quarta-feira, 19 de outubro de 2022

Guiné 61/74 - P23719: Historiografia da presença portuguesa em África (339): Três artigos sobre a Guiné nos Anais do Clube Militar Naval (1946 e 1947) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 27 de Janeiro de 2022:

Queridos amigos,
Procurei nos Anais do Clube Militar Naval, no âmbito das comemorações do V Centenário da Descoberta da Guiné, artigos assinados por oficiais da Marinha. Encontrei um texto sobre a definição das fronteiras, a importante comunicação de Teixeira da Mota, logo em janeiro de 1946 dado como certo e seguro que Nuno Tristão fora frechado por Mandingas, mas na região do rio Gâmbia, aquela expedição não chegara a terras da Guiné; e por último uma apreciação muito desgostosa do Contra-Almirante Aprá que participara nas operações na península de Bissau em 1894 e que ficara consternado com a falta de preparativos do Governador, segundo Aprá perdera-se a oportunidade de ficar a dominar os povos residentes na península de Bissau.

Um abraço do
Mário



Três artigos sobre a Guiné nos Anais do Clube Militar Naval (1946 e 1947)

Mário Beja Santos

Compulsando números antigos da prestigiada publicação "Anais do Clube Militar Naval", detive-me nos 76 e 77 anos da publicação, 1946 e 1947, respetivamente. Logo com o artigo intitulado "As Fronteiras", escrito pelo Capitão de Mar-e-Guerra Tancredo de Morais. O oficial começa por referir os limites que André Alvares de Almada, no seu Tratado Breve, tratado de 1594 propõe para a região da Senegâmbia, teoricamente território ocupado pelos portugueses: do rio Senegal à Serra Leoa. Ao tempo, esta Senegâmbia era uma espécie de morgadio de Cabo Verde. Os portugueses reconheciam a soberania dos régulos que lhes vendiam os escravos. A questão dos limites vai complicar-se com a chegada dos holandeses, que não encontraram qualquer resistência, que se estabeleceram em Arguim e depois na Goreia, ilha que ninguém defendia – aqui ficaram até 1677, data em que uma esquadra francesa os expulsou. Os ingleses estabeleceram-se na Serra Leoa, não houve qualquer reivindicação portuguesa. Os nossos diferendos diplomáticos serão com a Grã-Bretanha por causa da questão de Bolama e com a França quando esta procedeu a uma ocupação insidiosa do Casamansa. O autor dá-nos um resumo do envio de protestos para Paris e para o Senegal, a diplomacia francesa chegou ao descaro de informar que tinham sido os primeiros a chegar… Honório Pereira Barreto, sempre franco e leal, não deixou de descrever o que era a presença portuguesa em Ziguinchor: “Ziguinchor tinha 7 soldados, era defendida por uma paliçada e uma artilharia desmontada. Devia a sua conservação à família Carvalho Alvarenga. O seu comércio, que era importante, achava-se nas mãos dos franceses, depois que se havia estabelecido em Selho”.

O autor não deixa de chamar a atenção que a reação diplomática à ocupação britânica foi tíbia e insegura. Em vez de se apresentarem factos da ocupação desde o século XV, o mais que se pôde obter foram documentos que datavam do reinado de D. José. E menciona a sentença arbitral do presidente dos EUA, Ulysses Grant. As fronteiras definitivas vão surgir na Convenção Luso-Francesa de 12 de maio de 1886, mas os franceses ainda irão exigir, no processo de sucessivas retificações, mais algumas porções de terra.

Ainda em 1946, no número de março a abril, merece o devido relevo a referência à conferência que Teixeira da Mota proferiu em Bissau em 6 de janeiro desse ano, na abertura do V Centenário da Descoberta da Guiné. Com subtileza, o autor traça em longo preâmbulo considerações sobre a verdade em História, e a obrigação de ir desmantelando tabus e mitos. Era na época dado como assente que o primeiro descobridor que chegara a Guiné fora Nuno Tristão, aparece agora um oficial da Marinha, um jovem historiador, ainda por cima ajudante do Governador, a dizer que nada se passou assim. Descreve a descida progressiva da costa ocidental africana, a passagem do Cabo Bojador em 1434, no ano seguinte o mesmo Gil Eanes e Gonçalves Baldaia iniciaram a exploração da Mauritânia e chegaram a Angra dos Ruivos; e no ano seguinte o mesmo Baldaia foi ao Rio de Ouro e à Pedra da Galé. Seguem-se expedições em 1441 em que aparece pela primeira vez o nome de Nuno Tristão; em 1443 são descobertas as ilhas de Arguim e das Garças , foi um dado fundamental para o projeto henriquino, ergue-se em Arguim uma feitoria, tudo por causa do negócio do ouro; no ano seguinte, o cavaleiro-navegador Lançarote descobre mais ilhas, chegava-se à costa da Mauritânia, era a Terra dos Negros; em 1444, Diniz Dias avançava ao longo da costa dos Jalofos e descobria o Cabo Verde – os portugueses aproximavam-se das fontes do ouro. No Senegal e no Cabo Verde souberam pelos Jalofos que perto, para o sul, corria um largo rio, o rio Gâmbia, onde também abundava o ouro. Em 1446 larga do Algarve uma caravela capitaneada por Nuno Tristão, leva a bordo 30 homens. Chega ao Cabo dos Mastros, Nuno Tristão e os 30 homens embarcam em dois batéis, são cercados por canoas de indígenas e atingidos por flechas envenenadas, Nuno Tristão é uma das vítimas mortais. E Teixeira da Mota conclui: “Nuno Tristão não passou na realidade do Estuário Salum-Jumbas, que é propriamente um conjunto de braços de mar que se estende por algumas dezenas de milhas um pouco ao norte da foz do Gâmbia. Os indígenas que mataram Nuno Tristão eram Mandingas. Nuno Tristão não esteve, portanto, em 1446 em território atualmente português, mas traçou o destino que fosse ele o primeiro português a encontrar gentio de uma das etnias que pululam a Guiné Portuguesa. Quis o destino que esse contacto se manifestasse da forma brutal que o caracteriza. Os poderosos imperadores do Mali, que lá muito para o Oriente, das margens do Níger, em Niani, sua capital, dirigiam os vastos domínios, ignoravam talvez a existência daquele chefe mandinga. Enquanto a grandeza mandinga entrava no ocaso levantava-se a portuguesa”.

Temos por último o artigo intitulado "A Companhia de Guerra da Marinha na Campanha da Guiné de 1944", aparece no 77.º ano, número de janeiro e fevereiro de 1947, assina A. Aprá, Contra-Almirante. Ele refere-se à companhia de guerra da Marinha que embarcou em Lisboa no transporte África, isto em fins de março de 1894, passou o mês de abril em Bissau apetrechar-se, havia que comprar chapéus de palha em Cabo Verde, fizeram-se a bordo polainas, bornais de lona e manteve-se a atividade física e os preparativos militares com exercícios diários no ilhéu do Rei. A Guiné era um distrito militar autónomo, quem iria conduzir as operações era o governador, o Coronel de Artilharia Vasconcelos e Sá. A coluna saiu de Bissau a 10 de maio, foram considerados importantes aspetos logísticos como o recrutamento de carregadores para transportar água e munições. O efetivo da companhia era 259 homens; tinha uma seção de metralhadoras com 25 praças e 1 oficial, 1 médico com 3 enfermeiros e 6 maqueiros, participava ainda uma seção de administração naval. E relata que tudo começou numa confusão na distribuição de cargas pelos carregadores, só se pôde partir às 8 da manhã, avançaram sobre Antim, fazendo fogo sobre o objetivo, só perto dele é que se verificou resistência, quando se chegou a Antim a povoação estava completamente vazia. Começou a falta de água, os rebeldes só apareciam dando tiros isolados. Depois das 2 da tarde chegou a ordem de retirar com as devidas precauções, esta companhia de guerra da Marinha veio acompanhada por uma companhia de Angola. Verificou-se uma enorme agitação porque os carregadores procederam a saque, isto quando havia punhetes para transportar, e o contingente militar acusava fadiga, e temia-se que os rebeldes atacassem a qualquer momento. Regressou-se ao acampamento de Antim depois de 7 horas de marcha, não havia a menor provisão de água e a refeição preparada era um autêntico desastre só no dia seguinte é que apareceu água e um rancho decente.

