quinta-feira, 31 de março de 2022

Guiné 61/74 - P23128: Notas de leitura (1432): "Os Velhotes: Contos Eróticos" (Alcochete, Alfarroba, 184 pp.), do nosso camarada António J. Pereira da Costa, Tó Zé, para os amigos... Uma pedrada no charco da nossa educação judaico-cristã...


Capa do livro do nosso camarada António José Pereira da Costa, cor art ref, "Os Velhotes: Contos Eróticos" (Alcochete, Alfarroba, 2020, 184 pp.)



Feira do Livro de Lisboa > Lisboa > Feira do Livro > 6 de Setembro de 2020 > O autor, António José Pereira da Costa, e a representante da editora Alfarroba, na apresentação do livro "Os Velhotes" (*).

Na altura, o autor comentoum no poste P21133, de 7/9/2020 (*):

Olá Camaradas. Efectivamente, se não fossem os ex-combatentes tudo teria sido um fracasso. O Armando Pereira e a esposa são meus colegas na "Associação dos Velhos" onde eu milito e até já aprendi como se encaderna um livro.

O livro é perigoso. Falar de erotismo na 3.ª idade não é fácil e é extremamente difícil penetrar nas atitudes farisaicas e hipócritas de quem varre para baixo do tapete e consequência da nossa educação judaico-cristã. Mas isso já são outros mitos, outras lendas e futuros assuntos para debate para que para tal tiver coragem..



Foto (e legenda): © Carlos Silva (2020). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


I. C
omentário do autor, inserido no poste P23117 (**)


Olá, Camaradas: Pelo rumo dos "debates", parece que estou entre os meus.

Quem quer comprar o meu livro badalhoco "Os Velhotes", sexo na 3.ª Idade ?!

Na impossibilidade de o exibir aqui (capa e foto do lançamento da obra, na Feira do Livro de Lisboa, em 6 de setebro de 2020),  peço aos editores autorização para fazer um anúncio nos posts do blog.
Dado o tema,  não me atrevi a tentar divulgá-lo. Aqui vai um "método de ataque":

1. Começar pelo prefácio. Ler atentamente. É a parte séria do livro e ela permitirá desembaraçarmo-nos de ideias a que teremos de chamar preconcebidas, à falta de um termo melhor. Na nossa idade, não temos contas a prestar a ninguém. Podemos ser "amorais" à nossa vontade. Se calhar nem a nós mesmos teremos de as prestar. Com os mais novos será diferente? Talvez...

2. Ler devagar. Um conto de cada vez e, depois... uma pausa, para o analisar e pensar. É um rico exercício mental. Nada de exploração do sucesso, a menos que… se proporcione.

3. Poderá haver alguns contos que firam a sensibilidade, dadas as situações pouco ortodoxas que descrevo. Se tal suceder, é abrir a mentalidade e a tolerância e ler com mais cuidado, mas não deixar de os ler.

4. No início de cada conto, está desenhada uma combinação dos símbolos, masculino e feminino, que permite ter uma ideia do teor do conto que se segue. Assim, o leitor não corre o risco de ser surpreendido.

5. Como se vê, não há violência no livro e nas situações que imaginei.

6. Só os personagens – às vezes – usam linguagem desbragada, mas o leitor não ouve o que eles dizem... e, além disso, é/são sempre a/as senhora(s) que toma/m a iniciativa e controlam as situações mais embaraçosas. E assim é que deve ser. São mais sensíveis, digo eu, claro.

7. Chamo a especial atenção para os contos que mais me marcaram: "Os Velhotes" (inspirado num casal com quem nunca falei, mas que decorre numa praia que bem conheço), "Velhos e Libertinos" (dois velhotes suburbanos reservados q. b. mas...) e "Aqueles Dois" (um acto de resistência num sítio onde, como se vai vendo, é cada vez mais necessário resistir). Parece-me o mais bem conseguido, embora com poucas possibilidade de acontecer. Não conheço nenhum conto deste tipo em que um dos personagens morra e o outro o chore, com saudades dos tempos passados juntos. Claro que há "A Viúva" que escrevi de um fôlego e à medida que as ideias surgiam. Só o reli, depois de "pronto". Creio que será um dos mais realistas.

8. Todas as personagens derivam de um trabalho de colagem de características físicas e pessoais(?) de pessoas que conheço. As situações provêm, como não poderia deixar de ser, da experiência da vida, da imaginação à solta e de "histórias" que ouvi contar. Falsas, normalmente ou nem tanto…

9. Está autorizado o açambarcamento para revenda. É possível dizer bem ou mal e eu agradeço uma coisa ou outra. A crítica, mesmo destrutiva é bem-vinda!...

10. Depois, é divulgar no Facebook, Twitter, Instagram, e entre o pessoal cujos e-mails, eu não tenho, mas tu tens.

Um Ab.
António J. P. Costa 

29 de março de 2022 às 23:13

II. Sinopse do livro (***):


Dália é viúva. Casada durante quase cinquenta anos, a perda do marido foi um golpe […] que a vida lhe vibrou. Há umas noites sucedeu o inevitável: sentiu vontade de sexo. Já tinha sentido umas sensações, mas recusara, esmagando a necessidade e reprimindo o desejo. Porém, ontem, ao fim da tarde, aconteceu…

Maria ganhou coragem e foi procurar a bancada de carpinteiro. O coração bateu‑lhe fortemente quando a encontrou. Passou as mãos pelo tampo bem liso [...]. Então, não pôde conter‑se e chorou, chorou muito. Soluçou mesmo. Era ali que se possuíam num abraço violentamente delicioso. Num exercício de forças combinadas, Adriano sentava‑a na bancada e […] penetrava‑a com aquela gentileza que ela sempre tinha apreciado. Depois, vinha o abraço, bem apertado, e o beijo terno e constante…

Ao acordar, olharam‑se bem nos olhos e Pikenina não se conteve e beijou os lábios da amiga, ao de leve, mas de modo a senti‑los bem. Fofa pegou‑lhe nas faces e retribuiu. Não, não eram nenhuns devassos.

