quarta-feira, 12 de maio de 2021

Guiné 61/74 - P22195: O nosso blogue como fonte de informação e conhecimento (85): Pedido de colaboração a pessoas maiores de 18 anos, pertencentes a qualquer país da CPLP para participar num inquérito sobre aspectos psicológicos associados ao bem-estar: resposta anónima e confidencial, demorando cerca de 20 minutos (Prof Doutor Henrique Pereira, Universidade da Beira Interior, Covilhã)


1. Mensagem de Henrique Pereira, psicólogo clínico, professor e investigador da UBI - Universidade da Beira Interior:
 
Date: domingo, 9/05/2021 à(s) 12:25
Subject: Pedido de Divulgação - Solicitação de participação em investigação
 

Olá. Estamos a realizar uma investigação, cujo objetivo é avaliar os aspetos psicológicos associados ao bem-estar, ajustamento, risco psicossocial e fatores protetores em cidadão da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa. 

 

Este inquérito está dirigido a pessoas:


(i) com 18 anos de idade;


(ii)  e que vivam ou sejam nacionais de um dos países da CPLP: 


Portugal

Brasil

Cabo Verde

Angola

Moçambique

Guiné-Bissau

São Tomé e Príncipe

Macau

Timor-Leste. 

 

Para participar, só tem que clicar no link abaixo (que é seguro) e seguir todas as indicações: 


Ajustamento, Risco Psicossocial e Fatores Protetores nos cidadãos da CPLP

 


Desde já muito obrigado pela participação e divulgação pelos seus contactos.

Henrique Pereira, Ph.D.

Professor Associado com Agregação




Departamento de Psicologia e Educação - Faculdade de Ciências Sociais e Humanas
Universidade da Beira Interior | Covilhã | Portugal
Ψ 2001-2021: 20 anos de Psicologia na UBI
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Nota do editor:

Guiné 61/74 - P22194: Historiografia da presença portuguesa em África (262): Corografia cabo-verdiana das ilhas de Cabo Verde e Guiné, 1841-1843 (4) (Mário Beja Santos)


1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 21 de Abril de 2021:

Queridos amigos,
Atenda-se a uma expressão lapidar de Chelmicki neste documento: “Eis aqui o que nos resta depois de 400 anos de posse; miseráveis presídios, nenhuma indústria, falta de comércio e de cultura, um deplorável estado de ruína. Tudo, tanto nas Ciências e Artes, como nas administrações, não tendo melhoras, não tendo progressos, ficará estacionário, em breve é retrógrado. Portugal, com os olhos fitos no novo hemisfério com a riqueza das minas, não se importou com as possessões africanas. Aquelas estão perdidas para sempre, mas com estas que ainda existem na posse, Portugal, em poucos anos, com boa administração, tornará a ganhar o seu esplendor".
O documento de Chelmicki é de um diagnóstico frio e sem concessões, mas não lhe falta sonho, ele admite que a ocupação da possessão explorará as enormes potencialidades que a terra oferece. Bem curioso neste documento, e naturalmente compreensível, nunca se fala no que o mar oferece, os estudos hidrográficos eram incipientes, pensava-se que aquele peixe dos rios era bom para a subsistência das populações, não se imaginava minimamente a riqueza das pescas da Guiné. Pois este documento procura cativar o decisor político para apostar na fertilidade da agricultura guineense. Mas exigia-se uma renovação de métodos, uma administração eficiente, e Portugal ainda caminhava vagarosamente para uma nova etapa de desenvolvimento, a Regeneração. Esta Corografia Cabo-Verdiana é verdadeiramente o retrato da Guiné da primeira metade do século XIX, magistralmente complementado com a Memória sobre o estado atual da Senegâmbia Portuguesa de Honório Pereira Barreto.