Aguardavam-se ordens para que esta companhia de Marinha saísse do Alto de Antim e avançasse sobre Antula. Houve troca de impressões sobre a ordem de marcha, à tarde veio ordem do governador dizendo que era tarde para começar a marcha sobre Antula e no dia seguinte chegava a notícia de que o mesmo governador considerava ser suficiente o castigo dado ao gentio; mais tarde regressou-se à praça de Bissau onde se embarcou no navio África. E o contra-almirante Aprá termina com uma apreciação altamente crítica:
“Assim terminou a campanha de 1894, mandada acabar por quem direito. Foi incompleto o serviço? Sim. Mas foi a primeira vez que uma força europeia de uma certa importância entrou em operações de guerra na Guiné. Nada estava preparado, não havia planos, organização, nem se pensou em abastecimentos.
Se tivesse havido um verdadeiro Estado-Maior, e serviços administrativos regulares, se tivesse havido um modesto serviço de transportes e não estivessem na mão de carregadores gentios que só marcham com as forças para matar, roubar e incendiar, enchendo-se de despojos e abandonando as nossas cargas, tenho o pressentimento que a companhia de Marinha que, no dia 10 de maio, tinha ganho um verdadeira ascendente sobre o gentio fugia apavorado com o nosso avanço, essa companhia sozinha tinha feito ocupação da ilha de Bissau. Do exposto se concluí que a coluna organizada em 1894 não foi encarregada da ocupação militar da ilha de Bissau, foi como diz o Governador e o Governo Central concordou, um castigo dado ao indígena pelos altos de selvajaria anteriormente praticados. É a este ponto que quero chegar, não pode considerar-se um desastre que em campanha me parece ser sinónimo de derrota”
.

E assim termina a colaboração alusiva ao V Centenário da Descoberta da Guiné nos Anais do Clube Militar Naval.


Uma bela fotografia de Andrea Wurzenberger captada na Guiné, com a devida vénia
Um comboio de embarcações comerciais no rio Geba
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Nota do editor

Último poste da série de 12 DE OUTUBRO DE 2022 > Guiné 61/74 - P23700: Historiografia da presença portuguesa em África (338): Viagens por alguns títulos do Boletim Geral das Colónias (Mário Beja Santos)

terça-feira, 18 de outubro de 2022

Guiné 61/74 - P23718: Os nossos seres, saberes e lazeres (533): Trabalhos de pintura da autoria de Jaime Machado, ex-Alf Mil Cav, CMDT do Pel Rec Daimler 2046 (5)



1. Publicamos hoje mais cinco trabalhos de pintura de autoria do nosso camarada Jaime Machado, ex-Alf Mil Cav, CMDT do Pel Rec Daimler 2046 (Bambadinca, 1968/70), enviados ao nosso blogue em 6 de Outubro de 2022,  que estamos a mostrar na série "Os nossos seres, saberes e lazeres".




Pavão: aguarela sobre papel 30x42


Mulher: aguarela sobre papel 30X42


Cabeça de mulher: acrílico sobre papel 30x42


Mulher: aguarela sobre papel 30x42


Flor: acrílico sobre papel 30x42

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Notas do editor

Poste anterior de 11 DE OUTUBRO DE 2022 > Guiné 61/74 - P23698: Os nossos seres, saberes e lazeres (531): Trabalhos de pintura da autoria de Jaime Machado, ex-Alf Mil Cav, CMDT do Pel Rec Daimler 2046 (4)

Último poste da série de 15 DE OUTUBRO DE 2022 > Guiné 61/74 - P23712: Os nossos seres, saberes e lazeres (532): Itinerâncias avulsas… Mas saudades sem conto (72): Voltar à minha querida Bruxelas, depois da pandemia - 10 (Mário Beja Santos)

Guiné 61/74 - P23717: In Memoriam (456 ): Xico Allen (1950-2022), ex-Soldado Condutor Auto, CCAÇ 3566, "Os Metralhas" (Empada e Catió, 1972/74), um dos nossos pioneiros nas viagens de saudade à Guiné-Bissau

 



Xico Allen (1950-2022). O funeral é na quinta feira, às 14h30, em Lordelo do 
Ouro, Porto.  Ia completar, em 19 de maio de 2023,  os 73 anos.

1. O Zé Teixeira mandou-me, por SMS, com data de ontem, às 23h49, a triste mensagem que acabei de ler às seis e meia da manhã, quando peguei no telemóvel: 

"Luís, acabo de ser informado pela Inês, filha do Xico Allen, que ele faleceu há minutos. Não resistiu à segunda operação aos intestinos - Teve uma recaída há dois dias. E partiu." 

A notícia foi igualmente partilhad na página do Facebook da sua filha, Inês Allen

A mim, cumpre-me o doloroso dever de anunciar à Tabanca Grande esta notícia da morte de mais um dos nossos (*).

O Francisco Allen, mais conhecido por  Xico Allen, e também por Xico de Empada, ex-Soldado Condutor Auto, da CCAÇ 3566, "Os Metralhas" (Empada e Catió, 1972/74),  era um histórico da Tabanca Grande, para onde entrou, em princípios de 2006, pela mão do seu amigo e vizinho Albano Costa.(**)

Bancário reformado, vivia em Vila Nova de Gaia.  Conheci-o, pessoalmente, a ele, ao Albano Costa, ao Hugo Costa e ao Zé Teixeira, em 31/12/2005, na Madalena... Foi um dos primeiros camaradas a voltar à Guiné depois da independência. E nos últimos anos chegou mesmo a lá viver. 

De acordo com as memórias da Zélia Allen, sua companheira na altura, mãe da nossa amiga Inês Allen (as duas são também nossas tabanqueira), o casal Allen visitou a Guiné do pós-guerra, em abril de 1992, eles os dois mais um outro casal, o Artur Ribeiro e a esposa. Em 1994 lá voltaram, desta vez foram 3 casais e conseguiram ir a Empada, onde o Xico tinha feito a sua comissão. Uma terceira viagem foi em 1996 e uma quarta em 1998.

Para a Zélia aquela, a de 1998, foi a sua última viagem à Guiné, mas não para o Xico, que continuou a lá ir regulamente.  Em 1998, o  Xico, a Zélia, o Camilo e outros camaradas foram até à região do Boé, a partir de Quebo, no sul, seguindo a estrada junto à fronteira. Estiveram em Madina do Boé, não sei se chegaram a ir a Beli, e seguiram depois pela antiga picada que, indo por Cheche e Canjadude, ia dar a Gabu (Nova Lamego)... Fizeram, por isso, o mesmo percurso das NT,  no âmbito da Op Mabecos Bravios (1-7 de fevereiro de 1969), ou seja a picada Madina do Boé-Cheche-Canjadude-Gabu.

Era um homem de ação, pouco dado à escrita, afável, amigo do seu amigo... Guardo dele as melhores recordações, incluindo as suas idas ao Encontro Nacional da Tabanca Grande, em Monte Real (a última vez, em 2018). 