Eram um vulgar casal de sexagenários.

(Fonte: Alfarroba editora)


O livro pode ser adquiro diretamente através de pedido ao autor:

email: toze.pereiradacosta@gmail.com

Preço de capa  (inclindo portes do correio):
12,78 €

O leitor interessado terá de indicar a morada para onde enviar a obra. O autor, por sua vez,  comunicará depois a conta bancária para efeitos do pagamento.



III. Sobre o Autor 
(foto à direita, cortesia da editora

(i) é natural da Amadora (1947);

(ii) cor art ref; terminou  a sua carreira activa como Director da Biblioteca do Exército, em Dezembro de 2011;

(iii) ex-alf art, na CART 1692/BART 1914, Cacine, 1968/69; ex-cap art e cmd das CART 3494/BART 3873, Xime e Mansambo, e CART 3567, Mansabá, 1972/74); 

(iv) é um histórico do nosso blogue, tem 175 referências;

(v)  é membro da Tabanca Grande  desde 13/12/2007; 

(vi) é autor da série "A minha guerra a petróleo"(, depois transformada em livro, editado pela Chiado Books, Lisboa, 2019, 192 pp.) tem um belíssima e valiosa colecão de arte e artesanato guineenses (fula, mandinda, bijagó...) e tem-na partilhado connosco (*): base para copos, bases para copos, pratos e terrina, cachimbos, "cirans", "cafalas", chapéu fula, cinto fula, garrafas forradas a couro, tabuinha com caracteres árabes...

(vii) é autor de vários livros sobre história e arquitetura militares, de um modo geral, indisponíveis no mercado:  A cidadela de Cascais (2003); O Palacete do Camarista Real (2011); Castro Marim: Dos Forets não reza a história (2012)... Os dois primeiros são edições do Estado Maior do Exército.



Guiné 61/74 - P23127: Álbum fotográfico do Padre José Torres Neves, ex-alf mil capelão, CCS/BCAÇ 2885 (Mansoa, 1969/71) - Parte II: Bindoro, Natal de 1970: visita do gen Spínola

Foto nº 1 >  Guiné > Região do Oio > Sector 4 (Mansoa > BCAÇ 2885 (Mansoa, 1969/71) > CCAÇ 2588 > Natal de 1970 > Destacamento de Bindoro > Visita no gen Spínola e do capelão José Torres Neves: vieram de Bissá para Bindoro, de helicóptero.


 Foto nº 2A > Guiné > Região do Oio > Sector 4 (Mansoa > BCAÇ 2885 (Mansoa, 1969/71) > CCAÇ 2588 > Natal de 1970 > Destacamento de Bindoro > Visita no gen Spínola (1)

Foto nº 2B > Guiné > Região do Oio > Sector 4 (Mansoa > BCAÇ 2885 (Mansoa, 1969/71) > CCAÇ 2588 > Natal de 1970 > Destacamento de Bindoro > Visita no gen Spínola (2)


Foto nº 2C > Guiné > Região do Oio > Sector 4 (Mansoa > BCAÇ 2885 (Mansoa, 1969/71) > CCAÇ 2588 > Natal de 1970 > Destacamento de Bindoro > Visita no gen Spínola (4)


 Foto nº 2D > Guiné > Região do Oio > Sector 4 (Mansoa > BCAÇ 2885 (Mansoa, 1969/71) > CCAÇ 2588 > Natal de 1970 > Destacamento de Bindoro > Visita no gen Spínola (4)


 Foto nº 2 > Guiné > Região do Oio > Sector 4 (Mansoa > BCAÇ 2885 (Mansoa, 1969/71) > CCAÇ 2588 > Natal de 1970 > Destacamento de Bindoro > Visita no gen Spínola (5)

Fotos (e legenda): © José Torres Neves (2022). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. Continuação da publicação do álbum fotográfico do Padre José Torres Neves, ex-alf mil capelão, CCS/BCAÇ 2885 (Mansoa, 1969/71)-

Organização e a seleção feitas pelo seu amigo e nosso camarada Ernestino Caniço, ex-alf mil cav, cmdt do Pel Rec Daimler 2208 (Mansabá e Mansoa) e  Rep ACAP - Repartição de Assuntos Civis e Ação Psicológica, (Bissau) (Fev 1970/Dez 1971) (médico, foi diretor do Hospital de Tomar, 6 anos, de 1990 a 1996, e diretor clínico cumulativamente 3 anos, de 1994 a 1996, vivendo então em Abrantes; hoje vive em Tomar).

O José Torres Neves é missionário da Consolara, ainda no ativo. Vai fazer 86 anos.
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quarta-feira, 30 de março de 2022

Guiné 61/74 - P23126: Historiografia da presença portuguesa em África (310): Fundos da gaveta: leituras espúrias sobre a História Antiga da Guiné Portuguesa (1) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 7 de Maio de 2021:

Queridos amigos,
Ao longo de um processo de qualquer pesquisa somos confrontados, por vezes repentinamente, com títulos desconhecidos que aparentam interesse, alguns deles nem são constantes das bibliografias mais utilizadas. Foi o que aconteceu um livro do capitão Gerardo Pery, que encerra não passa de generalidades, para seu bem curioso o que se vendeu na feira da Exposição Universal de Sevilha proveniente da Guiné, folheou-se o livro de um médico inglês, George Tams, que ainda na primeira metade do século XIX veio apurar se ainda se praticava a escravatura e, coisa surpreendente, andou por Cabo Verde mas não viu utilidade em pôr os pés na Senegâmbia Portuguesa. E assim se chegou a um dos mais relevantes trabalhos de António Carreira sobre as companhias pombalinas de navegação, aqui se dá notícia de uma importante resenha oriunda da Universidade de São Paulo e espera-se continuar com o propósito de oferecer bibliografia pertinente ao leitor mais interessado.

