Lisboa > Mosteiro dos Jerónimos > Um casal de "Fidalgos" do Minho (Gracinda e Zé), no casamento do filho “caçula”
Foto (e legenda): © Joaquim Costa (2023). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]
Joaquim Costa, ex-fur mil at Armas Pesadas Inf, CCAV 8351 (Cumbijã, 1972/74); membro da Tabanca Grande desde 30/1/2021; autor da série "Paz & Guerra: memórias de um Tigre do Cumbijã (Joaquim Costa, ex-mil arm pes inf, CCAV 8351, 1972/74)" (de que se publicarm 28 postes, desde 3/2/2021 a 28/7/2022. Tirou o curso de engenheiro técnico, no ISEP - Instituto Superior de Engenharia do Porto.
Capa do livro do Joaquim Costa, "Memórias de Guerra de um Tigre Azul: O Furriel Pequenina, Guiné: 1972/74". Rio Tinto, Gondomar, Lugar da Palavra Editora, 2021, 180 pp.
1. Texto enviado pelo Joaquim Costa, no passado dia 5 de janeiro, às 02:01:
Joaquim Costa, ex-fur mil at Armas Pesadas Inf, CCAV 8351 (Cumbijã, 1972/74); membro da Tabanca Grande desde 30/1/2021; autor da série "Paz & Guerra: memórias de um Tigre do Cumbijã (Joaquim Costa, ex-mil arm pes inf, CCAV 8351, 1972/74)" (de que se publicarm 28 postes, desde 3/2/2021 a 28/7/2022. Tirou o curso de engenheiro técnico, no ISEP - Instituto Superior de Engenharia do Porto.
1. Texto enviado pelo Joaquim Costa, no passado dia 5 de janeiro, às 02:01:
"(...) Dando continuidade à nova série sobre parte da minha história de vida (humilde e singela!?), aqui vai mais um poste, para caso lhe reconheças qualidade e de interesse o publicares.# (...) (*)
Origens do Tigre Azul: Nado e criado entre Famalicão e o Porto (Joaquim Costa, ex-fur mil, CCAV 8351, Cumbijã. 1972/74) - Parte II:
A mãe Gracinda
Tatuagem: "Amor de Mãe". Cortesia do livro "Guerra na Pele – As tatuagens da guerra colonial", de João Cabral Pinto, edição de autor, 2019. |
Nunca fiz nenhuma, nem penso fazer, contudo nutria uma certa admiração pelos soldados que as faziam. No fundo era a exteriorização da tatuagem que tinham gravado nas suas alma e nos seus corações.
Todos temos consciência que foram as nossas Mães que mais sofreram com a guerra no ultramar, uma dor mais intensa e dolorosa porque em silêncio.
Decidida a intenção/aventura/ousadia... de publicar em livro as minhas memórias de guerra, como por instinto, iniciei a narrativa com uma homenagem singela aos meus pais. Parece a despropósito, mas para mim só podia começar desta maneira já que foram figuras marcantes e sempre presentes em cada dia de Guiné, em particular nos dias mais difíceis, ouvindo (quem disser o contrário mente!?) os seu sábios conselhos.
Dando sequência à publicação da série " Origens do Tigre Azul: Nado e criado entre Famalicão e o Porto" (*), aqui vai mais um poste. Hoje sobre a Mãe Gracinda. São histórias dos primórdios do "Tigre Azul" e "Furriel Pequenina", que complementam o meu livro "Memórias de Guerra de um Tigre Azul: O Furriel pequenina".
A mãe Gracinda
No dia 27 de abril de 1950 (dia do meu nascimento), cinco anos após o fim da II Guerra Mundial e ainda com o cheiro a pólvora no ar, de acordo com os relatos mil vezes contado pelo meu irmão Manuel, que nesse mesmo dia passa com distinção e louvor no exame da quarta classe, morre a avó paterna, o Barrigana lesiona-se com gravidade num treino e o meu irmão Eduardo (columbófilo) perde a sua melhor pomba que não regressou de um torneio.
