segunda-feira, 22 de julho de 2024

Guiné 61/74 - P25770: Notas de leitura (1711): Aqueles anos horríveis do ajustamento estrutural, fim do sonho coletivista: Dois ensaios de cientistas sociais suecos, um documento importante de Lars Rudebeck, amigo da Guiné (1) (Mário Beja Santos)


1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá, Finete e Bambadinca, 1968/70), com data de 13 de Fevereiro de 2023:

Queridos amigos,
Procura e acharás, sempre desejei chegar a este documento, bati a várias portas, nada. Entro numa loja de comércio justo, aqui está ele, entre outras publicações, o leitor paga o que quiser e mete na caixinha. Não coube em mim de contente, sou confesso admirador destes cientistas sociais suecos, de um rigor intocável. Dir-me-ão, desta síntese do olhar de Kenneth Hermele que esta sua visão sobre a quebra de alianças era algo de óbvio, fatal como o destino, não só houve falta de entendimento sobre o que devia ser uma política de reconciliação e perdão como se cavalgou nas nuvens, agravaram-se as dívidas externas, isto quando os patronos de Leste caminhavam paulatinamente para o definhamento, aquilo que Mikhail Gorbachev chamou de estagnação. Kenneth Hermele faz no seu ensaio um apelo a uma reformulação de políticas internas, como sabemos, era demasiado tarde. Vamos seguidamente dar a palavra a Lars Rudebeck, iremos cair em cheio na Guiné.

Um abraço do
Mário



Aqueles anos horríveis do ajustamento estrutural, fim do sonho coletivista:
Dois ensaios de cientistas sociais suecos, um documento importante de Lars Rudebeck, amigo da Guiné (1)


Mário Beja Santos

Entro numa loja de comércio justo ligada ao CIDAC, à procura de uma publicação sobre Cabo Verde e encontro a tradução portuguesa de um documento de que há muito ando no encalço: o que representou o ajustamento estrutural em três países africanos de língua portuguesa que foram insurgentes (esclarecedor documento de Kenneth Hermele) e a profunda análise que Lars Rudebeck faz do que significou o ajustamento estrutural numa aldeia a cerca de 100 quilómetros de Bissau, foi matéria de um seminário que decorreu na Universidade de Uppsala em maio de 1989, organizado por AKUT.

Cabe a Kenneth Hermele a grande angular: ajustamento estrutural e alianças políticas em Angola, Guiné-Bissau e Moçambique. Este último assinou em 1984 o Acordo de Nkomati, um pacto de não agressão com a África do Sul, abriu assim caminho para ser membro do Fundo Monetário Internacional e do Banco Mundial, era o fim da destabilização internacional e da mudança de um processo de transformação socialista numa economia de mercado. Logo nos primeiros anos da década de 1980, Moçambique estava confrontado com o serviço da dívida e, entretanto, o COMECOM não aceitou apoiar Moçambique, o país viu-se obrigado a alterar as suas alianças internacionais. Em Angola o processo foi diferente, o regime do MPLA quis evitar a imposição de condições estabelecidas pelo FMI e pelo Banco Mundial, mas a comunidade internacional dos doadores obrigou o país a apresentar o país de adesão ao FMI. O caso da Guiné-Bissau revelava-se dramático, o país tinha-se tornado quase completamente dependente da ajuda estrangeira para sustentar, não só a sua dívida externa, mas praticamente todo o aparelho de Estado. O trabalho de Kenneth Hermele põe uma questão basilar: em que aspetos é que o processo de ajustamento estrutural que Moçambique e a Guiné-Bissau estavam a viver, e que a Angola estava à beira de iniciar, tem relação com as fases anteriores à constituição da nação nestes três países, mais concretamente lança o seu olhar sobre as alianças políticas na luta da libertação.

Observa que durante estas lutas estabelecera-se uma aliança entre o campesinato e os nacionalistas. Os dirigentes vinham de um estrato social a que se pode chamar pequena burguesia, com sentimentos nacionalistas muito fortes. Era um estrato que tinha laços de família com a classe camponesa média, francamente apoiada pelos nacionalistas portugueses. Nas três colónias, os respetivos líderes procuraram criar frentes amplas para poder unir a ação política e militar, sob a consigna de que tinham direito a ser independentes. Juntaram grupos sociais com notórias diferenças: camponeses sujeitos a trabalho forçado, nacionalistas burgueses, agricultores e pequenos capitalistas, grupos religiosos e culturais que se consideravam excluídos, bem como alguns representantes do poder tradicional.

Após a independência, os vencedores reivindicaram que a luta de libertação conduzira a uma nova ordem social em que os camponeses tinham dado os primeiros passos no sentido da propriedade coletiva das terras e distribuição equitativa de bens e rendimentos. Só que as alianças do passado foram quebradas pelas estratégias de desenvolvimento adotadas pelos movimentos de libertação.

A coletivização da terra não era apreciada pela maioria dos camponeses, havia mesmo um estrato camponês que aderira à luta de libertação para readquirir as terras de onde os portugueses os tinham expulsado. Muitos chefes tradicionais também se sentiram traídos, eram permanentemente acusados de tribalistas e obscurantistas. Também nas áreas urbanas, a estratégia de desenvolvimento colocou as antigas alianças sobre grande pressão. Pretendia-se, no caso de Angola e Moçambique, uma estratégia industrial que visava o restabelecimento rápido dos níveis de produção do último ano colonial (1973). As necessidades do setor rural ficaram secundarizadas. Veja-se o exemplo de Moçambique onde a produção local de enxadas baixou a níveis muito inferiores do tempo colonial.

