Para conhecimento de todos os frequentadores da nossa Página, damos notícia de convívios em 2007 das Unidades que estiveram no TO da Guiné.
3.ª COMP/BART 6523
Guiné 1973/1974
Dia 8 de Setembro realiza-se o Convívio.
Contacto: Alves 938 011 596
CCAV 2748
Guiné (Canquelifa) 1970/1972
Dia 30 de Setembro realiza-se o Convívio em Almeirim.
Contacto: Palma 919 457 954
CART 3330
Guiné 1970/1972
Dia 6 de Outubro realiza-se o Convívio em Évora.
Contacto: Luís Amaral 917 715 237
_____________________________________
Notas do co-editore CV:
O Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné, agradece a preciosa colaboração do nosso companheiro Jorge Santos , que nos forneceu os elementos indispensáveis para a elaboração deste Post com notícias de convívios de Unidades que estiveram no TO da Guiné.
Vd. Post de 14 de Agosto> Guiné 63/74 - P2056: Convívios (24): Notícias de convívios de Unidades que estiveram no TO da Guiné (Jorge Santos)
Blogue coletivo, criado por Luís Graça. Objetivo: ajudar os antigos combatentes a reconstituir o "puzzle" da memória da guerra colonial/guerra do ultramar (e da Guiné, em particular). Iniciado em 2004, é a maior rede social na Net, em português, centrada na experiência pessoal de uma guerra. Como camaradas que são, tratam-se por tu, e gostam de dizer: "O Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca... é Grande". Coeditores: C. Vinhal, E. Magalhães Ribeiro, V. Briote, J. Araújo.
sábado, 1 de setembro de 2007
Guiné 63/74 - P2076: Convívios (26): 3.ª COMP/BCAÇ 4612 (Guiné 1972/74), Benavente, 13 de Outubro de 2007 (Jorge Canhão)
Jorge Canhão, Fur Mil Inf, 3.ª Comp/BCAÇ 4612/72 (Guiné 1972/74)
O camarada Jorge Canhão em mail enviado ao nosso Blogue deu notícia do próximo encontro da sua Companhia
18º Almoço/Convívio da 3.ª COMP/BCAÇ 4612/72 em 13 de Outubro de 2007
Restaurante Zambujeiro – Foros de Almada – Stº Estêvão (Benavente)
Ementa:
Entradas diversas
Caldo verde
Bacalhau assado
Cabrito assado
Leitão
Fruta da época e
Doces variados
Para acompanhar:
Vinho da casa/região (o vinho em garrafa fica a cargo de quem o encomendar)
Sumos, refrigerantes e águas
Café e digestivo (aguardente ou whisky novo).
Ao fim da tarde:
Bolo da Companhia e Espumante.
O preço, por pessoa, será de 20 Euros, acrescido de 1 Euro por ex-combatente para custear despesas de organização.
À semelhança dos anos anteriores, os preços a cobrar a menores de 12 anos serão diferenciados.
IMPORTANTE: é absolutamente necessário, atendendo ao espaço do Restaurante, que a marcação seja feita para que as coisas corram da melhor forma, até ao dia 8 de Outubro, sem falta.
Aos que aparecerem sem se terem inscrito previamente… poderá ser cobrada uma multa de 5 Euros, para evitar as confusões de convívios anteriores.
Contactos para inscrição:
Jorge Canhão: 214 579 540 - 91 27 48 556
jorge.aferreira@netcabo.pt
Manuel José Butes: 934 792 615
Alberto Melo: 214 445 827 - 96 96 90 551
alberto.r.melo@netcabo.pt
Restaurante Zambujeiro: 263 949 758 - 968 053 350
Guiné 63/74 - P2075: História da CART 2340 (Ferreira Neto) (2): Actividade inimiga
Ferreira Neto, ex-Cap Mil, CART 2340 (Canjambari, Jumbembem e Nhacra, 1968/69)
Actividade inimiga
Fevereiro – 1968
Dia 11 – Às 09h50, um grupo IN, estimado em 15 elementos, emboscou com M60, LGF e armas automáticas, um grupo de combate da CART, no itinerário Jumbembem - Farim, durante 10 minutos, causando 6 feridos ligeiros.
O IN retirou para sul, devido à reacção das NT, com baixas prováveis.
Dia 14 – Às 12h40, um grupo IN não estimado, flagelou com M82, M60, LGF, PM e armas automáticas, o destacamento de Jumbembem, durante 15 minutos, sem consequências.
Durante a operação Amigo Bom, elementos IN a Oeste da Bolanha de Sinchã Mansaroto, pressentindo as forças da CART a Leste da mesma bolanha, por motivo do PCV as sobrevoar, fez fogo de reconhecimento, não tendo as NT respondido.
Dia 15 – Durante a operação Amigo Bom, o IN pressentido a aproximação dos 2 grupos de combate da CART, que tomavam parte na operação, abandonou o seu acampamento de Sinchã Mansaroto, e emboscou as NT com LGF, MP, ML e armas automáticas, quando as forças da CART, se encontravam dentro do acampamento destruindo as casas de mato, meios de sobrevivência, munições e armamento.
Desta acção, resultou para as NT, 1 morto, 4 feridos (2 soldados nativos e 2 carregadores). O IN continuou a bater com fogo intenso o seu acampamento, pelo que as NT, retiraram desarticuladas, abandonando o morto e os feridos. O IN só se reduziu ao silêncio perante a acção do APAR.
Março – 1968
Dia 26 - Às 22h20, no deslocamento para a Operação Onça Parda, foi accionada uma mina A/C, pela última viatura, no itinerário Jumbembem Cuntima, tendo causado 1 morto (condutor), e 12 feridos ( 3 graves) à CART.
Unimog da CART 2340 destruído por mina A/C
Abril – 1968
Dia 7 -1 grupo de combate, picou e patrulhou a estrada Canjambari-Jumbembem, tendo detectado e levantado cerca das 14h30, uma mina A/C TMD - URSS e cerca das 17h00, a 500 metros da primeira, outra mina idêntica.
Acção de picagem na estrada de Jumbembem
Facto importante:
Visita do General Spínola.
De surpresa como de costume, apareceu e disse-me: - Vamos lá ver o seu mapa. E lá estivemos, tendo que lhe relatar toda a actividade das NT e IN.
Segundo fontes o capitão Almeida Bruno, teria desabafado:
- Nunca sabemos onde ele vai, só quando o helicóptero está no ar é que ele diz.
Antes da referida notícia, tinha recebido via rádio uma mensagem do Comando do Batalhão fazendo uma pergunta meio velada. Só depois da referida visita, deduzi que a mensagem recebida se destinava a saber se alguém importante tinha visitado a Companhia.
Era norma do Governador visitar as sedes das companhias e só depois ir à sede do batalhão. Este procedimento custou as carreiras a muitos oficiais superiores.
O seu optimismo não coincidia com a realidade.
Julho – 1968
A CART detectou e levantou uma mina A/C TMD-URSS, no itinerário Jumbembem-Farim, perto da ponte sobre o Rio Lamel.
Agosto – 1968
Dia 15 - Durante a operação Caldo (reabastecimento), 1 grupo de combate detectou uma mina A/C TMD-URSS, no itinerário Jumbembem-Farim, perto do rio Lamel.
Janeiro – 1969
Dia 14 - Às 23h 15, grupo IN não estimado, atacou o aquartelamento de Canjambari, durante 45 minutos, com canhões s/recuo, morteiros 82, morteiros 60, metralhadoras pesadas, metralhadoras ligeiras, lança granadas, foguetes e armas automáticas, tendo causado às NT, 1 ferido grave, 3 feridos ligeiros e danos materiais.
O IN retirou com baixas prováveis sendo-lhe capturado o seguinte material:
11 Granadas M82
4 Granadas LGF P27
1 Granada LGF 8,9
1 Granada LGF RPG2
1 Carabina Simonov
1 Mina A/P PMD6
4 Granadas de mão defensivas Fl
2 Carregadores PM M25
2 Carregadores PM SUDAYEV
1 Rolado de NP GORYONOV
Material capturado ao IN pela CART 2340
Fotos: © Ferreira Neto (2007). Direitos reservados.
Comentário:
Cerca de 11 meses de paz podre no que se refere a acções IN, ao nosso aquartelamento, tivemos este primeiro feio e forte. Iniciou-se ao início da noite e prolongou-se até madrugada.
O único soldado ferido gravemente com consequente evacuação para a Metrópole, teve o tendão de Aquiles cortado por um estilhaço, quando se levantava da cama. Fim de comissão. Era o soldado mais baixo em estatura da CART.
Cenas:
Um soldado nativo quase a chorar dirigiu-se ao alferes, porque o seu morteiro 61, se tinha enterrado no solo, devido a não ter utilizado a base do mesmo. A arma encontra-se de tal forma enterrada, com cerca de 3 cm visível. Não há dúvida que se ela estivesse bem apontada o estaria sempre.
No abrigo em que eu me encontrava, aconteceu que uma granada de canhão sem recuo entrou pela seteira e bateu no cibe que a enquadrava, os estilhaços varreram toda a largura do abrigo, furando um cantil e produziram vários furos nos bidões de protecção da entrada.
Instantes antes o alferes Silva e o furriel de transmissões tinham-se abaixado para carregarem as G3. O alferes passou por mim e só dizia repetidas vezes: - Onde é a saída? Lá o conduzi pela mão, nem sei porquê.
Os tímpanos dos intervenientes estiveram inoperacionais por uns dias.
Cinco granadas de 82, caíram junto aos barris de gasolina sem estourarem. Sorte a nossa.
Um dos soldados em plena parada fazia uso do seu morteiro, quando ele aqueceu e se tornou insuportável para ser seguro, o soldado despiu os seus calções, única peça do seu vestuário e com eles a servir de protecção continuou a disparar.
A iluminação do aquartelamento ficou reduzida a um quarto. No dia seguinte nunca pensei que os fios eléctricos estivessem cortados em dezenas de lugares.
Fevereiro – 1969
Dia 26 - Às 09h30 o IN reagiu a uma emboscada montada por forças da CART, em Dando Mandinga, sem consequências para as NT, o IN sofreu 1 morto e outras baixas prováveis e a apreensão de documentos e uma carabina Simonov.
Enquanto as NT batiam a área o IN emboscou por duas vezes sem consequências e foi posto em fuga perante a reacção das NT.
Quando as NT regressavam ao quartel foram emboscadas nas imediações mesmo com M60, LGF, ML e armas automáticas, causando 5 feridos graves e 2 ligeiros.
Comentários:
Um mau e detestável hábito, consistia em cortar as orelhas aos elementos IN abatidos e exibi-las, tal como no Oeste americano os índios escalpavam os brancos colonizadores.
Um cabo atirador assim procedeu, e como castigo divino ou de quem superintende estas coisas (Deus), na emboscada sofrida pelas nossas tropas, viu o seu dedo polegar e indicador serem ceifados por uma bala inimiga.
Nesta mesma emboscada um dos nossos soldados recebeu o impacto de um estilhaço no seu carregador, outra intervenção divina que o poupou. São coisas…
Acontecia que numa altura em que com êxito tínhamos conseguido algo em relação ao IN, tínhamos em contrapartida sofrido duas emboscadas.
Tínhamos a moral muito em baixo.
À hora da refeição da noite (para mim ceia, para outros jantar), juntamente com os alferes e a fim de moralizar as tropas, decidi deslocar-me a Jumbembem, para saber da nossa situação de Companhia diminuída, perante o COP 3, comandado pelo major Correia de Campos.
Propus aos alferes em regime de voluntariado, deslocar-me à referida localidade nessa noite e sem picar o caminho. Todos foram voluntários. Evidentemente que um dos oficiais teria que ficar em Canjambari, pelo que nomeei o que tinha de ficar. Insisti que o regime tinha de ser de voluntariado e que tal procedimento se tinha de aplicar aos furriéis e soldados.
Eu tinha consciência, de que se algo de mau acontecesse eu seria o culpado. Porquanto a ordem não vinha de cima.
Antes do embarque nas viaturas, surpreendi um dos furriéis, considerado o melhor operacional da Companhia, a incentivar os soldados a não se oferecerem.
Tal furriel de nome Pável Valente, já estava de saída da Companhia devido a punição do CTG, pelo que acrescentei: - Se não se cala sou eu que lhe acrescento outra porrada.
Outra cena:
Quando entrava na viatura Mercedes, ouvi lamúrias, era outro furriel que se queixava nos seguintes termos: - E logo hoje que faz um ano que uma das nossas viaturas foi pelos ares com uma mina, é que o nosso capitão se propôs a isto. Ele não se apercebeu da minha presença (era noite), pelo que eu disse: Furriel (não cito o nome), isto é só para voluntários pelo que está dispensado.
Outra atitude do meu furriel açoriano Leonardo (valente rapaz): - Meu capitão, um soldado meu não quer ir mas em rebento-lhe as trombas, todos os meus são voluntários.
A viatura que me transportava, uma das Mercedes antigas tinha o hábito de enviar uns rateres (estampidos do motor provocados por deficiências de ignição/ combustão) de vez em quando.
Antes de iniciarmos o percurso, disse ao radiotelegrafista para avisar Jumbembem da nossa ida.
Assim iniciamos o percurso, eu, vestido de camisa e calções, todo fresco.
Quase a chegar ao nosso destino, fomos atacados, atirei-me da viatura para o chão sentindo um soldado a aterrar por cima, e logo me dei conta que algo estava errado. Mandei suspender o fogo, e verifiquei que não me enganava, era a companhia periquita de Jumbembem que atirava sobre nós.
Desfeito o engano eu com um sorriso amarelo, perguntei se era forma de receber os amigos.
Pensavam que eram turras. E eu perguntei apenas, se os turras atacavam de viaturas com os faróis acesos. Outra coisa que os fez proceder assim foi que a minha viatura, a tal Mercedes, aquando na proximidade da ponte sobre o rio Jumbembem, decidiu emitir um rater que se assemelhava à saída de um morteiro.
Fui recebido pelo major Correia de Campos, visivelmente satisfeito com a nossa valentia, que me informou ter enviado para o CTG, a situação da minha Companhia que considerava inoperacional, e pedir a sua substituição. (Que só se verificaria em Junho).
Toda esta confusão foi originada por as transmissões terem falhado, como já era apanágio.
Em todas as operações eu tinha o cuidado de as experimentar antes, e quase sempre em pleno campo de batalha elas falharem, como já foi relatado na Operação Amigo Bom
Esta acção teve um aspecto positivo nas nossas relações com o COP 3.
Abril – 1969
Dia 9 - Elementos IN em número não estimado, reagiram a forças da CART e Pelotões Nativos 53 e 65, emboscados na região de Dando Mandinga, sem consequências.
As NT prenderam um elemento IN com documentos.
Ferreira Neto
ex-Cap Mil CART 2340
____________________
Nota do co-editor CV
Vd. o primeiro post da série de 30 de Agosto de 2007> Guiné 63/74 - P2072: História da CART 2340 (Ferreira Neto) (1): Mobilização, Deslocamento para o CTIG e Alteração ao Dispositivo
sexta-feira, 31 de agosto de 2007
Guiné 63/74 - P2074: Cusa di nos terra (6): Susana, Chão Felupe - Parte II: Religião (Luiz Fonseca, ex-Fur Mil TRMS)
1. Mensagem do dia 26 de Agosto, do nosso camarada Luiz Fonseca, ex-Fur Mil Trms (CCAV 3366/BCAV 3846, Susana e Varela, 1971/73):
Caríssimos Editores:
Depois de alguns dias de pausa, para recarregar baterias, para as bandas de Viana do Castelo, aproveitando as festas da Senhora da Agonia, retomo as minhas notas de viagem pelo noroeste da Guiné.