Sobre ele escrevi algures, legendando a feliz foto do Hugo Costa, a do Xico com um saraui, na Mauritãnia, a caminho da Guiné-Bissau:

(...) O Xico Allen em acção: ele tem o melhor dos portugueses (a abertura aos outros, o sorriso aberto e frontal, a alegria de viver, o sentido da aventura) e dos ingleses (a organização, a tenacidade, a teimosia, o pragmatismo)... Pelo menos, dos portugueses e dos ingleses do Porto. É o que eu deduzo da apreciação feita pelos amigos que o conhecem... e também daquilo que eu já sei dele (...). Desejo-lhe good luck / boa sorte nas suas próximas aventuras terrestres a caminho dessa "terra vermelha e ardente", como  chama o Torcato Mendonça à nossa Guiné" (...)

À família enlutada, e em particular à sua filha querida, a Inês Allen, bem como ao seu filho, fica a nossa manifestação de dor e do nosso apreço por este camarada e amigo, cuja memória prometemos honrar: o Xico era muito querido por todos nós. E este é o "In Memoriam" possível que eu aqui deixo, feito em escassas duas horas, antes de ir para a minha sessão matinal de fisioterapia. 

Até sempre, Xico! (LG)

Viagem Porto-Guiné > Abril de 2005 > O Xico com um saraui

Expedição Porto-Bissau, organizada por Xico Allen e A. Marque Lopes... 9 de abril de 2006... Dia 5... A caminho de  Nouakchott, capital da Mauritânia... Um encontro amigável com sarauis e camelos... Fabulosa esta foto do Xico com um saraui, Grande fotógrafo, o nosso Hugo Costa, filho do Albano Costa que, juntamente com a Inês Allen, integrou esta viagem à Guiné, por terra, pelo deserto do Sara...  

Foto (e legenda(: © Hugo Costa (2006). Todos os direitos reservados.  [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]

Guiné-Bissau > Região de Quínara (Buba) > Empada > Abril de 2006 >  Pai, Xico Allen, e filha, Inês Allen, juntos na pesquisa de vestígios da presença dos "Metralhas"  (CCAÇ 3566) nos já idos tempos de 1972/74.

Foto (e legenda): © A. Marques Lopes (2006). Todos os direitos reservados [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]

Brasil > Cidade de Praia Grande > Estado de São Paulo > 2014 >  Da esquerda para a direita, o António Chaves, o Joaquim Pinheiro da Silva e o Xico Allen.

Foto (e legenda): © Joaquim Pinheiro  (2014). Todos os direitos reservados [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]

Leiria > Monte Real > XIII Encontro Nacional da Tabanca Grande > 5 de maio de 2018 > O Xico Allen e o Agostinho Gaspar

Foto (e legenda): © Miguel Pessoa (2018). Todos os direitos reservados [Edição e legendagem complementar; Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]

Guiné-Bissau > Região do Oio > Jugudul > Abril de 2006 > Uma paragem na casa do Manuel Simões (1941-2014). A única mulher do grupo, com o seu recente penteado africano, feito em Bissau: a Inês Allen. O Manuel Simões era um velho conhecido e amigo do Xico Allen,

Foto (e legenda): © A. Marques Lopes (2006).  Todos os direitos reservados [Edição e legendagem complementar; Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]



Guiné-Bissau > Região de Gabu > Picada de Cheche - Gabu > 1998 >  Restos de viaturas das NT abandonadas...Trinta anos depois da retirada de Madina do Boé (6 de fevereiro de 1969), ainda continuavam vísiveis os sinais das emboscadas e das minas... que fizeram da zona do Boé uma das mais trágicas para as NT.

Fotos (e legenda): © Francisco Allen / Albano M. Costa (2006). Todos os direitos reservados [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]



Guiné-Bissau > Região de Quínara > Empada > 1998 > A famosa Fonte de Empada... " O calor era tanto que o melhor naquele momento foi despejar várias bacias de água pela cabeça abaixo somente para refrescar e tirar a maioria do pó apanhado ao atravessar as muitas picadas para ali chegar. Fomos ali pois era àquela fonte que o Xico ia fazer o carregamento de água e assim nos deparamos com as mulheres a lavar a roupa após o que tomavam banho. Na foto eu estava nas escada a filmar enquanto meu marido tirava fotos" (Zélia)... "A Zélia é mesmo assim e lá foi tomar o seu banho" (Albano Costa). 

Foto (e legenda); © Xico Allen / Zélia Neno (2006). Todos os direitos reservados [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]

Matosinhos > Leixões > Restaurante Casa Teresa > 9 de Abril de 2008 > Reunião habitual, às quartas feiras, da Tertúlia de Matosinhos (ou Tabanca Pequena de Matosinhos)... Da esquerda para a direita: (i) de pé, A. Marques Lopes, João Rocha (1944-2018), Eduardo Reis, José Teixeira, Armindo; na primeira fila, Jorge Félix, Xico Allen (1950-2022) e Silvério Lobo... À entrada da Casa Teresa, o António Pimentel. Foi na Casa Teresa, em Leixões, que começou a Tabanca Pequena de Matosinhos.

Foto (e legenda): © Jorge Félix (2008). Todos os direitos reservados [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]



Vila Nova de Gaia > Madalena > Vésperas de Natal de 2005 > Uma minitertúlia de camaradas e amigos da Guiné: da esquerda para direita: Luís Graça (que costuma passar o Natal no Norte, em casa dos cunhados), A. Marques Lopes, José Teixeira, Albano Costa, Hugo Costa e Francisco Allen (mais conhecido pelo Xico de Empada ou Xico Allen...)


Foto (e legenda): ©  Hugo Costa / Xico Allen (2005). Todos os direitos reservados [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]

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(...) O Xico ainda hoje falei com ele e disse-lhe para ele também entrar na nossa tertúlia. Eu tenho a certeza que ele vai contar a sua estória mas ele não se sente muito à vontade para a escrita: é daqueles que só de empurrão mas vai...

Ja mandei um e-mail ao José Teixeira para nos encontrarmos um dia destes. Afinal também somos vizinhos. O Allen é uma pessoa que tem uma visão da Guiné muito grande, ele já lá foi muitas vezes, conhece muitissimo bem a Guiné, e os guinéus conhecem-no bem a ele (...)

Guiné 61/74 - P23716: Notas de leitura (1507): Algumas (breves) notas sobre missionação (IV) - Fundo Documental do Prof. Santos Júnior, localizado no Centro de Memória de Torre de Moncorvo (Paulo Cordeiro Salgado, ex-Alf Mil Op Especiais)

1. Mensagem do nosso camarada Paulo Cordeiro Salgado (ex-Alf Mil Op Especiais da CCAV 2721, Olossato e Nhacra, 1970/72), com data de 14 de Outubro de 2022:

Meus caros camaradas,
Temos de nos entreter com algo que fale de aspectos que, de alguma forma, nos dizem qualquer coisa.
Junto mais um texto, pedindo desculpa se estou a enfadar.

Um abraço, camaradas.
Paulo Salgado



Algumas (breves) notas sobre missionação - IV

Paulo Salgado

O meu contributo de hoje sobre este assunto continua influenciado pelas palavras amigas do Mário Beja Santos. Fez-me ele reflectir, repito, sobre o tema missionação – sobretudo os trabalhos que frades e padres, de várias ordens, sofreram até aos limites da sua resistência física, psicológica e moral. Mas, antes, permiti-me, caros leitores deste blogue, um parêntesis: acaba de ser apresentado o livro "A Rua do Eclipse" do Mário Beja Santos, do qual me deu notícia o meu Amigo e conterrâneo Tenente-general Alípio Tomé Pinto, que me relatou este evento e com o qual ficou entusiasmado, quer com os conteúdos do texto e forma de abordagem do autor, quer pelo contributo de um dos apresentadores – Amadu Dafé – um jovem guineense. Este autor, Amadu Dafé, tem uma obra – que ainda não li – mas vou adquirir: "Ussu de Bissau", cujo tema é de uma grande actualidade e que marca um momento histórico grave no âmbito daquela região africana. Encontros fica para depois, noutra crónica.