Um abraço do Mário


Corografia cabo-verdiana das ilhas de Cabo Verde e Guiné, 1841-1843 (4)

Mário Beja Santos

José Conrado Carlos de Chelmicki é autor da "Corografia Cabo-verdiana ou Descrição Geográfico-Histórica da Província das Ilhas de Cabo Verde e Guiné", em dois volumes, tendo sido o primeiro publicado em 1841. Este Tenente do Corpo de Engenharia nasceu em Varsóvia, é um jovem quando vem combater pela causa liberal em Portugal, distingue-se pela sua bravura, foi Cavaleiro da Ordem de Cristo, da Torre e Espada, de Nossa Senhora da Vila Viçosa, igualmente condecorado em Espanha, distintíssimo oficial colocado em vários pontos do país, deve-se-lhe uma obra singular, uma descrição ampla e certamente documentada de uma Guiné que poucos anos depois da publicação dos Tomos I e II é alvo de um documento que vem confirmar o que ele observara na sua digressão numa Guiné sem fronteiras, refiro-me concretamente à Memória da Senegâmbia, de Honório Pereira Barreto.

São dois volumes com o recheio precioso de informação, já descreveu uma súmula histórica, percorremos os dois distritos da colónia, Chelmicki alertou para as potencialidades agrícolas, ao tempo o tráfico de escravos caminha para o fim, era crucial encontrar alternativas, atrair investimentos, trazer mais gente. Ao contrário de outros autores, ele não amesquinha o labor indígena, dignifica-o, veja-se como ele fala do artesanato, e com que entusiasmo:
“Quanto à Guiné, nos estabelecimentos portugueses é impossível procurar vestígios de indústria. Não podemos dizer o mesmo dos indígenas: denotam grande aptidão para todos os ofícios mecânicos. Assim os Mandingas Mouros são muito engenhosos. Fiam, tecem, e matizam panos de algodão, ainda que não com a mesma perfeição dos das ilhas de Cabo Verde. São ferreiros, carpinteiros, sofríveis serralheiros. Vi uma espada feita à imitação das nossas, que nada talvez deixava a desejar. Cortam bem os couros e peles, dão-lhes cor, e imitam perfeitamente a marroquim e cordovão. Fazem bolsas para caça, polvorinhos de chifres, primorosamente cobertos com couro. Consertam células, fazem bolsas como carteiras para arrecadar papéis, âmbar, ouro, coral, etc. Encontram-se não menos hábeis ferreiros fazem estruturas para portas, armas de guerra, freios, estribos, esporas, etc.”

Fala também do azeite e vinho de palma, das operações de extração, refere a existência de uma cerveja de milho, e mais adiante escreve: “Os Balantas fabricam sal, fervendo água do mar em tachos de barro. Este sal é claro, mas muito miúdo, pelo que apesar de haver o das ilhas de Cabo Verde, este é preferido pelo gentio. Os Jalofos fazem também a tinta de anil, quase do mesmo modo como em Cabo Verde. Apanham as folhas dos arbustos, antes da sua fortificação, e só a quantidade necessária para tingir imediatamente os seus panos, dos quais, como fica dito, são mui formosos e tão tintos que ficam parecendo cetins”, citando André Alvares de Almada. Noutro lugar, voltará a exaltar a panaria, deste modo: “Os panos, tecidos e colchas atraem a admiração de todos os viajantes, por bem-feitas, cores lindas e lindos lavores: porém, sobretudo, pela maneira como são fabricados”. Descreve minuciosamente o modo de fiar, o tipo de tear (peça única, com muitas camas, feito a obra de arte e o tear vai para o fogo) e carateriza depois os panos: “Estes panos são de algodão, só ou misturado com lã ou seda. Compõem-se de seis ou mais bandas de um pé de largura sobre seis ou oito de comprimento: cozidas umas às outras pelas ourelas, conforme a largura do pano que se quer ter”. Falando da organização militar e do sistema defensivo, dá-nos igualmente informações preciosas. “Numa parte da província, como em Guiné, estão os nossos presídios cercados de hordas selvagens, e são expostos aos seus insultos, ataques e diárias depredações e rapinas”.