Em Angola e Moçambique, as frentes nacionais de libertação não estiveram para meias medidas, apresentaram-se como partidos marxistas-leninistas, promovendo a partir do topo a transformação socialista. Vinha muita inspiração da Europa de Leste, mas a implementação práticas das políticas foi basicamente da responsabilidade do que restava da burocracia portuguesa e de poucos africanos. Tudo somado, as políticas pós-independência vieram a significar uma nova aliança, uma partilha do poder entre o partido dirigente e a burocracia do Estado. Na Guiné-Bissau, deu-se claramente uma dissolução da aliança camponesa, pretendia-se um desenvolvimento numa dependência total em relação à ajuda externa, assim cresceu um aparelho de Estado que se tornou cada vez mais irrelevante para a maioria dos camponeses. Em Moçambique, a tentativa de modernizar a agricultura em cooperativas e machambas estatais foi um verdadeiro golpe para a antiga aliança. E a interferência externa (Rodésia e África do Sul) e a destabilização de RENAMO enfraqueceu ainda mais a aliança. Em Angola passou-se algo de idêntico, o MPLA acabou por se isolar pela falta de atenção à importância do setor camponês.

No início dos anos de 1980, o falhanço nos três países era evidente. Não chega pôr em cima da mesa as pressões externas e as mudanças na situação internacional, quebrada a aliança ampla, foi crescendo o apoio a uma economia de mercado. E Kenneth Hermele põe nova questão: qual o tipo de desenvolvimento capitalista que estava a ser promovido. Havia defensores do ajustamento estrutural que afirmavam que os programas de reforma não pretendiam ir mais longe do que lanças as bases do crescimento económico. Da observação deste cientista social, o capitalismo que se estava a promover não apresentava nenhum dos aspetos relevantes do chamados capitalismo milagre do Sudeste Asiático. Aí, a direção do Estado, reforma económica e social, incluindo reforma agrária, políticas de longo alcance promovendo a educação, por exemplo, constituíam uma condição prévia necessária para as fases posteriores do crescimento de exportação. Ora nada de semelhante estava a ser implementado na Guiné ou em Moçambique. Parece razoável concluir que aquilo que estava a ser criado através do ajustamento estrutural na Guiné-Bissau e em Moçambique era um capitalismo fraco e subserviente. Observa igualmente Hermele que no que dizia respeito à Angola e Moçambique, o objetivo final das políticas impostas era preparar a África austral para uma situação pós-Apartheid.

Em termos de conclusão, o autor refere que as alianças nestes três países passaram por três fases: luta de libertação apoiada por uma frente ampla; tentativa de modernização que falhou em parte devido a uma alteração de aliança entre os camponeses e as burocracias estatais e o partido líder; na terceira fase, com a imposição do pacote de política de ajustamento estrutural estava a ser criada uma nova aliança entre capitalistas e instituições internacionais de finanças e cooperação, estando as burocracias de Estado a desempenhar uma papel complementar independente.

E o autor dizia que não se estava a verificar qualquer desenvolvimento, nem capitalista nem socialista, na ausência de um aparelho de Estado que se baseasse numa aliança interna, havia uma tendência das agências doadoras para enfraquecer ainda mais as funções do Estado. A erosão da base política interna entre o campesinato guineense, por exemplo, destituiu o regime do apoio interno que teria sido necessário para poder resistir às condições impostas pelo sistema financeiro internacional. Concluiu o autor que as organizações não-governamentais, grupos de solidariedade e as agências de desenvolvimento deviam pôr em prática ações adequadas no sentido de fortalecer o poder de resistência interna. Mas que não houvesse ilusões, era a capacidade de Angola, da Guiné-Bissau e de Moçambique em estabelecer internamente alianças políticas novas que permitiria lançar em simultâneo as bases do desenvolvimento socioeconómico. E termina de forma taxativa: pessoas do exterior só poderão desempenhar um papel secundário; mas nós poderemos contribuir para certificar que os poderes ocidentais e as suas instituições não imponham a continuação do subdesenvolvimento e da dependência e que – pelo menos – se encontrasse resistência dentro do país.

Vamos seguidamente dar a palavra a Lars Rudebeck, vamos até uma tabanca guineense.

Kenneth Hermele
Lars Rudebeck
O antigo hospital militar nº241, imagem do Triplov, com a devida vénia
A casa comercial Taufick-Saad, imagem do Triplov, com a devida vénia
Fevereiro de 1965, o governador Arnaldo Schulz passa revista a uma unidade da Mocidade Portuguesa, no ato inaugural de uma escola, Arquivos da RTP, com a devida vénia
Nino Vieira e Luís Cabral na Suécia, 1973, imagem retirada do blogue Herdeiro de Aécio, com a devida vénia
Nota de 100 Pesos da Guiné-Bissau, emissão de 1975, reverso da nota na face está a efígie de Domingos Ramos

(continua)
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Nota do editor

Último post da série de 19 DE JULHO DE 2024 > Guiné 61/74 - P25761: Notas de leitura (1710): Factos passados na Costa da Guiné em meados do século XIX (e referidos no Boletim Official do Governo Geral de Cabo Verde, anos 1868 e 1869) (12) (Mário Beja Santos)

Guiné 61/74 - P25769: Timor Leste: passado e presente (13): Notas de leitura do livro do médico José dos Santos Carvalho, "Vida e Morte em Timor durante a Segunda Guerra Mundial" (1972, 208 pp.) - Parte V: a invasão de tropas australiano-holandesas, em 17 de dezembro de 1941



Timor > Arquivo Fontoura (c. 1936-1940) >Entrada do campo militar de Taibessi


Timor > Arquivo Fontoura (c. 1936-1940) > Maubisse


Timor > Arquivo Fontoura (c. 1936-1940) > "Missões Católicas"


Timor > Arquivo Fontoura (c. 1936-1940) > "Baleeira governamental quando da chegada de S. E. o Governador (1937)"



Timor > Arquivo Fontoura (c. 1936-1940) > "O navio de guerra 'Gonçalves Zarco' na sua visita a Oecussi (1938)"


Fotos do Arquivo de História Social > Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa > Álbum Fontoura. Imagens do domínio público, de acordo com a Wikimedia Commons. Editadas por blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné (2024). Com a devida vénia...