Bom, volto ao que me propus. Os missionários portugueses e espanhóis, católicos (não me refiro aqui aos missionários de outras nações cristãs) andaram ao longo dos séculos, e andam actualmente, por todas as partes do Mundo. Percorreram todo o Império Português (se Império houve!), por mares, ilhas e continentes em condições de sofrimento: penúria, febres, no meio de guerras, enfrentado a ganância e a cobiça. Morreram em condições dramáticas, pregando, ensinado a língua, transportando consigo a fé em que acreditavam. A grande maioria deles acreditando que à sua fé deveriam juntar os interesses de el-rei, da Coroa, da Pátria (conceito mais tardio). Alguns, uma minoria, seduzidos pela luxúria e pela riqueza, entraram em deboches iníquos, tendo sido devidamente criticados e castigados pelos superiores.

Há dezenas de relatos dignos da grandeza do Homem: de coragem, de abnegação. A leitura de diversas obras – falo especialmente de algumas que constituem o Fundo Documental do Prof. Santos Júnior (insigne médico, antropólogo e ornitólogo, natural de Barcelos e casado em Torre de Moncorvo – com várias andanças por África), localizado na Biblioteca desta Vila – deram-me uma visão alargada, necessariamente incompleta, do que foi a actividade destes missionários bandeirantes.
Igualmente, algumas pesquisas que estou fazendo, bem como dicas do ilustre e ilustrado camarada do Blogue, Mário Beja Santos.

Há um missionário oriundo da cidade de Bragança, de seu nome Carlos Joaquim Gonçalves dos Santos (foto à direita), e outros, designadamente de um tal Padre Manuel Sá , de Peredo dos Castelhanos, portanto ambos do meu distrito que tanto penaram.

(Continua)

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Nota do editor

Poste anterior de 29 DE SETEMBRO DE 2022 > Guiné 61/74 - P23653: Notas de leitura (1500): Algumas (breves) notas sobre missionação (III) - Reflexão do Prof. Justino Mendes de Almeida, profundo estudioso da “missionação”, reitor que foi da Universidade Autónoma de Lisboa (Paulo Cordeiro Salgado, ex-Alf Mil Op Especiais)

Último poste da série de 17 DE OUTUBRO DE 2022 > Guiné 61/74 - P23715: Notas de leitura (1506): "Missão Guiné 63-65 Companhia de Artilharia 494", por Augusto Carias, Adelino Domingues, Aníbal Justiniano; edição de autor, Amares, Julho de 2012 (Mário Beja Santos)

segunda-feira, 17 de outubro de 2022

Guiné 61/74 - P23715: Notas de leitura (1506): "Missão Guiné 63-65 Companhia de Artilharia 494", por Augusto Carias, Adelino Domingues, Aníbal Justiniano; edição de autor, Amares, Julho de 2012 (Mário Beja Santos)


1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá, Finete e Bambadinca, 1968/70), com data de 2 de Março de 2020:

Queridos amigos,
Esta obra tem três autores, são memórias referentes à CART 494, esteve adstrita ao BCAÇ 513, de cuja história já aqui se fez menção. Andaram no Sul, começaram em Ganjola e depois Gadamael, parece que foram pau para toda a colher, os abastecimentos chegavam a Gadamael Porto e eles faziam colunas ou montavam segurança em itinerários de muito risco, num território que estava a ser desencravado desde finais de 1963, abarcando Guileje, Cacoca, Sangonhá e Cameconde e mais tarde Gandembel. 

Obra profusamente ilustrada, vemos o hoje Coronel Coutinho e Lima a desfilar em Viana do Castelo, vão embarcar em Lisboa; seguem para Cacine, constroem o aquartelamento de Ganjola, segue-se a construção do aquartelamento de Gadamael Porto. São imagens elucidativas de encontros de unidades, como a imagem de Ponta Balana, na estrada Guileje - Aldeia Formosa. Tocante é a imagem do Augusto Silva a escrever as suas notas no resto de uma máquina de escrever, no meio da azáfama militar.

Um abraço do
Mário



Memórias do Sul da Guiné, 1963-1965, um tocante escrito a várias mãos

Mário Beja Santos

Na base deste ajuntamento de notas e imagens está alguém que se apresenta com esta singeleza: 

“Augusto de Jesus da Silva nasceu a 19 de Junho de 1942. Aprendeu a profissão de alfaiate em Goães – Amares, sua terra natal, com João Coelho. Foi chamado para o serviço militar em Janeiro de 1963, depois mobilizado para a Guiné, até 1965. Regressado, montou uma mercearia em Goães. Foi emigrante na Alemanha durante três anos, trabalhou em alumínios. Regressado a Portugal, trabalhou na construção civil como camionista. Durante 12 anos, foi condutor de autocarros, transportando senhoras para a confeção, na Trofa. Acabou por se dedicar à restauração”. Augusto de Jesus da Silva foi coligindo notas durante a sua comissão e outros contribuíram para dar letra de forma.

A CART vai de Bissau para Bolama, daqui para Catió e depois Ganjola, houve que preparar a defesa, quartel não havia, logo começaram os tiroteios, enquanto se constrói o aquartelamento o sobressalto é permanente. Estamos em outubro de 1963, Coutinho Lima decide fazer uma operação a Ganjola Velha, queimaram-se todas as tabancas, trouxe-se uma manada de vacas. Passados dias, conjuntamente com a CCAÇ 414, vão ao Chunguizinho, houve refrega, volta-se a este objetivo, a reação da guerrilha é forte. A 16 de novembro, assinada por Mafalé Namabá, chega uma missiva em que o PAIGC pede à tropa portuguesa para não pegar nas armas e não lutar contra os irmãos africanos. 

“Se vocês não querem lutar contra nós, quando chegarem ao campo de batalha levantem mãos ao ar. Nós vamos prender-vos e transportar-vos para qualquer país que queiram. Mas se quiserem lutar contra nós, vocês vão morrer todos sem verem a vossa família”

E propõe-se um encontro, aguarda-se resposta. Saem de Ganjola a 11 de dezembro para Gadamael, à saída há tiroteio, tinham-se passado três meses, viagem cheia de incomodidades. Começam as patrulhas de reconhecimento, que se vão alargando à distância. A 27 de janeiro, numa emboscada, morre o Alferes Costa, e em fevereiro iniciam-se as flagelações a Gadamael. É o período em que se vai desencravar território, desimpedir o caminho de Aldeia Formosa até Cacine, as operações de Aldeia Formosa a Guileje, onde se instala a tropa, operações de Guileje a Ganturé, onde fica um pelotão FOX instalado. Feito o aquartelamento de Ganturé patrulham-se as estradas de Gadamael, Bricama, Ganturé, até Guilege, patrulha-se a fronteira, não se dá pela presença do PAIGC.