Reconheço ser um defeito meu perder-me na escrita e, quando acordo, já ela vai longa e fastidiosa.
Vou tentar ser o mais conciso possível, solicitando no entanto à edição que, se achar necessário, proceda aos respectivos arranjos.
Li com redobrada atenção a mensagem do Marques Lopes e a seu tempo creio poder dar algumas dicas sobre o assunto em questão (petróleo).
Por hoje não acrescento mais nada.
Kassumai
Luiz Fonseca
ex-Fur Mil Tms
CCAV 3366
Chão Felupe Parte II - Falemos de religião (1)
Os Felupes são (eram) na sua enorme maioria animistas, tal como outras etnias não convertidas (nem ao islamismo nem ao cristianismo), devendo referir-se que a população felupe representa apenas cerca de 2% do total da população da Guiné Bissau.
Animismo, segundo os livros, designa práticas mágico-religiosas essencialmente domésticas, em que cada família venera e/ou é protegida pelos seus antepassados, acreditando também que todos os elementos da natureza possuem um espírito. Espíritos esses que podem inspirar medos, podem possuir poderes (para o bem e para o mal), podem exigir adoração com sacrifícios rituais.
Os Felupes acreditam na existência de um Ser criador ( Emitai) que mora algures no céu, distante da vida diária das pessoas e dos seus problemas.
Em tempos de crise ou qualquer desastre natural, por exemplo, a seca, os Felupes dizem que a sua origem está no Emitai e por isso essas situações são aceites sem reservas pela população.
Embora não tenha assistido e creio que muito dificilmente qualquer um, que não Felupe, o tenha feito, foi-me feita referência à prática de feitiçaria negra, advinhação, consulta de antepassados e, essa verificada, curandeirismo.
Fomos, por exemplo, avisados para que, nas nossas andanças de tiros aos pássaros, ter o cuidado de não abater o anadaboró (penso ser essa a designação felupe), ave creio que da família das garças, desinteressante, de cor acinzentada, porque quem o matasse, libertava o espirito do mal e teria que morrer para que esse espírito recolhesse. Tanto quanto me recordo não houve diminuição da espécie em causa.
Se algo de mau acontece, tal facto é culpa dos feiticeiros, que deveriam ter usado os seus poderes e poções mágicas para evitar a revolta dos seres da natureza. Para apaziguar os bakinabu (espíritos) irados, usam sacrifícios de animais, ofertas de vinho de palma ou outras cerimónias, normalmente restritas.
Outras práticas são o uso de amuletos, talismãs, encantos, maldições.
Em quase todas as tabancas, moranças e matas se podem encontrar altares erguidos aos espíritos, que representam locais onde se pode pedir protecção, proibição, benção, busca de resolução, quebra de maldição ou mesmo feitiçaria negra contra alguém, conforme a causa e o pedido.
As mulheres, de enorme importância na organização social Felupe, têm os seus próprios espíritos e talismãs.
Acrescente-se, para terminar, que os que moram a norte do Casamance se dizem muçulmanos embora tenham práticas animistas.
Luiz Fonseca
__________________
Nota do co-editor CV
(1) Vd. post de 15 de Agosto de 2007 sobre os Felupes e seus costumes> Guiné 63/74 - P2052: Cusa di nos terra (5): Susana, Chão Felupe - Parte I (Luiz Fonseca)
Caríssimos Editores:
Depois de alguns dias de pausa, para recarregar baterias, para as bandas de Viana do Castelo, aproveitando as festas da Senhora da Agonia, retomo as minhas notas de viagem pelo noroeste da Guiné.
Reconheço ser um defeito meu perder-me na escrita e, quando acordo, já ela vai longa e fastidiosa.
Vou tentar ser o mais conciso possível, solicitando no entanto à edição que, se achar necessário, proceda aos respectivos arranjos.
Li com redobrada atenção a mensagem do Marques Lopes e a seu tempo creio poder dar algumas dicas sobre o assunto em questão (petróleo).
Por hoje não acrescento mais nada.
Kassumai
Luiz Fonseca
ex-Fur Mil Tms
CCAV 3366
Guiné > Região do Cacheu > Susana > Vista aérea do Aquartelamento
Foto: © Major J.Mateus (BCAV 3846) (2007). Direitos reservadosChão Felupe Parte II - Falemos de religião (1)
Os Felupes são (eram) na sua enorme maioria animistas, tal como outras etnias não convertidas (nem ao islamismo nem ao cristianismo), devendo referir-se que a população felupe representa apenas cerca de 2% do total da população da Guiné Bissau.
Animismo, segundo os livros, designa práticas mágico-religiosas essencialmente domésticas, em que cada família venera e/ou é protegida pelos seus antepassados, acreditando também que todos os elementos da natureza possuem um espírito. Espíritos esses que podem inspirar medos, podem possuir poderes (para o bem e para o mal), podem exigir adoração com sacrifícios rituais.
Os Felupes acreditam na existência de um Ser criador ( Emitai) que mora algures no céu, distante da vida diária das pessoas e dos seus problemas.
Em tempos de crise ou qualquer desastre natural, por exemplo, a seca, os Felupes dizem que a sua origem está no Emitai e por isso essas situações são aceites sem reservas pela população.
Embora não tenha assistido e creio que muito dificilmente qualquer um, que não Felupe, o tenha feito, foi-me feita referência à prática de feitiçaria negra, advinhação, consulta de antepassados e, essa verificada, curandeirismo.
Fomos, por exemplo, avisados para que, nas nossas andanças de tiros aos pássaros, ter o cuidado de não abater o anadaboró (penso ser essa a designação felupe), ave creio que da família das garças, desinteressante, de cor acinzentada, porque quem o matasse, libertava o espirito do mal e teria que morrer para que esse espírito recolhesse. Tanto quanto me recordo não houve diminuição da espécie em causa.
Se algo de mau acontece, tal facto é culpa dos feiticeiros, que deveriam ter usado os seus poderes e poções mágicas para evitar a revolta dos seres da natureza. Para apaziguar os bakinabu (espíritos) irados, usam sacrifícios de animais, ofertas de vinho de palma ou outras cerimónias, normalmente restritas.
Outras práticas são o uso de amuletos, talismãs, encantos, maldições.
Em quase todas as tabancas, moranças e matas se podem encontrar altares erguidos aos espíritos, que representam locais onde se pode pedir protecção, proibição, benção, busca de resolução, quebra de maldição ou mesmo feitiçaria negra contra alguém, conforme a causa e o pedido.
As mulheres, de enorme importância na organização social Felupe, têm os seus próprios espíritos e talismãs.
Acrescente-se, para terminar, que os que moram a norte do Casamance se dizem muçulmanos embora tenham práticas animistas.
Luiz Fonseca
__________________
Nota do co-editor CV
(1) Vd. post de 15 de Agosto de 2007 sobre os Felupes e seus costumes> Guiné 63/74 - P2052: Cusa di nos terra (5): Susana, Chão Felupe - Parte I (Luiz Fonseca)
quinta-feira, 30 de agosto de 2007
Guiné 63/74 - P2073: Estórias de Dulombi (Rui Felício, CCAÇ 2405) (8): O Fula, a galinha e o vestido
Mais um estória do Rui Felício, um dos baixinhos de Dulombi (1):
1. Há imensos testemunhos da simpatia e amizade que o povo da Guiné-Bissau nutre pelos ex-combatentes portugueses.
Vários nos nossos camaradas tertulianos, que foram ou vão regularmente a este país irmão, (a empatia entre povos é que torna os países irmãos e não os tratados oficiais entre governos) trazem notícias comovedoras de guineenses que, apesar dos anos já volvidos, ainda os reconhecem e recebem como amigos.
Fazem-lhes pequenas ofertas, de algo que retiram ao pouco que têm, como prova da sua alegria por nos verem voltar ao seu país, hoje soberano e livre de guerras.
Mais importante do que termos feito a guerra contra o PAIGC, foi cuidar das populações, auxiliando-as nas suas necessidades, apesar das nossas próprias limitações, independente de estarem ou não do nosso lado. Hoje temos a recompensa.
É um orgulho para qualquer ex-combatente, que por imposição esteve envolvido naquela guerra, ser visto hoje como um amigo e poder voltar à Guiné-Bissau sem temer represálias.
É de salientar que até os nossos inimigos de ontem, então combatentes do PAIGC, se encontram entre os amigos com quem podemos contar hoje.
Contam-se mutuamente histórias de guerra, passadas em lados contrários das espingardas que então empunhávamos.
Segue-se a estória que o nosso camarada Rui Felício nos enviou, ocorrida numa das suas idas à Guiné-Bissau, depois da guerra, mais uma prova entre muitas, do que atrás foi dito.
CV
2. Mensagem de Rui Felício, ex-Alf Mil Inf, (CCAÇ 2405, Guiné 1968/70) para Luís Graça em 29 de Agosto
Meu Caro Luis Graça,
Retomando uma longa ausência, lembrei-me de te enviar mais uma historieta da Guiné, aproveitando para desejar que te encontres bem.
Um abraço
PS: A ausência não significa que não tenha vindo ao blog com regularidade, para ler o que vai sendo publicado. Está cada vez mais participado e conhecido. Parabéns!
Rui Felício
Lisboa, 29 de Agosto de 2007
Agora que me apresto para viajar de novo à Guiné, desta vez em trabalho, lembrei-me de uma pitoresca estória que ali se passou comigo há alguns anos atrás, já depois da independência daquele território onde os portugueses, apesar de tudo, deixaram marcas indeléveis.
Aqui vai ela:
O Fula, a galinha e o vestido
Galomaro, Maio de 1981
Passados 11 anos após o regresso da CCAÇ 2405, retornei à Guiné, em 1981, naturalmente já civil, e passei alguns dias em Galomaro onde esteve sediada a Companhia antes da sua deslocação final para o Dulombi.
Percorri, de jeep ou de bicicleta, toda aquela região que tão bem conheci por força dos patrulhamentos militares efectuados entre 1968 e 1970.
Visitei as tabancas de Pate Gibel, Dulo Gengele, Samba Cumbera, Sinchá Lomi, em que estive destacado com o meu pelotão, e também as de Campata, Cansamba e Mondajane onde estiveram o Paulo Raposo, o Jorge Rijo e o Vitor David, igualmente destacados com os respectivos grupos de combate que comandavam.
Em todas, em especial aquelas onde tinha estado destacado, se recordavam de mim e me receberam com manifestações de regozijo, coisa que me surpreendeu porque, após o nosso regresso no fim da comissão, muitos outros militares por ali passaram.
Como era possivel que aquela gente ainda retivesse na memória o meu nome e os dos meus camaradas, e recordasse situações comezinhas que naquele tempo tinham ocorrido, demonstrando que as manifestações de alegria não eram de mera circunstância?
Certo dia, ao acordar manhã cedo em Galomaro, depois de uma noite de forte trovoada e intensas chuvadas tropicais, vieram-me dizer que estava à minha espera o chefe de tabanca de Samba Cumbera que fica a alguns quilómetros de Galomaro.
Fui ao encontro do velho homem, esguio e de rosto anguloso, de seu nome Samba, que sorridente me cumprimentou, tentando no seu incipiente crioulo que mal dominava, traduzir por palavras, a sua alegria em me reencontrar.
Correspondi aos seus cumprimentos e mantivémo-nos abraçados durante largos momentos.
Fiquei comovido quando, a um seu sinal, uma criança que o acompanhava me ofereceu uma galinha viva que trouxera como presente para o antigo alfero que estivera hospedado com a sua tropa na tabanca de que ele era chefe.
Mal me ficaria não retribuir a gentileza...
E por isso, de imediato, pedi a um alfaiate, que com a sua máquina de costura se encontrava no alpendre da tabanca perto da qual esta cena se desenrolava, que costurasse um vestido para o fula que tão atenciosamente me tinha vindo visitar.
O Samba agradeceu repetidamente a prenda que lhe ofereci e, mais tarde, regressou a Samba Cumbera, com o vestido que, em três tempos, o alfaiate lhe confeccionou.
O que iria agora eu fazer com a galinha viva?
Pedi à D. Maria, viúva do comerciante Regala, homem excepcional entretanto falecido e que tão boas relações tinha mantido com a tropa da CCAÇ 2405, que guardasse a galinha para mais tarde ou no dia seguinte a mandar matar e assar à cafreal.
Fiquei espantado quando a D. Maria, ao fim do dia, me veio mostrar a galinha.
O animal cambaleava, contorcia a cabeça e mal se aguentava de pé.
Não havia dúvidas que estava atacado por alguma doença, pelo que não era aconselhável comê-lo. Naturalmente, seguindo a sugestão da D. Maria, resolvemos matar a galinha e enterrá-la...
Ainda hoje não sei ao certo se o velho e astuto Samba conhecia o estado da galinha quando decidiu dar-ma de presente, mas mais importante que isso foi ter recebido a simpatia que me manifestou por saber da minha presença em Galomaro, palmilhando a pé vários quilómetros para me ver e saudar.
Só por isso, valeu a pena a despesa feita com o vestido que lhe ofereci...
Rui Felício
Ex-Alf Mil Inf
CCAÇ 2405
____________
Nota de C.V.:
(1) Vd posts anteriores desta série
8 de Dezembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1352: Estórias de Dulombi (Rui Felício, CCAÇ 2405) (7): Perigos vários, a divisa dos Baixinhos de Dulombi
27 de Outubro de 2006 > Guiné 63/74 - P1217: Estórias de Dulombi (Rui Felício, CCAÇ 2405) (6): Sinchã Lomá, o Spínola e o alferes que não era parvo de todo
18 de Setembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1085: Estórias de Dulombi (Rui Felício, CCAÇ 2405) (5): O improvisado fato de banho do Alferes Parrot na piscina do QG
5 de Setembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1046: Estórias de Dulombi (Rui Felício, CCAÇ 2405) (4): a portuguesíssima arte do desenrascanço
19 de Março de 2006 > Guiné 63/74 - DCXL: Estórias de Dulombi (Rui Felício, CCAÇ 2405) (3): O dia em que o homem foi à lua
14 de Março de 2006 > Guiné 63/74 - DCXXVII: Estórias de Dulombi (Rui Felício, CCAÇ 2405) (2): O voo incandescente do Jagudi sobre Madina Xaquili
9 de Março de 2006 > Guiné 63/74 - DCXIX: Estórias de Dulombi (Rui Felício, CCAÇ 2405) (1): O nosso vagomestre Cabral
1. Há imensos testemunhos da simpatia e amizade que o povo da Guiné-Bissau nutre pelos ex-combatentes portugueses.
Vários nos nossos camaradas tertulianos, que foram ou vão regularmente a este país irmão, (a empatia entre povos é que torna os países irmãos e não os tratados oficiais entre governos) trazem notícias comovedoras de guineenses que, apesar dos anos já volvidos, ainda os reconhecem e recebem como amigos.
Fazem-lhes pequenas ofertas, de algo que retiram ao pouco que têm, como prova da sua alegria por nos verem voltar ao seu país, hoje soberano e livre de guerras.
Mais importante do que termos feito a guerra contra o PAIGC, foi cuidar das populações, auxiliando-as nas suas necessidades, apesar das nossas próprias limitações, independente de estarem ou não do nosso lado. Hoje temos a recompensa.
É um orgulho para qualquer ex-combatente, que por imposição esteve envolvido naquela guerra, ser visto hoje como um amigo e poder voltar à Guiné-Bissau sem temer represálias.
É de salientar que até os nossos inimigos de ontem, então combatentes do PAIGC, se encontram entre os amigos com quem podemos contar hoje.
