Marco de Canaveses > Paredes de Viadores > Cemitério de Paredes de Viadores > 1 de novembro de 2017 > O mais sumptuoso jazigo, da família dos "fidalgos da Casa da Igreja", como lhes chamam as gentes locais; grandes proprietários rurais da região, donos de muitas quintas, outrora exploradas por pobres rendeiros... (nos tempos da agricultura pré -capitalista em que só havia quatro classes sociais: fidalgos, pequenos lavradores proprietários, rendeiros e cabaneiros). É um jazigo capela, em mármore, em estilo revivalista, neogótico, com a seginte inscrição em latim: "Memento, homo, quia pulvis es et in pulverem reverteris" (Lembra-te, ó homem, que és pó e que em pó te hás-de tornar) (*)....
Até na morte os homens tentam reproduzir as desigualdades sociais que existiam em vida: esta capela, dos "fidalgos da Casa da Igreja" é a única que existe, para além da de outra família não fidalga, neste pequeno cemitério rural, cuja construção remonta a 1894... Logo nos finais do séc. XIX, os ricos e poderosos procuraram contornar a aplicação lei liberal do enterramento público (que proibia o enterramento em espaço privado: palácios, conventos, igrejas, ermidas, capelas...) erigindo no espaço do cemitério público uma "jazigo capela", uma espécie de minicasa de Deus, reservada aos seus mortos queridos...
Há algo de patético neste encarniçamento em manter, na morte, a segregação socioespacial que existia em vida... Mas, na realidade, os cemitérios públicos, que só surgem no séc. XIX, com o liberalismo, são (ou deviam ser) verdadeiros "campos da igualdade", já que metaforicamente falando, a "gadanha da morte" ceifa tudo e todos, ceifa rente a vida, e não poupa tanto a espiga de trigo como a erva do campo, o rico e o pobre, o herói e o cobarde, o novo e o velho, o são e o doente, o amigo e o inimigo... Afinal, "na morte ninguém finge nem é pobre"...
Foto: © Luís Graça (2017). Todos os direitos reservados [Edição e legendagem: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]
1. Dizem que não se deve brincar com a morte, porque dá azar... O ser humano é um animal supersticioso. E na verdade lidamos mal com a morte... Não conseguimos rir dela. Porque a nossa cultura baseia-se, afinal, na negação e na ocultação da morte, que é parte integrante da vida.
"A vida é um sono de que a morte nos desperta"
"Hora de morrer não tem retardo"Quando andámos na guerra, não falávamos da morte, tínhamos "vinte anos e a vida toda à nossa frente" (sic)...mas aprendemos a avaliar o risco de morrer ou de ficar para sempre "deficiente", sem uma perna, sem um braço, cegos, surdos, mudos, paraplégicos, tetraplégicos...
Afinal, "temer a morte é morrer duas vezes"... Pelo que, caros leitores, em boa verdade não há aqui "humor negro", há apenas humor, puro e duro, humor de caserna: rindo de nós e da nossa condição mortal, estamos a exorcizar os nossos medos, fantasmas, pesadelos... que esta pandemia (e a morbimortalidade a ela associada) veio reavivar.
Quando dizemos que "o temor da morte é a sentinela da vida", no fundo estamos a querer dizer que "o humor faz bem à nossa saúde mental"....É também um forma de resiliência contra a doença e a morte, no fim da picada da vida, já de si tão cheia de "minas e amadilhas"...
Os provérbios populares ajudam-nos nessa tarefa, enfatizando a inevitabilidade da morte mas também a igualdade no morrer (e, para os crentes, "a honra e a glória" da eternidade):
"Mais vale andar neste mundo em muletas do que no outro em carretas"
Almirante: O grande naufrágio!...
Amigo do Peito: À volta... cá te espero!
Antigo combatente: A última batalha!
Astronauta: Bolas, chego por fim ao fim... do mundo!