1.  A descolonização e a autodeterminação de Timor Leste foram um processo doloroso, trágico, para todos nós, portugueses e timorenses... A história recente deste povo, com quem partilhamos língua, história e afetos, não é conhecida de muitos dos antigos combatentes da Guiné. Daí fazer sentido publicar aqui notas de leitura e excertos do livro do médico José dos Santos Carvalho, "Vida e Morte em Timor durante a Segunda Guerra Mundial" (*), disponível em formato digital no Internet Archive.

Timor Leste foi o único território ultramarino (na altura, designado como "colónia" , até 1951) que foi invadido e esteve ocupado por forças estrangeiras, durante a II Guerra Mundial (entre dezembro de 1941 e setembro de 1945): tropas anglo-australianas e holandesas, primeiro, e japonesas depois).

Atualizámos a ortografia e a grafia dos topónimos. O livro foi redigido no principio da década de 1970, sendo uma edição da Livraria Portugal Editora, na Rua do Carmo 70 (que já não existe como editora), tendo sido composto e impresso na Gráfica de Lamego. (O autor, médico de saúde pública,  seria natural do concelho vizinho de Armamar.)

~
A invasão de Timor por uma Força Australiano-Holandesa , em 17 de dezembro de 1941 (pp.31)

por José dos Santos Carvalho

 



Carlos Cal Brandão: "Funo: guerrra em Timor". 
 Porto, edições "AOV", 1946, 200 pp.


(i) O autor estava em Bacau, onde tinha tomado posse do cargo de autoridade de saúde. (Em 1941 havia 4 médicos para cerca de 435  mil  habitantes !). 

Bacau estrava a mais de 120 km da capital, Díli. Ficava na parte oriental do território. E era conhecida, na época, por "Vila Salazar". Daí ter-se socorrido de outras fontes, como o livro  do deportado dr. Cal Brandão (1906-1973), "Funo: guerra em Timor" (Porto, 1946). 

O admistrador da circunscrição de Bacau era o tenente Manuel Pires, que se irá depois destacar como um dos heróis da resistência contra os japoneses. Era um homem igualmente nascido no Porto, como Cal Brandáo.

Contrariamente à invasão e ocupação dos japoneses, dois meses depois, o contingente australiano-holandês  (menos de 1600 homens) instalou-se em Díli aparentemente sem dar um tiro. Mas a decisão dos Aliados, violando a neutralidade portuguesa, ao desembarcar tropas no território para proteger a costa norte da Austrália, irá ter consequências trágicas para os timorenses: cerca de 60 mil  (15% da população) morrerá devido à fome e à violência dos invasores e ocupantes (os japoneses e os seus aliados, c. 20 mil, que vieram da parte ocidental da ilha, as temíveis "colunas negras" que semearam o caos e a morte na colónia portuguesa).


(...) A 17 de dezembro de 1941, muito cedo, o cônsul da Inglaterra, sr. David Ross, deslocou-se ao palácio do governador, em Lahane, pedindo-lhe para receber, às oito horas, um delegado do Comando Aliado, que solicitava uma conferência (1)

O governador dirigiu-se, a essa hora para a secretaria da administração civil em Díli e aí recebeu o tenente-coronel Stressmann, do exército holandês, que se apresentou como comandantes das forças aliadas que deviam desembarcar e fixar-se  em Díli, imediatamente, conforme ordens superiores que ele recebera e que impreterivelmente teria de cumprir até às nove horas.

O governador convocou uma reunião dos oficiais da guarnição de Díli e mais o coronel Castilho, concluindo unanimemente que era impossível resistir pela força a esta prepotência dos Aliados, cujos aviões sobrevoavam a cidade e tinham dois navios de guerra à vista.

Deste modo, o desembarque aliado fez-se sem luta após o governador ter energicamente protestado contra a invasão e ordenado que se hasteasse permanentemente a bandeira nacional em todas as repartições e edifícios públicos da colónia e mandando comunicar o acontecido às circunscrições.

Para vincar a atitude de neutralidade para com os beligerantes, que recomendou a todas as autoridades administrativas, recclheu-se à sua residência e ali, por livre determinação, se considerou prisioneiro (1).

Entraram assim em Timor trezentos e oitenta oficiais e soldados australianos, comandados pelo major Spencer, e mil e duzentos soldados do exército holandês, quase todos naturais de Java, enquadrados por alguns oficiais e sargentos europeus (1).

Os australianos bivacaram no campo de aviação e, depois, transferiram o seu acampamento para a montanha de Nai-Suta, cerca de quinze quilómetros para o interior. Os holandeses instalaram-se na casa da Ásia Investment Company, representada pelo alemão, sr. Max Sander que aí residia (1) .

As tropas holandesas iniciaram, em Díli, os trabalhos de entrincheiramento, ao longo da praia, construindo redutos para as metralhadoras anti-aéreas e sarilhos de arame farpado para, no momento próprio, fechar as ruas e estradas. Todas estas obras militares eram levadas a efeito, na melhor ordem, sem afrontar ou prejudicar quem quer que fosse (1).

«Logo no dia da sua chegada, a polícia militar holandesa, sob o comando do major Hagerbeck, que ao rebentar da guerra viera para Díli, a título de comprar cereais, procedeu à captura de alemães e japoneses» (1) .

O cônsul nipónico, com sua família e pessoal, ficou detido na sua residência, e os outros ficaram em regime de prisão nos escritórios da sua Companhia de Aviação (1) .


(ii) A única força militar portuguesa, no território, era a Companhia de Caçadores de Timor, comandada pelo cap inf Freire da Costa  (e tendo como adjunto o tenente Liberato). foi forçada a desçlocar-se para o interior, para o quartel de Maubisse

A população civil refugiou.se nas montanhas (Aileu, Liquiçá, Maubara). As escassas centenas de portuguesesww que lá vivia, (funcionários públicos, missionários e deportados) alimentavam a secreta esperança do socorro de uma força militar portuguesa que teria partido de Moçambique. Mas em vez dos portugueses, quem desembarca em 20 de fevereiro de 1942 são... os japoneses.