Contam-se mutuamente histórias de guerra, passadas em lados contrários das espingardas que então empunhávamos.
Segue-se a estória que o nosso camarada Rui Felício nos enviou, ocorrida numa das suas idas à Guiné-Bissau, depois da guerra, mais uma prova entre muitas, do que atrás foi dito.
CV
2. Mensagem de Rui Felício, ex-Alf Mil Inf, (CCAÇ 2405, Guiné 1968/70) para Luís Graça em 29 de Agosto
Meu Caro Luis Graça,
Retomando uma longa ausência, lembrei-me de te enviar mais uma historieta da Guiné, aproveitando para desejar que te encontres bem.
Um abraço
PS: A ausência não significa que não tenha vindo ao blog com regularidade, para ler o que vai sendo publicado. Está cada vez mais participado e conhecido. Parabéns!
Rui Felício
Lisboa, 29 de Agosto de 2007
Agora que me apresto para viajar de novo à Guiné, desta vez em trabalho, lembrei-me de uma pitoresca estória que ali se passou comigo há alguns anos atrás, já depois da independência daquele território onde os portugueses, apesar de tudo, deixaram marcas indeléveis.
Aqui vai ela:
O Fula, a galinha e o vestido
Galomaro, Maio de 1981
Passados 11 anos após o regresso da CCAÇ 2405, retornei à Guiné, em 1981, naturalmente já civil, e passei alguns dias em Galomaro onde esteve sediada a Companhia antes da sua deslocação final para o Dulombi.
Percorri, de jeep ou de bicicleta, toda aquela região que tão bem conheci por força dos patrulhamentos militares efectuados entre 1968 e 1970.
Visitei as tabancas de Pate Gibel, Dulo Gengele, Samba Cumbera, Sinchá Lomi, em que estive destacado com o meu pelotão, e também as de Campata, Cansamba e Mondajane onde estiveram o Paulo Raposo, o Jorge Rijo e o Vitor David, igualmente destacados com os respectivos grupos de combate que comandavam.
Em todas, em especial aquelas onde tinha estado destacado, se recordavam de mim e me receberam com manifestações de regozijo, coisa que me surpreendeu porque, após o nosso regresso no fim da comissão, muitos outros militares por ali passaram.
Como era possivel que aquela gente ainda retivesse na memória o meu nome e os dos meus camaradas, e recordasse situações comezinhas que naquele tempo tinham ocorrido, demonstrando que as manifestações de alegria não eram de mera circunstância?
Certo dia, ao acordar manhã cedo em Galomaro, depois de uma noite de forte trovoada e intensas chuvadas tropicais, vieram-me dizer que estava à minha espera o chefe de tabanca de Samba Cumbera que fica a alguns quilómetros de Galomaro.
Fui ao encontro do velho homem, esguio e de rosto anguloso, de seu nome Samba, que sorridente me cumprimentou, tentando no seu incipiente crioulo que mal dominava, traduzir por palavras, a sua alegria em me reencontrar.
Correspondi aos seus cumprimentos e mantivémo-nos abraçados durante largos momentos.
Fiquei comovido quando, a um seu sinal, uma criança que o acompanhava me ofereceu uma galinha viva que trouxera como presente para o antigo alfero que estivera hospedado com a sua tropa na tabanca de que ele era chefe.
Mal me ficaria não retribuir a gentileza...
E por isso, de imediato, pedi a um alfaiate, que com a sua máquina de costura se encontrava no alpendre da tabanca perto da qual esta cena se desenrolava, que costurasse um vestido para o fula que tão atenciosamente me tinha vindo visitar.
O Samba agradeceu repetidamente a prenda que lhe ofereci e, mais tarde, regressou a Samba Cumbera, com o vestido que, em três tempos, o alfaiate lhe confeccionou.
O que iria agora eu fazer com a galinha viva?
Pedi à D. Maria, viúva do comerciante Regala, homem excepcional entretanto falecido e que tão boas relações tinha mantido com a tropa da CCAÇ 2405, que guardasse a galinha para mais tarde ou no dia seguinte a mandar matar e assar à cafreal.
Fiquei espantado quando a D. Maria, ao fim do dia, me veio mostrar a galinha.
O animal cambaleava, contorcia a cabeça e mal se aguentava de pé.
Não havia dúvidas que estava atacado por alguma doença, pelo que não era aconselhável comê-lo. Naturalmente, seguindo a sugestão da D. Maria, resolvemos matar a galinha e enterrá-la...
Ainda hoje não sei ao certo se o velho e astuto Samba conhecia o estado da galinha quando decidiu dar-ma de presente, mas mais importante que isso foi ter recebido a simpatia que me manifestou por saber da minha presença em Galomaro, palmilhando a pé vários quilómetros para me ver e saudar.
Só por isso, valeu a pena a despesa feita com o vestido que lhe ofereci...
Rui Felício
Ex-Alf Mil Inf
CCAÇ 2405
____________
Nota de C.V.:
(1) Vd posts anteriores desta série
8 de Dezembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1352: Estórias de Dulombi (Rui Felício, CCAÇ 2405) (7): Perigos vários, a divisa dos Baixinhos de Dulombi
27 de Outubro de 2006 > Guiné 63/74 - P1217: Estórias de Dulombi (Rui Felício, CCAÇ 2405) (6): Sinchã Lomá, o Spínola e o alferes que não era parvo de todo
18 de Setembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1085: Estórias de Dulombi (Rui Felício, CCAÇ 2405) (5): O improvisado fato de banho do Alferes Parrot na piscina do QG
5 de Setembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1046: Estórias de Dulombi (Rui Felício, CCAÇ 2405) (4): a portuguesíssima arte do desenrascanço
19 de Março de 2006 > Guiné 63/74 - DCXL: Estórias de Dulombi (Rui Felício, CCAÇ 2405) (3): O dia em que o homem foi à lua
14 de Março de 2006 > Guiné 63/74 - DCXXVII: Estórias de Dulombi (Rui Felício, CCAÇ 2405) (2): O voo incandescente do Jagudi sobre Madina Xaquili
9 de Março de 2006 > Guiné 63/74 - DCXIX: Estórias de Dulombi (Rui Felício, CCAÇ 2405) (1): O nosso vagomestre Cabral
Guiné 63/74 - P2072: História da CART 2340 (Ferreira Neto) (1): Mobilização, Deslocamento para o CTIG e Alterações ao Dispositivo
Emblema da CART 2340 de autoria do Cap Mil Ferreira Neto
História da CART 2340
Mobilização
Em 3 de Maio de 1967 começaram as Mobilizações Individuais dos quadros que constituiriam Unidades com destino ao Ultramar, entre as quais, a CART 2340.
Em 27 de Setembro de 1967, o pessoal destinado à CART 2340, fez a sua apresentação no GACA 2, indicado como Unidade Mobilizadora. Aí teve a sua instrução a CART, que foi concluída em 3 de Outubro de 1967.
A 6 de Novembro de 1967 a Unidade completou-se com os elementos especializados, iniciando a IAO que terminou em 17 de Dezembro de 1967.
Deslocamento para o CTIG
Cerca das 02h00 do dia 10 de Janeiro de 1968, o pessoal foi transportado de viatura até à Estação de Torres Novas - Golegã, e daí via Férrea em Combóio Especial até ao Cais da Rocha de Conde de Óbidos, onde chegou cerca da 07h00. Às 10h00 iniciou-se o embarque da Companhia no T/T "UIGE".
Cerca das 12h00 o navio largou rumo à Guiné onde chegou no dia 15, pelas 06h00.
Navio Uige > Transportou a CART 2340 para a Guiné e, por coincidência, trouxe-a de regresso à Metrópole terminada a sua comissão de serviço.
A CART, em virtude de não ter alojamento em Bissau, embarcou num navio, cerca das 18h00, com destino a Bolama, onde se manteve durante 6 dias, findos os quais foi transportada via marítima para Bissau. Nesta cidade permaneceu aquartelada em Brá, durante 24 horas.
No dia 23, pelas 02h00, deslocou-se via auto para o cais de Bissau, onde embarcou na LDG "Alfange", com destino a Farim.
A partida efectuou-se às 07h00, tendo chegado a Farim às 08h00 do dia 25 de Janeiro de 1969. Aí, após refeição ligeira (RC), partiu às 15h00 via coluna auto para Jumbembem, destacamento onde deixou a guarnecer dois grupos de combate. O restante pessoal, seguiu para Canjambari, aquartelamento destinado à sede da Companhia, onde chegou às 19h00.
Nesta localidade, encontrou como reforço um grupo de combate da CCAÇ 3, que já existia do antecedente.
Guiné > Região do Oio > Canjambari > Vista aérea de Canjambari> Sede da CART 2340
Foto: © Ferreira Neto (2007). Direitos reservados.
Alterações ao Dispositivo
Em 24 de Janeiro de 1968, a CART encontrava-se distribuída da seguinte forma:
Canjambari:
2 Grupos de Combate da CART
1 Grupo de Combate da CCAÇ 3
Jumbembem:
2 Grupos de Combate da CART
2 Secções de Soldados Nativos
Em 21 de Junho de 1968:
Canjambari:
2 Grupos de Combate da CART
Jumbembem:
2 Grupos de Combate da CART
2 Secções de Soldados Nativos
O Pelotão da CCAÇ 3 recolheu à sua companhia.
Em 10 de Setembro de 1968:
Canjambari:
2 Grupos de Combate da CART
Jumbembem:
Grupo de Combate da CART
15ª Companhia de Comandos
Cuntima:
1 grupo de Combate de CART
1 grupo de combate da CART, marchou para Cuntima como Reforço à guarnição daquela localidade.
A 15ª Companhia de Comandos reforçou Jumbembem.
Em 7 de Outubro de 1968:
Canjambari:
1 Grupo de Combate da CART
Jumbembem:
2 Grupos de Combate da CART
15ª Companhia de Comandos
Cuntima:
1 Grupo de Combate da CART
Um grupo de combate marchou de Canjambari para Jumbembem, em virtude da 15ª Companhia de Comandos ser considerada inoperacional.
Em 18 de Outubro de 1968:
Canjambari:
2 Grupos de Combate da CART
Jumbembem:
1 Grupo de Combate da CART
Companhia de Artilharia 1691 (-)
Cuntima:
1 Grupo de Combate da CART
A CART 1691, reforçou Jumbembem, por troca com a 15ª Companhia de Comandos.
Um grupo de combate da CART regressou a Canjambari.
Em 2 de Novembro de 1968:
Canjambari:
2 Grupos de Combate da CART
Jumbembem:
1 Grupo de Combate da CART
16ª Companhia de Comandos
Cuntima:
1 Grupo de Combate da CART
A 16ª Companhia de Comandos reforçou Jumbembem por troca com a CART 1691.
Em 24 de Dezembro de 1968:
Canjambari:
CART 2340
Um grupo de combate regressou de Cuntima para Canjambari. Um grupo de combate regressou de Jumbembem para Canjambari.
A CART, a partir do dia 25 de Dezembro de 1968, passou a ter todo o seu efectivo em
Canjambari.
Em 7 de Abril de 1969:
Canjambari:
CART 2340
Pel. Caç Nat. 58
Pel. Caç Nat. 61
Pel. Caç Nat. 53
Pel. Caç Nat. 65
3 Secções de Soldados Nativos.
Os pelotões de caçadores nativos, foram reforçar Canjambari, assim como três secções constituídas por soldados nativos da CART 2412, CART 1745, CCAV 1748 e CCAÇ 3, em virtude do pessoal da CART ter sido evacuado em massa, para o Hospital Militar 241, devido a ter contraído uma doença chamada Schitosomíase, tendo ficado em Canjambari apenas o comando da CART.
Em 19 de Junho de 1969:
A CART, tomou posse do sector de Nhacra, embora a grande maioria do pessoal, já se encontrar neste sector, porque à medida que iam sendo recuperados no HM 241, recolhiam a Nhacra, aguardando que o comando da CART chegasse.
A CART, passou a ter assim o seu pessoal distribuído:
Nhacra:
2 Grupos de Combate (-) da CART
1 Grupo de Combate da CCAÇ 1792
Pelotão de Morteiros 2006 (-)
1 Secção de Milícia
Dugal:
1 Grupo de Combate da CART
1 Secção de Milícia
Safim:
1 Grupo de Combate (-) da CART
1 Secção de Milícia
Ensalmá :
2 Secções (-) da CART
1 Secção de Milícia
João Landim:
1 Secção da CART
1 Secção de Milícia
Cumeré :
2 Secções da CCS do BCaç 2884
Bupe:
2 Secções de Milícias
Chugué:
2 Secções de Milícias
Fanhe:
2 Secções de Milícias
A CART foi reforçada com um grupo de combate da CCaç 1792, em virtude de estar desfalcada devido à evacuações de pessoal para Metrópole.
Em 20 de Agosto de 1969, o Pelotão da CCaç 1792, recolheu à sua Unidade.
Ferreira Neto
ex-Cap Mil
CART 2340
_______________________
Nota do co-editor CV:
Vd. Post de 14 de Agosto de 2007> Guiné 63/74 - P2046: Tabanca Grande (31): Apresenta-se Joaquim Lúcio Ferreira Neto, ex-Cap Mil (CART 2340, Canjambari, Jumbembem, Nhacra, 1968/69)
quarta-feira, 29 de agosto de 2007
Guiné 63/74 - P2071: História da CCAÇ 2402 (Raul Albino) (9): Incêndio de combustível perto do paiol
Raul Albino, ex-Alf Mil, CCAÇ 2402/BCAÇ 2851 (Có, Mansabá e Olossato, 1968/70)
Sempre fui avesso à fuga como forma de escapar a um problema, em especial se a fuga for desordenada. Ela conduz invariavelmente ao pânico e aí a nossa cabeça deixa de funcionar correctamente, conduzindo as nossas acções ao insucesso. Essa minha postura foi vital para o episódio que passo a relatar-lhes.
Aconteceu num belo dia no quartel de Có, estava eu de oficial de serviço e encontrava-se um auto-tanque de combustível a descarregar gasóleo e a abastecer outra viatura, mesmo em frente à entrada para o paiol subterrâneo.
Como nestes transvazes era sempre derramado combustível para o chão, neste caso em areia, o terreno já se encontrava de algum modo saturado de gasóleo.
Já começava a escurecer e para iluminar a operação de transvaze havia um candeeiro que, acidentalmente, caiu ao chão, partiu-se e incendiou a areia que estava ensopada no combustível.
Eu estava perto dos mecânicos a assistir à operação de descarga, quando vejo o chão incendiar-se e as chamas a encaminharem-se para a entrada do paiol.
A primeira reacção instintiva que se tem é a fuga, se eu o fizesse, possivelmente os restantes militares seguir-me-iam o exemplo ou pelo menos provocaria alguma hesitação.
Isso seria o suficiente para o desastre se dar, porque se as chamas chegassem à entrada do paiol que estava a cerca de cinco metros, a explosão arrasaria o quartel.
Felizmente tive a serenidade suficiente para gritar a todos os militares que estavam perto para atirarem areia para as chamas, sabendo de antemão que esta decisão era o tudo ou nada, porque quando nos apercebêssemos que o combate às chamas tinha falhado, já não haveria fuga possível.
O chão, como eu disse atrás, era arenoso e todos em simultâneo com as mãos atirámos quanta areia pudemos para cima das chamas logo no inicio de eclodirem, conseguindo apagar o fogo.
Guiné> Região do Cacheu > Pelundo > Có > 1968 > Vista aérea do aquartelamento.