Estamos já em maio de 1964, as memórias de Augusto Silva falam das colunas de reabastecimento a Guileje. As coisas também não correm bem em Sangonhá, ali põe-se minas anticarro na estrada, o que dificulta as colunas de reabastecimento que vão até Guileje e Sangonhá. As memórias deste primeiro carro registam uma série de emboscadas e ataques a quarteis das proximidades, fala nas provações da comida, gente que se afoga, jogos de futebol entre as equipas de Gadamael e de Cacine, em novembro faz-se uma coluna até Gandembel, vai-se com imenso cuidado, há sempre imensas minas anticarro e antipessoal, vem também tropa de Aldeia Formosa. Rebenta uma mina debaixo de uma viatura blindada, não houve sequer um ferido. Alarga-se o campo de ação desta CART 494, já não basta as idas a Guileje, as colunas também se dirigem a Cacoca, a Cameconde. Em 26 de dezembro de 1964, assinada pelos responsáveis militares do sul do país chega nova carta dirigida aos oficiais, sargentos e praças:

“Após a vossa chegada, matastes, massacrastes e incendiastes à vossa vontade. Cometestes contra as nossas populações indefesas os maiores crimes, as maiores vilanias, julgando serdes impunes. Entre vós havia e continua a haver gente que, embora sabendo da justiça da causa por que lutamos, vos ajudaram a escorraçar e a chacinar os melhores filhos do nosso povo. Tentámos contactar convosco no sentido de entabular ligações num espírito construtivo, mas debalde (…) Não há nenhuma força do mundo, por mais poderosa que seja, capaz de desmoralizar o nosso povo e tirá-lo do caminho da luta e do progresso”

E dava-se o nome de três desertores, dizendo que tinham sido encaminhados para Dacar e Argel. Estamos já em janeiro de 1965, a atividade do PAIGC manifesta-se, logo no dia 1 foi destruído o pontão de Bricama, no itinerário Ganturé – Sangonhá; Ganturé é flagelada, sem consequências. A companhia suspira por ser transferida, não tem havido parança nos patrulhamentos e reabastecimentos. Em 25 de abril é inaugurada a Capela de S. João em Gadamael. O PAIGC, nesta fase, não dá sinal de vida. E a 28 de maio chegou a Gadamael a CCAÇ 798 que rendeu a CART 494.

Escrito a várias mãos fala-se igualmente do régulo Abibo, o régulo de Gadamael, com quem a tropa tem um excelente relacionamento, Abibo Inchassó era respeitado desde o Forreá até Cacine, foi aliciado pelo PAIGC, viu a sua vida a perigar, foi para Bedanda, muitos dos seus familiares partiram para a República da Guiné. Quando viu a recuperação de Ganturé, voltou, ficou na defesa do aquartelamento uma milícia Fula. Juntam-se outros apontamentos sobre a vida desportiva, o médico da companhia, Aníbal Justiniano, faz um relatório no final de dezembro de 1964 sobre o estado sanitário, que é integralmente reproduzido no livro. Este médico será condecorado com a medalha de mérito militar da 3.ª classe. A CART 494 estava adstrita ao BCAÇ 513, de que aqui já se procedeu à devida recensão.

Este livro de memórias é profusamente ilustrado, os autores são Augusto Silva, Adelino Domingues e Aníbal Justiniano, edição de autor, Amares, julho de 2012.

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Nota do editor

Último poste da série de 14 DE OUTUBRO DE 2022 > Guiné 61/74 - P23708: Notas de leitura (1505): Uma escultura de renome mundial, a Nalu (Mário Beja Santos)

Guiné 61/74 - P23714: Fichas de unidades (27): 1.ª CCAÇ/CCAÇ 3 (Bissau, Nova Lamego, Farim, Barro, Guidaje, Bigene, 1961/74)


Fichas de unidade > 1.ª CCAÇ / CCAÇ 3

1.ª Companhia de Caçadores

 Identificação: CCaç 1 

Cmdts (a): 

Cap Inf Arnaldo Manuel Serra Gomes | Cap Inf Helder Fernando Pires Ataíde Ribeiro | Cap Inf Renato Jorge Cardoso Matias Freire | Cap Inf Carlos Alberto Alves Viana Pereira da Cunha |Cap Inf Laurénio Felipe de Sousa Alves | Cap Inf António Lopes de Figueiredo | Cap Inf António Lourenço | Cap Inf João Manuel Martins Maltez Soares | Cap Inf Joaquim Tavares Cristóvão | Cap Art Vítor Manuel da Ponte da Silva Marques | Cap Art Samuel Matias do Amaral

 (a) Os Cmdts Comp são apenas indicados a partir de 1jan61 

Início: anterior a 1jan61 | Extinção: 1abr67 (passou a designar-se CCaç 3) 

Síntese da Actividade Operacional 

Era uma unidade da guarnição normal, com existência anterior a 01jan61 e foi constituída por quadros metropolitanos e praças indígenas do recrutamento local, estando enquadrada nas forças do CTIG então existentes. 

Em ljan61, estava colocada em Bissau, com um pelotão destacado em Nova Lamego, onde foi transitoriamente instalada, na totalidade, em 3abr61, com pelotões destacados em Sedengal e Cacheu e depois em S. Domingos. 

Após a reorganização do dispositivo de 23ago61, foi substituída em Nova Lamego, por troca, pela 3ª CCaç, regressando a Bissau, tendo destacado efectivos para várias localidades da zona Oeste, nomeadamente em Ingoré, Enxalé, Susana, Mansabá e Bigene e também, na zona Sul, em Cabedú. 

A partir de 1jul63, foi colocada em Farim, ficando integrada no dispositivo e manobra do BCaç 239, com pelotões destacados em S. Domingos e Ingoré e secções em Susana, Mansoa, Mansabá, Bigene e Barro, tendo depois ainda deslocado efectivos para Bissorã, Cuntima, Olossato, Binta, Guidage, Canjambari, Porto Gole e Enxalé, sucessivamente integrada no dispositivo e manobra dos batalhões que assumiram a responsabilidade do sector de Farim. 

Em 27out66, foi colocada em Barro, onde assumiu a responsabilidade do respectivo subsector, então criado na área do BCaç 1887 e transferido, em 3nov66, para a zona de acção do BCaç 1894, mantendo, no entanto, dois pelotões destacados no anterior sector, em Binta e Canjambari, este último deslocado para lumbembém, a partir de meados de jan67. 

Em 1abr67, passou a designar-se CCaç 3. 

Observações - Em diversos documentos, esta subunidade era muitas vezes designado por 1ª  CCaç 1. 

Fonte: Excertos de Portugal. Estado-Maior do Exército. Comissão para o Estudo das Campanhas de África, 1961-1974 [CECA] - Resenha Histórico-Militar das Campanhas de África (1961-1974). 7.º volume: Fichas das Unidades. Tomo II: Guiné. Lisboa: 2002, pp. 621/ 622-


Companhia de Caçadores n.º 3

Identificação;  CCaç 3

Cmdts: 

Cap Art Samuel Matias do Amaral | Cap Inf Cassiano Pinto Walter de Vasconcelos | Cap Inf Carlos Alberto Antunes Ferreira da Silva | Cap Inf José Olavo Correia Ramos | Cap Art Carlos Alberto Marques de Abreu | Cap Art Fernando José Morais Jorge | Cap Inf João da Conceição Galamarra Curado | Cap Inf Carlos Alberto Caldas Gomes Ricardo | Cap Cav Nuno António Amaral Pais de Faria | Cap QEO João Pereira Tavares | Alf Mil Inf José Manuel Levy da Silva Soeiro | Cap Inf Manuel Gonçalves Mesquita | Cap Mil Inf José Maria Tavares Branco | Cap Mil Inf António Eduardo Gouveia de Carvalho | Cap Mil Inf José Maria Tavares Branco

Divisa: "Amando e Defendendo Portugal"
Início: 1abr67 (por alteração da anterior designação de 1ª CCaç) | Extinção: 31ago74


Síntese da Actividade Operacional

Em 1abr67, foi criada por alteração da anterior designação de 1.ª CCaç.

Era uma companhia da guarnição normal do CTIG, constituída por quadros metropolitanos e praças indígenas do recrutamento local.