(...) No dia 18 de dezembro, o tenente-coronel Van Stratten, comandante das forças aliadas, avistou-se com o Governador e comunicou-lhe as informações que possuía, segundo as quais os oficiais da Companhia de Caçadores de Timor projectavam um golpe de força contra as tropas estrangeiras. Embora com mágoa, ver-se-ia obrigado a desarmar a Companhia (2).

O Governador, não conseguindo demover o tenente-coronel da sua decisão, resolveu, para evitar o vexame, afastar da capital a Companhia de Caçadores de Timor, ficando no quartel de Taibessi somente um destacamento sob o comando do tenente Ramalho (2).

Assim, seguiu a Companhia para o quartel de Maubisse, recentemente acabado de construir, levando o seu comandante, capitão Freire da Costa e o tenente Liberato como oficial subalterno, tendo chegado ao seu destino na noite de 19 de dezembro (2).

A população civil de Díli com exceção de alguns funcionários, abandonou a capital e foi viver para o interior, sobretudo para Aileu, Liquiçá e Maubara.

Os funcionários distribuiram-se por pequenas «repúblicas» que a ausência da família obrigara a organizar (3), sendo alguns deles carinhosamente acolhidos na Missão de Lahane, pelo Padre Jaime que generosamente a todos hospedou.

Os muito poucos portugueses que se mantiveram em Díli, entre os quais o dr. Cal Brandão, iam fazendo a sua vida usual, convivendo com as forças estacionadas em Timor, cujo porte correto e simpático havia arredado toda a ideia de ocupação (1).

Assim, os dias decorreram sem que qualquer incidente viesse prejudicar a convivência amigável entre os estrangeiros e alguns elementos da população europeia. O Governo, porém, dera instruções aos funcionários n sentido de manterem com as forças ocupantes uma atitude correcta mas sem qualquer espécie de familiaridade ou colaboração (2) .

«Tudo parecia indicar um breve regresso à normalidade. Algumas famílias preparavam-se para regressar à capital. Dizia-se que, em virtude de um acordo assinado entre os governos português e inglês, as tropas aliadas abandonariam o nosso território após a chegada de um contingente de forças portuguesas que, a bordo do João Belo, comboiado pelo aviso Gonçalo Velho, partira de Lourenço Marques com destino a Timor. Em Díli trabalhava-se afanosamente no arranjo do alojamento para as tropas e as culturas intensificavam-se em toda a colónia.

"As forças expedicionárias estavam já em comunicação direta com Timor e aguardava-se a sua chegada para 21 ou 22 de Fevereiro de 1942. Escolhera-se para seu desembarque a costa de Baucau a fim de evitar possíveis conflitos com as tropas estrangeiras que ocupavam a capital. Corria que estas tropas já estavam a enviar, para o território holandês, parte do seu material» (2).

Com inevitável ansiedade procurávamos, em Baucau, encontrar no mar sinal dos nossos tão almejados navios, quer de dia, quer de noite, pois já era tempo da sua chegada.

Mas, na manhã do dia 20 de fevereiro de 1942, surgiu a mais tremenda desilusão. Um telefonema do tenente Pires deu-me a brutal notícia. Quem desembarcara em Díli, haviam sido os japoneses!

Compreendi eu, então, que as três dezenas de aviões que no dia anterior tinham passado sobre Baucau, voando a grande altitude, não pertenciam às forças aliadas.

Eram, de facto, aviões japoneses e dirigiam-se para Port Darwin onde reduziram os edifícios a escombros e afundaram os navios encontrados na majestosa e magnífica baía militar, fazendo este raide de surpresa para proteger o seu desembarque em Timor (1).

(iii) Vd., aqui o dramático discurso de Salazar, na Assembleia Nacional, em 19 de dezembro de 1941, e que a Emissora Nacional acompanhou:

RTP> Arquivos > Discurso de Salazar sobre Timor > 1941-12-19 00:36:09 (Ficheiro áudio, com a devida vénua...)

Sinopse: "Reportagem da Emissora Nacional no Palácio de São Bento, acompanhando o discurso do Presidente do Conselho António Oliveira Salazar na Assembleia Nacional, onde informa que a soberania portuguesa em Timor foi violada por tropas australianas e holandesas. Inclui palavras de ordem proferidas pelo público."




Fonte: Portal Casa Comum | Instituição: Fundação Mário Soares e Maria Barroso | Pasta: 05768.032.08295 | Título: Diário de Lisboa | Número: 6853 | Ano: 21 | Data: Sexta, 19 de Dezembro de 1941 | Directores: Director: Joaquim Manso | Edição: 2ª edição | Fundo: DRR - Documentos Ruella Ramos | Tipo Documental: Imprensa |

Recorte, com a devida vénia

(1941), "Diário de Lisboa", nº 6853, Ano 21, Sexta, 19 de Dezembro de 1941, Fundação Mário Soares / DRR - Documentos Ruella Ramos, Disponível HTTP: http://hdl.handle.net/11002/fms_dc_25120 (2024-7-23)

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Notas do autor:

(i) Vide Carlos Cal Brandão, Funo. Porto, 1946.

(2) Vide Capitão António Oliveira Liberato, O Caso de Timor,Portugália, Lisboa.

(3) Informação a mim prestada, directamente, pelo senhor Moreira Rato.

Fonte: José dos Santos Carvalho: "Vida e Morte em Timor Durante a Segunda Guerra Mundial", Lisboa: Livraria Portugal, 1972, pp. 31-34-

(Continua)
 
(Seleção, revisão / fixação de texto, título, notas intyrodutórias, itálicos e negritos: LG)

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Nota do editor:

Último poste da série > 14 de julho de  2024  > Guiné 61/74 - P25742: Timor Leste : passado e presente (12): Notas de leitura do livro do médico José dos Santos Carvalho, "Vida e Morte em Timor durante a Segunda Guerra Mundial" (1972, 208 pp.) - Parte IV: A vida de um médico de saúde pública, Baucau, 1941

domingo, 21 de julho de 2024

Guiné 61/74 - P25768: Aristides de Sousa Mendes - Um dos nossos grandes que eu admiro (Carlos Silva, ex-fur mil inf, CCAÇ 2548/BCAÇ 2879, Jumbembem, 1969/71) - Parte I: Casa do Passal (Cabanas de Viriato), Museu do Holocausto (Jerusalém) e capas de livros