Um abraço do
Mário



Fundos da gaveta: leituras espúrias sobre a História Antiga da Guiné Portuguesa (1)

Mário Beja Santos

Numa fase de últimas pesquisas para dar por concluído o trabalho de investigação de um próximo livro que terá o título de Guiné, bilhete de identidade, senti curiosidade em folhear publicações sobre temas que à partida me pareceram pertinentes. É dessa relação de leituras espúrias que aqui procedo a alguns comentários. Primeiro, a Geografia e Estatística Geral de Portugal e Colónias, obra de um Capitão do Exército, Gerardo A. Pery, edição da Imprensa Nacional, 1875. Registo um parágrafo que me parece a todos os títulos elucidativo:
“O senhorio português na região impropriamente denominada Guiné, isto é, na Senegâmbia, estendia-se, ainda nos fins do século XVI, desde o Cabo Verde até à Serra Leoa. Descoberto o rio Casamansa e a costa entre o Cabo Roxo, ao sul deste rio, e o Cabo de Sagres, ao norte da Serra Leoa, foram estas regiões a princípio avidamente exploradas. Mas a descoberta da denominada Costa do Ouro, a verdadeira Guiné, e, mais tarde, os descobrimentos da Índia e do Brasil, fizeram esquecer esta parte dos vastos domínios portugueses, deixando-se que outras nações ali se estabelecessem e se apoderassem dos principais ramos de comércio daquelas feracíssimas regiões”.
Daí se reduziu a extensão do domínio na Senegâmbia, referindo que a superfície aproximada é de 8400 quilómetros quadrados. O Capitão Pery refere os rios (Casamansa, São Domingos, Geba, Bolola, Quinala ou de Nalu, até ao rio Nuno). Comenta que as margens destes rios são muito férteis, orladas de densas florestas de mangues, pau-carvão e árvore da borracha; as principais produções eram arroz, milho e mancarra. A Guiné deste tempo estava dividida em três concelhos com cinco freguesias.

Assim que vi a referência da Guiné no Catálogo Português da Exposição Mundial de Sevilha, 1929, fui à procura de algo original. Para quem redigiu o texto, a população ao tempo seria de 400 mil habitantes, refere que existem duas estações e que as principais culturas seriam: mancarra e arroz, milho e café, cana-sacarina e tabaco, cola e mandioca, dizendo adiante que a colónia possuía muita fruta: bananeira, laranjeira, mangueira, mamoeiro, cajueiro e goiabeira. Aspeto muito curioso era o mostruário de cereais e legumes, frutas e sementes oleaginosas, madeira e cortiça (?) e apresentava um extenso elenco de produtos de artesanato. No descritor da Biblioteca da Sociedade de Geografia de Lisboa chamou-me a atenção o seguinte título: Visita às Possessões Portuguesas da Costa Ocidental de África, por George Tams, doutor em Medicina, dois volumes, Edição Portuguesa do Porto, 1850. O Dr. Tams é bem explicito sobre o que o move nesta viagem: vem fiscalizar se ainda há mão-de-obra escrava nas colónias portuguesas. Visita as ilhas adjacentes, percorre Cabo Verde e segue diretamente para S. Tomé em Angola, nem uma palavra sobre a Guiné. Mas recomenda-se a sua leitura para quem investiga a análise da escravidão após a abolição decretada pela Grã-Bretanha, reputo de muito interesse o que ele escreve sobre Cabo Verde, Angola e São Tomé.

Chegou a oportunidade de ler uma boa investigação de António Carreira intitulada As Campanhas Pombalinas de Navegação, Comércio e Tráfico de Escravos entre a Costa Africana e o Nordeste Brasileiro, a edição é do Centro de Estudos da Guiné Portuguesa, 1969. Dá-nos generalidades sobre as companhias portuguesas de comércio e tráfico de escravos, narrando que tudo começara quando os descobridores andavam a filhar gente ao acaso com o objetivo de obter informações sobre as terras e as gentes, mercadorias, tais como o ouro. A esse período seguiu-se a chamada Companhia de Lagos, dirigida por Lançarote, destinava-se à captura de escravos. A etapa seguinte foi o arrendamento da Coroa a Fernão Gomes (1469) por cinco anos. Está documentado que Fernão Gomes navegou costa abaixo, cumprindo o contrato. Noutro período, houve tratos e resgates efetivados diretamente por decisão régia através de arrendatários ou possuidores de licenças temporárias. É o tempo dos assientos, correspondia a um contrato ou a um conjunto de contratos pelos quais um particular se substituía ao rei.

No século XVII a política passou a ser diferente pois constituíram-se companhias de navegação e comércio protegidas pelo monopólio do escambo (comércio de escravos). A primeira companhia constituída foi a Companhia da Costa da Guiné, organizada pelos irmãos Lourenço Pestana Martins e Manuel da Costa Martins a quem foi concedido o exclusivo do comércio de Arguim por oito anos. Anos depois, surgiu a Companhia de Cacheu, Rios e Comércios da Guiné (1666). Tinha obrigações assumidas, caso da reedificação da Praça de Cacheu, o fornecimento de armas e munições, o pagamento de vencimentos ao clero e a militares. Durante seis anos tiveram o exclusivo da navegação de Cabo Verde para a Guiné. Findo o prazo da concessão, os sócios deste empreendimento transferiram os seus direitos para a Companhia do Estanco do Maranhão e Pará (1682), o exclusivo de escravos abrangia também a costa de Angola. A contestação foi enorme e a Coroa viu-se obrigada a cancelar o contrato. A Companhia de Cacheu, Rios e Comércio da Guiné veio a ser substituída pela Companhia de Cacheu e Cabo Verde. É nesta fase, no final do século XVII, que a Coroa pretende incentivar o desenvolvimento agropecuário do Pará e Maranhão, o recurso ao índio era manifestamente insuficiente. As doenças grassavam no Brasil, as crises de mão-de-obra eram consecutivas, foi nesse contexto, e após muitas vicissitudes, que se fundou (1755) a Companhia Geral do Grã Pará e Maranhão, que não teve uma vida pacífica nem gloriosa, não faltaram acusações de desmandos e mais tarde virá a rutura financeira.