Continuou instalada em Barro, mantendo-se então integrada no dispositivo e manobra do BCaç 1894, com dois pelotões destacados em reforço do BCaç 1887 e estacionados em Binta e Jumbébém, este depois em Canjambari a partir de finais de set67. Ficou sucessivamente integrada no dispositivo e manobra dos batalhões e comandos que assumiram a responsabilidade da zona de acção do subsector de Barro.

Após recolha dos pelotões instalados em Binta e Canjambari em 20ju168, destacou, em meados de out68, um pelotão para Guidage, tendo assumido, em 9Mar69, a responsabilidade do subsector de Guidage por troca com a CArt 2412 e destacando então dois pelotões para Binta, sendo especialmente orientada para a contrapenetração no corredor de Sambuiá, onde em 21/22jan69 tomou parte na operação "Grande Colheita", realizada pelo COP 3.

Em 22fev72, rendida em Guidage pela CCaç 19, assumiu a responsabilidade do subsector de Saliquinhedim, onde substituiu a CCaç 2753 e ficou integrada no dispositivo e manobra do COP 6 e depois do BArt 3844.

Em 08dez72, foi substituída, transitoriamente, por forças da CArt 3358 no subsector de Saliquinhedim (K3) e foi colocada em Bigene para onde se deslocou, por escalões, em 26nov72 e 8dez72 e onde assumiu a responsabilidade do respectivo subsector em substituição da CCaç 4540/72, ficando então novamente integrada no dispositivo de contrapenetração no corredor de Sambuiá.

Em 31ag074, as praças africanas tiveram passagem à disponibilidade e, após desactivação e entrega do aquartelamento de Bigene ao PAIGC, o restante pessoal recolheu a Bissau, tendo a subunidade sido extinta.

Observações - Não tem História da Unidade. Tem Resumo de Actividade referente ao período
de mai73 a set74 (Caixa n." 129 - 2.ª Div/4ª Sec, do AHM).

Fonte: Excertos de Portugal. Estado-Maior do Exército. Comissão para o Estudo das Campanhas de África, 1961-1974 [CECA] - Resenha Histórico-Militar das Campanhas de África (1961-1974). 7.º volume: Fichas das Unidades. Tomo II: Guiné. Lisboa: 2002, pp. 627/ 628.
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Nota do editor:

Útimo poste da série > 16 de agosto de  2022 > Guiné 61/74 - P23528: Fichas de unidade (26): BCAÇ 2930 (Catió, 1970/72): sem subunidades operacionais orgânicas, responsabilidade de um vasto sector, na região de Tombali, o sector S3, com sede em Catió, que abrangiam os subsectores de Bedanda, Catió, Cufar, Guileje, Gadamael e Cacine.

domingo, 16 de outubro de 2022

Guiné 61/74 - P23713: Recordando o Amadu Bailo Djaló (Bafatá, 1940 - Lisboa, 2015), um luso-guineense com duas pátrias amadas, um valoroso combatente, um homem sábio, um bom muçulmano - Parte III: Colocado em Farim, na 1ª CCAÇ, em junho de 1963, fica logo encantado com as beldades femininas locais e convida-as para ir a uma sessão de cinema do senhor Manuel Joaquim


Guiné > Região do Oio > Farim > Bairro de Nema > s/d > Cortesia de Carlos Silva, publicado, a preto e branco, no livro do Amadu Bailo Djaló, na pág. 61-


Guiné > Região do Oio > Carta de Farim  (1954) > Escala 1/50 mil > Posição relativa de Farim, Nema e K3


Guiné > Região do Oio > Carta de Jumbembem  (1954) > Escala 1/50 mil >  Posição relativa de Farincó e Fambantã, a norte de Farim, e junto à fronteira com o Senegal.

Infografia: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné (2022)


1. Continuamos a reproduzir, aqui no nosso blogue, alguns excertos do livro de Amadu Bailo Djaló, "Guineense, Comando, Português" (Lisboa Associação de Comandos, 2010, 229 pp., capa a seguir, à esquerda). O livro está esquecido, a edição está há muito esgotada, mas o Amadu Djaló continua na nossa memória e nos nossos corações. (*)

Não é demais sublinhar que se trata de um documento autobiográfico, único (até à data nenhum dos antigos militares que integraram o Batalhão de Comandos da Guiné publicou as suas memórias), indispensável para quem quiser conhecer a guerra e a Guiné dos anos de 1961/74, sob o olhar de um grande combatente luso-guineense, que teve de fugir da Guiné depois da independência e que em Portugal se sentiu tratado como um português de 2ª classe.

Membro da Tabanca Grande desde , tem mais de 6 dezenas de referências no nosso blogue (onde foi sempre muito estimado e acarinhado em vida).

Em homenagem à memória do nosso camarada Amadu Djaló (futa-fula, nascido em Bafatá, em 1940 e falecido em Lisboa, no Hospital Militar, em 2015, com 74 anos), e com a devida vénia aos seus herdeiros, à Associação de Comandos (que oportunamente, ainda em vida do autor, editou o seu livro de memórias, entretanto há muito esgotado), e com um especial agradecimento ao Virgínio Briote que, na qualidade de "copydesk" (editor literário) e grande amigo do autor e coeditor jubilado do nosso blogue, nos facultou o "manuscrito" (em formato pdf), vamos reproduzir aqui mais umas páginas do seu livro. 

Depois da sua paisagem por Bedandam, nosul, na região de Tombali, onde esteve na 4ª CCAÇ como condutor, desde dezembro de 1962 a junho de 1963, e que não lhe deixou saudades, o Amadu Djaló conseguiu ser colocado na 1ª CCAÇ, em Farim, junto à fonteira com o Senegal. Este execrto é o relato dos seus primeiros dias por lá. 

 
Colocado em Farim, na 1.ª CCAÇ, em junho de 1963, fica logo encantado com as beldades femininas locais e convida-as para ir a uma sessão de cinema do senhor Manuel Joaquim  (pp. 58-64)

por Amadu Djaló 
 
Quando regressei a Bissau [, vindo de Bedanda] (**), apresentei-me no dia seguinte, pelas 7h00, na CCS do QG e a novidade que tive foi que a 1.ª CCaç já não se encontrava em Bissau [1]. Entreguei a guia de marcha ao comandante da companhia que ma devolveu por eu não pertencer à CCS. Como não via forma de ver a minha colocação resolvida, ainda me lembrei de ir à 4ª. Rep, outra vez ao major Simões, mas não chegou a ser preciso.

Na 1ª. Repartição entreguei a guia de marcha ao 1º. sargento, que depois de a ler, disse ao sargento Ribeiro que tinha aqui um homem. Mandaram-me apresentar no dia seguinte, com a minha bagagem. Ia para Farim, junto à fronteira norte com o Senegal. Esta conversa curta com o sargento Ribeiro, um bom homem, foi o início de uma amizade.

Então no dia e hora acertados, encontrei, junto ao portão do QG, uma camioneta coberta de lona e junto a ela, o 1º sargento Ribeiro, o condutor, um 1º cabo de etnia papel e um soldado balanta, militares que eu não conhecia. Coloquei a minha bagagem na camioneta, que ia com um carregamento de conservas de sardinha, atum, cavalas, leite condensado, manteiga, margarinas, óleo e azeite.

   Subam e acomodem-se o melhor possível    disse-nos o sargento.

Saímos de Bissau, pouco passava das 8h00 da manhã e chegámos a Farim por volta das 12h30. Para me prevenir precavi-me com um saco de conservas de sardinha e outro de leite condensado.

Com a bagagem na mão, dirigi-me para a caserna e coloquei-a em cima de uma cama que me disseram estar vazia. Depois fui tomar um banho que bem estava necessitado. Mudei de farda e fui dar uma volta pela tabanca.