Foto nº 1 > Carregal do Sal, Cabanas de Viriato, Casa do Passal, em restauro (c. 2018)


Foto nº 2 >  Foto nº 2 > Carregal do Sal, Cabanas de Viriato, Casa do Passal, em restauro (c. 2018) > Cartaz, afixado na parede exterior, mostrando a casa em ruínas


Foto nº 3>  Israel > Jerusalém > 2017 > Museu do Holocausto / Yad Va Shem 

  
Foto nº 4 >  Lisboa > Salão Nobre do Palácio da Independência, Largo de S. Domingos, 11 > 31 de outubro de 2017, às 18h30 > Sessão de lançamento do livro "Aristides de Sousa Mendes: memórias de um neto" (da autoria de António Moncada S. Mendes; Lisboa, Editora Desassossego, 2017, 352 pp. )  > Apresentação a cargo da historiadora Irene Pimentel.



Foto nº 5 > Lisboa > Salão Nobre do Palácio da Independência, Largo de S. Domingos, 11 > dia 31 de outubro de 2017, às 18h30 > Sessão de lançamento do livro "Aristides de Sousa Mendes: memórias de um neto" > O Carlos Silva e o autor

 

Foto nº 6 > Dedicatória, a Carlos Silva, do autor do livro, António Moncada S. Mendes, neto de Aristides de Sousa Mendes (1885-1954)










Fotos de 7 a 13 > Capas de livros sobre Aristides deSousa Mendes, da biblioteca do Carlos Silva

Fotos (e legendas): © Carlos Silva (2024. Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


Carlos Silva,
Jerusalém, 2017

1. Mensagem do Carlos Silva, ex-Fur Mil Inf da CCAÇ 2548/BCAÇ 2879 (Jumbembem, 1969/71), advogado, natural de Gondomar, régulo da Tabanca dos Melros, com 145 referências no nosso blogue, para o qual entrou em 20/7/2007.


Data - sábado, 20/07/2024, 20:06
Assunto - Aristides Sousa Mendes


Meu Caro Luís


A propósito do Post 2755 e 25762 sobre o Cônsul Aristides Sousa Mendes e relativamente à inauguração como Museu da Casa do Passal situada em Cabanas de Viriato, onde pelo carnaval se faz a tradicional “Dança dos Cus”, c
oncelho  de Carregal do Sal, já lá estive 3 vezes, porque tenho dois amigos/camaradas que são daquela localidade, sendo um da minha CCaç 2548.

Fui levado em 2015 pelo camarada mais velho da CCav 1905 ( Companhia dos Bigodes ) que foi sediada em Teixeira Pinto e Bissorã, o qual me levou a visitar a povoação e o cemitério local para ver o jazigo onde jaz Aristides Sousa Mendes.

O dito camarada, Carlos Rodrigues, falou-me desta figura ímpar da nossa História que eu não conhecia, tendo eu ficado maravilhado com o que ele me ia contando sobre o seu conterrâneo, pois, embora pequeno ainda chegou a conhecê-lo e toda a azáfama que havia em torno daquele palacete.

Deste modo, envio-te umas fotos de 2015 e 2018 da Casa do Passal e do cemitério.

A partir daí fiquei muito interessado em conhecer verdadeiramente a História do nosso cônsul em Bordéus e os seus feitos, pelo que fui adquirindo alguns livros sobre a sua personalidade e dos quais junto fotos das capas dos mesmos, assim como do livro que adquiri no Palácio da Independência em Lisboa na altura da sua apresentação em novembro de 2017 e da autoria do seu neto António Moncada Sousa Mendes, que tem a sua dedicatória.

Em setembro de 2017 estive em Israel e claro fomos a Jerusalém onde tive a oportunidade de visitar o Museu do Holocausto/ Yad Va Shem e aí a Senhora que nos atendeu perguntou-nos de que nacionalidade éramos, tendo eu respondido que éramos portugueses e face a esta resposta foi de uma simpatia inexcedível, de mediato informou-me que figurava no Museu um “Justo” português de seu nome Aristides Sousa Mendes, pelo que fez várias cópias sobre o seu historial e ofereceu-me, bem como, explicou-nos onde se encontrava exposto, só que não se podia tirar fotos, mas como sempre o fruto proibido … eu consegui fazer duas fotos que junto e outras.

Podes, se assim entenderes fazer a respectiva publicação

Abraço
Carlos Silva
20-07-2024

Guiné 61/74 - P25767: Contos do ser e não ser: Adão Cruz, ex-Alf Mil Médico da CCAÇ 1547 / BCAÇ 1887 (27): "Um beijo no cinzeiro"

Adão Pinho Cruz
Ex-Alf Mil Médico da CCAÇ 1547
Autor do livro "Contos do Ser e Não Ser"


Um beijo no cinzeiro

É uma delícia para os olhos ver a paisagem de belas pernocas com que muitas jovens calcorreiam diariamente a cidade. Deu-lhes para usarem minissaias curtíssimas e calções sem pernas, vestir o sétimo véu de Salomé, espremer e desenhar as formas em jeans apertadíssimos ou libertar o corpo dentro de finíssimos vestidos que lhes moldam sensualmente as íntimas curvas… o que, a mim, muito me agrada.

A mulher, especialmente nestas idades da florescência, é uma obra-prima da Natureza, um ser muito bonito, de magnífico encanto. Pena é que, muitas vezes, dê cabo da sua atraente beleza camuflando-a com artifícios de maquilhagem, com ridículos arabescos e tatuagens, ou quando se empoleira naqueles horrorosos sapatos que lhe conferem metade da sua altura, ou ainda quando queima a beleza na ponta de um cigarro. Sim, sobretudo quando envolve a sua beleza na tosca fumarada de um cigarro. Ao contrário do que se possa pensar, o cigarro não é bonito, não é elegante, não é fino, não é bom, não arrasta consigo essa tal ideia de independência, antes pelo contrário, e reflete, de uma maneira geral, desprezo pela inteligência, ainda que uma mulher que fume possa ser muito inteligente. O cigarro agarrou-se à vida feminina como carraça em pele de cão.