Fala do desgraçado estado da Guiné, diz mesmo que presenciou os insultos com muita frequência, tanto dos aliados da Europa como dos gentios da Guiné, e conta uma história que é eloquente:
“No ano de 1836, entrou no porto de Bissau, a esquadrilha francesa de Gorée com artilharia carregada e morrões acesos, exigindo certa quantia, que o governador francês do Senegal quis extorquir do Sr. Caetano Nozolini, negociante português estabelecido nesta praça. Este, suspeito de ter influído para a morte de um capitão mercante francês, chamado Dumège, estava naquela ocasião perante os tribunais de Lisboa, por exigência das mesmas autoridades francesas, livrando-se desta acusação. A esquadrilha fundeou defronte da fortaleza, ameaçando de romper o fogo, não sendo imediatamente pagos os 10 mil francos em que o tribunal de Gorée condenou o Sr. Nozolini. Como, porém, o dito senhor estava ausente, e o governador, ou aliás um negociante que interinamente fazia as suas vezes por 800 mil reis por ano, e por isso não podia com a alma mercantil combinar sentimentos mais nobres, em lugar de repelir agressão tão nefanda, declarou aos piratas visto existirem ali os armazéns do Sr. Nazolini podiam-se indemnizar com as suas mãos; o que não tardou. Oficiais e marinhagem saltaram em terra, e carregaram para bordo couros, peles, marfim, arroz e o mais que acharam. Esta carga foi à praça em Gorée, e depois pagas as despesas e custas da justiça, algumas moedas que sobraram foram religiosamente restituídas. Culpado decerto foi o Governo em não ter resistido; mas mesmo ainda que fosse outro, a artilharia quase toda até sem reparos, e uns 60 pretos, vulgarmente chamados soldados, descalços e nus, com armas que em maior parte não podem mandar fogo, constituíam a guarnição. No ano de 1839, o mesmo Sr. Nozolini roubou uma corveta inglesa da Serra Leoa, uma escuna fundeada no porto da Ilha de Bolama, bem como 200 escravos que lá trabalhavam na roça. Quando voltará o Marquês de Pombal para reprimir semelhantes ultrajes!”

Chelmicki vai fazendo súmulas ou pontos de situação, é irresistível o que ele escreve depois de uma descrição pormenorizada a ilhas do arquipélago dos Bijagós em que há presença portuguesa:
“Eis aqui o que nos resta depois de 400 anos de posse; miseráveis presídios, nenhuma indústria, falta de comércio e de cultura, um deplorável estado de ruína. Tudo, tanto nas Ciências e Artes, como nas administrações, não tendo melhoras, não tendo progressos, ficará estacionário, em breve é retrógrado. Portugal, com os olhos fitos no novo hemisfério com a riqueza das minas, não se importou com as possessões africanas. Aquelas estão perdidas para sempre, mas com estas que ainda existem na posse, Portugal, em poucos anos, com boa administração, tornará a ganhar o seu esplendor. Consideremos as possessões da Guiné como colónias comerciais e agrícolas, isto é, de cultura de plantas exóticas. Elas estão em muito melhor situação que as inglesas e francesas. Cinco grandes rios, como o de Casamansa, S. Domingos (Cacheu), Geba, Rio Grande (Buba) e Nunez (Guiné Conacri), navegáveis muito para o interior, oferecem fáceis meios de navegação. Ocupando as embocaduras destes rios com pequenos fortes, cuja construção muito pouco custará ao Governo, em razão da sua utilidade, dilataremos a fronteira marítima desde o Rio de S. Pedro até ao Cabo da Verga, e proibindo de facto a exportação de escravos de toda esta costa, os habitantes voltarão às pacíficas ocupações de agricultura, retomarão o nobre e perdido caráter da humanidade; penetrarão as Artes, indústria e comércio nestes selvagens mas férteis países, e Portugal senhor de todos estes rios conservará facilmente o monopólio desta nova esfera de atividade.
As ilhas do arquipélago adjacente dos Bijagós, habitadas hoje por uns ferozes negros, em breve, de facto, serão sujeitas à Coroa Portuguesa que, assim, antes de 100 anos, concluída esta grande obra de civilização, contará aqui mais de um milhão de súbditos.
Os terrenos obtêm-se com facilidade dos indígenas: estes devem ser repartidos em grandes sesmarias, a proprietários ricos, zelosos do bem público e inteligentes nos seus interesses. Mandem-se vir colonos da Holanda, Suíça e Alemanha, de onde eles trarão a indústria e civilização, e aumentarão assim a população branca sem diminuirmos a do Reino. Favorecendo o Governo os açorianos, eles hão-de preferir estabelecer-se aqui, e com trabalho, sabendo que o ganho é deles, enriquecer-se em pouco, do que servirem de escravos brancos aos brasileiros. Os degredados formarão debaixo da polícia colónias agrícolas militares; e assim após o acréscimo da agricultura e comércio, teremos força real”
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(continua)
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Nota do editor