Aqui se interrompe para juntar um comentário do historiador e antropólogo brasileiro Luiz Mott na Revista de História da Universidade de São Paulo (1972), acerca da importância do trabalho de António Carreira:
“Dentre os inúmeros Arquivos Históricos existentes em Lisboa, um deles é particularmente rico em material relativo ao comércio exterior do Brasil durante o século XVIII: o Arquivo Histórico do Ministério das Finanças. Mais do que em qualquer outra instituição do Brasil ou de Portugal, é aí neste Arquivo que estão reunidos o maior número e os principais documentos referentes às célebres Companhias de Comércio do período Pombalino: dezenas de enormes livros manuscritos onde foram registrados todos os decretos e avisos régios relativos às Companhias, outro tanto de livros onde estão copiadas todas as cartas que a administração das Companhias mandava e recebia, diários de contabilidade, sem falar nos milhares de papéis avulsos dos muitos maços de correspondência. Material abundantíssimo e muito rico, apenas parcialmente explorado, que espera pesquisadores que o sistematize".

António Carreira, do Centro de Estudos da Guiné Portuguesa, professor do Centro de Estudos de Antropologia Cultural, do Instituto de Alta Cultura (Lisboa), pesquisador arguto e sério, com uma paciência verdadeiramente beneditina, frequentou assiduamente e por um longo período os manuscritos deste Arquivo: o resultado de suas pesquisas (o presente livro), é altamente satisfatório, e digno dos maiores elogios. Além da referida instituição, o Autor fez pesquisas no Arquivo Histórico Ultramarino (Lisboa), e no Arquivo Público da Baía.

Profundo conhecedor da história das tecelagens de Cabo Verde e da Guiné, as implicações resultantes da utilização destes panos de algodão no tráfico de escravos, (Cf. o livro de sua autoria, A Panaria Cabo-Verdiana-Guineense - Aspetos Históricos e socioeconómicos, Junta de Investigações do Ultramar, Lisboa), António Carreira oferece-nos com o presente livro um estudo bastante original a respeito das duas Companhias Pombalinas de Navegação, comércio e tráfico de escravos: a Companhia do Grão-Pará e Maranhão, e a Companhia Geral de Pernambuco e Paraíba.

O 1.º Capítulo serve como introdução: o Autor apresenta informações gerais, ou generalidades, sobre as Companhias portuguesas de comércio e tráfico de escravos anteriores à época Pombalina. O 2.º Capítulo é dedicado à Companhia do Grão-Pará e Maranhão: a sua formação, a frota utilizada, os agentes, o seu comportamento, a concorrência estrangeira, o contrabando. Uma das partes mais interessantes é a análise estatística dos escravos transportados pelos navios desta Companhia, tomando como base os registos efetuados entre 1755 e 1788. Nesta parte são apresentados os seguintes elementos:
- Número de escravos embarcados e chegados vivos aos destinos
a). - Especificação por sexos e grau de desenvolvimento físico;
b). - Número de escravos segundo as regiões de procedência e de destino;
c). - Etnias levadas para o Brasil;
d). - Tratamento e mortalidade no trajeto;
e). - Marcas de propriedades nos escravos;
f). - Preços médios de custo na origem, por anos e regiões.

Completam tal capítulo a descrição de 2 temas: - algumas das mercadorias utilizadas nos "tratos e resgates dos escravos"; - géneros e manufaturas africanas compradas e exportadas.

O estudo da Companhia Geral de Pernambuco e Paraíba é feito no 3.º Capítulo. Aí o autor aborda os seguintes assuntos: a frota utilizada, alguns problemas do tráfico, proveniência dos escravos levados para Pernambuco, mortalidade dos escravos durante a viagem, preços médios de compra de escravos por anos e áreas.

Acompanham tais reflexões a transcrição de 27 documentos (entre alvarás, representações, cartas, pareceres, petições, etc.), relacionados com as Companhias e o tráfico de escravos. Muitos destes documentos são inéditos. O último deles, embora tendo sido anteriormente publicado, dada a raridade e dificuldade de ser encontrado, é com júbilo que o encontramos aí divulgado. Trata-se do Discurso Académico ao Programa, de autoria de Luís António de Oliveira Mendes, proferido em 12 de maio de 1793, somente publicado em 1812 nas Memórias económicas da Academia Real das Ciências de Lisboa, no tomo IV. Tal Memória teve como objetivo "determinar com todos os seus sintomas as doenças agudas e crónicas, que mais frequentemente acometem os pretos recém tirados da África: examinando as causas da mortandade depois da sua chegada ao Brasil: se talvez a mudança do clima, se a vida mais laboriosa, ou se alguns outros motivos concorrem para tanto estrago: e finalmente indicar os métodos apropriados para evitá-lo, prevenindo-o e curando-o: tudo isto deduzido da experiência mais sisuda e fiel" (p. 495). Tal Discurso constitui documento muito rico de informações para a história da escravidão no Brasil. Embora o seu escopo tenha sido, conforme foi dito, primordialmente em termos de sugerir uma nova política sanitária a fim de se evitar a mortandade dos escravos transportados para a América Portuguesa, o certo é que o autor, improvisando-se em etnógrafo, descreveu com muita riqueza e detalhes, os costumes, ocupações e demais aspetos da cultura material dos africanos, "esta porção mais desgraçada da espécie humana" ... (p. 494).

Tal académico não contente em apresentar de maneira "mais sisuda e fiel" a situação destes escravos, transforma as suas linhas em discurso engagé, dizendo que "as diversas crueldades experimentadas pelos pretos escravos em todas as idades, fazem gelar o sangue nas veias do fiel e experimentado escritor", daí sugerir a criação de uma Lei Municipal (6 artigos), que inibisse a desumanidade dos Senhores em favor de uma existência menos desgraçada para os escravos, lei esta que levaria à extinção do tráfico, e à abolição final do trabalho servil:
... "Que na África por hora venha a menor porção dela, que puder vir (escravos), e que para o futuro dilatando-se pela observação o mesmo sistema, se levantem as mãos aos céus, louvando a omnipotência de Deus, que por um destino feliz fez desterrar, e desaparecer par sempre a escravidão dos pretos a todos odiosa." (p. 55).