A indústria do tabaco não anda a dormir. Tomada como um novo e promissor mercado, a mulher tornou-se um dos alvos da publicidade que sempre procurou conferir-lhe a ela, mulher, essa falsa e perversa sensação de emancipação e independência. O número de mulheres fumadoras aumenta vertiginosamente em todo o mundo, sobretudo nos países em desenvolvimento, colocando o tabaco no patamar de uma das maiores ameaças à saúde da mulher e da humanidade. Uma grande parte das graves enfermidades da mulher de hoje não existia antes de ela começar, massivamente, a fumar. O homem já começou a ter algum juízo. É altura de a mulher parar para pensar.

O cigarro é muito mau, porque para além dos males descritos, transforma o delicioso beijo de uma mulher num desagradável beijo no cinzeiro.

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Nota do editor

Último post da série de 14 de Julho de 2024 > Guiné 61/74 - P25743: Contos do ser e não ser: Adão Cruz, ex-Alf Mil Médico da CCAÇ 1547 / BCAÇ 1887 (26): "Metade com outros tantos"

Guiné 61/74 - P25766: S(C)em Comentários ( 43): "Agora é que conheci um sujeito que te vai tirar daí" (José Álvaro Almeida de Carvalho, "Livro de C", Lisboa, Chiado Books, 2015, pp. 174/175)

Excertos de: José Álvaro
Almeida de Carvalho,
"Livro de C", Lisboa
Chiado Books, 2019,
pp.  174/75

(...) Naquele dia deu-lhe para aquilo. Pensou na família e principalmente no pai, que tinha pago à mais variada casta de traficantes, amiguistas, supostos influentes do regime, etc. , para que ele não viesse a África.

Pedia-lhe frequentemente para acompanhar um ou outro, a falar aqui e ali, supostos de moverem influências nesse sentido mas o que queriam era apanhar-lhe dinheiro.

Nunca se sentira muito bem neste papel e duvidou sempre da capacidade desses indivíduos para realizar o que se propunham. Por outro lado, toda a sua geração estava a caminhar para África e não lhe parecia muito correto evitar fazê-lo.

Até que um dia no seguimento de mais uma dessas diligências disse:

- Ó pai, deixemo-nos disto. Já devia estar em África há muito tempo! - o que deixou toda a gente boquiaberta.

Mas o pai nunca desistiu. Já próximo do final da comissão recebera uma carta dele a dizer :

- Agora é que conheci um sujeito que te vai tirar daí.

Continuava nestas diligências não só por si mas também pressionado pela mãe.

Quando mais tarde regressou, o pai, embora não fosse crente foi a Fátima a pé, para cumprir uma promessa que fizera de assim fazer se o filho regressasse inteiro. (...)

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Nota do editor:

Último postre da série > 17 de julho de 2024  > Guiné 61/74 - P25752: S(C)em Comentários (42): "O Boavista pagou 250 contos para eu não ir para o ultramar", disse um antigo futebolista num programa radiofónico (TSF, 16/5/2018)

sábado, 20 de julho de 2024

Guiné 61/74 - P25765: (De) Caras (304): Não conheci pessoalmente o cap inf Manuel Aurélio Trindade, último cmdt da 4ª CCAÇ e primeiro cmdt da CCAÇ 6 (Rui Santos, ex-alf mil, 4ª CCAÇ e CIM Bolama, Bedanda e Bolama, 1963/65)




Rui Santos, ontem e hoje




Mealhada > Pedrulha > Restaurante "A Portagem" > 2º Encontro Nacional das Onças Negras de Bedanda, 1967/74) > Da esquerda para a direita, o ex-cap Trindade, o primeiro cmdt da CCAÇ 6 (e o último da 4ª CCAÇ) Lassano Djaló, Rui Santos e o Amará Camará.

Foto (e legenda): © António Teixeira (2012). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. Mensagem de Rui Santos, ex-alf mil, 4ª CCAÇ e CIM Bolama (Bedanda e Bolama, 1963/65) (integra a nossa Tabanca Grande desd2e 27/12/2009)


Data - quinta, 4/07/20024 17:32~

Assunto - Honras de Tabanca Grande para o nosso "bedandense" Aurélio Trindade

Amigo Luis

Venho só hoje "responder" .. á tua resposta ... Não o conheci pessoalmente, ao capn  Manuel Aurélio Trindade, sei que esteve em Bedanda, sai daí em junho de 1964 a caminho de Bolama (fui a Bissau buscar a minha mulher e seguimos direto para a antiga capital da Guiné).

Os comandantes de companhia que tive em Bedanda foram: cap Alcides Sacramento Marques,   o melhor militar que conheci .... Veio depois, e se não me engano, o amigo Renato .... e depois o João José Louro Rodrigues de Passos que trocou com o Câmara Tavares e foi para Bolama ... A perseguição continuou, feitios adversos ...

Adoro pensar que fui um militar cumpridor e tenho vergonha de saber de outros que não o foram. De vez em quando estou com uns "desejos" de voltar á Guiné e "sentir as balas zunindo ao meu redor, os rebentamentos dos morteiros do IN e dos meus, as basucadas que enviei bem como as que recebi para não falar das granadas de mão que (graças a Deus a maior parte ainda vinha integral com cavilha e tudo) para não falar do canhão sem recuo do IN... ~

Depois fui para Bolama onde do lado de lá do canal cerca de 1,5 Km de Bolama, eram atacados de vez em quando- Euanto estive com minha mulher e filha, foram atacados em grande força pelo menos duas vezes, e as balas por cima de nós passavam...

Ainda fui com os "meus" 110 recrutas, tomar conta do aquartelamento de Fulacunda, pois a Companhia  ali estacionada saiu numa operação, e ali estivemos uns dias ... felizmente calmos.