Último poste da série de 5 DE MAIO DE 2021 > Guiné 61/74 - P22172: Historiografia da presença portuguesa em África (261): Corografia cabo-verdiana das ilhas de Cabo Verde e Guiné, 1841-1843 (3) (Mário Beja Santos)

Guiné 61/74 - P22193: História da 3ª Companhia de Comandos (1966/68) (João Borges, 1943-2005) - XVI (e última) parte: epílogo: 4 baixas mortais em combate, 7 Prémios Governador da Guiné... O número de baixas infligidas ao IN é impressionante: 178 mortos e 49 prisioneiros



1. Começámos a publicar, há mais de seis meses, em 17/11/2020, uma versão da História da 3ª Companhia de Comandos (Lamego e Guiné, 1966/68), a primeira, de origem metropolitana, a operar no CTIG. (Hão de seguir-se lhe, até 1974, mais as seguintes: 5ª, 15ª, 16ª, 26ª, 27ª, 35ª, 38ª e 4041ª CCmds.)


O documento mimeografado, de 42 pp., que nos chegou às mãos, é da autoria de João  José Marques Borges, ex-fur mil comando, infelizmente já falecido (em 2005), e que vivia em Ovar. (Foi ferido em combate, em 14 de abril de 1967.) Trata-se de um exemplar oferecido ao seu amigo José Lino Oliveira, com a seguinte dedicatória: "Quanto mais falamos na guerra, mais desejamos a paz. Do amigo João Borges".

Uma cópia foi entregue pelo José Lino, ao nosso blogue, para publicação. Publicamos agora a parte final do documento (*), expurgada apenas do quadro das punições, por razões éticas, de direito ao bom nome, ao sigilo e à proteção da privacidade dos nossos camaradas da 3ª CCmds.

Acrescentaremos só o seguinte: 

(i) foram punidos 12 militares, dois mais do que uma vez;

 (ii) na lista não aparece o nome do Dionísio S. Cunha, cuja histórica "rocambolesca" já aqui foi contada por ele e pelo José Ferreira da Silva (**); 

(iii) as punições representaram um total 85 dias de prisão disciplinar, e 55 dias de detenção.

 O pessoal da 3ª CCmds regressou a casa em 29 de abril de 1968.


História da 3ª Companhia de Comandos
(1966/68)


3ª CCmds
(Guiné, 1966/68) / João Borges


XVI (e última) parte (pp. 37 - 42 )













 

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Notas do editor:

(*) Último de 18 de abril de 2021 > Guiné 61/74 - P22114: História da 3ª Companhia de Comandos (1966/68) (João Borges, 1943-2005) - Parte XIV: atividade operacional, abril de 1968, destaque para a penúltima operação, a Op Rolls Royce, em Salancaur, corredor de Guileje

(**) Vd. 5 de fevereiro de 2021 > Guiné 61/74 - P21855: O segredo de... (34): Dionísio Cunha, desertor e bravo soldado comando (testemunho recolhido por José Ferreira da Silva)

terça-feira, 11 de maio de 2021

Guiné 61/74 - P22192: 17º aniversário do nosso blogue (10): por que é que das "lavadeiras" ao "sexo em tempo de guerra" vai um passo ? (Carlos Arnaut / Cherno Baldé / Luís Graça)


Baião > Ancede > Mosteiro de Santo André de Ancede > Mosteiro, masculino, cuja origem remonta aos primórdios da nacionalidade,,, Vale a pena uma visita,,, Está em restauro, com projeto de Siza Vieira... São quase mil anos de história que nos contemplam e nos confrontam ... Faz parte também da "rota do românico" (Vale do Tâmega)...