Ateu: Mas porquê eu, o escolhido, meu Deus, se eu nem sequer acredito em Ti ?!
Barqueiro de Caronte: Última viagem, uma moeda para o ceguinho.
Bombista suicida, anarquista: Abaixo o Estado! Viva o Nada!
Bombista suicida, islamista radical: Virgens, cheguei!
Budista: Transmigro, logo existo!
Calceteiro: Erros meus e do meu médico... a terra os cobre!
Caloteiro: Que Deus te pague, que eu estou liso!
Capitalista: Esqueci-me da taxa de depreciação do meu corpo enquanto forma de capital!
"Muita saúde e pouca vida, que Deus não dá tudo!"
"Nada mais certo do que a morte; nada mais incerto do que a hora da morte""Quem de novo não morre de velho não escapa"
"Só uma porta a vida tem, enquanto a morte tem cem".
"Só uma porta a vida tem, enquanto a morte tem cem".
Passei praticamente todo o tempo desta pandemia, desde março de 2020, na Lourinhã... No adro da igreja matriz local, junto à estátua do papa João XXIII, há um placar onde se afixam as notícias necrológicas,
Houve semanas em que o placar estava cheio. Em tempos surpreendi um fulano, meu conhecido, a comentar: "Ainda não foi desta!"... Perguntei-lhe, intrigado: "Ó fulano, não foi desta... o quê ?!"... Resposta pronta: "Não foi festa que li, em primeira mão, a notícia da minha própria morte"...
E o fulano ainda lá anda, sempre com medo de ser "co(n)vidado", usando dupla máscara, e espreitanto de soslaio as últimas novidades necrológicas... E eu adivinho o que ele diz entre dentes: "Bolas, ainda não foi desta!"...
A pandemia também tem os seus "apanhados do clima" como o fulano da Lourinhã... Mas, mais do que isso, marcou-nos a todos e matou alguns dos nossos amigos, camaradas, conhecidos, vizinhos e parentes... Falando só dos membros da Tabanca Grande que faleceram (107, no total, em 17 anos): um em cada quatro morreu em 2020 e 2021, ou seja, em apenas ano e meio...
2. Reproduzo, abaixo, uma lista de epitáfios ou lápides funerárias, de A a Z, uns da minha lavra (a maior parte), outros recolhidos da Net, e depois livremente adaptados ou reformulados ... Alguns leitores poderão não achar muita graça... sobretudo para aqueles para quem a morte é do domínio do sagrado...
Mas este poste é um mero (e inocente) passatempo (de verão). Às vezes é preciso "tapar buracos" para o que o blogue cumpra a meta dos 3 ou 4 postes diários em média... (**).
Se tiverem tempo, pachorra, saúde e boa disposição (tudo coisas de difícil combinação na nossa idade...), "entrem no jogo" e "façam vocês mesmos o vosso próprio epitáfio"... Há coisas que não podemos deixar para o último dia e muito menos para o último minuto, "à portuguesa"...
E não deixem essa tarefa aos vivos, que são capazes de maltratar a vossa memória, sabendo nós quão verdadeiro é o provérbio, "Coitadinho de quem morre, morre e para a glória vai; quem cá fica, come e bebe e o pesar logo se vai"... (LG)
Epitáfios ou lápides funerárias, de A a Z:
Almirante: O grande naufrágio!...
Amigo do Peito: À volta... cá te espero!
Antigo combatente: A última batalha!
Astronauta: Bolas, chego por fim ao fim... do mundo!
Ateu: Mas porquê eu, o escolhido, meu Deus, se eu nem sequer acredito em Ti ?!
Barqueiro de Caronte: Última viagem, uma moeda para o ceguinho.
Bombista suicida, anarquista: Abaixo o Estado! Viva o Nada!
Bombista suicida, islamista radical: Virgens, cheguei!
Budista: Transmigro, logo existo!