Lastimamos informar que tal obra, edição do. Autor, dado o pequeno número de exemplares publicados, é dificilmente encontrada nas bibliotecas e livrarias do Brasil.
Todos os exemplares foram enviados de Lisboa ao Rio de Janeiro, onde foram rapidamente distribuídos. Há, entretanto, uma outra possibilidade para quantos não tenham tido a felicidade de obter um exemplar deste importante trabalho: tal estudo foi igualmente publicado no Boletim Cultural da Guiné Portuguesa, nos 89-90 e 91-92 de 1968, n.ºs 93-94 de 1969. Em tal publicação, de acesso relativamente fácil, poderá o leitor comprovar o grande valor e interesse desta pesquisa, e como eu, agradecer a António Carreira a trabalheira que nos poupou, sistematizando tão bem esta importante parte dos manuscritos do Arquivo Histórico do Ministério das Finanças de Lisboa.

(continua)

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Nota do editor

Último poste da série de 23 DE MARÇO DE 2022 > Guiné 61/74 - P23102: Historiografia da presença portuguesa em África (309): "Subsídios para a História de Cabo Verde e Guiné", as partes I e II foram editadas em 1899, o seu autor foi Cristiano José de Senna Barcelos, Capitão-Tenente da Armada (13) (Mário Beja Santos)

Guiné 61/74 - P23125: Álbum fotográfico do Padre José Torres Neves, ex-alf graduado capelão, CCS/BCAÇ 2885 (Mansoa, 1969/71) - Parte I: Destacamento de Bindoro fevereiro de 1970, guarnecido por forças da CCAÇ 2588


Foto nº 1 > Guiné > Região do Oio > Sector 4 (Mansoa) >  BCAÇ 2885 (Mansoa, 1969/71) > CCAÇ 2588 > Fevereiro de 1970 > Destacamento de Bindoro > Render da guarda (1)


Foto nº 1A > Guiné > Região do Oio >  Sector 4 (Mansoa) >  BCAÇ 2885 (Mansoa, 1969/71) > CCAÇ 2588 > Fevereiro de 1970 > Destacamento de Bindoro > Render da guarda (2)


Foto nº 1B > Guiné > Região do Oio > Sector 4 (Mansoa >BCAÇ 2885 (Mansoa, 1969/71) > CCAÇ 2588 > Fevereiro de 1970 > Destacamento de Bindoro > Render da guarda (3)


Foto nº 2 > Guiné > Região do Oio > Sector 4 (Mansoa > BCAÇ 2885 (Mansoa, 1969/71) > CCAÇ 2588 > Fevereiro de 1970 > Destacamento de Bindoro > Hora do rancho (1)


Foto nº 2A > Guiné > Região do Oio > Sector 4 (Mansoa > BCAÇ 2885 (Mansoa, 1969/71) > CCAÇ 2588 > Fevereiro de 1970 > Destacamento de Bindoro > Hora do rancho: pequeno almoço (2)



Foto nº 2B > Guiné > Região do Oio > Sector 4 (Mansoa > BCAÇ 2885 (Mansoa, 1969/71) > CCAÇ 2588 > Fevereiro de 1970 > Destacamento de Bindoro > Hora do rancho: pequeno almoço (3)



Foto nº 2C > Guiné > Região do Oio > Sector 4 (Mansoa > BCAÇ 2885 (Mansoa, 1969/71) > CCAÇ 2588 > Fevereiro de 1970 > Destacamento de Bindoro > Hora do rancho: pequeno almoço  (4)

Foto nº 2 > Guiné > Região do Oio > Sector 4 (Mansoa >  BCAÇ 2885 (Mansoa, 1969/71) > CCAÇ 2588 > Fevereiro de 1970 > Destacamento de Bindoro > Coluna, com elementos civis, de etnia balanta (1)



Foto nº 2A  > Guiné > Região do Oio > Sector 4 (Mansoa > BCAÇ 2885 (Mansoa, 1969/71) > CCAÇ 2588 > Fevereiro de 1970 > Destacamento de Bindoro > Coluna, com elementos civis, de etnia balanta (2)


Foto nº 3  > Guiné > Região do Oio > Sector 4 (Mansoa >  BCAÇ 2885 (Mansoa, 1969/71) > CCAÇ 2588 > Fevereiro de 1970 > Destacamento de Bindoro > Vista aérea, de helicóptero, da tabanca e do destacamento (1)


Foto nº 3>  > Guiné > Região do Oio > Sector 4 (Mansoa >  BCAÇ 2885 (Mansoa, 1969/71) > CCAÇ 2588 > Fevereiro de 1970 > Destacamento de Bindoro > Vista aérea, de helicóptero, da tabanca e do destacamento (2)


Foto nº 3  > Guiné > Região do Oio > Sector 4 (Mansoa >  BCAÇ 2885 (Mansoa, 1969/71) > CCAÇ 2588 > Fevereiro de 1970 > Destacamento de Bindoro > Vista aérea, de helicóptero, da tabanca e do destacamento (3)


Fotos (e legenda): © José Torres Neves (2022). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. Mensagem de nosso camarada e amigo Ernestino Caniço, ex-Alf Mil Cav, CMDT do Pel Rec Daimler 2208, Mansabá e Mansoa; Rep ACAP - Repartição de Assuntos Civis e Ação Psicológica, Bissau, Fev 1970/Dez 1971; médico, foi diretor do Hospital de Tomar, 6 anos, de 1990 a 1996, e diretor clínico cumulativamente 3 anos, de 1994 a 1996, vivendo então em Abrantes; hoje vive em Tomar.

Data - 29 mar 2022, 10:58  
Assunto . Álbum fotográfico do Padre José Torres Neves

Caros amigos

Como prometi vou anexar mais algumas fotografias do álbum do Pe José Torres Neves (*).

Envio por ordem alfabética das localidades do setor de Mansoa.

Posteriormente enviarei algumas de Bissau e outras de localização por mim desconhecida.