Mas tem também uma capela, octognal, do séc. XVIII, chamada do "bom despacho", que merece uma visita especialmemte guiada... Foi lá que descobrimos  a 'anjinha de Ancede', que parece passar despercebida aos visitantes e aos guias locais (*)... Uma delícia, essa e todas as demais peças da arte barroca popular, sob a forma de cenas de teatro, relativas aos mistériso da vida de Cristo... com destaque para a cena da circuncisão do menino Jesus...  Questão do foro teológica com muitos século, entre os cristãos, é a a discussão (por vezes acolarada, apaixonada e dramática) do "sexo dos anjos": são meninos ou meninas, ou não têm sexo ? Se são meninas, faz-se a "infibulação" (ou cobre-se com um véu para "tapar as vergonhas", os "pipis", ou o "pito", como se diz no Norte em bom calão); se são meninos... "cortam-se... as pilinhas", como aconteceu há décadas na igreja da frequesia de Paredes de Viadores, Marco de Canaveses (!)... (A arte islâmica tem  uma vantagem: não permite a figuração, seja humana, seja animal...)

Foto (e legenda): © Luís Graça (2017). Todos os direitos reservados [Edição: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. Comentários ao poste P22173 (**)

(i) Carlos Arnaut  
 
Caro Luís: curiosa a questão das lavadeiras e o imaginário da contratação de "só roupa" ou "corpo todo".

Por tudo o que fui ouvindo ao longo da comissão, embora a amostra ao inquérito seja pequena, acredito que as percentagens encontradas estejam muito próximas da verdade . Acredito ainda que um contrato que englobasse a cláusula "corpo todo",  fosse mais fácil de conseguir com umas etnias do que com outras. 

Refiro-me concretamente às bajudas fulas, a quem, pelas razões conhecidas,  o sexo pouco ou nada dizia, enquanto que as balantas, por exemplo, tinham nessa questão toda uma outra postura. Mais uma variável, a étnica, para aprofundamento do estudo. 

A minha lavadeira, ao longo de 21 meses, desde que passei a comandar o 16º Pel Art, foi sempre a mesma, mulher do meu municiador Bona Baldé já referido anteriormente, e que sempre tratou da minha roupa com um desvelo sem par. (...)

6 de maio de 2021 às 12:23


(ii) Cherno Baldé

 Caro Arnaut,  interessante o teu ponto de vista sobre a variável étnica, mas não no sentido em que tu referes: "Refiro-me concretamente às bajudas fulas, a quem pelas razões conhecidas o sexo pouco ou nada dizia, enquanto que as balantas, por exemplo, tinham nessa questão toda uma outra postura". 

Na Guiné do periodo da guerra colonial ou na Guiné-Bissau actual, não existiu antes e não existe hoje nenhuma etnia em relação a qual "o sexo pouco ou nada dizia", isto não existia em África. É um fenomeno que surgiu com o período colonial e se acentuou com as independências e o alargamento da globalizaçao. 

Sociologicamente falando, o sexo sempre foi e ainda é um importante factor sócio-cultural que as sociedades, de uma forma ou outra, tentaram e tentam regular ou controlar de forma a influenciar o comportamento da reprodução e sustentabilidade das mesmas, assim como manter um nível aceitável de saúde materno-infantil. 

Em África, muitas vezes, o sexo estava ligado não só à procriação dos filhos, mas também à dinâmica da produção económica,  ou seja, na orientação dos mais jovens e mais fortes em relação ao factor trabalho,  etc. De modo que, e aí concordo, pode-se estudar o comportamento das mulheres usando as variáveis étnica e, talvez religiosa, no sentido de saber que factores podiam entrar nesse jogo, assim podemos questionar: 

(i) Quais eram os grupos populacionais ou étnicos maioritários no território em geral ou em determinadas regiões? 