Calceteiro: Erros meus e do meu médico... a terra os cobre!
Caloteiro: Que Deus te pague, que eu estou liso!
Capitalista: Esqueci-me da taxa de depreciação do meu corpo enquanto forma de capital!
Catastrofista: Que pior me há de acontecer ?!...
Católico: Obrigado, Pai, vou por fim conhecer-Te, ao vivo e a cores!
Cemitério Judaico, Ilha de São Miguel, Açores: ”Campo da Igualdade”
Chef: Minhas estrelas Michelin!... Trocava-as por uns jaquinzinhos fritos!... Que no Céu não há disto!
Claustrobófico: Por favor, tirem-me daqui!
Cobrador de impostos: Afinal, não é só o fisco, também a morte não perdoa!
Comerciante: Liquidação Total. Preços de saldo. Motivo: força maior.
Comodista: O último a morrer que feche... a tampa do caixão!
Contabilista: Fiz mal... as contas!
Contador de histórias: Era uma vez...
Coveiro: De pés para a cova!... Não se aceitam mais encomendas!
Diabo: Tinham-me prometido a eternidade... antes das alterações climáticas!
Ecologista: Espécie extinta!
Coveiro: De pés para a cova!... Não se aceitam mais encomendas!
Diabo: Tinham-me prometido a eternidade... antes das alterações climáticas!
Ecologista: Espécie extinta!
Epicurista: Morro de papo cheio, gozei em vida
Fadista: "Com que voz chorarei meu triste fado" ?!...
Filósofo: Ser ou não ser ?!... Era... a questão!
General: Bolas, lerpei!
Gourmet: Acabou-se o que era doce!
Herói: Saltei para o lado errado da barricada!
Fadista: "Com que voz chorarei meu triste fado" ?!...
Filósofo: Ser ou não ser ?!... Era... a questão!
General: Bolas, lerpei!
Gourmet: Acabou-se o que era doce!
Herói: Saltei para o lado errado da barricada!
Historiador: Desempregado. Motivo: fim da História.
Humorista: Ói, pessoal, afinal onde é que está a piada ?
Informático "covidado": Vítima do pior vírus do mundo!
Jogador de Futebol: Arrumei as botas!
Latinista: Memento, homo, quia pulvis es et in pulverem reverteris! (Lembra-te, ó homem, que és pó e que em pó te tornarás!)
Marido Fiel: Até que a morte, por fim, nos separou!
Marido Infiel: Agora foi "ela" que me pôs...os cornos!
Médico: O cangalheiro e o coveiro são sempre os últimos... a rir!
Metereologista: No inferno deve estar... um frio de rachar!
Negacionista: Não acredito!...Recuso-me a acreditar!
O (E)terno Apaixonado: Voltaria a morrer por ti, meu amor!
O Caçador: A última armadilha!
O Corrupto: Incorruptível!
O Crente: O melhor ainda está por vir!
O Dorminhoco: Descanso eterno!
O Hipocondríaco: Eu bem avisei que... estava doente!
O Homem Mais Velho do Mundo: Arre, custou mas foi, o sacana do... velho!
O Malcriado: A vida... é uma merda!
O Optimista: É só um momentinho, por favor!
O Pessimista: Nunca mais vou sair daqui!
O Politicamente Correcto: Tudo acaba!
Padre: Porquê, meu Deus, meu Pai, entre tantos os chamados, fui logo eu o escolhido ? E porque não antes o sacristão ou o Papa ?
Paleontologista: De fóssil em fóssil... até à jazida final!
Papa: Porquê, meu Deus, meu Pai, entre tantos os chamados, fui logo eu o escolhido ? E porque não antes o bispo da minha terra ?
Pedófilo: Meus queridos anjinhos, meus fofos... cheguei!
Perfeccionista: A repetição leva à perfeição... exceto na roleta russa!
Predador: Agora a presa... sou eu!