Julgo que, uma pequena hesitação que houvesse, seria o suficiente para já não se conseguir controlar as chamas. As pessoas mais experientes com incêndios sabem bem a rapidez com que os fogos se propagam e podem imaginar a sorte que tivemos naquele dia de má memória.
Creio que nessa altura o Capitão Vargas Cardoso se encontrava ausente do quartel e eu nem queria imaginar o que aconteceria se, quando ele voltasse, encontrasse o quartel em ruínas.
Raul Albino
_______________________
Nota do co-editor CV
Vd. último post da série, de 23 de Agosto de 2007> Guiné 63/74 - P2065: História da CCAÇ 2402 (Raul Albino) (8): Furriel Amorim, morto em combate
Incêndio de combustível perto do paiol
Sempre fui avesso à fuga como forma de escapar a um problema, em especial se a fuga for desordenada. Ela conduz invariavelmente ao pânico e aí a nossa cabeça deixa de funcionar correctamente, conduzindo as nossas acções ao insucesso. Essa minha postura foi vital para o episódio que passo a relatar-lhes.
Aconteceu num belo dia no quartel de Có, estava eu de oficial de serviço e encontrava-se um auto-tanque de combustível a descarregar gasóleo e a abastecer outra viatura, mesmo em frente à entrada para o paiol subterrâneo.
Como nestes transvazes era sempre derramado combustível para o chão, neste caso em areia, o terreno já se encontrava de algum modo saturado de gasóleo.
Já começava a escurecer e para iluminar a operação de transvaze havia um candeeiro que, acidentalmente, caiu ao chão, partiu-se e incendiou a areia que estava ensopada no combustível.
Eu estava perto dos mecânicos a assistir à operação de descarga, quando vejo o chão incendiar-se e as chamas a encaminharem-se para a entrada do paiol.
A primeira reacção instintiva que se tem é a fuga, se eu o fizesse, possivelmente os restantes militares seguir-me-iam o exemplo ou pelo menos provocaria alguma hesitação.
Isso seria o suficiente para o desastre se dar, porque se as chamas chegassem à entrada do paiol que estava a cerca de cinco metros, a explosão arrasaria o quartel.
Felizmente tive a serenidade suficiente para gritar a todos os militares que estavam perto para atirarem areia para as chamas, sabendo de antemão que esta decisão era o tudo ou nada, porque quando nos apercebêssemos que o combate às chamas tinha falhado, já não haveria fuga possível.
O chão, como eu disse atrás, era arenoso e todos em simultâneo com as mãos atirámos quanta areia pudemos para cima das chamas logo no inicio de eclodirem, conseguindo apagar o fogo.
Guiné> Região do Cacheu > Pelundo > Có > 1968 > Vista aérea do aquartelamento.
Julgo que, uma pequena hesitação que houvesse, seria o suficiente para já não se conseguir controlar as chamas. As pessoas mais experientes com incêndios sabem bem a rapidez com que os fogos se propagam e podem imaginar a sorte que tivemos naquele dia de má memória.
Creio que nessa altura o Capitão Vargas Cardoso se encontrava ausente do quartel e eu nem queria imaginar o que aconteceria se, quando ele voltasse, encontrasse o quartel em ruínas.
Raul Albino
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Nota do co-editor CV
Vd. último post da série, de 23 de Agosto de 2007> Guiné 63/74 - P2065: História da CCAÇ 2402 (Raul Albino) (8): Furriel Amorim, morto em combate
terça-feira, 28 de agosto de 2007
Guiné 63/74 - P2070: Bibliografia de uma guerra (16): Contributos para a História de Portugal, de José Milhazes, em Moscovo (2)
Somos mais de 100 ex-combatentes, de quase todas as patentes (de soldado a coronel), que passou os melhores anos da nossa vida nas bolanhas da Guiné. De G3 nas mãos, a lutar pelo "Portugal uno e indivisível", que foi o que nos diziam na altura.
O nosso blogue, conforme consta do nosso "livro de estilo", não defende nem ataca qualquer posição que cada um possa ter sobre as razões da guerra. O objectivo do foranada é sermos nós a contar a história que vivemos, antes que outros o façam por nós. Relatos, experiências vividas, as nossas fraquezas e as nossas forças, o IN de então, o PAIGCV, com a Guiné e o seu Povo como fundo.
É também um lavar de feridas. Mais de trinta anos passados sobre o fim da guerra, muitos de nós ainda dormem mal. Alguns não hesitam em dizer que ainda hoje sentem vergonha de em tal guerra terem participado. Outros, dizem que cumpriram o que Portugal lhes mandou.
É importante, para nós, procurar todas as fontes possíveis e juntá-las neste enorme "puzzle", que foram aqueles 11 anos de guerra. Tudo o que diga respeito à Guiné daqueles anos nos interessa.
E ao José Milhazes o nosso obrigado pelo contributo que tem vindo a dar para a História de Portugal.
__________
A captura dos assassinos de Amílcar Cabral, em plena costa da Guiné
José Milhazes, através do seu blogue, relata-nos
A Operação do "Experiente" na Costa da Guiné
O assassinato de Amílcar Cabral, dirigente do Partido Africano para a Independência da Guiné e Cabo Verde (PAIGCV), na cidade de Conacri, capital da República da Guiné, a 20 de Janeiro de 1973, continua envolvido em muito mistério, mas a chave de alguns segredos encontram-se nos arquivos ou nos testemunhos de militares soviéticos que acompanharam esse acontecimento de perto.
Em Novembro de 1972, a pedido do Governo da Guiné-Conacri, no porto de Conacri atracou o contra-torpedeiro soviético "Experiente"(???????), da Armada do Norte, que devia patrulhar a costa desse país africano. O navio de guerra era comandado pelo capitão de fragata Iúri Ilinikh.
Na noite de 20 para 21 de Janeiro de 1973, entraram inesperadamente no "Experiente" o comandante das Forças Armadas da Guiné-Conacri e o conselheiro militar soviético, o major-general Fiodor Tchetcherin. Eles trouxeram a notícia que, por volta das 23 horas, numa das ruas de Conacri, um grupo de desconhecidos tinha assassinado Amílcar Cabral.
A sua esposa e alguns membros do Comité Central do PAIGC foram feitos prisioneiros e levados para lanchas que se dirigiram para a Guiné Portuguesa.
As visitas inesperadas pediram, em nome do Presidente do país, Séku Turé, e do embaixador soviético em Conacri, A.Ratamov, ao capitão de fragata que fizesse sair o "Experiente" a fim de capturar as lanchas.
Às 0 horas e 50 minutos do dia 21 de Janeiro, o contra-torpedeiro pôs-se em marcha com marinheiros soviéticos e soldados guineenses a bordo.
Ilinikh enviou para o Estado-Maior da Armada Soviética vários relatórios, mas apenas recebeu instruções para não empregar armas.
Às 5 da manhã, foram detectadas duas das três lanchas que saíram de Conacri.
O contra-torpedeiro aproximou-se de uma lancha e prendeu-a com cordas. A segunda lancha rendeu-se ao ver-se na mira de canhões de 130 milímetros. Soldados guineenses entraram nas lanchas, libertaram os reféns, desarmaram os seus ocupantes e conduziram-nos para o “Experiente”.
Às 15 horas, o contra-torpedeiro regressou a Conacri, rebocando as duas lanchas. A terceira foi capturada por soldados guineenses.
Primeiramente, Iúri Ilinikh foi afastado do cargo devido a ter actuado sem autorização de Moscovo, mas, depois do relatório do major-general Tchitcherine, Ilinikh recuperou o comando do "Experiente" e recebeu elogios pelas suas “acções ousadas e decididas”.
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Notas do co-editor:
Texto de José Milhazes.
Foto de Amílcar Cabral, in "Uma luta, um partido, dois países", de Aristides Pereira. Com a devida vénia.
O nosso blogue, conforme consta do nosso "livro de estilo", não defende nem ataca qualquer posição que cada um possa ter sobre as razões da guerra. O objectivo do foranada é sermos nós a contar a história que vivemos, antes que outros o façam por nós. Relatos, experiências vividas, as nossas fraquezas e as nossas forças, o IN de então, o PAIGCV, com a Guiné e o seu Povo como fundo.
É também um lavar de feridas. Mais de trinta anos passados sobre o fim da guerra, muitos de nós ainda dormem mal. Alguns não hesitam em dizer que ainda hoje sentem vergonha de em tal guerra terem participado. Outros, dizem que cumpriram o que Portugal lhes mandou.
É importante, para nós, procurar todas as fontes possíveis e juntá-las neste enorme "puzzle", que foram aqueles 11 anos de guerra. Tudo o que diga respeito à Guiné daqueles anos nos interessa.
E ao José Milhazes o nosso obrigado pelo contributo que tem vindo a dar para a História de Portugal.
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A captura dos assassinos de Amílcar Cabral, em plena costa da Guiné
José Milhazes, através do seu blogue, relata-nos
A Operação do "Experiente" na Costa da Guiné
O assassinato de Amílcar Cabral, dirigente do Partido Africano para a Independência da Guiné e Cabo Verde (PAIGCV), na cidade de Conacri, capital da República da Guiné, a 20 de Janeiro de 1973, continua envolvido em muito mistério, mas a chave de alguns segredos encontram-se nos arquivos ou nos testemunhos de militares soviéticos que acompanharam esse acontecimento de perto.
Em Novembro de 1972, a pedido do Governo da Guiné-Conacri, no porto de Conacri atracou o contra-torpedeiro soviético "Experiente"(???????), da Armada do Norte, que devia patrulhar a costa desse país africano. O navio de guerra era comandado pelo capitão de fragata Iúri Ilinikh.
Na noite de 20 para 21 de Janeiro de 1973, entraram inesperadamente no "Experiente" o comandante das Forças Armadas da Guiné-Conacri e o conselheiro militar soviético, o major-general Fiodor Tchetcherin. Eles trouxeram a notícia que, por volta das 23 horas, numa das ruas de Conacri, um grupo de desconhecidos tinha assassinado Amílcar Cabral.
A sua esposa e alguns membros do Comité Central do PAIGC foram feitos prisioneiros e levados para lanchas que se dirigiram para a Guiné Portuguesa.
As visitas inesperadas pediram, em nome do Presidente do país, Séku Turé, e do embaixador soviético em Conacri, A.Ratamov, ao capitão de fragata que fizesse sair o "Experiente" a fim de capturar as lanchas.
Às 0 horas e 50 minutos do dia 21 de Janeiro, o contra-torpedeiro pôs-se em marcha com marinheiros soviéticos e soldados guineenses a bordo.
Ilinikh enviou para o Estado-Maior da Armada Soviética vários relatórios, mas apenas recebeu instruções para não empregar armas.
Às 5 da manhã, foram detectadas duas das três lanchas que saíram de Conacri.
O contra-torpedeiro aproximou-se de uma lancha e prendeu-a com cordas. A segunda lancha rendeu-se ao ver-se na mira de canhões de 130 milímetros. Soldados guineenses entraram nas lanchas, libertaram os reféns, desarmaram os seus ocupantes e conduziram-nos para o “Experiente”.
Às 15 horas, o contra-torpedeiro regressou a Conacri, rebocando as duas lanchas. A terceira foi capturada por soldados guineenses.
Primeiramente, Iúri Ilinikh foi afastado do cargo devido a ter actuado sem autorização de Moscovo, mas, depois do relatório do major-general Tchitcherine, Ilinikh recuperou o comando do "Experiente" e recebeu elogios pelas suas “acções ousadas e decididas”.
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Notas do co-editor:
Texto de José Milhazes.
Foto de Amílcar Cabral, in "Uma luta, um partido, dois países", de Aristides Pereira. Com a devida vénia.
segunda-feira, 27 de agosto de 2007
Guiné 63/74 - P2069: Bibliografia de uma guerra (15): Contributos para a História de Portugal, de José Milhazes, em Moscovo (1)
À procura da história. Mensagem enviada ao José Milhazes em Moscovo.
Chamo-me Virgínio Briote e sou um dos editores do http://blogueforanadaevaotres.blogspot.com/
Tenho lido os seus trabalhos sobre o envolvimento da extinta URSS nas ex-colónias portuguesas e quero manifestar o nosso apreço pelo indiscutível valor do seu trabalho.
Autoriza-nos a publicar algumas das suas peças no nosso blogue?
Cumprimentos,
vb
Resposta pronta do José Milhazes.
Caro Virgínio Briote, retire do meu blog tudo o que achar necessário e publique.
Cumprimentos,
JMilhazes
Contributos para a História de Portugal
"União Soviética treinava guerrilheiros na Crimeia"
Na aldeia de Perevalnoe, no quilómetro 21 da estrada Simferopol-Aluchta, na Crimeia, esteve instalado, entre 1965 e 1990, o Centro de Treino Nº 165 para Preparação de Militares Estrangeiros junto do Ministério da Defesa da União Soviética.
Aí, no Sul da Ucrânia, durante 25 anos, militares soviéticos prepararam cerca de 18 mil combatentes de países como Afeganistão, Etiópia, Guiné-Bissau, Guiné-Conacri, Madagascar, Mongólia, Cuba, Mali, Vietname, Laos, Cambodja, Nicarágua, Iemen, Líbano, Líbia, Palestina, Zâmbia, Tanzânia, Congo, São Tomé e Príncipe.
O primeiro grupo, constituído por 75 guerrilheiros, veio precisamente da Guiné-Bissau e foi recebido pelo tenente-coronel Vladilen Kintchevski, então comandante do Centro de Treino.
"Recordo-me quando eles desciam pela escada do avião, eram todos pretos como a fuligem" - declara Kintchevski ao diário russo "Komsomolskaia Pravda", e acrescenta: "Tínhamos de arranjar um tradutor que falasse na língua dos guineenses. Descobrimos que só um máximo de dez falava português e que os restantes falavam em dialectos tribais. Mas não havia nada a fazer, tivemos de lhes ensinar a arte militar".
Em Dezembro de 1970, aquando da celebração do 50º aniversário da formação da União das Repúblicas Socialistas Soviéticas, o campo foi visitado por Amílcar Cabral, secretário-geral do Partido Africano para a Independência da Guiné e Cabo Verde.
"Primeiramente, é preciso ensinar contra quem disparar e só depois ensinar como disparar" - dizia o coronel Antipov, que leccionava marxismo-lenismo nesse centro de preparação militar.
Porém, os alunos nem sempre se mantiveram fiéis a essa máxima. Por exemplo, dois dos guineenses treinados no Campo de Treino Nº 165 participaram, a 30 de Janeiro de 1973, no assassinato de Amílcar Cabral, depois de terem sido recrutados pelos portugueses.
Outro caso dramático. Vinte guerrilheiros foram detidos quando chegavam ao seu país, o Zimbabwe, e enforcados. A polícia descobriu de onde vinham, porque um deles trazia no pulso um relógio "??????" ("Oriente") com a inscrição "??????? ? ????" ("Fabricado na URSS").
Anualmente, a União Soviética gastava por cada aluno entre 7 e 9 mil rublos (1rublo era igual a 60 cêntimos americanos).
Actualmente, nesse Campo de Treino está aquartelada a 84ª Brigada Mecanizada do 32º Corpo do Exército da Ucrânia.
Os treinos dos guerrilheiros eram realizados na Crimeia devido ao facto de esta região ser a mais semelhante, do ponto de vista morfológico, climatérico, etc. , aos países de onde eles vinham.
Títulos e texto recolhidos daqui.
Com o nosso agradecimento ao José Milhazes.
Chamo-me Virgínio Briote e sou um dos editores do http://blogueforanadaevaotres.blogspot.com/
Tenho lido os seus trabalhos sobre o envolvimento da extinta URSS nas ex-colónias portuguesas e quero manifestar o nosso apreço pelo indiscutível valor do seu trabalho.