(ii) Quais eram os grupos mais próximos em termos de aliança estratégica com os Portugueses e que mais facilmente podiam interagir com os soldados metropolitanos? 

(iii) Em que grupos populacionais os casos dos "filhos de vento" foram mais numerosos ?

(iv)  Quais eram as confissõs religiosas desses grupos populacionais e em que medida o factor religião facilitava ou dificultava a interaç~zo com os militares portugueses? 

A análise dos outros aspectos sociais como a maior ou menor dependência das mulheres e/ou a liberdade sexual entre outros, ja são mais difíceis de avaliar. Por exemplo, é geralmente consensual a opinião segundo a qual a mulher Bijagó é a mais livre e autónoma e, logo a seguir, vem a mulher Balanta e Manjaca. 

De todas, as mulheres muçulmanas são consideradas as menos livres e com menor grau de autonomia de decisão, aparecendo em primeiro lugar as mulheres Fulas, seguidas das Mandingas e outras da mesma religião. Todavia, dos casos de filhos vivos de portugueses com nativas que conheci, as mulheres muçulmanas (sobretudo fulas) aparecem em primeiro lugar, logo seguidas das Balantas (animistas) e em terceiro lugar vem as Manjacas (animistas). 

Mas, eu não me coloco no lugar de um estudioso desta matéria, pois eu, sendo nacional e pertencente a uma região e a um certo grupo étnico,  não posso ter o distanciamento necessário para o efeito. Sá queria demonstrar, se necessário fosse, que a variável étnica pode ajudar, mas não sera suficiente, de per si, para explicar toda a dimensão do fenómeno em discussão.  (...)

6 de maio de 2021 às 14:22


(iii) Luís Graça

Infelizmente, o tema ("lavadeiras", que já tem mais de 4 dezenas de referências no blogue...) tende a cruzar-se (e a sobrepor-se) com outros como bajudas, sexo, etnias, mutilação genital feminina, filhos do vento... mas também religião, etc. É um terreno um pouco "minado". E, como tal, tem que ser tratado com serenidade, informação, conhecimento, e sobretudo sem pré-conceitos.

Talvez o Carlos Arnaut possa explicitar melhor o que escreveu: "Refiro-me concretamente às bajudas fulas, a quem, pelas razões conhecidas, o sexo pouco ou nada dizia, enquanto que as balantas, por exemplo, tinham nessa questão toda uma outra postura."

O simples convívio, na Guiné, há 50/60 anos, com populações desta ou daquela etnia, e nomeadamente com a população feminina, não nos autoriza (, a menos que tenhamos feito estudos aprofundados sobre o assunto, ou tenhamos um grande conhecimento da literatura especializada...) a fazer comparações entre grupos e sobretudo a tirar conclusões numa matéria tão complexa e sensível como a sexualidade humana...

Julgq que o Carlos Arnaut quando diz que, naquela época, "o sexo pouco ou nada dizia" às raparigas e às mulheres fulas, "pelas razões conhecidas", estava a subentender o facto, estatisticamente fundamentado, da generalização da MGF (Mutilação Genital Feminina, para usar uma expressão adotada pela OMS - Organização Mundial de Saúde, e outras instâncias internacionais), entre as mulheres de religião muçulmana (e nomeadamente fulas).

Na época, poucos de nós tinha informação sobre este problema (que é antes de mais de saúde pública tanto quanto o é de direitos humanos). Nem as autoridades portuguesas nem o PAIGC se preocupavam com a tragédia imensa que representava então a MGF (,ou, de maneira mais grosseira, o "fanado" feminino, que também era e é um rito de passagem, um ritual de iniciação, com profundo significado sociocultural).

Em resumo, as fulas são (ou eram) "excisadas", as balantas não... Sabe-se que não é um problema de religião, opondo muçulmanas contra cristãs e animistas... É um problema mais vasto, de natureza socioantropológica, com raízes históricas complexas.