Poeta: Saudade eterna!
Poeta Bocage 1: Já Bocage não sou!... À cova escura / Meu estro vai parar desfeito em vento...
Poeta Bocage 2: (...) Ah! Se me creste, gente ímpia, / Rasga meus versos, crê na eternidade!
Poeta Camões: Lembrem-se de mim, ao menos, quando eu morrer no 10 de junho!
Poeta Fernando Pessoa: O eterno desassossego!
Poeta Ruy Belo: Adeus, Terra da Alegria!
Portuga (Pobre): Nunca mais vejo a tal luz... ao fundo do túnel!
Portuga (Rico): Uma suite...para a eternidade!
Racista branco: A coisa está preta!
Racista negro: Branco... como a cal da parede!
Rambo: Sempre me avisaram, em Lamego, no curso de "rangers", que não se pode abusar da sorte!
Rei: Destronado e... desterrado!
Racista branco: A coisa está preta!
Racista negro: Branco... como a cal da parede!
Rambo: Sempre me avisaram, em Lamego, no curso de "rangers", que não se pode abusar da sorte!
Rei: Destronado e... desterrado!
Retornado: Bom filho... a casa torna
Revolucionário: Os vermes ao poder! A terra a quem... a trabalha!
Romancista: Ponto final parágrafo. The End.
Romancista: Ponto final parágrafo. The End.
Suicida Arrependido: Porra, esqueci-me de comprar bilhete de ida e volta!
Último habitante da terra: Tenho pena de não ter sido o primeiro
Soldado Desconhecido: Levantado do chão!
Toxicodependente: Enfim, meu, é só pó!...
Velho militante comunista: Até sempre, camaradas!
Viciado na raspadinha: Não jogo mais ?!...
Viciado no jogo: Bingo!
Velho militante comunista: Até sempre, camaradas!
Viciado na raspadinha: Não jogo mais ?!...
Viciado no jogo: Bingo!
Virgem (Resistente): Maldita terra que por fim me hás de... comer!
Virologista: "Se ficar o bicho come, se correr o bicho pega"
Zarolho: Se no céu for tudo cego, quem tiver um olho será rei.
3. Camarada, acrescenta aqui (, em baixo, na caixa de comentários...) uma lápide da tua lavra (do latim lapis, -idis, pedra).
Afinal, à morte ninguém escapa nem o rei nem o papa... E, a menos que queiras ser cremado, alguém vai pôr uma pedra, uma lápide, em cima do teu caixão...
Pelo sim, pelo não, é melhor deixar as tuas instruções pessoais em vida, com antecedência... Para o que der e vier... Mete o teu epitáfio no testamento vital.
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Notas do editor:
(*) Vd. poste de 1 de novembro de 2014 > Guiné 63/74 - P13833: Manuscrito(s) (Luís Graça) (41): Memento, homo, quia pulvis es et in pulverem reverteris
(**) Último poste da série > 10 de agosto de 2021 > Guiné 61/74 - P22446: Passatempos de Verão (26): A cabra Joana de Nhacobá e o cão Tigre do Cumbijã, uma fábula que pode ser entendida como uma metáfora das relações coloniais do passado (Lucinda Aranha)
Pelo sim, pelo não, é melhor deixar as tuas instruções pessoais em vida, com antecedência... Para o que der e vier... Mete o teu epitáfio no testamento vital.
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Notas do editor:
(*) Vd. poste de 1 de novembro de 2014 > Guiné 63/74 - P13833: Manuscrito(s) (Luís Graça) (41): Memento, homo, quia pulvis es et in pulverem reverteris
(**) Último poste da série > 10 de agosto de 2021 > Guiné 61/74 - P22446: Passatempos de Verão (26): A cabra Joana de Nhacobá e o cão Tigre do Cumbijã, uma fábula que pode ser entendida como uma metáfora das relações coloniais do passado (Lucinda Aranha)