada, mas nem por isso vou deixar de me lembrar deste episódio e partilhar com outros.
Estamos no final do ano de 1968, com jantar melhorado, antes e depois, muitos copos de bebidas variadas, começa na messe de oficiais, depois na messe de sargentos, acabando junto daqueles com quem mais convivi, os nossos soldados, em especial os condutores. Não sedi se foi esta a ordem mas vamos passando por todas as ‘capelinhas’ como é normal.
Sempre a beber, sempre a misturar, tudo o que tivesse álcool, e rapidamente a mente está toldada, com tantos aromas e tanta mistura, todos querem partilhar um pouco e os copos vão sucedendo uns atrás de outros.
Não sei bem contar esta história, porque na realidade e na prática eu ‘não a vivi’, foi algo que me toldou o cérebro, e já não era eu.
Por volta da meia-noite, os oficiais do Batalhão foram convidados para o fim de ano na Casa do Administrador local, que passa inevitavelmente à meia-noite, pelo champanhe, que não me lembro se era nacional, mas presumo que era Francês.
Esta é a machadada final, pois pouco depois já era o ‘Novo Ano de 1969’, e a partir daqui não posso contar mais nada, pois perdi natural e vergonhosamente todos os sentidos, e assim entrei em estado de ‘coma alcoólico’. Não é bonito, nem feio, foi assim, não fui o único, nem serei o último.
Acordei já a meio da manhã desse primeiro dia de Janeiro de 1969, na minha cama, vestido com um pijama, que quase nunca o vestia, era em Terylene, nylon ou polyester azul-escuro.
Procurei saber onde estava e o que me tinha acontecido, lentamente acordo e tento procurar todos os meus bens pessoais, que não tinha – o meu relógio Omega, a minha Câmara Konica, os meus documentos, a minha carteira, o meu dinheiro, a minha lanterna, o meu cordão e medalha em ouro, enfim as minhas coisas pessoais. Nada vejo, nem tenho a quem perguntar.
Levanto-me tomo o duche com o recurso habitual à lata e o bidão de água, visto-me e vou tomar águas da Perrier, nem pensava em comer. A nossa capacidade de sobrevivência é enorme, os nossos anos ainda de jovem têm uma grande vantagem, pois rápido recupero.
Sei que me observavam, muita gente sabia o que se tinha passado, mas eu não.
Passaram-se muitas horas desde que perdi a consciência, não fazia a mínima ideia do que aconteceu, e nem hoje sei ao certo, talvez me ocultassem por razões de ética e camaradagem. Mas constou-me que estaria deitado numa berma, e já a ser rodeado por população local, Felupes e outros.
Acabo por saber que foi um grupo de Furriéis milicianos, da CART 1744, com os quais eu convivia numa constante camaradagem e brincadeira, nunca tinha vivido assim antes, foram eles que me conduziram para o meu quarto e a minha cama, despiram-me a roupa e vestiram aquele pijama que raramente usava. Devem ter preparado uma grande brincadeira com esta situação. Contaram-me, eles e outros do meu Batalhão, mais ou menos, não quis mais saber. Entregaram-me tudo, pois tiveram a preocupação que nada ficasse perdido ou fosse roubado.
Não almocei, bebi sempre águas, e à noite já estava novamente com eles, bem fresco e com aquela pedalada que hoje já não tenho, onde se fizeram algumas cenas hilariantes, era afinal dia de ano novo. Tudo na messe de sargentos, onde se juntaram praças e oficiais.
Mais tarde com a revelação do rolo que estava na minha máquina fotográfica, venho a encontrar, entre outras, esta que apresento – Foto Nº 1.
Eles, neste período de tempo, á vontade, durante a noite, vestiram-se como se fossem médicos e enfermeiros, simulando e bem, uma transfusão de sangue, acho que é isso que aparece na fotografia, que eles com a minha máquina me tiraram, e assim ficou na minha história, da qual muito se falou depois, mas já não me lembro de nada, porque não ‘assisti’ ao vivo a este momento único.