Que a MGF tem imnplicações, não só na saúde sexual e reprodutiva das mulheres, mas também na vivência da plena sexualidade (de mulheres e homens), isso tem... Mas eu seria incapaz de fazer comparações neste domínio (da sexualidade humana) baseado no factor étnico... E, por formação sociológica, não o faria...

É, de resto, um domínio onde há uma imensão de mitos e de preconceitos...ainda hoje, em pleno séc. XXI.

10 de maio de 2021 às 22:50
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Notas do editor:

segunda-feira, 10 de maio de 2021

Guiné 61/74 - P22191: Casos: a verdade sobre ...(22): A deflagração de um engenho explosivo no Café Ronda, em Bissau, em 26 de fevereiro de 1974 (Carlos Filipe Gonçalves, Mindelo, São Vicente, Cabo Verde)



Guiné > Bissau > Café Ronda > Interior e exterior > s/d> Fotos de Francisco Carrola (, da página do Facebook), recolhidas por Hélder Sousa, com a devida vénia...

 Teor da mensagem (classificada como confidencial) enviada pelo Com Chefe da Guiné ao Ministério da Defesa Nacional, em 27 de fevereiro de 1974:

Em 26 de fevereiro [ 1974] , pelas 22h10, deflagrou um engenho explosivo no café “Ronda”, principalmente frequentado por militares de várias patentes. É uma café situado na principal artéria da cidade [ de Bissau] . Da explosão resultaram 1 morto civil africano,  14 feridos civis, sendo um grave, e 49 feridos militares, sendo cinco graves.

A análise dos estilhaços leva a admitir com probabilidae elevada que o engenho fosse constituído por 1 ou 2 granadas defensivas F-1 (russa), com espoleta de retardamento, MUV-2 , do mesmo tipo dos engenhos colocados no autocarro da FAP  em 21 de janeiro [ de 1974] e em viatura miliatr em Bula em 24 de agosto de 1972.

Iniciadas averiguações pela PSP local,  DGS-Bissau  e autoridades militares, Comando da PSP difundiu  comunicado geral de informação. Não houve o menor incidente durante festejos do Carnaval. Idêntico comunicado segue para o Ministério do Ultramar.


[Revisão / fixação de texto: LG ]


Informação errada no nosso blogue: o atentado terrorista contra o Café Ronda, em Bissau, não se deu em 1973 mas em 1974, em 26 de fevereiro. E foi da responsabilidade do PAIGC, que quis mostrar, no 1º aniversário da morte de Amílcar Cabral, que podia atingir alvos urbanos e civis no coração da capital... 

Felizmente que a incursão pela "guerrilha urbana" ficou por ali...mas foi o suficiente para causar algum alarme entre os militares e suas famílias, que viviam em Bissau... (Resta saber se Amílcar Cabral, se fosse vivo, aprovaria este tipo de escalada da guerra, com recurso a atentados cegos, causando vítimas também entre a população civil.) 





I. Mensagem do nosso camarada Carlos Filipe Gonçalves, ex-fur mil amanuense, QG/CTIG, Santa Luzia, Bissau, 1973/74, natural de Cabo Verde (n. São Vicente, Mindelo, 1950), radialista, jornalista, músico, escritor, estudioso da morna e de outras formas da música de Cabo Verde, membro da Tabanca Grande, nº 7901
 
Date: quarta, 5/05/2021 à(s) 15:06
Subject: Disparidades de datas da ocorrência: Bomba no Café Ronda em Bissau
 

Caro amigo e camarada:

Como já sabes,  estou a finalizar o meu livro "Heróis do Mar, Bombolom, Cimboa" sobre a minha estada na Guiné, entre 3 de Março de 1973 a 22 de Agosto de 1975 quando regressei a Cabo Verde e os primeiros cinco anos aqui.  

Grosso modo, a 1.ª parte, Heróis do Mar, é essencialmente a minha vivência do último ano da Guerra em Bissau, pois cheguei em 3 de Março de 1973; a 2.ª parte é já a situação depois do 25 de Abril de 1974, a retirada da tropa portuguesa, o meu trabalho na Rádio Bissau (inicialmente Rádio Libertação); a 3.ª parte é a minha experiencia na Rádio Voz di Povo, depois Emissora Oficial, aqui na Praia, Cabo Verde. 