Autoriza-nos a publicar algumas das suas peças no nosso blogue?
Cumprimentos,
vb
Resposta pronta do José Milhazes.
Caro Virgínio Briote, retire do meu blog tudo o que achar necessário e publique.
Cumprimentos,
JMilhazes
Contributos para a História de Portugal
"União Soviética treinava guerrilheiros na Crimeia"
Na aldeia de Perevalnoe, no quilómetro 21 da estrada Simferopol-Aluchta, na Crimeia, esteve instalado, entre 1965 e 1990, o Centro de Treino Nº 165 para Preparação de Militares Estrangeiros junto do Ministério da Defesa da União Soviética.
Aí, no Sul da Ucrânia, durante 25 anos, militares soviéticos prepararam cerca de 18 mil combatentes de países como Afeganistão, Etiópia, Guiné-Bissau, Guiné-Conacri, Madagascar, Mongólia, Cuba, Mali, Vietname, Laos, Cambodja, Nicarágua, Iemen, Líbano, Líbia, Palestina, Zâmbia, Tanzânia, Congo, São Tomé e Príncipe.
O primeiro grupo, constituído por 75 guerrilheiros, veio precisamente da Guiné-Bissau e foi recebido pelo tenente-coronel Vladilen Kintchevski, então comandante do Centro de Treino.
"Recordo-me quando eles desciam pela escada do avião, eram todos pretos como a fuligem" - declara Kintchevski ao diário russo "Komsomolskaia Pravda", e acrescenta: "Tínhamos de arranjar um tradutor que falasse na língua dos guineenses. Descobrimos que só um máximo de dez falava português e que os restantes falavam em dialectos tribais. Mas não havia nada a fazer, tivemos de lhes ensinar a arte militar".
Em Dezembro de 1970, aquando da celebração do 50º aniversário da formação da União das Repúblicas Socialistas Soviéticas, o campo foi visitado por Amílcar Cabral, secretário-geral do Partido Africano para a Independência da Guiné e Cabo Verde.
"Primeiramente, é preciso ensinar contra quem disparar e só depois ensinar como disparar" - dizia o coronel Antipov, que leccionava marxismo-lenismo nesse centro de preparação militar.
Porém, os alunos nem sempre se mantiveram fiéis a essa máxima. Por exemplo, dois dos guineenses treinados no Campo de Treino Nº 165 participaram, a 30 de Janeiro de 1973, no assassinato de Amílcar Cabral, depois de terem sido recrutados pelos portugueses.
Outro caso dramático. Vinte guerrilheiros foram detidos quando chegavam ao seu país, o Zimbabwe, e enforcados. A polícia descobriu de onde vinham, porque um deles trazia no pulso um relógio "??????" ("Oriente") com a inscrição "??????? ? ????" ("Fabricado na URSS").
Anualmente, a União Soviética gastava por cada aluno entre 7 e 9 mil rublos (1rublo era igual a 60 cêntimos americanos).
Actualmente, nesse Campo de Treino está aquartelada a 84ª Brigada Mecanizada do 32º Corpo do Exército da Ucrânia.
Os treinos dos guerrilheiros eram realizados na Crimeia devido ao facto de esta região ser a mais semelhante, do ponto de vista morfológico, climatérico, etc. , aos países de onde eles vinham.
Títulos e texto recolhidos daqui.
Com o nosso agradecimento ao José Milhazes.
domingo, 26 de agosto de 2007
Guiné 63/74 - P2068: Da Suécia com saudade (6) (José Belo, ex-Alf Mil, CCAÇ 2381, 1968/70) (6): Milícias e Soldados guineenses ao serviço do colonialismo
1. Da Suécia com saudade, o nosso camarada José Belo, traz até nós, desta vez, um tema já aflorado em tempos no Blogue.
Trata-se de um assunto melindroso que dá azo a muitas discussões e diferentes correntes de opinião. Porque pautamos pela diversidade e liberdade de conceitos, não temos qualquer pejo em trazer ao conhecimento da Tertúlia o trabalho deste nosso camarada.
Podem e devem rebater e/ou concordar, no espaço destinado para o efeito, clicando em comentários, no rodapé desta Postagem.
2. Milícias e Soldados guineenses ao serviço do colonialismo
Nas poucas vezes que tenho revisitado o meu querido Portugal, nestes trinta e tal anos de um misto de exilado e migrado (exigrado), surpreendo-me sempre com a quantidade de guineenses que encontro no lisboeta largo do Rossio.
Quem são estes homens? Quem foram estes homens? Que histórias existem por de trás dos grupos que conversam, partem mantanha, ou, sentados nas escadarias do teatro D. Maria têm os olhos perdidos em horizontes distantes?
Restos humanos arrastados para estas paragens distantes pelos maremotos da história colonial?
Que solidariedade sentem por parte dos seus antigos companheiros de armas? Compartilharam connosco todos os perigos. Todos os roncos. Sofreram ao nosso lado inúmeros mortos e feridos.
Nos rebentamentos de minas misturámos, literalmente, o nosso sangue. É difícil negar, que eles, estavam sempre nos lugares mais perigosos da luta. À frente das colunas, à frente dos grupos de assalto, à frente de muita tropa branca, ensinando na prática, o que as instruções em Portugal tinham esquecido!
Muitos de nós estamos vivos graças a alguns deles - há, isto de esquecimentos convenientes.
Com o passar dos anos, e o enorme coração português, as realidades cruas da infernal guerra colonial, são, lenta e insinuosamente, substituídas nas nossas recordações, por tonalidades mais lusitaneamente romantizadas.
Nos nossos verdes vinte anos de idade confrontámos a África. No exotismo dos costumes, da natureza, das doenças tropicais, tudo somado ao choque violento das inesperadas confrontações com a morte, os feridos, os amputados e os psiquicamente destroçados.
Quantos dramas tivemos que saber suprir? Quantas terríveis experiências pessoais? As consequências?...
Acabámos por não ter tempo - espaço para dar toda a devida atenção ao drama paralelo que era a cara verdadeira da Administração Colonial. A exploração! A opressão! A violência! Sempre latentes por detrás dos Chefes de Posto, dos Cipaios, da Polícia do Estado e mesmo de alguns comerciantes-colonos que ainda por lá parasitavam!
Quantas preponderâncias? Quantas opressões? Quantos crimes cometidos à sombra de convenientes denúncias?
Nós, na ingenuidade das nossas juventudes, hasteávamos respeitosamente a Bandeira Nacional nos aquartelamentos. As histórias que então me contaram sobre as compras de mancarra por parte de alguns comerciantes de Ingoré, fariam sofrer de inveja muitos dos latifundiários do nosso Alentejo de então.
Era este o meio de onde acabavam por surgir os voluntários para as milícias, e posteriormente, para as tropas africanas. O Estado Português, o Exército e a Administração Local, seriam os responsáveis pela propaganda. Não era essa a função do Otelo numa das repartições do E. M. em Bissau?.
Tudo devidamente acompanhado de incentivos económicos e sociais. Mas, em verdade, a escolha pertencia aos voluntários. A alternativa encontrava-se no mato a bem poucos metros de distancia do outro lado do arame farpado!
Lutavam, tanto do lado colonial, como no movimento de libertação, representantes de todas as etnias da Guiné. Procurou-se assiduamente criar condições para motivar etnias completas a mudar de campo.
Nunca se conseguiu criar, na generalidade, fronteiras rácicas entre os combatentes. Nalgumas zonas as percentagens variavam acentuadamente, mas nunca foi uma guerra entre etnias na sua totalidade.
Não era por acaso que a organização política e militar do PAIGC, sem esquecer a sua fundamental componente das relações internacionais, era uma das mais eficientes, e respeitada, de entre os movimentos de libertação.
O descalabro da então apregoada descolonização exemplar, não a ideal, mas a possível, mais não foi que uma consequência directa do contexto político existente e não menos do herdado. Os esforços de poucos, quanto a assumir responsabilidades para com estes guineenses ao serviço da política colonial, não foram, obviamente, suficientes para os proteger.
Muito se poderia escrever e se escreverá, sobre os esforços e diligências concretas, documentadas, por parte do Carlos Fabião sobre o assunto. Na sua passagem de mais de uma década pelo mato da Guiné, ele, melhor que ninguém, estava ligado, de raiz, à criação das milícias e sua problemática.
Criei com ele amizade pessoal, desde o tempo em que este comandava o sector operacional de Buba, o que me veio a permitir, nos anos 74/75, colocar-lhe algumas perguntas pertinentes sobre o que se poderia ter feito, o que se não fez e o que, na verdade, se procurou fazer.
Verifica-se, infelizmente, que dos interessados nos factos relacionados com as mortes destes africanos, uns colocam as suas pré-ideias à frente do que realmente se procurou fazer, outros procuram analisar este período tão caótico com o coração!
Há, no entanto, alguns factos reais e importantes, que ainda não consegui encontrar no que de muito se tem escrito sobre o assunto. Quer se concorde, ou não, os acontecimentos pré- revolucionários (?) que então se sucediam em Portugal, não eram conducentes a permitir o desembarque em Lisboa de umas boas centenas de (o que de logo seriam apelidados por certos grupos) mercenários e criminosos ao serviço (passado) do colonialismo e a serem utilizados num futuro próximo. POR QUEM?
O exemplo concreto do passado com o tão medalhado Marcelino da Mata, nos acontecimentos do RALIS, deu uma boa amostra desta realidade, para muitos incómoda de enfrentar.
Por outro lado, países africanos contactados, recusaram terminantemente, como seria de esperar, a receber estes colaboradores activos do colonialismo português. E não menos importante, mas por muitos esquecido, o voluntário, imediato e espontâneo cessar fogo por parte de algumas das guarnições portuguesas no mato da Guiné, que veio a colocar umas boas centenas de soldados na posição de reféns, de facto, das forças locais do PAIGC.
Uma logicamente muito complicada situação no terreno, para permitir estabelecer exigências! As execuções, os fuzilamentos e alguns massacres acabaram por acontecer.
Uma prolongada guerra de libertação nacional, com sacrifícios indiscutíveis por parte dos guerrilheiros e seus apoiantes, criava condições mais que suficientes para um ajuste de contas com os que tinham as mãos bem manchadas por tanto sangue de guineenses.
Como português, não sinto orgulho no sucedido a tantos destes africanos que lutaram lado a lado e tantas vezes À FRENTE das nossas tropas.
Fotos: © José Belo (2007). Direitos reservados.
Por respeito a todos os que lutaram, e lutam, pela liberdade dos povos, (incluindo o meu, na sua já bem longa História de séculos), recuso-me a romantizar ou menosprezar a ESCOLHA que esses guineenses efectuaram.
À luz da História e dos Direitos do Homem, foi uma escolha... errada!
Stockholm/2007.
José Belo
Ex-Alf Mil da CCAÇ 2381 (1968/70)
Buba, Quebo, Mampatá e Empada
________________________________
Nota de CV
Sobre o assunto, vd. postes de:
23 de Maio de 2006 > Guiné 63/74 - DCCLXXXIV: Lista dos comandos africanos (1ª, 2ª e 3ª CCmds) executados pelo PAIGC (João Parreira)
27 de Maio de 2006 > Guiné 63/74 - DCCCVI: O colaboracionismo sempre teve uma paga (6) (João Parreira)
31 de Maio de 2006 > Guiné 63/74 - DCCCXXII: Mais ex-combatentes fuzilados a seguir à independência (João Parreira
Vd. último poste da série de 19 de Agosto de 2007 > Guiné 63/74 - P2062: Da Suécia com saudade (José Belo, ex-Alf Mil, CCAÇ 2381, 1968/70) (5): O General que não gostava de bigodes
Trata-se de um assunto melindroso que dá azo a muitas discussões e diferentes correntes de opinião. Porque pautamos pela diversidade e liberdade de conceitos, não temos qualquer pejo em trazer ao conhecimento da Tertúlia o trabalho deste nosso camarada.
Podem e devem rebater e/ou concordar, no espaço destinado para o efeito, clicando em comentários, no rodapé desta Postagem.
2. Milícias e Soldados guineenses ao serviço do colonialismo
Nas poucas vezes que tenho revisitado o meu querido Portugal, nestes trinta e tal anos de um misto de exilado e migrado (exigrado), surpreendo-me sempre com a quantidade de guineenses que encontro no lisboeta largo do Rossio.
Quem são estes homens? Quem foram estes homens? Que histórias existem por de trás dos grupos que conversam, partem mantanha, ou, sentados nas escadarias do teatro D. Maria têm os olhos perdidos em horizontes distantes?
Restos humanos arrastados para estas paragens distantes pelos maremotos da história colonial?
Que solidariedade sentem por parte dos seus antigos companheiros de armas? Compartilharam connosco todos os perigos. Todos os roncos. Sofreram ao nosso lado inúmeros mortos e feridos.
Nos rebentamentos de minas misturámos, literalmente, o nosso sangue. É difícil negar, que eles, estavam sempre nos lugares mais perigosos da luta. À frente das colunas, à frente dos grupos de assalto, à frente de muita tropa branca, ensinando na prática, o que as instruções em Portugal tinham esquecido!
Muitos de nós estamos vivos graças a alguns deles - há, isto de esquecimentos convenientes.
Com o passar dos anos, e o enorme coração português, as realidades cruas da infernal guerra colonial, são, lenta e insinuosamente, substituídas nas nossas recordações, por tonalidades mais lusitaneamente romantizadas.
Nos nossos verdes vinte anos de idade confrontámos a África. No exotismo dos costumes, da natureza, das doenças tropicais, tudo somado ao choque violento das inesperadas confrontações com a morte, os feridos, os amputados e os psiquicamente destroçados.
Quantos dramas tivemos que saber suprir? Quantas terríveis experiências pessoais? As consequências?...
Acabámos por não ter tempo - espaço para dar toda a devida atenção ao drama paralelo que era a cara verdadeira da Administração Colonial. A exploração! A opressão! A violência! Sempre latentes por detrás dos Chefes de Posto, dos Cipaios, da Polícia do Estado e mesmo de alguns comerciantes-colonos que ainda por lá parasitavam!
Quantas preponderâncias? Quantas opressões? Quantos crimes cometidos à sombra de convenientes denúncias?
Nós, na ingenuidade das nossas juventudes, hasteávamos respeitosamente a Bandeira Nacional nos aquartelamentos. As histórias que então me contaram sobre as compras de mancarra por parte de alguns comerciantes de Ingoré, fariam sofrer de inveja muitos dos latifundiários do nosso Alentejo de então.
Era este o meio de onde acabavam por surgir os voluntários para as milícias, e posteriormente, para as tropas africanas. O Estado Português, o Exército e a Administração Local, seriam os responsáveis pela propaganda. Não era essa a função do Otelo numa das repartições do E. M. em Bissau?.
Tudo devidamente acompanhado de incentivos económicos e sociais. Mas, em verdade, a escolha pertencia aos voluntários. A alternativa encontrava-se no mato a bem poucos metros de distancia do outro lado do arame farpado!
Lutavam, tanto do lado colonial, como no movimento de libertação, representantes de todas as etnias da Guiné. Procurou-se assiduamente criar condições para motivar etnias completas a mudar de campo.
Nunca se conseguiu criar, na generalidade, fronteiras rácicas entre os combatentes. Nalgumas zonas as percentagens variavam acentuadamente, mas nunca foi uma guerra entre etnias na sua totalidade.
Não era por acaso que a organização política e militar do PAIGC, sem esquecer a sua fundamental componente das relações internacionais, era uma das mais eficientes, e respeitada, de entre os movimentos de libertação.