Não deixo de agradecer a todos por aquilo que me fizeram, se ninguém me socorresse, o que ara quase impossível, pois naquela meio tão pequeno ninguém passava despercebido, talvez as coisas levassem outro rumo, mas foi assim e tudo correu bem, talvez agora a figadeira se vai queixando de tanta barbaridade, que não me orgulho, mas também não me lamento de nada.
Faz agora – 1 de Janeiro de 2019 - 50 anos que tudo aconteceu, e continuo vivo, e nessa noite já estava em novas brincadeiras, com aqueles que eu mais apreciava, eram os operacionais da CART 1744, a Companhia de Intervenção. Sempre achei aquela Companhia do Capitão Serrão como um exemplo a seguir, levavam aquela vida como se fosse uma brincadeira, mas quando era para trabalhar e intervir, não faltaram nunca.
Tudo começou mal mas acabou em bem, mas poderia ter tido outro desfecho.
2 – Meti aqui neste tema, mais umas fotos e passagens. Ou seja por que razões aconteciam estas coisas, esta a mais grave, começava tudo em festas de aniversários e petiscada, e depois acabava tudo com os copos.
Tenho mais de uma centena de fotos que não tenciono publicar, pois não são cenas que me dignifiquem, são demasiado ultrajantes para o meu posto e para a minha função, como para qualquer um dos outros camaradas, pois estamos todos à molhada nas mesmas fotos.
3 – Aproveitei também para anexar algumas fotos daqueles terríveis momentos em que estamos a ferver a mais de 42º, com a Malária, a doença do mosquito, o Paludismo.
Para muitos que sabem o que isto é, não preciso de explicar muito, mas entramos em delírio nos primeiros dois dias, até que a célebre ‘Terramicina’ comece a fazer o seu efeito e a temperatura comece a baixar. Numa situação de temperatura ambiente acima de 35º e mais, temos tanto frio como se estivéssemos na neve, as ajudas eram poucas, o Médico não sei bem o que fazia, mas o nosso Enfermeiro, o já falecido Furriel Veiga, estava ali para ajudar no que podia e era com certeza orientado pelo nosso Médico, posto que ele atingiu já na vida civil, acabou por cursar medicina.
Apanhei por duas vezes esta peste, uma vez em Nova Lamego, outra em São Domingos.
II – Legendagem das fotos:
F01 – O meu estado de coma, durante as primeiras horas do dia de Ano Novo de 1969.
A simulação bem-feita dos dois Furriéis, meus amigos e camaradas da CART 1744, que infelizmente não me recordo dos seus nomes, fazendo passar-se por enfermeiros, numa missão de transfusão de sangue, de soro, ou mais vinho e álcool...
Foto captada em São Domingos, na minha cama, no meu quarto, durante a madrugada do dia 1 de Janeiro de 1969.
F02 – Na messe de Sargentos a brincadeira continuou, com fantasias de ano novo. A mesma ‘parelha’ que me socorreu com a transfusão de ‘soro alcoólico’ agora com novas vestes e cenas que não era normal ver na classe e messe de oficiais. Só gostavam de jogar.
Foto captada em São Domingos, na messe de sargentos, na noite do dia 1 de Janeiro de 1969.
F03 – Na messe de Sargentos, em cima da mesa, uma cena qualquer que não distingo. Os mesmos da parelha anterior, agora com mais dois furriéis, o 1º Sargento Godinho, e o Alferes Gatinho, o careca.
Foto captada em São Domingos, na messe de sargentos, na noite do dia 1 de Janeiro de 1969.
F11 – Na minha cama, no início de um ataque de Paludismo, talvez a delirar.
As fotos podem ter sido tiradas por qualquer camarada meu no nosso quarto, mas não sei.
Pode ver-se um balde com água e talvez gelo, para molhar a toalha e colocar na cabeça, as dores eram terríveis, e afectavam-me bastante.
E lá estão os comprimidos – LM [, Labortório Militar,] – para todos os males.
Foto captada em São Domingos, na minha cama, no meu quarto, no dia 26 de Outubro de 1968.
F12 – Na minha cama, na cura do Paludismo, já com evidentes melhoras.
As fotos podem ter sido tiradas por qualquer camarada meu no nosso quarto, mas não sei.