Talvez alguns camaradas as possam identificar. Hoje exponho mais algumas de Bindoro.

Um abraço,
Ernestino Caniço


2. Álbum fotográfico do Padre José Torres Neves, ex-alf graduado capelão, CCS/BCAÇ 2885 (Mansoa, 1969/71)

Bindoro, fevereiro de 1970 (Vd. fotos acima, nºs 1, 2 e 3)

3. Recorde-se aqui a ficha de unidade do BCAÇ 2885 e das suas companhias de quadrícula

Batalhão de Caçadores nº 2885

Identificação: BCaç 2885
Unidade Mob: RI 15 - Tomar
Cmdt: TCor Inf João Pedro do Carmo Chaves de Carvalho | 2.° Cmdt: Maj Inf Valentino Diniz Tavares Galhardo  | OInfOp/Adj: Maj Inf Alfredo José
Cmdts Comp: CCS.Cap SGE Abílio do Nascimento Castro
CCaç 2587:  Cap Mil Art Lourenço Gomes de Campos
CCaç 2588: Cap Inf Fernando do Amaral Campos Sarmento | Cap Inf Luís da Piedade Faria | Cap Mil Art Armando Vieira dos Santos Caeiro
CCaç 2589: Cap Inf Francisco António Mendonça Martins Vicente | Cap Mil Art Jorge Manuel Simões Picado
Divisa: "Nós Somos Capazes"
Partida: Embarque em 07Mai69; desembarque em 13Mai69 | Regresso: Embarque em 25Fev71

Síntese da Actividade Operacional

Em 14Mai69, rendendo o BCaç 1912, assumiu a responsabilidade do Sector 04, com sede em Mansoa e abrangendo os subsectores de Porto Gole e Mansoa. Em 230ut69, por extinção do Sector 03, a zona de acção foi aumentada do subsector de Mansabá, o qual lhe foi novamente retirado em 11Nov70, após reactivação do COP 6. 

Em 290ut69, o subsector de Porto Gole, foi reduzido da área de Enxa1é, que passou a ser integrada no sector do BCaç 2852. Em 15Nov69, por ajustamento do dispositivo, foi criado o subsector de JuguduI

As suas subunidades mantiveram-se sempre integradas no dispositivo e manobra do batalhão.

Desenvolveu intensa actividade operacional, efectuando numerosas operações e acções, golpes de mão, emboscadas, escoltas e patrulhamentos. Colaborou ainda na protecção e segurança dos movimentos das colunas de transporte dos meios de pavimentação e asfaltagem da estrada Mansabá-Farim e na segurança e protecção dos aldeamentos e organização dos sistemas de autodefesa e promoção sócioeconómica das populações.

Dentre o armamento capturado mais significativo, salienta-se: 3 metralhadoras pesadas, 1 pistola-metralhadora, 8 espingardas e 28 granadas de armas pesadas e 50 minas detectadas e levantadas.

Em 14Fev71, foi rendido no Sector 04 pelo BCaç 3832 e recolheu a Bissau para embarque.

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A CCaç 2587 seguiu em 14Mai69 para Mansoa, a fim de render a CCaç 1686 e assumir a responsabilidade do mesmo subsector, com destacamentos em Uaque, Rossum, Bindoro e Jugudul. Em 15Nov69, por criação do subsector respectivo, a sede da subunidade foi transferida para Jugudul, mantendo os destacamentos de Uaque, Rossum e Bindoro e sendo substituída em Mansoa pela CCaç 2588. 

Em 15Jan70, por troca com a CCaç 2588, regressou a Mansoa, com a missão de intervenção e reserva do sector, onde se manteve até 04Mai70, sendo substituída pela CCaç 15, tendo actuado em diversas operações realizadas nas regiões de Locher, Bindoro e Polibaque, entre outras, e escoltas a colunas.

Em 05Mar70, rendendo a CArt 2411, assumiu a responsabilidade do subsector de Porto Gole, com um destacamento em Bissá.

Em 17Fev71, rendida pela CCaç 3303, recolheu a Bissau, a fim de aguardar o embarque de regresso.

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A CCaç 2588 seguiu em 14Mai69 para Mansoa, a fim de render a CCaç 1685, ficando em missão de intervenção e reserva do sector, tendo actuado em diversas operações realizadas nas regiões de Locher, Changalana, Benifo, Ponta Bará e Namedão, entre outras, e escoltas a colunas. 

Em 15Jan70, por troca com a CCaç 2587, assumiu a responsabilidade do subsector de Jugudul e seus destacamentos de Uaque, Rossum e Bindoro.

Em 15Fev71, rendida pela CCaç 2304, recolheu a Bissau, a fim de aguardar o embarque de regresso.
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A CCaç 2589 seguiu em 14Mai69 para Mansoa, a fim de render a CCaç 1684, destacando efectivos para Braia e Cutia

Em 27Nov70, a sede da companhia foi transferida para Cutia, para protecção e segurança dos movimentos na estrada Mansoa-Mansabá.

Em 15Fev71, rendida pela CCaç 3305, recolheu a Bissau, a fim de aguardar o embarque de regresso.

Observações:  Tem História da Unidade (Caixa n." 110 - 2.a Div/4." Sec, do AHM\

Fonte: Excertos de: CECA - Comissão para Estudo das Campanhas de África: Resenha Histórico-Militar das Campanhas de África (1961-1974) : 7.º Volume - Fichas das Unidades: Tomo II - Guiné - 1.ª edição, Lisboa, Estado Maior do Exército, 2002, pp. 133/134
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Nota do editor:

(*) Vd. poste de 22 de março de 2022 > Guiné 61/74 - P23099: Tabanca Grande (532): Padre José Torres Neves, missionário da Consolata, ex-alf graduado capelão, BCAÇ 2885 (Mansoa, 1969/71): senta-se à sombra do nosso poilão no lugar nº 859