O descalabro da então apregoada descolonização exemplar, não a ideal, mas a possível, mais não foi que uma consequência directa do contexto político existente e não menos do herdado. Os esforços de poucos, quanto a assumir responsabilidades para com estes guineenses ao serviço da política colonial, não foram, obviamente, suficientes para os proteger.
Muito se poderia escrever e se escreverá, sobre os esforços e diligências concretas, documentadas, por parte do Carlos Fabião sobre o assunto. Na sua passagem de mais de uma década pelo mato da Guiné, ele, melhor que ninguém, estava ligado, de raiz, à criação das milícias e sua problemática.
Criei com ele amizade pessoal, desde o tempo em que este comandava o sector operacional de Buba, o que me veio a permitir, nos anos 74/75, colocar-lhe algumas perguntas pertinentes sobre o que se poderia ter feito, o que se não fez e o que, na verdade, se procurou fazer.
Verifica-se, infelizmente, que dos interessados nos factos relacionados com as mortes destes africanos, uns colocam as suas pré-ideias à frente do que realmente se procurou fazer, outros procuram analisar este período tão caótico com o coração!
Há, no entanto, alguns factos reais e importantes, que ainda não consegui encontrar no que de muito se tem escrito sobre o assunto. Quer se concorde, ou não, os acontecimentos pré- revolucionários (?) que então se sucediam em Portugal, não eram conducentes a permitir o desembarque em Lisboa de umas boas centenas de (o que de logo seriam apelidados por certos grupos) mercenários e criminosos ao serviço (passado) do colonialismo e a serem utilizados num futuro próximo. POR QUEM?
O exemplo concreto do passado com o tão medalhado Marcelino da Mata, nos acontecimentos do RALIS, deu uma boa amostra desta realidade, para muitos incómoda de enfrentar.
Por outro lado, países africanos contactados, recusaram terminantemente, como seria de esperar, a receber estes colaboradores activos do colonialismo português. E não menos importante, mas por muitos esquecido, o voluntário, imediato e espontâneo cessar fogo por parte de algumas das guarnições portuguesas no mato da Guiné, que veio a colocar umas boas centenas de soldados na posição de reféns, de facto, das forças locais do PAIGC.
Uma logicamente muito complicada situação no terreno, para permitir estabelecer exigências! As execuções, os fuzilamentos e alguns massacres acabaram por acontecer.
Uma prolongada guerra de libertação nacional, com sacrifícios indiscutíveis por parte dos guerrilheiros e seus apoiantes, criava condições mais que suficientes para um ajuste de contas com os que tinham as mãos bem manchadas por tanto sangue de guineenses.
Como português, não sinto orgulho no sucedido a tantos destes africanos que lutaram lado a lado e tantas vezes À FRENTE das nossas tropas.
Fotos: © José Belo (2007). Direitos reservados.
Por respeito a todos os que lutaram, e lutam, pela liberdade dos povos, (incluindo o meu, na sua já bem longa História de séculos), recuso-me a romantizar ou menosprezar a ESCOLHA que esses guineenses efectuaram.
À luz da História e dos Direitos do Homem, foi uma escolha... errada!
Stockholm/2007.
José Belo
Ex-Alf Mil da CCAÇ 2381 (1968/70)
Buba, Quebo, Mampatá e Empada
________________________________
Nota de CV
Sobre o assunto, vd. postes de:
23 de Maio de 2006 > Guiné 63/74 - DCCLXXXIV: Lista dos comandos africanos (1ª, 2ª e 3ª CCmds) executados pelo PAIGC (João Parreira)
27 de Maio de 2006 > Guiné 63/74 - DCCCVI: O colaboracionismo sempre teve uma paga (6) (João Parreira)
31 de Maio de 2006 > Guiné 63/74 - DCCCXXII: Mais ex-combatentes fuzilados a seguir à independência (João Parreira
Vd. último poste da série de 19 de Agosto de 2007 > Guiné 63/74 - P2062: Da Suécia com saudade (José Belo, ex-Alf Mil, CCAÇ 2381, 1968/70) (5): O General que não gostava de bigodes
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Guiné 63/74 - P2067: Convívios (25): CCAÇ 2701 (Saltinho, 1970/72), Alfeizerão, 23 de Setembro de 2007 (Paulo Santiago)
O nosso camarada Paulo Santiago vem dar conhecimento do convívo da CCAÇ 2701 no Restaurante Quinta das Carrascas (Zé da Génia), sito na EN8 entre Alfeizerão (5Km) e Alcobaça.
Este convívio terá lugar no próximo dia 23 de Setembro.
De salientar que este convívio é extensível ao todos os camaradas do Pel Caç Nat 53.
Os interessados deverão contactar o Lourenço (por favor não confundir com o Proveta) para os números:
Tlm - 917398375 e de casa - 262999617
>
Distintivo da CCAÇ 2701, perpetuada numa parede da Estalagem do Saltinho .
sexta-feira, 24 de agosto de 2007
Guiné 63/74 - P2066: Em busca de... (9): Malta da CART 1746, a unidade do Alf Mil Gilberto Madail e do 1º Cabo Manuel Moreira (J. M. OIiveira Pereira)
1. Mensagem do nosso camarada José Maria de Oliveira Pereira, que presumo seja oriundo de e/ou residente em Ourém:
Sou um ex-combatente da CART 1746 e procuro, há muito tempo, contactos de ex-camaradas.
Ao ver este site e reparar que falavam no Gilberto Madail, que pertenceu à CART 1746 (1), e que era meu superior, fiquei com alguma esperança de que me pudessem enviar contactos de camaradas da minha companhia.
Fico a aguardar uma resposta. Desde já agradeço a disponibilidade prestada.
O ex-Combatente
José Maria de Oliveira Pereira
Contacto telefónico : 917794330
E-mail: paula.dias@mail.cm-ourem.pt
2. Comentário do editor do blogue: Camarada Oliveira Perereira:
Embora de férias, li a tua mensagem na minha caixa de correio. Apresso-me a deixar aqui o teu pedido na esperança de que a malta da CART 1746 te contacte directamente ou através do nosso blogue.
Infelizmente não temos tido muitas notícias nem publicado muitas estórias sobre a tua unidade. Temos, pelo menos, três posts sobre a tua CART 1746, sendo dois com referências ao então Alf Mil Gilberto Madaíl (1). Também já aqui publicámos uns versos do teu camarada Manuel Moreira, que é natural de Águeda. Volto a qui a reproduzi-los (2).
O Manuel Moreira é amigo e conterrâneo do camarada Paulo Santiago, membro da nossa tertúlia . Talvez o Paulo te possa ajudar a entrar em contacto com o Manuel Moreira. Se quiseres, podes fazer parte deste grupo de antigos combatentes e amigos da Guiné. Basta mandares duas fotos tuas (digitalizadas, em formato.jpg, sendo uma actual e outra do tempo da tropa) e dizeres algo mais sobre ti e a tua comissão na Guiné. Desejo que tenhas boas notícias da malta da CART 1746 através dos nossos amigos e camaradas da Guiné. És, naturalmente, bem vindo até nós. Luís Graça.
CANÇÃO DA FOME
Estamos num destacamento,
A favor de sol e vento,
Na Ponta do Inglês (3).
Não julguem que é enorme
Mas passamos muita fome,
Aos poucos de cada vez.
A melhor refeição
Que nos aquece o coração,
É de manhã o café;
Pão nunca comi pior
Nem café com mau sabor
Na Província da GUINÉ.
Ao almoço atum a rir
E um pouco de piri-piri,
Misturado com Bianda,
E sardinha p'ró jantar
E uma pinga a acompanhar
Sempre com a velha manga.
Falando agora na luz
Que de noite nos conduz
As vistas par' ó capim:
Se o gasóleo não vem depressa,
Temos Turras à cabeça,
Não sei que será de mim.
Quando o nosso coração bole,
Passamos tardes ao Sol
Junto ao Rio, a esperar,
De cerveja p'ra beber
E batatas p'ra comer
Que na lancha hão-de chegar.
A fome que aqui se passa
Não é bem p'ra nossa raça,
Isto não é brincadeira
E com isto eu termino
E desde já me assino:
MANUEL VIEIRA MOREIRA.
Xime, Ponta do Inglês, 28/01/1968.
________
Notas de L.G.:
(1) Vd. posts de:
21 de Julho de 2006 > Guiné 63/74 - P978: Futebol em Bissorã no tempo do Rogério Freire (CART 1525) e do Gilberto Madail
23 de Julho de 2006 > Guiné 63/74 - P979: O Gilberto Madail pertenceu à CART 1746 (Bissorã e Xime, 1967/69) (Paulo Santiago)
(2) Vd. post de 31 de Julho de 2006 > Guiné 63/74 - P1009: Cancioneiro do Xime (1): A canção da fome (Manuel Moreira, CART 1746)
(3) A CART 1746 (1967/69) veio de Bissorã para o Xime. Aqui tinha um destacamento na Ponta do Inglês . Este ponto estratégico, sito na margem direita do Rio Corubal, foi abandonado pelas NT em Novembro de 1968. Na altura era guarnecido por forças da CART 1746, a unidade de quadrícula do Sector L1 (Bambadinca): vd post de 19 de Março de 2006 >Guiné 63/74 - DCXLI: Ponta do Inglês, Janeiro de 1970 (CCAÇ 12 e CART 2520): capturados 15 elementos da população e um guerrilheiro armado
Sou um ex-combatente da CART 1746 e procuro, há muito tempo, contactos de ex-camaradas.
Ao ver este site e reparar que falavam no Gilberto Madail, que pertenceu à CART 1746 (1), e que era meu superior, fiquei com alguma esperança de que me pudessem enviar contactos de camaradas da minha companhia.
Fico a aguardar uma resposta. Desde já agradeço a disponibilidade prestada.
O ex-Combatente
José Maria de Oliveira Pereira
Contacto telefónico : 917794330
E-mail: paula.dias@mail.cm-ourem.pt
2. Comentário do editor do blogue: Camarada Oliveira Perereira:
Embora de férias, li a tua mensagem na minha caixa de correio. Apresso-me a deixar aqui o teu pedido na esperança de que a malta da CART 1746 te contacte directamente ou através do nosso blogue.
Infelizmente não temos tido muitas notícias nem publicado muitas estórias sobre a tua unidade. Temos, pelo menos, três posts sobre a tua CART 1746, sendo dois com referências ao então Alf Mil Gilberto Madaíl (1). Também já aqui publicámos uns versos do teu camarada Manuel Moreira, que é natural de Águeda. Volto a qui a reproduzi-los (2).
O Manuel Moreira é amigo e conterrâneo do camarada Paulo Santiago, membro da nossa tertúlia . Talvez o Paulo te possa ajudar a entrar em contacto com o Manuel Moreira. Se quiseres, podes fazer parte deste grupo de antigos combatentes e amigos da Guiné. Basta mandares duas fotos tuas (digitalizadas, em formato.jpg, sendo uma actual e outra do tempo da tropa) e dizeres algo mais sobre ti e a tua comissão na Guiné. Desejo que tenhas boas notícias da malta da CART 1746 através dos nossos amigos e camaradas da Guiné. És, naturalmente, bem vindo até nós. Luís Graça.
CANÇÃO DA FOME
Estamos num destacamento,
A favor de sol e vento,
Na Ponta do Inglês (3).
Não julguem que é enorme
Mas passamos muita fome,
Aos poucos de cada vez.
A melhor refeição
Que nos aquece o coração,
É de manhã o café;
Pão nunca comi pior
Nem café com mau sabor
Na Província da GUINÉ.
Ao almoço atum a rir
E um pouco de piri-piri,
Misturado com Bianda,
E sardinha p'ró jantar
E uma pinga a acompanhar
Sempre com a velha manga.
Falando agora na luz
Que de noite nos conduz
As vistas par' ó capim:
Se o gasóleo não vem depressa,
Temos Turras à cabeça,
Não sei que será de mim.
Quando o nosso coração bole,
Passamos tardes ao Sol
Junto ao Rio, a esperar,
De cerveja p'ra beber
E batatas p'ra comer
Que na lancha hão-de chegar.
A fome que aqui se passa
Não é bem p'ra nossa raça,
Isto não é brincadeira
E com isto eu termino
E desde já me assino:
MANUEL VIEIRA MOREIRA.
Xime, Ponta do Inglês, 28/01/1968.
________
Notas de L.G.:
(1) Vd. posts de:
21 de Julho de 2006 > Guiné 63/74 - P978: Futebol em Bissorã no tempo do Rogério Freire (CART 1525) e do Gilberto Madail
23 de Julho de 2006 > Guiné 63/74 - P979: O Gilberto Madail pertenceu à CART 1746 (Bissorã e Xime, 1967/69) (Paulo Santiago)
(2) Vd. post de 31 de Julho de 2006 > Guiné 63/74 - P1009: Cancioneiro do Xime (1): A canção da fome (Manuel Moreira, CART 1746)
(3) A CART 1746 (1967/69) veio de Bissorã para o Xime. Aqui tinha um destacamento na Ponta do Inglês . Este ponto estratégico, sito na margem direita do Rio Corubal, foi abandonado pelas NT em Novembro de 1968. Na altura era guarnecido por forças da CART 1746, a unidade de quadrícula do Sector L1 (Bambadinca): vd post de 19 de Março de 2006 >Guiné 63/74 - DCXLI: Ponta do Inglês, Janeiro de 1970 (CCAÇ 12 e CART 2520): capturados 15 elementos da população e um guerrilheiro armado
quinta-feira, 23 de agosto de 2007
Guiné 63/74 - P2065: História da CCAÇ 2402 (Raul Albino) (8): Furriel Amorim, morto em combate
1. Mensagem do Raul Albino, ex-Alf Mil, CCAÇ 2402/BCAÇ 2851 (Có, Mansabá e Olossato, 1968/70) em 22 de Agosto:
Caro Luís e editores
Espero que as tuas férias estejam a ser repousantes. Qualquer um de vocês merece dois meses de férias (pagas a peso de ouro).
Aqui vai o 8.º texto das Memórias da CCAÇ 2402.
Espero que chegue em boas condições ao destino.
Um abraço a todos
Raul Albino
2. Furriel Amorim – Morto em Combate
Em 6 de Novembro de 1968 teve lugar uma operação, sem nome, de patrulhamento conjugado de emboscadas na região de Igate/Peconha, onde estava referenciada uma base do IN, a partir da qual, quase diariamente, saíam elementos que atacavam os trabalhos na estrada Bula-Có, logo ao nascer do dia.
Região do Cacheu > Pelundo > Có > CCAÇ 2402 (1968/70) > Coluna em deslocação de Bula para Có.
Teve a duração de um dia e um efectivo de dois grupos de combate (nesta operação específica, o 1.º e 4.º grupos).
A missão era emboscar o IN, no seu regresso à base na Peconha.
Porque o 3.º Grupo de Combate que eu comandava ficou nesse dia de serviço ao aquartelamento, não serei o mais habilitado a descrever o que aconteceu neste dia infeliz para a nossa Companhia, tendo recorrido a alguns testemunhos de quem esteve presente na Operação e quis participar nesta narrativa.
Logo no início, esta Operação teve algo pouco habitual. Por razões que desconheço, o nosso Capitão Vargas Cardoso decidiu sair com os dois grupos de combate nesta Operação, passando a comandá-la no terreno. Digo pouco habitual, porque não era pressuposto o nosso Comandante de Companhia sair em operações no exterior, nem a isso estava obrigado pela sua hierarquia. Foi portanto da sua inteira iniciativa esta saída para o mato.