Depois do jantar seguiu-se um jogo de bisca, para distrair um pouco. Como tínhamos de substituir companheiros que estavam de serviço, saí da caserna para respirar um pouco de ar puro, quando vi três oficiais a dirigirem-se na minha direcção.

    Onde estão os condutores?

   Eu sou condutor!

 –   Não dormimos no quartel e queremos ir dormir. E a viatura não pode ficar fora do quartel. Se arranjarmos um condutor para regressar com o jeep, já podemos entrar.

Ofereci-me. Um dos alferes pegou no volante e conduziu até aos quartos. Satisfeitos, agradeceram e entregaram-me o boletim da viatura devidamente assinado.

No dia seguinte, depois do pequeno-almoço, fui entregar o boletim da viatura e soube que a distribuição das viaturas já tinha sido feita pelo 2º sargento mecânico. Quando lhe entreguei o boletim, ele perguntou-me se eu era condutor.

   Claro que sou, meu sargento!

–  Então, quantos condutores temos cá? Aguentem, ninguém sai daqui!

Foi ao 1º sargento esclarecer-se e informaram-no de que tinha vindo um condutor de Bedanda, que era mais antigo e que, portanto, tinha direito a uma viatura.

Nova forma, um dos novos vai ter que esperar por viatura, até que haja alguma acabada de reparar. Era o António, o soldado condutor mais moderno, a quem lhe tinham entregue uma GMC e que veio para as minhas mãos. Distribuídas as viaturas, arrancámos para a minha 1ª saída rumo a Fambantam, com passagem por Farincó.

Eu nunca tinha conduzido uma GMC. Estranhei, com o acelerador a fundo, não passar dos 30 a 40 kms/hora. Quando cheguei a Fambantam, cheirava a queimado.

Um 1º cabo, negro, mais antigo na vida militar e na companhia, aproximou-se e disse:

   Parece que tens alguma coisa ligada, está a cheirar muito a queimado!

Subiu para ir verificar e descobriu que os redutores estavam ligados.

 – Faltou pouco para queimar o disco   arriscou ele.

Pois, no regresso andei bem, sem mais problemas, embora me tenha ficado a dúvida se teria sido alguém que tenha ligado os redutores, quem sabe para me comprometer.

No meu terceiro dia em Farim, fui dar uma volta pelos bairros. Ainda não conhecia o Adulai Djaló, que era familiar meu no bairro de Nema, muito perto do aquartelamento e que viria a ser meu companheiro.

No caminho encontrei uma moça, aí de 20 anos, e pus-me a falar com ela. Chamava-se Aissata Djaguete Djaló e tinha um bebé com menos de um ano. Era órfã de pai e mãe e divorciada do chefe do bairro de Sinchã, chamado Mode Sore Djare Djaló. Para além do bebé tinha a seu cargo três irmãos mais novos e era ela quem tomava conta deles. 

Era uma história triste e vi que precisava de ajuda. Eu era soldado, o meu vencimento rondava os 120 e poucos escudos [cerca de 50 euros, a preços atuais],  pouco podia fazer por ela. Convidei-a para minha lavadeira e continuei o meu passeio em direcção a Sinchã. Neste bairro noventa por cento da população era futa-fula.

Junto a uma casa vi duas raparigas, uma a fazer tranças no cabelo da outra. Nunca tinha visto uma cena com tanta beleza. Fiquei ali a fazer-lhes companhia.

Uma chamava-se Fatumata Bamba Djaló, a outra Mariama Juto Djaló. Fatumata estava casada com um homem de meia-idade. O pai tinha-a forçado a casar-se, apesar de não ser essa a vontade dela. A outra, a Mariama, ia casar-se no Senegal, dali a duas semanas.

Depois de termos passado a tarde inteira a conversar convidei a Fatumata a ir comigo ao cinema. Se não tinha dinheiro, como ela disse, eu pagava o bilhete. Combinámos encontrar-nos em casa de Aissata Djaguete, que a Fatumata disse ser sua conhecida.

Despedi-me delas por uma tarde tão bem passada e dirigi-me a casa de Aissata.

 – Conheces Fatumata Bamba? Convidei-a a ir comigo ao cinema e ela ficou de vir aqui encontrar-se comigo. E tu, Assumata, queres ir também?

Que sim, que gostava muito.


Guiné > s/l > s/d > Manuel Joaquim dos Prazeres, caçador e empresário do cinema ambulante, com a sua velha Ford de matrícula nº G 05, segundo informação do Amadu Djaló que, por volta de junho de 1963, assistiu, acompanahdo de duas bajudas, a uma sessão de cinema,

Foto (e legenda): © Lucinda Aranha (2014). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]

Um senhor chamado Manuel Joaquim percorria todas as vilas e cidades num carro, o nº 5 [2] de matrícula da Guiné, a passar filmes e nesse dia encontrava-se em Farim.

No refeitório já estava todo o pessoal a jantar. Comi muito pouco, estava muito alvoroçado, ia encontrar-me com uma rapariga com uma beleza que eu nunca tinha visto. Quase a correr dirigi-me para casa de Aissata, mas a minha convidada de honra ainda não tinha chegado. Vi uns rapazitos por perto e pedi a um que fosse dizer a Fatumata que eu estava à espera dela, mas que fizesse tudo para que o marido dela não soubesse. O rapaz encontrou-a, ela vinha a correr na nossa direcção.

Juntos os três dirigimo-nos para o salão de cinema, comprei os bilhetes e cada uma sentou-se, comigo no meio delas. 

Do filme não guardo recordação, mas lembro-me que, no intervalo, quando as luzes se acenderam, reparei que o capitão, meu comandante de companhia, estava sentado atrás de nós. Com ele estava também o Alferes Almeida, do esquadrão de Bafatá[3], que estava destacado em Farim e que me fez um sinal. Mal o filme acabou,  peguei nelas e arranquei dali. Depois levei Fatumata a casa.

Demorei-me um pouco e, no regresso, encontrei na estrada de Nema para o quartel o jipe do capitão. O que vou fazer? Fugir, esconder-me? Decidi ficar onde estava, na berma da estrada, até o jipe parar um pouco à frente.

 – O que andas a fazer aqui, a esta hora?

 – Fui ao cinema, meu capitão.

 – O cinema já acabou há muito! Tem cuidado em andar sozinho a esta hora. Sobe!

Foi um fim-de-semana inesquecível. Mais tarde quis casar com ela, mas o pai não deu o consentimento, disse que me autorizava a casar com a irmã mais nova, chamada Mariama Bamba Djaló.
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Notas do autor ou do editor literário, Virgínio Briote ("copydesk")_

[1] Desde 1 Julho 1963 instalada em Farim.

[2] G-05

[3] EREC 385. Em 2ago62, rendeu o EREC 54, em Bafatá, ficando integrado no dispositivo do BCaç 238 e depois do BCaç 506. Teve um Pelotão destacado em Farim, na dependência, primeiro do BCaç 239, depois do BCaç 507 e finalmente do BCav 490. Tomou parte em diversas acções de patrulhamento e de contacto com as populações, tendo actuado, a partir de 18mar63, em diversas regiões, nomeadamente em Poidom-Ponta do Inglês 
[Xime], Aldeia Formosa, Cumbijã e Nhacobá, entre outras, e destacou diversos efectivos para guarnecer diversas localidades, como Xitole, Camamudo e Geba. Em 22jul64 foi substituído pelo EREC 693 e recolheu a Bissau a fim de efectuar o embarque de regresso. Fonte: História da Unidade.