Pode ver-se já as garrafas de água Perrier, com as quais combatia a desidratação.
Foto captada em São Domingos, na minha cama, no meu quarto, no dia 27 de Outubro de 1968.
F13 – Na minha cama, já com evidentes melhoras, e já a ler uma revista.
As fotos foram tiradas por um camarada a meu pedido.
De salientar, agora que estou a apreciar, as paredes estavam repletas de fotos, de mulheres que faziam capas nas revistas internacionais da época. Sem entrar em cenas ousadas, uma simples figura feminina, com roupa interior ou de praia, era uma delícia para a malta toda.
Não sei se cá na metrópole desse tempo, existiam revistas destas, não me lembro.
Apenas sabemos que não haveria ‘motorista’ de pesados, que não tivesse na sua cabina do camião, algumas capas destas revistas, mais tarde bem ousadas.
Foto captada em São Domingos, na minha cama, no meu quarto, no dia 28 de Outubro de 1968.
F14 – Na minha cama, a convalescer, lendo uma revista, pronto para o próximo combate.
As fotos foram tiradas por um camarada a meu pedido.
Foto captada em São Domingos, na minha cama, no meu quarto, no dia 28 de Outubro de 1968.
F21 – Já com a braçadeira de ‘oficial de dia’ num local a que chamavam ‘Casa do Anis’.
Esta e outras tantas fotos, representam a razão por que poderiam aparecer situações extremas, incluindo o Coma.
Na companhia de alguns soldados do meu Batalhão, uns à civil, outros fardados. E sempre com o copo na mão, que não era água de certeza. Não sei se a Casa do Anis, era o nome de alguém, ou se era um sítio onde se bebia ‘anis’!
Não percebo também os olhares arregalados de todos os presentes, mas sei que todos me respeitavam. Este era um serviço de 24 horas sempre presente e atento.
Foto captada em São Domingos, na Casa do Anis, tomando uma qualquer bebida em Janeiro de 1969.
F22 – Uma festa de aniversário de alguém, onde já se nota o cheiro a álcool.
Era neste ambiente que nasciam os exageros, aos quais nunca faltava à chamada.
Pode notar-se sempre de copo na mão, na maioria são soldados condutores, dois furriéis, o Carvalho, e o outro atrás de um copo que pode ser o Camolas. Lembro os nomes dos soldados condutores, o Ermesinde, o Bourbon, o Pita e outros.
Terá sido uma das últimas fotos e convívios com o meu pessoal em São Domingos, pois de seguida, antes do fim do mês, já estava em fuga para mais umas férias no Porto.
Foto captada em São Domingos, numa Caserna de Soldados, em meados de Fevereiro de 1969.
«Propriedade, Autoria, Reserva e Direitos, de Virgílio Teixeira, Ex-alferes Miliciano do SAM – Chefe do Conselho Administrativo do BATCAÇ1933/RI15/Tomar, Guiné 67/69, Nova Lamego, Bissau e São Domingos, de 21SET67 a 04AGO69».
NOTA FINAL DO AUTOR:
# As legendas das fotos em cada um dos Temas dos meus álbuns, não são factos cientificamente históricos, por isso podem conter inexactidões, omissões e erros, até grosseiros. Podem ocorrer datas não coincidentes com cada foto, motivos descritos não exactos, locais indicados diferentes do real, acontecimentos e factos não totalmente certos, e outros lapsos não premeditados. Os relatos estão a ser feitos, 50 anos depois dos acontecimentos, com material esquecido no baú das memórias passadas, e o autor baseia-se essencialmente na sua ainda razoável capacidade de memória, em especial a memória visual, mas também com recurso a outras ajudas como a História da Unidade do seu Batalhão, e demais documentos escritos em seu poder. Estas fotos são legendadas de acordo com aquilo que sei, ou julgo que sei, daquilo que presenciei com os meus olhos, e as minhas opiniões, longe de serem ‘Juízos de Valor’ são o meu olhar sobre os acontecimentos, e a forma peculiar de me exprimir. Nada mais. #
Acabadas de legendar, hoje,
Em, 2018-12-30
Virgílio Teixeira