Guiné 61/74 - P23124: Parabéns a você (2049): Abel Rei, ex-1.º Cabo At Art da CART 1661 (Guiné, 1967/68); António Graça de Abreu, ex-Alf Mil Inf do CAOP 1 (Teixeira Pinto, Mansoa e Cufar, 1972/74); Rosa Serra, ex-Alferes Enfermeira Paraquedista da BA 12 (Bissau, 1969) e Valdemar Queiroz, ex-Fur Mil Art da CART 2479/CART 11 (Contuboel, Nova Lamego e Paúnca, 1969/71)




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Nota do editor:

Último poste da série: 27 de março de  2022 > Guiné 61/74 - P23116: Parabéns a você (2048): Armando Pires, ex-Fur Mil Enfermeiro da CCS/BCAÇ 2861 (Bula e Bissorã, 1969/70); Carlos Vinhal, ex-Fur Mil At Art MA da CART 2732 (Mansabá, 1970/72) e Eduardo Magalhães Ribeiro, ex-Fur Mil Op Especiais da CCS/BCAÇ 4612/74 (Mansoa, 1974)

terça-feira, 29 de março de 2022

Guiné 61/74 - P23123: Depois de Canchungo, Mansoa e Cufar, 1972/74: No Espelho do Mundo (António Graça de Abreu) - Parte XXX: Berlengas, Peniche, Portugal, junho de 2019,


Foto nº 1 > Berlengas, Peniche: forte de São João Baptista


Foto nº 2 > Berlengas, Peniche: bairro dos pescadores


Foto nº 3 > Guiné, região do Cacheu , Canchungo, CAOP 1 > O alf mil António Graça de Abreu (1)


Foto nº 4 > Guiné, região do Cacheu , Canchungo, CAOP 1 > c. 1972 > O alf mil António Graça de Abreu (2)

Fotos (e legenda): © António Graça de Abreu (2021) Todos os direitos reservados. [Edição: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]

Berlengas, Peniche, Portugal, junho de 2019

por António Graça de Abreu


[Escritor e docente universitário, sinólogo (especialista em língua, literatura e história da China); natural do Porto, vive em Cascais; autor de mais de 20 títulos, entre eles, "Diário da Guiné: Lama, Sangue e Água Pura" (Lisboa: Guerra & Paz Editores, 2007, 220 pp); é membro da nossa Tabanca Grande desde 2007, tem mais de três centenas de referências no blogue; texto e fotos  enviados em 12/7/2021]

Nos anos que perduram nas circunflexões da memória, recordo, em 1972, o alferes Marques, adjunto do major Pimentel da Fonseca -- o homem de Operações, no CAOP 1 ( Comando de Agrupamento Operacional nº 1) --, meu camarada de armas e companheiro de quarto em Teixeira Pinto, Canchungo, Guiné-Bissau.

O Marques, então quase com dois anos de guerra dura, acordava com inusitada frequência, a meio da noite e, estremunhado, tonto de sono, encharcado em suor, do seu canto, do outro lado do quarto, lançava umas tantas barbaridades. Numa dessas noites, disse mais ou menos o seguinte: “A integridade da Pátria, lutar até à morte pelas Berlengas. Essas, sim, serão sempre portuguesas.” E, exausto, com sonhos raiados a vermelho, pairando por sangrentas bolanhas, o tarrafo e atlânticas proezas, o alferes Marques adormecia outra vez.

Só aos setenta e dois anos de idade, cinco décadas depois da Guiné, em Junho de 2019, atravessei o pedaço de mar entre Peniche e as Berlengas. Águas alterosas, uma lancha grande de pescadores, agora transporte turístico, e aí vamos rompendo as ondas.

Bonita a ilha, o forte de São João Baptista envolto em maresia, a tresandar de humidade. O trilho, subindo para o farol, a pedra da ilha rasgada a meio pela natureza. Gaivotas, cagarras, lagartixas por todo o lado. 

Desço pelo caminho cimentado até aos socalcos do parque de campismo. Os olhos caem no Carreiro do Mosteiro, uma tira de areia aberta para o mar. Barquinhos, gentes no banho, a água muito fria. Cansado, abanco no restaurante. Sardinhas assadas. Chegam sete peixes a saltitar na travessa, mais um vinho verde fresquinho, o “tal da Lixa”, para olear a goela e embebedar os lombos das sardinhas, no estômago. 

Agora, um velho combatente, ancorado em cima do mar, num enorme rochedo mirando Peniche, lembrei-me do alferes Marques, da Guiné-Bissau, da “ditosa pátria minha amada”. Sardinhas, mar azul e Portugal.
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Nota do editor:

Último poste da série > 13 de março de 2022 > Guiné 61/74 - P23075: Depois de Canchungo, Mansoa e Cufar, 1972/74: No Espelho do Mundo (António Graça de Abreu) - Parte XXIX: Ìndia, Cochim, novembro de 2016

Guiné 61/74 - P23122: (In)citações (202): Criei o Pel Caç Nat 57, construi o destacamento de Bindoro, a pá e pica, e vivi diaramente, ombro a ombro, com esses fantásticos balantas da região do Oio (Fernando Paiva, ex-alf mil, cmdt Pel Caç Nat 57, Mansoa, Bindoro e Bolama, 1967 / 1969)


Brasão do Pel Caç Nat 57, "Os Intocáveis".
Imagem da coleção do © Carlos Coutinho (2011),
reproduzida com a devida vénia...
Também disponível aqui,


1.  Comentário  do Fernando Paiva ao poste P23099 (*)

Data - terça, 22/03/2022, 21:48

Assunto - Bindoro

Caro Luís Graça,

Muito obrigado por esta mensagem (*).

Cheguei ao Bindoro, em maio de 1967, com o Pel Caç Nat 57, para lá instalarmos um Destacamento. 

O objetivo principal era impedir o abastecimento de arroz por parte do PAIGC, junto daquela aldeia balanta, de facto abundante em arroz, dada a grande fertilidade das suas bolanhas. 

Por lá fiquei, até julho de 68. Nesse período, o comando militar era exercido pelo BCaç 1912, sediado em Mansoa.

Por pouco tempo, o acompanhamento espiritual foi exercido pelo Padre Mário de Oliveira (recentemente falecido) a quem não deram tempo para ir ao Bindoro.