[Seleção / revisão / fixação de texto / subtítulos / negritos, para efeitos de edição deste poste: LG. ]
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Notas do editor:

(*)  Vd. postes de:


22 de setemebro de 2022 > Guiné 61/74 - P23638: Recordando o Amadu Bailo Djaló (Bafatá, 1940 - Lisboa, 2015), um luso-guineense com duas pátrias amadas, um valoroso combatente, um homem sábio, um bom muçulmano - Parte I: Não fomos todos criminosos de guerra: Deus e a História nos julgarão

(**) Vd. poste de 14 de setembro de 2022 > Guiné 61/74 - P23615: Bedanda, região de Tombali, no início da guerra - Parte I: Testemunho de Amadu Djaló (1940-2015), relativo ao período de dezembro de 1962 a junho de 1963

sábado, 15 de outubro de 2022

Guiné 61/74 - P23712: Os nossos seres, saberes e lazeres (532): Itinerâncias avulsas… Mas saudades sem conto (72): Voltar à minha querida Bruxelas, depois da pandemia - 10 (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 25 de Agosto de 2022:

Queridos amigos,
Servem estas imagens para ilustrar um pensamento urbanístico que presidiu à criação de bairros no norte da Europa, há cerca de um século; era tempo em que conservadores, liberais e gente das Esquerdas se entendiam quanto à necessidade de haver habitações dignas em atmosferas associáveis à Natureza, à privacidade e ao sentido da vizinhança. Vem nos livros que estas cidades-jardins deram abrigo não só a gente das classes médias como acolheram meios proletários. Findara uma guerra mundial sanguinolenta, nas trincheiras encontrou-se gente dos diferentes estados sociais, uma boa parte da Bélgica ficara destruída, na ofensiva alemã houve barbaridade indescritível, a mente dos belgas (como seguramente dos outros beligerantes) mudara, e assim se desenvolveu esta mentalidade de viver em ligação com a Natureza, um tanto fora do centro, mas gozando a amenidade do convívio. O curioso de tudo é que hoje já não se planeia urbanisticamente assim mas tratam-se estas experiências das cidades-jardim quase ao nível de monumentos nacionais.

Um abraço do
Mário



Itinerâncias avulsas… Mas saudades sem conto (72):
Voltar à minha querida Bruxelas, depois da pandemia - 10


Mário Beja Santos

Finalmente, o passeio às cidades-jardins de Watermael-Boitsfort, com guias credenciados. Tudo começa à mesa de um café, ao lado de um restaurante sérvio, que serve bifes monumentais, aprendi que se pode pedir um bife para três pessoas da minha idade, os meus mestres puxam de ilustrações com cerca de um século. Era uma vez… Num mundo ideológico em que os partidos de Esquerda, Centro e Direita tinham auditórios radicalmente distintos dos atuais, havia zonas de confluência entre todos eles, e uma delas passava por se ter digerido bem a lição da Inglaterra da I Revolução Industrial, não se podia viver em falanstérios, nem em abarracamentos, locais húmidos, sem luz, sem qualquer tipo de saneamento; havia que conceber um tipo de habitação prazenteira, espaços de convivência. Encetaram-se dezenas de projetos, alguns malogrados, outros singraram até hoje, é o caso destes bairros que vamos visitar, La Logis e o Floréal, vamos percorrer só Watermael-Boitsfort, não iremos à comuna vizinha de Auderghem, é bem semelhante. O grande impulso foi dado no fim da Primeira Guerra Mundial, os projetos aprovados faziam combinar privacidade e proximidade, ligações internas dentro dos bairros, áreas de convívio, espaços ajardinados em permanência. Eu ia ouvindo os meus mestres e recordava o que tinham sido os bairros concebidos na Bouçã, Cabril e Castelo de Bode, uma conceção estado-novista, cada um no seu lugar, engenheiros separados dos auxiliares técnicos e outros trabalhadores, mas tudo bem articulado e com espaços de convivência, local de consulta médica, cooperativa de consumo, sala de reuniões, a possibilidade de parar nos caminhos vicinais e ter um pouco de conversa. Esse mundo já desapareceu, estes bairros são hoje em muitos casos casas secundárias de gente que quer viver em regime de bunker ou entaipados. O bairro que vamos visitar está classificado, não se pode alterar nada na fachada, para que as novas gerações aprendam a ler um sonho patrimonial que resultou.
Pedi para pararmos aqui em frente, não dei lições mas expliquei aos meus doutos acompanhantes como chegara aqui, graças a uma grande amizade, alguém que passava férias em Lisboa em minha casa e que me deu oportunidade, ao longo de dezenas de anos, de viver aqui numa atmosfera familiar. Convém explicar que há garagem e uma escada interior para o primeiro andar, que liga para a cozinha e sala de convívio, subir para o outro andar é uma escada íngreme, aí se encontra casa de banho e quarto, uma outra escada ainda mais íngreme, do outro lado mais um quarto e lá em cima dois quartos, tudo concebido para famílias enormes, uma casa de banho bastava, um pé alto de todo o tamanho, jardins à frente e jardins atrás. Estamos em La Logis, as ruas, todas elas, têm nomes de pássaros, estamos na Avenue du Geai, que quer dizer gaio.
Quantas vezes fui comprar pão e outra vitualhas por este caminho, a imagem é tirada em maio, é um fim de manhã cheia de luz e pode ver-se a doçura que paira nesta atmosfera, pode inclusivamente abrir-se uma cancela e entrar, percorrido o jardim interior, na cozinha. São carreiros, vejam lá por onde dança a imaginação, que me recordam os atalhos da minha infância, no bairro de Alvalade, a pequenada a correr pela terra batida, a caminho do campo de jogos.
Há sempre flores, tivesse vindo em julho apanhava as cerejeiras do Japão em flor, aqui são magotes de buganvília, a nascer e a fenecer no relvado. Quem ajardina espetou no campo a toda à volta um futuro arvoredo, mesmo quando os recursos são poucos a cidade-jardim cumpre o seu dever.
Tudo é relvado, com buxo, há paredes cobertas de hera a encontrar-se com paredes completamente sóbrias, as casas bem mantidas, veja-se aqueles sótãos, espaços enormes, cada casa tem dois quartos, os casais com filhos crescidos aproveitam para os encher de traquitana, ou criam condições para receber gente como eu, fiéis devotos da cidade-jardim de Watermael-Boitsfort.
Não foi a primeira vez que encontrei objetos úteis cuidadosamente expostos em caixas para quem quiser se poder servir. Fico enternecido, o que temos a mais, o dispensável, pode ser útil aos outros, não se oferece objetos partidos, andei por ali a bisbilhotar, confirmei o grau de civilidade de quem oferece com respeito pelo outro.
A visita acaba no Floréal, obviamente que as ruas agora dão pelo nome de flores, já não preside o verde mas o amarelo, tudo meticulosamente tratado. Os meus guias dão por findo o seu trabalho, respondo com o convite para comermos umas coisas e bebermos uma deliciosa cerveja. Conversamos sobre coisas soltas, dou-lhes conta da minha pontinha de tristeza, amanhã saio daqui com uma lágrima no olho, viagem de metro e depois comboio até um aeroporto onde um avião me depositará em Lisboa. Fica este caminho de saudade em última imagem, mas ainda tenho algumas recordações para vos transmitir, à laia de despedida desta excitante viagem pós-pandemia.

(continua)

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Notas do editor:

Vd. poste de 8 DE OUTUBRO DE 2022 > Guiné 61/74 - P23685: Os nossos seres, saberes e lazeres (530): Itinerâncias avulsas… Mas saudades sem conto (71): Voltar à minha querida Bruxelas, depois da pandemia - 9 (Mário Beja Santos)

Último poste da série de 11 DE OUTUBRO DE 2022 > Guiné 61/74 - P23698: Os nossos seres, saberes e lazeres (531): Trabalhos de pintura da autoria de Jaime Machado, ex-Alf Mil Cav, CMDT do Pel Rec Daimler 2046 (4)