Há um episódio que relatei e comuniquei a diversas entidades ....Sem uma única perguunta  perla parte deles... como sempre andei por fora do aquartelamento mas ate cerca de 10 metros do arame farpado sebe exterior, sem armamento nenhum e vejo do lado de fora um "homem" todo nú a andar na minha direcção, ele também me viu ... estacou tal como eu ... chamei e ele, em passo rápido a andar como um homem ... pois era um grande ser com mais uns 15/20 ctms de altura que eu, muito bem constítuido. fui chamar os sargentos mas cheguei á conclusão que não pois estávamos em Zona de perigo.

E assim está o resumo de uma parte da minha "Guerra" na Guiné ...que adorei

Obrigado, Luis

2. Comentário do editor LG:

Rui, os Cmdt da tua velhinha 4ª CCAÇ, por ordem cronológica (1961-1967), segundo a Ficha de Unidade (a):

  • Cap Inf Manuel Dias Freixo
  • Cap Inf António Ferreira Rodrigues Areia
  • Cap Inf António Lopes Figueiredo
  • Cap Inf Renato Jorge Cardoso Matias Freire (o nosso Jorge (George) Freire, a viver nos EUA)
  • Cap Inf Nelson João dos Santos
  • Cap Mil Inf João Henriques de Almeida
  • Cap Inf Alcides José Sacramento Marques
  • Cap Inf João José Louro Rodrigues de Passos
  • Cap Inf António Feliciano Mota da Câmara Soares Tavares
  • Cap Inf Aurélio Manuel Trindade
(a) Os Cmdts Comp são apenas indicados a partir de 1jan61-
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Nota do editor:

Guiné 61/74 - P25764: Os nossos seres, saberes e lazeres (637): Itinerâncias avulsas… Mas saudades sem conto (162): Uma romagem de saudades pelo Pinhal Interior - 1 (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 9 de Maio de 2024:

Queridos amigos,
Não chegou a 20 anos, mas posso afirmar que conheço alguma coisa do chamado Pinha Interior, a área que melhor percorri abrangeu os concelhos de Figueiró dos VInhos, Pedrógão Grande, Oleiros e Sertã. Vindo de Lisboa, esta romagem de saudades, pois já não tenho idade para andar 2h30 de carro para cima e outro tanto para baixo fora os percursos à descoberta de curiosidades, era inevitável começar por Figueiró, um concelho aprazível, com belos recursos naturais e património edificado digno de visita. Por aqui começa a romagem, uma visita a uma exposição em que José Malhoa, que aqui viveu e morreu, pontifica. Esta foi a primeira etapa, prometo mais.

Um abraço do
Mário



Itinerâncias avulsas… Mas saudades sem conto (162):
Uma romagem de saudades pelo Pinhal Interior - 1


Mário Beja Santos

Aí pelo virar do século, num daqueles jornais que então se publicavam sobre as diferentes regiões, vi a notícia de que estava à venda um casebre para reconstrução numa aldeola do concelho de Pedrógão Grande. Aproveitando uns dias de férias nas aldeias serranas da Serra da Lousã, no regresso para lá me encaminhei, massa florestal densa, marcas da interioridade chocantes com casas derruídas, lugares espectrais, largo era o abandono. Prosseguindo por terra batida, lá se encontrou a casa abandonada, e pronto começou um amor à primeira vista. O lugar chama-se Casal dos Matos, freguesia da Graça, reconstruiu-se aos poucos aquela casa de agricultor, o proprietário era conhecido por Manuel Arrependido, tinha mulher e quatro filhas, estas e os respetivos maridos irão comparecer na Conservatória de Pedrógão Grande para fazermos a escritura. Aos poucos a casa tornou-se um brinquinho, sub-repticiamente fui adaptando os espaços, fiz uma biblioteca, comprei dez estantes no mercado de Figueiró dos Vinhos, atulhei-a com milhares de livros. Lancei depois um olhar para uma outra casa abandonada numa encosta íngreme sobre a barragem do Cabril, a cerca de 7-8 km de Casal dos Matos. Novo empreendimento, dois deslumbramentos, mas psicologicamente não era confortável cuidar da casa de Casal dos Matos, fechá-la pouco tempo depois abrir outra. Felizmente que apareceu um casal de professores de ginástica com a proposta de trocar uma fração num condomínio junto a Tomar, proposta irrecusável, houve disponibilidade para ficar mais tempo na barragem do Cabril e conhecer melhor toda aquela região de Sertã, de Oleiros, de Proença-a-Nova. Enfim, anos suficientes para deixarem boas memórias, agora que a idade convida a outras medidas de sensatez, assentei arraiais num lugarejo do concelho da Lourinhã, agora estou a cerca de uma hora de Lisboa, a atmosfera é outra, bem-parecida com a Foz do Arelho, onde passei férias em casa dos meus padrinhos.

Pois bem, delineei uns escassos dias de férias para romagem de saudades, contornei Tomar, entrei no que se chamava o IC3, parei em Cabaços para comer uma sopa de couve troncha, umas queixadas no forno, refastelado, avancei em direção a Valbom, um belo passeio na margem da barragem da Bouçã, Figueiró à vista, depois da Foz do Alge. Figueiró tem o encanto de parecer um jardim, a primeira etapa era mesmo ir visitar o Centro de Artes e a casa do pintor José Malhoa, chamada O Casulo. Era uma tarde um tanto chuviscosa, eu procurava indícios de recantos que sempre me fascinaram, azinhagas, quelhas, o campo quase em permanência dentro da vila.

A visita ao Centro das Artes era ponto assente, havia uma exposição de importantes naturalistas, sempre com o predomínio de obras de Malhoa, muitos empréstimos do Museu Nacional de Arte Contemporânea, da Casa-Museu Anastácio Gonçalves e de particulares, enfim, uma discreta homenagem a Malhoa que viveu tantos anos aqui em Figueiró. Um escultor da terra, Simões de Almeida, tio, conseguiu atrair jovens pintores que andavam ávidos por paisagens, queriam captar o sentimento na paisagem e os efeitos da luz na cor das casas, atraiu-me José Malhoa e Manuel Henrique Pinto, o aliciamento tinha a ver com os contrastes da paisagem e a boa luz. Estes jovens tinham o ávido por captar o “natural”, estavam convictos da verdade na arte, apreciavam imenso o trabalho de Silva Porto.