Das fotos (Missa no Bindoro) (*), reconheço aquela barraquinha feita de adobes. Era onde eu dormia e guardava documentação. Depois de três meses a dormir ao relento, seguidos de outros  seis no abrigo subterrâneo, era um hotel de 3 estrelas. Até cortinas tinha (pano que servira de saco para a farinha!).

Tive um Furriel Mexia. Será este Joaquim Mexia Alves? Pelo sim, pelo não, agradecia uma nota de esclarecimento do próprio.

Tenho alguns apontamentos escritos daqueles 14 meses que passei no Bindoro e que posso partilhar com aqueles que, também, por lá passaram. Mas onde estão eles? Onde estamos nós?

Um abraço
Fernando Paiva

2. Mensagem, mais antiga, do Fernando Paiva (**)
Data - domingo, 20/11/2011, 19:03


Caro Luís Graça,

Tomei conhecimento deste seu trabalho de promover ligações entre gente que esteve na Guiné, através duma sua amiga, Laura Fonseca,  que conheci, recentemente.

Também estive na Guiné, de Abril de 67 a Abril de 69.

Fui, em rendição individual, para criar o Pelotão de  Caçadores  Nativos 57, em Mansoa. A pá e pica, construímos o Destacamento de Bindoro, onde permaneci, até Julho de 68, quando fui transferido para Bolama.

Vivi, diariamente, quase ombro a ombro, com aqueles fantásticos Balantas, gente muito boa e corajosa, que aprendeu, às suas custas, a melhor maneira de coexistir com a tropa e o PAIGC, num “jogo de cintura” que eu julgo ser muito comum, em períodos de guerra civil, como foi aquele em que se viveu, na Guiné.

Gostava de ter alguma informação, quer da gente do Bindoro, quer dos militares, de cá e de lá, com quem partilhei alguns dos momentos mais emocionantes da minha vida.

Muito obrigado pela sua iniciativa e pela sua dedicação. (***)

Fernando Paiva
Amarante

3. Comentário do editor LG:

Camarada Paiva: volto a repetir em parte o que te escrevi em 2011, e que não sei  se chegaste a ler, uma vez que nunca deste sinais de vida, a não ser há dias...

Destaquei, na altura, o facto de teres: 

(i) sido um dos fundadores do Pel Caç Nat 57, e o seu primeiro comandante;

 (ii) andado por Mansoa e por Bindoro (cujo destacamento construíste, a pá e pica); 

e (iii)  e falado dos balantas com tão grande apreço e inteligência.

E, a propósito, também concordo contigo e assino por baixo, relativamente ao que escreveste sobre os teus balantas: "gente muito boa e corajosa, que aprendeu, às suas custas, a melhor maneira de coexistir com a tropa e o PAIGC, num 'jogo de cintura' que eu julgo ser muito comum, em períodos de guerra civil, como foi aquele em que se viveu, na Guiné").

Logo na altura, em 20/11/2011,  te  convidei para te "sentares aqui ao nosso lado, à sombra do nosso poilão, nesta Tabanca Grande que não tem muros, nem arame farpado, nem cavalos de frisa, nem abrigos, nem espaldões, nem ninhos de metralhadora... É um espaço de partilha de memórias e de afetos, onde cabem todos os camaradas da Guiné, sem qualquer distinção".

Por outro lado, e mais de dez anos passados, continuamos a não ter, na Tabanca Grande, nenhum representante do Pel Caç Nat 57, temos gente de (ou referências a) todos os Pel Caç Nat do 50 ao 70, com exceção do 62, 64, 66 e 68  (que também existiram). 

Serás o camarada certo para nos falares dessa unidade que ajudaste a criar.  O mesmo se passa com esse topónimo, Bindoro, um lugar de que também sabemos pouco. Se tens alguns apontamentos sobre as tuas vivências desses 14 meses que aí passaste, então partilha-os connosco, agora sentado à sombra do nosso poilão. 

Tenho o lugar n.º 860 disponível para ti, se me responderes na volta do correio. Só te peço que nos mandes as duas fotos, digitalizadas, da praxe: uma do "antigamente", e outro mais ou menos atual. Temos algumas "regras de convívio bloguístico" que já deves conhecer, e que podes reler aqui: as 10 regras da política editorial do blogue... (E uma das regras mais elementares é o tratamento por tu como antigos camaradas de armas, que beberam a água do Cacheu, do Mansoa, do Geba, do Corubal, do rio Grande de Buba, do Cumbijã, do Cacine....)

Um abraço de boas vindas. Ficarei muito feliz se te decidires juntar aos 859 "amigos e camaradas da Guiné", entre vivos e mortos. Um beijinho para a Laura Fonseca se a voltares a encontrar pelas tuas bandas: tem casa na Lixa, Felgueiras, era vizinha e amiga do saudoso padre Mário de Oliveira (1933-2022), que foi capelão, por 4 meses, do BCAÇ 1912, a que estiveste adido. Vejo a Laura com frequência (e falo com ela regulamente).

Luís Graça

Aproveito para te esclarecer que o Joaquim Mexia Alves, que vive hoje na Marinha Grande, não é nem podia ser o teu furriel Mexia, embora tenha também passado por Mansoa. É mais novo do que tu. É um histórico do nosso blogue, com quase 300 referências, foi Alf Mil Operações  Especiais da CART 3492/BART 3873, Xitole/Ponte dos Fulas; comandante do Pel Caç Nat 52, Ponte Rio Udunduma, Mato Cão e passou ainda pela CCAÇ 15, Mansoa, entre 1971 e 73. É o "regulo" da Tabanca do Centro (sediada em Monte Real, tertúlia que antes da pandemia se reunia todos os meses em almoço-convívio).


(***) Último poste da série > 24 de março de 2022 > Guiné 61/74 - P23107: (In)citações (201): Invasão da Ucrânia pela Federação Russa (3): Similitudes (Fernando Gouveia, ex-Alf Mil Rec Inf do CMD AGR 2957)