Um dia do tamanho de uma vida. No mesmo dia, se ri, se chora, se nasce e se morre. Muitas emoções contraditórias no ar.
Sendo o sétimo filho do José e da Gracinda, tendo em conta a época, nasci em berço de ouro, o mesmo não podendo dizer-se dos meus irmãos.
O Manel viveu toda a sua vida com a mágoa de nunca terem valorizado e festejado, condignamente, a sua aprovação com distinção e louvor no exame da quarta classe. Feito já mais visto na família e na aldeia. De forma diferente a Avó e o irmão tiraram-lhe o protagonismo.
O pai Zé e a Mãe Gracinda viveram a miséria dos tempos da primeira e da segunda guerras mundiais, da gripe pneumónica e da guerra civil espanhola, saindo destes conturbados acontecimentos sem esmorecerem, continuando a lutar, resilientes, por uma vida melhor para a família
A Gracinda cumpriu exemplarmente o estatuto que estava reservado às mulheres na altura: acompanhar as decisões do marido e criar os filhos “dados” por Deus.
Dizem que, enquanto solteira, não havia terreiro de dança que não a conhecesse, ouvindo-se a sua voz, sobrepondo-se às demais, nas cantorias do Minho. Nas desfolhadas, no cantar das Janeiras e dos Reis (#), ninguém lhe passava a perna.
Quando fui estudar para o Porto, uma vez que o orçamento familiar não comportava as despesas de alojamento e alimentação na Invicta, todos os dias fazia a viagem Famalicão / Porto / Famalicão, aproveitando o facto de ter direito a um passe gratuito. Para apanhar o comboio, levantava-me todos os dias às cinco horas da manhã, tendo a minha santa mãe já o pequeno-almoço na mesa.
Assim abalava eu para a odisseia diária. Mas não estava só: mal saía de casa, ainda noite escura, logo ouvia, para além do cantar dos galos e o ladrar dos cães, um grupo de mulheres que chamavam umas pelas outras em altos berros audíveis de uma ponta à outra da aldeia (ó Mariiiiiiiiiiiiiia, já qui bouuuuuuue!) transportando grandes molhos de caruma (ou pruma, como elas diziam) à cabeça, até às padarias da vila, para aquecerem os fornos. Cumprimentavam-me carinhosamente dizendo:
Sendo o sétimo filho do José e da Gracinda, tendo em conta a época, nasci em berço de ouro, o mesmo não podendo dizer-se dos meus irmãos.
O Manel viveu toda a sua vida com a mágoa de nunca terem valorizado e festejado, condignamente, a sua aprovação com distinção e louvor no exame da quarta classe. Feito já mais visto na família e na aldeia. De forma diferente a Avó e o irmão tiraram-lhe o protagonismo.
O pai Zé e a Mãe Gracinda viveram a miséria dos tempos da primeira e da segunda guerras mundiais, da gripe pneumónica e da guerra civil espanhola, saindo destes conturbados acontecimentos sem esmorecerem, continuando a lutar, resilientes, por uma vida melhor para a família
A Gracinda cumpriu exemplarmente o estatuto que estava reservado às mulheres na altura: acompanhar as decisões do marido e criar os filhos “dados” por Deus.
Dizem que, enquanto solteira, não havia terreiro de dança que não a conhecesse, ouvindo-se a sua voz, sobrepondo-se às demais, nas cantorias do Minho. Nas desfolhadas, no cantar das Janeiras e dos Reis (#), ninguém lhe passava a perna.
Quando fui estudar para o Porto, uma vez que o orçamento familiar não comportava as despesas de alojamento e alimentação na Invicta, todos os dias fazia a viagem Famalicão / Porto / Famalicão, aproveitando o facto de ter direito a um passe gratuito. Para apanhar o comboio, levantava-me todos os dias às cinco horas da manhã, tendo a minha santa mãe já o pequeno-almoço na mesa.