Amadora > RI 1 > 1968 > CCAÇ 2402, em formação > De pé, da esquerda para a direita: Aspirantes Francisco Silva e Raul Albino, e Capitão Vargas Cardoso (assinalado com um círculo a amarelo).
Fotos: © Raul Albino (2007). Direitos reservados.
As únicas imagens que retenho na memória com grande consternação, foi o regresso das nossas tropas na sua chegada à porta de armas. Era uma fileira de militares esgotados e abatidos, não tanto pelos contactos com o inimigo, mas principalmente pelo seu estado de saúde. Entravam em pequenos grupos amparando-se mutuamente, com os rostos irreconhecíveis, deformados pelo inchaço provocado pelas ferroadas das abelhas. Em alguns nem se viam os olhos e tinham de ser conduzidos por companheiros como se fossem cegos.
Durante toda a comissão poucas coisas me impressionaram tanto como esta visão do efeito causado pelo ataque das abelhas nas feições e no moral dos combatentes.
Como esclarecimento fica aqui a informação de que o Furriel Amorim, que recebera formação nos Comandos, tinha vindo em rendição individual dois ou três dias antes desta Operação, para substituir um furriel meu que fora evacuado por doença.
Como havia um grupo mais desfalcado do que o meu, não me foi atribuído, indo reforçar o 4.º Grupo de Combate. Foi efémera a sua passagem pela Companhia.
Era casado com uma professora primária em A-Ver-O-Mar/Póvoa de Varzim e esperava ser pai pela primeira vez em Dezembro.
Mas passemos à descrição sucinta da Operação propriamente dita.
Pelas 10,40 horas um pequeno grupo IN caiu na emboscada montada pelas NT, junto à antiga tabanca da Peconha. Reza a descrição oficial que logo aos primeiros tiros foi gravemente ferido o Furriel Amorim, pertencente ao 4.º Grupo de Combate.
Simultaneamente uma rajada terá atingido um enxame de abelhas que investiu furiosamente, pondo em debandada o grupo IN e as NT que estavam emboscadas. Pior coisa não podia ter acontecido e isso marcou esse dia fatídico e tudo aquilo que se seguiu.
Com o furriel ferido e a emboscada abortada pelo ataque das abelhas, foi pedida de imediato, por rádio, a evacuação por helicóptero do Furriel Amorim. A evacuação demorou bastante a ser feita e pelas 12,05 horas o furriel viria a falecer.
Já de regresso, as NT, já com manifestações nítidas de inchaço nos rostos, foram por sua vez emboscadas pelo IN, calculado entre 20 a 30 elementos ainda segundo a versão oficial, utilizando Morteiro 60, Lança Granadas Foguete, Metralhadoras Ligeiras e armas automáticas, durante cerca de 20 minutos. As NT reagiram pondo o IN em fuga.
Neste segundo contacto saiu ligeiramente ferido o nosso Capitão Vargas Cardoso, tendo sido evacuado de helicóptero com o falecido Furriel Amorim, pelas 14,15 horas. Segundo notícia posteriormente obtida pelo BCAV 1915, o inimigo terá sofrido na 2.ª emboscada dois mortos e vários feridos.
Seguem-se os depoimentos de alguns intervenientes nesta operação. Curiosamente o testemunho mais importante, o do Cap Vargas Cardoso, só recentemente chegou à minha posse. Está a ser trabalhado e irá ser incluído no 2.º volume das Memórias de Campanha da CCAÇ 2402. Será posteriormente enviado ao blogue se ele assim o autorizar.
Depoimento de António Coutinho da Silva:
Quando o Furriel Amorim chegou à nossa Companhia, via-se que era um homem activo, falava com o pessoal e estava sempre ansioso por saber situações de guerra, até que chegou o dia de ir para o mato com o meu pelotão (4.º) fazer uma patrulha na estrada de Có para Bula, na região da Peconha.
Estávamos emboscados, quando um milícia nativo subiu a uma árvore para vigiar a zona. Quando viu o inimigo, desceu da árvore e avisou o pessoal de que o inimigo estava perto.
Preparámo-nos para o contacto e quando o Furriel Amorim se levantou com a arma em posição de fogo, o inimigo foi mais rápido e uma rajada veio a atingi-lo gravemente. Apesar de todos os esforços dos nossos enfermeiros nada pôde ser feito, acabando por morrer perto de mim. Foi um momento que nunca mais esquecerei.
Paz à sua alma!
Depoimento de José Manuel Rodrigues Ferreira:
Quando do ataque das abelhas, também passei um mau bocado, perdi a arma G3 e duas granadas de bazuca, na aflição do momento.
Depois de deitarem fogo ao capim e quando tudo se acalmou, fui com um guia à procura da arma e das granadas, mas acabei por encontrar a arma com a coronha toda retorcida pelo fogo.
Depoimento de Armando Cruz Pimentel Pereira:
Há recordações que não posso esquecer, como por exemplo, aquela operação em Có onde o Furriel Amorim veio a morrer.
Ele tinha a mania de não se deitar e isso foi-lhe fatal ao receber uma rajada no corpo e como se isso não bastasse mandaram uma roquetada para uma árvore onde se encontrava um enxame de abelhas, que a muitos deixou a cara inchada pelas ferroadas. Alguns deixaram de ver e tivemos de os trazer pela mão.
Fomos novamente atacados e eles nem viam sequer o suficiente para se atirarem ao chão e protegerem-se.
Teve de vir um helicóptero para levar o morto e também o Capitão. Só aí ficou confiante o Capitão de que era verdade o que eu dizia que as divisas e o lenço verde no mato luzia ao longe. E ali ficou ele, perplexo, sem saber o que fazer, já nem sequer reagia com a poeira que não o deixava ver. Fui então socorrê-lo porque ali podia morrer.
Já no quartel foi-me ver para me agradecer, abraçando-se a mim e chorando por o ter ido socorrer, mas eu não fiz mais que a minha obrigação, foi isso que lhe disse e na verdade senti.
Depoimento de António Joaquim Rodrigues:
Além do segundo ataque a Có, o outro momento que mais me marcou foi a operação que fizemos à Peconha.
Eram dois pelotões e andámos toda a noite para chegarmos ao local de manhã cedo. Aí montámos uma emboscada em forma de L.
Detectei um enxame de abelhas numa árvore grossa e disse ao Alferes Caseiro: - Vamos ficar aqui? Se houver algo estamos tramados com as abelhas!
Assim aconteceu, a minha Secção foi mais para a frente, como era a primeira ficámos à beira do carreiro onde os turras passavam. Nesse dia a minha Secção era comandada por um furriel que era a primeira operação que fazia connosco. Infelizmente ficou ferido.
Nós tínhamos uma sentinela em cima de uma árvore para ver ao longe. No momento em que foi rendido, os turras surgiram, o Capitão só teve tempo de dizer pela rádio: - Caseiro, põe-te à tabela!
Eles mandaram uma roquetada para a árvore onde estava o enxame de abelhas que, espavoridas pelo fogo, picaram todos os que se encontravam ao redor, a ponto de alguns colegas desmaiarem.
O Bilito só dizia:
Eu estive presente no momento em que o Furriel morreu e assisti à grande tragédia que foi a sua morte.
Nós estávamos no meio da mata, quando fomos avisados por um vigia de que o IN se dirigia para nós. De imediato tentámos estar numa posição que nos defendesse do ataque dos inimigos e ao mesmo tempo estarmos prontos para o atacar.
O Furriel estava no meu grupo e levantou-se um pouco para ver se o IN estava próximo. Ele foi atingido de imediato por uma rajada de metralhadora. O seu lado esquerdo tinha sido completamente atingido, o sangue saltava cada vez que ele respirava, os nervos pareciam que lhe saíam do braço onde ele tinha empunhada a sua arma. Foi terrível assistir a tal sofrimento.
Depois do Furriel ter sido atingido, nós levámo-lo para a sombra de uma árvore onde esperámos pela ajuda do helicóptero. Neste entretanto, o Furriel foi assistido por militares-enfermeiros que fizeram tudo para o salvar. O esforço dos enfermeiros foi inglório, pois os ferimentos eram muitos e profundos. O seu estado era muito grave, mas tudo foi feito, dentro dos possíveis, para o salvar. O Furriel morreu antes de o helicóptero chegar.
Decidimos então levar o corpo do Furriel para o acampamento, mas caímos noutra emboscada. A mim não me mataram porque Deus protegeu-me. Eu rastejei e virei-me para trás para dar indicação a um colega que estava a 5 metros de mim, para lançar o dilagrama que era uma granada lançada pela própria espingarda G3. Ele lançou a granada e depois reinou o silêncio. Depois ouviram-se insultos, fomos chamados de assassinos, de bandidos e mandaram-nos embora para Lisboa.
Pouco tempo depois chegou o helicóptero que transportou o corpo do Furriel. A acompanhar o corpo do Furriel foi o nosso Capitão Vargas Cardoso.
Foram maus tempos, mas felizmente já passaram. Feliz fico eu por tudo ter ficado para trás.
Raul Albino
________________________
Nota do co-editor CV
Vd. último post da série de 16 de Agosto> Guiné 63/74 - P2053: História da CCAÇ 2402 (Raul Albino) (7): O Pelotão dos Bravos na Ilha de Jete
Caro Luís e editores
Espero que as tuas férias estejam a ser repousantes. Qualquer um de vocês merece dois meses de férias (pagas a peso de ouro).
Aqui vai o 8.º texto das Memórias da CCAÇ 2402.
Espero que chegue em boas condições ao destino.
Um abraço a todos
Raul Albino
2. Furriel Amorim – Morto em Combate
Em 6 de Novembro de 1968 teve lugar uma operação, sem nome, de patrulhamento conjugado de emboscadas na região de Igate/Peconha, onde estava referenciada uma base do IN, a partir da qual, quase diariamente, saíam elementos que atacavam os trabalhos na estrada Bula-Có, logo ao nascer do dia.
Região do Cacheu > Pelundo > Có > CCAÇ 2402 (1968/70) > Coluna em deslocação de Bula para Có.
Teve a duração de um dia e um efectivo de dois grupos de combate (nesta operação específica, o 1.º e 4.º grupos).
A missão era emboscar o IN, no seu regresso à base na Peconha.
Porque o 3.º Grupo de Combate que eu comandava ficou nesse dia de serviço ao aquartelamento, não serei o mais habilitado a descrever o que aconteceu neste dia infeliz para a nossa Companhia, tendo recorrido a alguns testemunhos de quem esteve presente na Operação e quis participar nesta narrativa.
Logo no início, esta Operação teve algo pouco habitual. Por razões que desconheço, o nosso Capitão Vargas Cardoso decidiu sair com os dois grupos de combate nesta Operação, passando a comandá-la no terreno. Digo pouco habitual, porque não era pressuposto o nosso Comandante de Companhia sair em operações no exterior, nem a isso estava obrigado pela sua hierarquia. Foi portanto da sua inteira iniciativa esta saída para o mato.
Amadora > RI 1 > 1968 > CCAÇ 2402, em formação > De pé, da esquerda para a direita: Aspirantes Francisco Silva e Raul Albino, e Capitão Vargas Cardoso (assinalado com um círculo a amarelo).
Fotos: © Raul Albino (2007). Direitos reservados.
As únicas imagens que retenho na memória com grande consternação, foi o regresso das nossas tropas na sua chegada à porta de armas. Era uma fileira de militares esgotados e abatidos, não tanto pelos contactos com o inimigo, mas principalmente pelo seu estado de saúde. Entravam em pequenos grupos amparando-se mutuamente, com os rostos irreconhecíveis, deformados pelo inchaço provocado pelas ferroadas das abelhas. Em alguns nem se viam os olhos e tinham de ser conduzidos por companheiros como se fossem cegos.
Durante toda a comissão poucas coisas me impressionaram tanto como esta visão do efeito causado pelo ataque das abelhas nas feições e no moral dos combatentes.
Como esclarecimento fica aqui a informação de que o Furriel Amorim, que recebera formação nos Comandos, tinha vindo em rendição individual dois ou três dias antes desta Operação, para substituir um furriel meu que fora evacuado por doença.
Como havia um grupo mais desfalcado do que o meu, não me foi atribuído, indo reforçar o 4.º Grupo de Combate. Foi efémera a sua passagem pela Companhia.
Era casado com uma professora primária em A-Ver-O-Mar/Póvoa de Varzim e esperava ser pai pela primeira vez em Dezembro.
Mas passemos à descrição sucinta da Operação propriamente dita.
Pelas 10,40 horas um pequeno grupo IN caiu na emboscada montada pelas NT, junto à antiga tabanca da Peconha. Reza a descrição oficial que logo aos primeiros tiros foi gravemente ferido o Furriel Amorim, pertencente ao 4.º Grupo de Combate.
Simultaneamente uma rajada terá atingido um enxame de abelhas que investiu furiosamente, pondo em debandada o grupo IN e as NT que estavam emboscadas. Pior coisa não podia ter acontecido e isso marcou esse dia fatídico e tudo aquilo que se seguiu.
Com o furriel ferido e a emboscada abortada pelo ataque das abelhas, foi pedida de imediato, por rádio, a evacuação por helicóptero do Furriel Amorim. A evacuação demorou bastante a ser feita e pelas 12,05 horas o furriel viria a falecer.
Já de regresso, as NT, já com manifestações nítidas de inchaço nos rostos, foram por sua vez emboscadas pelo IN, calculado entre 20 a 30 elementos ainda segundo a versão oficial, utilizando Morteiro 60, Lança Granadas Foguete, Metralhadoras Ligeiras e armas automáticas, durante cerca de 20 minutos. As NT reagiram pondo o IN em fuga.
Neste segundo contacto saiu ligeiramente ferido o nosso Capitão Vargas Cardoso, tendo sido evacuado de helicóptero com o falecido Furriel Amorim, pelas 14,15 horas. Segundo notícia posteriormente obtida pelo BCAV 1915, o inimigo terá sofrido na 2.ª emboscada dois mortos e vários feridos.
Seguem-se os depoimentos de alguns intervenientes nesta operação. Curiosamente o testemunho mais importante, o do Cap Vargas Cardoso, só recentemente chegou à minha posse. Está a ser trabalhado e irá ser incluído no 2.º volume das Memórias de Campanha da CCAÇ 2402. Será posteriormente enviado ao blogue se ele assim o autorizar.
Depoimento de António Coutinho da Silva:
Quando o Furriel Amorim chegou à nossa Companhia, via-se que era um homem activo, falava com o pessoal e estava sempre ansioso por saber situações de guerra, até que chegou o dia de ir para o mato com o meu pelotão (4.º) fazer uma patrulha na estrada de Có para Bula, na região da Peconha.
Estávamos emboscados, quando um milícia nativo subiu a uma árvore para vigiar a zona. Quando viu o inimigo, desceu da árvore e avisou o pessoal de que o inimigo estava perto.
Preparámo-nos para o contacto e quando o Furriel Amorim se levantou com a arma em posição de fogo, o inimigo foi mais rápido e uma rajada veio a atingi-lo gravemente. Apesar de todos os esforços dos nossos enfermeiros nada pôde ser feito, acabando por morrer perto de mim. Foi um momento que nunca mais esquecerei.
Paz à sua alma!
Depoimento de José Manuel Rodrigues Ferreira:
Quando do ataque das abelhas, também passei um mau bocado, perdi a arma G3 e duas granadas de bazuca, na aflição do momento.
Depois de deitarem fogo ao capim e quando tudo se acalmou, fui com um guia à procura da arma e das granadas, mas acabei por encontrar a arma com a coronha toda retorcida pelo fogo.