A exposição tem como envolvente os naturalismos, cenas de feira, vendedeiras, trabalhos em meio rústico, pormenores do património unificado, retratos, há muito Sol, há também cenas de motivação marítima, e em dado momento, frente a uma pintura de Malhoa, chamada Outono, questiono se aquela paisagem ao ar livre não anuncia de algum modo o impressionismo. Uma bela visita que recomendo a quem ali vive e arredores, a conservadora do Museu Nacional de Arte Contemporânea, Maria Aires Silveira, elaborou uns textos que melhor ajudam a compreender a reunião destas peças, fundamentalmente da primeira década do século XX, são um esplendor dos naturalismos, exatamente no tempo que começam a trabalhar os artistas da primeira geração do modernismo, que trazem uma profunda rotura estética.

E não adianto mais, aqui deixo um punhado de imagens tiradas do Centro de Artes, eu estava feliz da vida neste primeiro dia de romagem de saudades, pois esta Figueiró foi longamente visitada durante anos, quando ali estava era obrigatória a visita ao mercado aos sábados, e não havia visitante da minha casa que não viesse aqui ver a igreja matriz, o centro cultural recebia bons filmes aos fins de semana, percorriam-se as azinhagas e era indispensável ir até às Fragas de S. Simão, de onde se aprecia um deslumbrante panorama, a seu tempo, nesta romagem, haverá visita. Até breve!
Camões, escultura de Simões de Almeida, tio
José Malhoa, Inundação da Ribeira de Santarém
José Malhoa, Campanário de Figueiró de Vinhos
José Malhoa, À Beira-Mar
Ninfas do Mondego (Lusíadas, canto III), Simões de Almeida, sobrinho
Silva Porto, Paisagem
João Vaz, Barcos
José Malhoa, Retrato da minha mulher
José Malhoa, Clara
José Malhoa, Quelha de Figueiró
José Malhoa, Apoteose da Lagosta
José Malhoa, Outono

(continua)

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Nota do editor

Último post da série de 13 DE JULHO DE 2024 > Guiné 61/74 - P25741: Os nossos seres, saberes e lazeres (636): Itinerâncias avulsas… Mas saudades sem conto (161): As cores da primavera e cumprimentos a Velásquez na Gulbenkian (Mário Beja Santos)

Guiné 61/74 - P25763: (De) Caras (303): O ex-alf mil art, José Álvaro Carvalho, o "Carvalhinho", novo membro da Tabanca Grande, em Catió, em 1964, com um grupo de oficiais na receção à delegação do Movimento Nacional Feminino (João Sacôto, ex-alf mil, CCAÇ 617/BAÇ 619, 1964/66, cmdt ref TAP)

 




Guiné > Região de Tombali > Catió > 1964 > BCAÇ 619 (1964/66) > Um grupo de oficiais fotografados com a delegação do MFN (Movimento Naconal Feminino), de visita à região de Tombali (Bedanda Cufar, Catió)

Foto (e legenda): © João Sacôto (2024). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. Mensagem do João Sacôto, ex-alf mil, CCÇ 617 / BCÇ 619 (Catió, 1964/66; cmdt da TAP reformado), com data de 14/7/2024, e posteriormente, 19/7/2024:



Caro Luís, boa tarde. Eu e o artilheiro José Álvaro Carvalho (ex-alf mil, Pel Art / BAC, 8.8 cm, Bissau, Olossato e Catió, 1963/65), o 'Carvalhinho', vivemos de 64 a 65 em Catió. Ele era um ótimo fadista e fazia lembrar o velho fadista 'Marceneiro'. Falei agora com outro alferes da minha CCAÇ 617 em Catió, o Gonçalves, que também se lembra e com saudade das horas passadas a ouvir o inesquecível 'Carvalhinho'. 

Um forte braço para todos, em particular para o C.

PS1 - Envio duas fotografias tiradas em Catió em 1964 ou 1965: (i) O José Carvalho é o 5º a contar da esquerda, eu sou o 2º. (ii) O José Carvalho é o 1º, do lado esquerdo; eu sou o 4º, contar da direita... Em momento de descontração na messe de oficiais em Catió.(*)

PS2 - Outra fotografia com o José Alvaro Carvalho em Catió 1964 na receção ao Movimento Nacional Feminino; o "Carvalhinho" é o primeiro a contar da esquerda.

2. Comentáro do editor LG:

Obrigado, João. Dizes que a última foto que mandaste é de 1964,  por ocasião de uma  visita do MNF a Catió.  Em princípio, seria uma delegação local do MNF, senhoras de Bissau. A Cecília Supico Pinto e a Renata Cunha e Costa, seu braço direito, foi só em fevereiro de 1996 é que vieram, pela primeira vez,  à Guiné. A "Cilinha" voltaria ao CTIG em 1969, 1973 e 1974 (**)

Todavia, em Bissau, em 1964,  já devia haver uma representação do MNF,  incluindo possivelmente  as esposas de alguns militares de alta patente.

A tua foto, infelizmente, tem fraca resolução.  Se for do 1º trimestre de 1964,   é de estranhar  esta visita, em plena "batalha do Como" (Op Tridente,  jan - mar 1964). Mas tu poderás esclarecer, melhor do que ninguém.

Mais importante para já é termos esta foto de grupo contigo,  o "Carvalhinho"  e outros camaradas que não conseguimos identificar.(***)
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Notas do editor:


(**) Vd. poste de:




(***) Último poste da sére > 18 de julho de 2024 > Guiné 61/74 - P25756: De(Caras) (302): João Crisóstomo e António Rodrigues, dois antigos mordomos portugueses em Nova Iorque, que vêm, em 2004, a Cabanas de Viriato, dar início à história da recuperação da Casa do Passal, hoje museu Aristides de Sousa Mendes