Assim abalava eu para a odisseia diária. Mas não estava só: mal saía de casa, ainda noite escura, logo ouvia, para além do cantar dos galos e o ladrar dos cães, um grupo de mulheres que chamavam umas pelas outras em altos berros audíveis de uma ponta à outra da aldeia (ó Mariiiiiiiiiiiiiia, já qui bouuuuuuue!) transportando grandes molhos de caruma (ou pruma, como elas diziam) à cabeça, até às padarias da vila, para aquecerem os fornos. Cumprimentavam-me carinhosamente dizendo:
− Vamos ter guarda-livros na aldeia?!
Passados uns dias, não suportei ver a minha santa mãe, que era a última a deitar-se, levantar-se todos os dias às cinco horas da manhã para fazer o pequeno-almoço para o menino, pelo que, tomei uma decisão:
Passados uns dias, não suportei ver a minha santa mãe, que era a última a deitar-se, levantar-se todos os dias às cinco horas da manhã para fazer o pequeno-almoço para o menino, pelo que, tomei uma decisão:
− Mãe, a partir de hoje, sou eu que trato do meu pequeno-almoço.
E assim foi, todos os dias, junto à porta de saída, tinha uma caixa de bolachas Maria, tirava duas… às vezes uma, e uma garrafa de vinho fino, de que bebia um cálice... às vezes dois.
Mais tarde, o meu pai, com um semblante de caso (que me assustou), abeirou-se de mim e disse-me (já com um leve e indisfarçável sorriso maroto (que me distendeu):
Mais tarde, o meu pai, com um semblante de caso (que me assustou), abeirou-se de mim e disse-me (já com um leve e indisfarçável sorriso maroto (que me distendeu):
− Meu filho, decidi alugar-te uma casa no Porto, porque me fica muito mais barato do que o teu mata-bicho diário.
Aqui ficou decidido manter as bolachas e trocar o vinho fino por leite, já fervido de véspera. Mas!…, como por “milagre”, no local das bolachas e do vinho fino, todas as manhãs lá apareciam o pão com marmelada e o leite com café sempre quentinhos (##)-
(Continua)
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Notas do autor:
(#) Letra:
Aqui estamos nós,
Todos reunidos,
P’ra cantar os Reis
Aos nossos amigos;
Sem nenhum interesse,
Com muita amizade,
Cantando as “reisadas”
À sociedade.
Aqui estamos nós,
Todos reunidos,
P’ra cantar os Reis
Aos nossos amigos;
Sem nenhum interesse,
Com muita amizade,
Cantando as “reisadas”
À sociedade.
(...)
Viva o patrão desta casa,
Homem de grande careca,
Abra lá a sua porta
E encha lá a caneca.
Viva a patroa da casa,
Mulher de muito trabalho,
Põe rabanadas na mesa
E umas achas no borralho
(...)
(**) Em resultado destas drásticas alterações, ia muito menos alegre para o Instituto mas, vai-se lá saber porquê !?, melhorei em muito os resultados escolares…
Viva o patrão desta casa,
Homem de grande careca,
Abra lá a sua porta
E encha lá a caneca.
Viva a patroa da casa,
Mulher de muito trabalho,
Põe rabanadas na mesa
E umas achas no borralho
(...)
(**) Em resultado destas drásticas alterações, ia muito menos alegre para o Instituto mas, vai-se lá saber porquê !?, melhorei em muito os resultados escolares…
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Nota do editor:
(*) Último poste da série > 18 de dezembro de 2022 > Guiné 61/74 - P23891: Origens do Tigre Azul: Nado e criado entre Famalicão e o Porto (Joaquim Costa, ex-fur mil, CCAV 8351, Cumbijã, 1972/74) - Parte I: A pomada milagrosa