Depoimento de Armando Cruz Pimentel Pereira:
Há recordações que não posso esquecer, como por exemplo, aquela operação em Có onde o Furriel Amorim veio a morrer.
Ele tinha a mania de não se deitar e isso foi-lhe fatal ao receber uma rajada no corpo e como se isso não bastasse mandaram uma roquetada para uma árvore onde se encontrava um enxame de abelhas, que a muitos deixou a cara inchada pelas ferroadas. Alguns deixaram de ver e tivemos de os trazer pela mão.
Fomos novamente atacados e eles nem viam sequer o suficiente para se atirarem ao chão e protegerem-se.
Teve de vir um helicóptero para levar o morto e também o Capitão. Só aí ficou confiante o Capitão de que era verdade o que eu dizia que as divisas e o lenço verde no mato luzia ao longe. E ali ficou ele, perplexo, sem saber o que fazer, já nem sequer reagia com a poeira que não o deixava ver. Fui então socorrê-lo porque ali podia morrer.
Já no quartel foi-me ver para me agradecer, abraçando-se a mim e chorando por o ter ido socorrer, mas eu não fiz mais que a minha obrigação, foi isso que lhe disse e na verdade senti.
Depoimento de António Joaquim Rodrigues:
Além do segundo ataque a Có, o outro momento que mais me marcou foi a operação que fizemos à Peconha.
Eram dois pelotões e andámos toda a noite para chegarmos ao local de manhã cedo. Aí montámos uma emboscada em forma de L.
Detectei um enxame de abelhas numa árvore grossa e disse ao Alferes Caseiro: - Vamos ficar aqui? Se houver algo estamos tramados com as abelhas!
Assim aconteceu, a minha Secção foi mais para a frente, como era a primeira ficámos à beira do carreiro onde os turras passavam. Nesse dia a minha Secção era comandada por um furriel que era a primeira operação que fazia connosco. Infelizmente ficou ferido.
Nós tínhamos uma sentinela em cima de uma árvore para ver ao longe. No momento em que foi rendido, os turras surgiram, o Capitão só teve tempo de dizer pela rádio: - Caseiro, põe-te à tabela!
Eles mandaram uma roquetada para a árvore onde estava o enxame de abelhas que, espavoridas pelo fogo, picaram todos os que se encontravam ao redor, a ponto de alguns colegas desmaiarem.
O Bilito só dizia:
- Rodrigues vai chamar o enfermeiro!
Ao que eu lhe respondia:
- Tem calma, eu também estou mordido e há colegas piores do que tu!
Tive então de ir buscar o enfermeiro para fazer curativo ao furriel ferido, que, salvo seja, apanhou uma rajada no corpo, devido à qual acabou por falecer.
Depois fomos fazer um reconhecimento, porque muitos deixaram no terreno granadas, cartucheiras, barretes, etc.
Momentos depois fomos atacados de novo já em regresso ao quartel. Foi pedido apoio aéreo, mas o helicóptero chegou muito tarde, acabando por evacuar o já falecido Furriel e o nosso Capitão para Bissau.
Depoimento de Manfredo José Abrunhosa da Silva:
Depois fomos fazer um reconhecimento, porque muitos deixaram no terreno granadas, cartucheiras, barretes, etc.
Momentos depois fomos atacados de novo já em regresso ao quartel. Foi pedido apoio aéreo, mas o helicóptero chegou muito tarde, acabando por evacuar o já falecido Furriel e o nosso Capitão para Bissau.
Depoimento de Manfredo José Abrunhosa da Silva:
Eu estive presente no momento em que o Furriel morreu e assisti à grande tragédia que foi a sua morte.
Nós estávamos no meio da mata, quando fomos avisados por um vigia de que o IN se dirigia para nós. De imediato tentámos estar numa posição que nos defendesse do ataque dos inimigos e ao mesmo tempo estarmos prontos para o atacar.
O Furriel estava no meu grupo e levantou-se um pouco para ver se o IN estava próximo. Ele foi atingido de imediato por uma rajada de metralhadora. O seu lado esquerdo tinha sido completamente atingido, o sangue saltava cada vez que ele respirava, os nervos pareciam que lhe saíam do braço onde ele tinha empunhada a sua arma. Foi terrível assistir a tal sofrimento.
Depois do Furriel ter sido atingido, nós levámo-lo para a sombra de uma árvore onde esperámos pela ajuda do helicóptero. Neste entretanto, o Furriel foi assistido por militares-enfermeiros que fizeram tudo para o salvar. O esforço dos enfermeiros foi inglório, pois os ferimentos eram muitos e profundos. O seu estado era muito grave, mas tudo foi feito, dentro dos possíveis, para o salvar. O Furriel morreu antes de o helicóptero chegar.
Decidimos então levar o corpo do Furriel para o acampamento, mas caímos noutra emboscada. A mim não me mataram porque Deus protegeu-me. Eu rastejei e virei-me para trás para dar indicação a um colega que estava a 5 metros de mim, para lançar o dilagrama que era uma granada lançada pela própria espingarda G3. Ele lançou a granada e depois reinou o silêncio. Depois ouviram-se insultos, fomos chamados de assassinos, de bandidos e mandaram-nos embora para Lisboa.
Pouco tempo depois chegou o helicóptero que transportou o corpo do Furriel. A acompanhar o corpo do Furriel foi o nosso Capitão Vargas Cardoso.
Foram maus tempos, mas felizmente já passaram. Feliz fico eu por tudo ter ficado para trás.
Raul Albino
________________________
Nota do co-editor CV
Vd. último post da série de 16 de Agosto> Guiné 63/74 - P2053: História da CCAÇ 2402 (Raul Albino) (7): O Pelotão dos Bravos na Ilha de Jete
Guiné 63/74 - P2064: Memórias de um comandante de pelotão de caçadores nativos (Paulo Santiago) (12): Evocando todos os militares do 53
1. O nosso camarada Paulo Santiago, ex-Alf Mil do Pel Caç Nat 53, Saltinho, 1970/72, em mensagem de 18 de Agosto, dizia:
- Segue mais uma memória. Hoje evocando, já o devia ter feito, todos os militares do 53 que tive o orgulho e a honra de comandar.
Foto do Pel Caç Nat 53> Comandada pelo ex-Alf Mil Paulo Santiago
2. Como já escrevi há tempos atrás, o Pel Caç Nat 53 era bastante heterogéneo quanto a etnias, o que não impedia haver um excelente espírito de corpo. Tenho grandes saudades daqueles homens, principalmente dos africanos, imaginando os que ainda vivos e vivendo na Guiné, as imensas dificuldades a enfrentar no dia a dia. Felizmente encontrei alguns em Fevereiro de 2005.
Comecemos pelo Fur Mil Duarte, já no 53, quando da minha chegada, era o meu braço direito, meu substituto no comando, natural de S.Pedro do Sul e actualmente residente em Viseu. Era também conhecido, alcunha apradinhada pelo Julião da CCAÇ 2701, por Passarinho e ainda esteve no Saltinho com a CCAÇ 2406. Ajudou-me imenso na minha integração no Grupo de Combate e na minha adaptação à Guiné. Extrovertido e excelente jogador de futebol, sendo que, no 53, exceptuando o comandante e poucos mais, havia os melhores jogadores e a melhor equipe das redondezas. O Duarte foi rendido pelo Fur Mil Mário Rui, em fins de 71, quando me encontrava em Bambadinca. Continuamos a encontrar-nos, tendo-me convidado para o casamento, a que fui com prazer, da filha mais velha.
O Fur Mil Mário Rui, tinha sido colocado na 2701 dois meses antes da minha chegada à Guiné, pertencendo ao 4.º Pelotão, comandado pelo meu saudoso camarada e amigo Alf Mil Valentim Oliveira, tendo transitado, como disse atrás, para o 53 em fins de 71. Onde páras Mário Rui? O número de telemóvel que tinha, há muito que está emudecido.Tenho um carinho especial por este meu camarada. Era uma pessoa alegre, simpática e exímio tocador de viola, guitarra, para os puristas. Foi extremamente afectado pela tragédia do Quirafo, o auxilio aos sobreviventes, a recolha dos mortos, marcou-o para sempre, paralisou-lhe os dedos provocando o calar da guitarra. Quando cortámos com o proveta Lourenço e mudámos para o Reordenamento de Contabane, ocupando a 1.ª casa, para quem vinha da fronteira, o Rui era meu companheiro de quarto. Tomava vários calmantes durante o dia, terminando, ao deitar, com uma dose de Vallium. Eu, cheio de wisky, ouvia os pesadelos que tinha durante a noite, o que não impedia a sua operacionalidade, como contarei noutra memória, quando de um ataque a uma tabanca perto do Saltinho. Fiquei com muita pena, quando fui rendido e o Rui, que já tinha mais tempo de comissão, continuou à espera de substituto. Se algum camarada souber do paradeiro do Mário Rui Rodrigues, natural de Cebolais de Baixo (ou de Cima), Castelo Branco, dê-me uma apitadela.
O Fur Mil Martins, transmontano, natural de Bragança, era um tipo muito certinho, muito introvertido, não bebia, convivíamos pouco, mas é um camarada que não esqueci.
Por último havia o Fur Mil Dinis, açoriano da Terceira, com aquela pronúncia caracteristica, conheci-o em Bambadinca, ao iniciar a instrução da minha 2.ª Companhia de Milícias, na primeira quinzena de 1972. Em 6/01/72, dia em que fiz 24 anos, apareceu um heli no Saltinho, estando já previsto o meu regresso a Bambadinca, em coluna, via Galomaro, mas como ainda tinha tempo, com a cumplicidade do Clemente e a boleia oferecida pelo piloto, regressei a Bambadinca, via Bissau, onde andei três dias nos copos e no Pilão, indo de DO 27 para aquela Sede de Batalhão acompanhado pelo Major Anjos de Carvalho, que tinha vindo ao QG tratar de um qualquer assunto. O Fur Mil Dinis chegara ao Saltinho no dia 7 e de imediato, foi enviado para Bambadinca como instrutor de um dos pelotões de milícia. Era um óptimo camarada, gostava de ouvir aquela pronúncia. Tal como o Martins, nunca mais soube dele, mas gostava de os encontrar.
Vamos aos 1.ºs Cabos.
O Mamadu Sanhá, beafada, ainda hoje Cabo da Guarda Fiscal, tive muita pena de não o encontrar em Bafatá, em Fevereiro de 2005. Foi ferido em combate, em 4 de Dezembro de 1971, em Galomaro, quando uma das secções do 53 se encontrava destacada, naquela Sede de Batalhão, comandada pelo Fur Mil Martins. Escreveu-me há tempos uma carta, que muito me emocionou, agradecendo uns euros que lhe enviei através do Sado.
O Verdete de Maiorca, Figueira da Foz, temo-nos encontrado.
O António Cosme de Vilarinho do Bairro, Anadia, que pouco tempo depois de chegar à Guiné, soube da trágica notícia da morte da irmã e cunhado, quando uma noite, andando a regar milho, cairam num poço, deixando dois filhos menores, criados e educados pelo tio, após o regresso da Guiné. Foi em Junho de 2006, juntamente com o Carlos Clemente, minha testemunha abonatória, num processo por agressão corporal, que malevolamente me levantaram e do qual, felizmente, saí absolvido. Já por duas vezes, nos juntámos em casa do Cosme, eu, o Verdete e o Pina, outro dos meus 1.ºs Cabos, infelizmente falecido há pouco mais de um ano.
O Umaru Baldé, também 1.º Cabo, fula.
Fechando com o Cristóvão Mantudo dos Santos, papel e o mais instruído do Pel Caç Nat 53, tendo frequência do 5.º ano do liceu.
Evocando agora os soldados, começando pelo Putchane Obna, balanta, também conhecido por Cunha, bebedor inveterado, o único a quem dei um forte murro (o Martins Julião assistiu) encontrei-o a dormir no posto de sentinela mais sensível do quartel.
O Fieme, mandinga, o Morna, balanta, por quem tinha também uma especial amizade, grande bebedor, mas contava-me histórias deliciosas.
O Bari, penso que mandinga, o Samba Jau, fula, o Tuai Camará, fula, o Quebosse Embonda, outro bebedor, balanta como é óbvio, o Bobo Embaló, fula, o melhor futebolista do Saltinho, tinha uma Cruz de Guerra.
O Bubacar Só, fula, mais conhecido por Buba, encontrei-o em Fevereiro de 2005 em Bambadinca, o Queta Mané, mandinga, o Dauda Camará, fula, o Baró Turê, mandinga, sei que vive em Lisboa, mas não tenho contacto.
O Iero Seidi, fula, ferido em combate na mesma data e local com o Sanhá, já morreu, estive com o filho em Bambadinca em 2005.
O Samba Seidi, fula, o Fodé Sané, fula, não fazia na altura serviço operacional, fora gravemente ferido, anos antes, para os lados do Xime. Tinha uma Cruz de Guerra. Era bom alfaiate, reparava-me as fardas, limpava-me a arma, mesmo sem pedir e a mulher era a minha lavadeira, irmã do Jamanta da 1. ª CCOMS.
O Bacari Baldé, fula, o Iaia Dabó, mandinga, protagonista de uma história de amor proibido, contada em memória anterior, o Bobo Djaló, fula, o Abdulai Uaga, balanta, mais conhecido por Bagaço, o homem do morteiro 60, usava um boné de bombazine cor creme, quando ía para o mato, mesmo com algum álcool, colocava a granada onde queria.
O Queta Embaló, fula, o Correia, balanta, o Suleimane Baldé, mais tarde 1.º Cabo, actual Régulo de Contabane, ainda há poucos meses esteve em minha casa. Continua a tratar-me por meu comandante. Jamais esquecerei a recepção que a Fatema, mãe dele, me fez e ao meu filho, em Fevereiro de 2005 em Sincha Sambel.
Mamadu Jau, uma força da natureza, um dos meus guarda-costas, tratava uma MG 42, como eu uma G3. Encontrei-o em Bambadinca em 2005.
O Abdulai Baldé, fula, o meu mais encarniçado guarda-costas, tive muita pena de não o ter encontrado em 2005, só em Bissau na véspera do regresso, soube que tinha passado ao lado da tabanca onde agora vive. Disseram-me que tinha sido um dos fiéis aliados do Brigadeiro Ansumane Mané e, que este se dirigia para a zona do Saltinho, quando foi assassinado à paulada. Procuraria refúgio junto daquele meu ex-soldado e de outros amigos que tinha para aqueles lados.
Outro dos meus guarda-costas era o Amadú Baldé, fula, passou depois para comandante de um pelotão de milícias . Também me desencontrei dele em Fevereiro de 2005.
Para terminar, faltam dois homens, o Fali Dembo, fula e o Jorge, alfacinha de gema, era o transmissões do 53.
Fevereiro de 2005> Paulo Santiago em Bambadinca> Na foto: Mamadu Jau, Paulo Santiago, Bubacar Só e, de cócoras, o filho do Iero Seidi
Fotos: © Paulo Santiago (2007). Direitos reservados
Acho que tinha de falar de todos estes homens, que durante muitos meses me acompanharam, 24 sobre 24 horas. Com eles aprendi muito e também lhes devo muito, há uns que pela sua personalidade ou por qualquer outro motivo, recordo com mais facilidade, mas todos estão presentes no meu coração.
Paulo Santiago
ex-Alf Mil
CMDT Pel Caç Nat 53
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Nota do co-editor CV
Vd. último post da série de 8 de Agosto, Guiné 63/74 - P2036 - Memórias de um comandante de pelotão de caçadores nativos (Paulo Santiago) (11): Dr Brocas, o contador de estórias, que era gago.
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