Comigo, estão vários convidados, pessoas que comigo viveram muitos acontecimentos, tudo com o apoio de documentação, jornais, etc. Na primeira parte, socorri-me de muitos dos depoimentos/testemunhos de acontecimentos de 1973/74 narrados no teu Blog, assim como documentos que foram publicados. Obrigado pois ao Blog, que permite esta comunicação entre antigos militares e obrigado ao seu coordenador/moderador, que me deu a possibilidade de utilizar muita dessa informação publicada, citando é claro a fonte, um dever sagrado do jornalista.

Posto isto, devo dizer que entrei numa fase de verificação, reverificação, confirmação de fontes, datas, etc. e é justamente por isso que agora entro em contacto contigo para te expor o seguinte, sobre o acontecimento que foi a explosão de uma bomba no Café Ronda, em Bissau:

1.  Na seguinte página do nosso  blog,

6 de outubro de 2014 > Guiné 63/74 - P13698: Os Últimos Anos da Guerra da Guiné Portuguesa (1959/1974) (José Martins) (9): 7 de Abril de 197

 https://blogueforanadaevaotres.blogspot.com/2014/10/guine-6374-p13697-os-ultimos-anos-da.html  

 encontram-se várias efemérides e na parte «Acontecimentos no período relacionados com a Guiné», diz o seguinte: 

"26 de Fevereiro de 1973 explosão de uma granada de mão no Café Ronda em Bissau causando 1 Morto e 62 feridos."

2. Na seguinte pagina do nosso blog

27 de fevereiro de  2013 > Guiné 63/74 - P11164: Um Amanuense em terras de Kako Baldé (Abílio Magro) (6): Regresso a Bissau

https://blogueforanadaevaotres.blogspot.com/2013/02/guine-6374-p11164-um-amanuense-em.html

o meu camarada Abílio Magro, que comigo esteve em Santa Luzia, no QG, diz nas suas recordações: 

(...) Bomba no Café Ronda

O Cafe Ronda situava-se na Av da República, um pouco mais abaixo do cinema UDIB e do lado contrário ao deste. Segundo me recordo, possuía uma espécie de esplanada coberta e ali se juntavam muitos militares (uns fardados, outros trajando à civil) que lá bebiam o seu cafézinho ou "bejeca", entre outras coisas. Tinha também um pequeno balcão que dava para uma rua transversal e onde também se podia beber o "cimbalino" ou a "bejeca", de pé e do lado de fora, com um atendimento muito mais célere.

Numa determinada noite do ano de 1973, eu e mais dois ou três camaradas meus, tomamos o nosso cafézinho no balcão referido e seguimos de imediato para o cinema UDIB para assistir à exibição de um qualquer filme que por lá andava.

Poucos minutos depois do início da exibição do filme, dá-se um tremendo rebentamento lá fora e, quase de seguida se ouvem diversas viaturas com buzinadelas e sirenes, indiciando haver constante transporte de feridos. É interrompida a exibição do filme e surge uma voz aos altifalantes do cinema, solicitando a todos os médicos que,  eventualmente,  por ali se encontrassem, o favor de se dirigirem de imediato ao Hospital Militar.

Estão mesmo a ver onde este vosso camarada se dirigiu para ver o resto do filme, né? Pois, acertaram! Direitinho às Instalações Militares de Santa Luzia, onde se encontrava implantado o seu maravilhoso "T2"!

Tinham colocado uma bomba no Café Ronda, que explodiu quando este se encontrava repleto de clientes, tendo causado alguns mortos e muitos feridos. Nesse atentado ficou gravemento ferido um "piriquito" com 2 ou 3 dias de Guiné e que eu tinha conhecido no dia anterior, pois tratava-se do "pira" que ia substituir na CSJD o meu camarada Fur Mil Costa que terminara a sua comissão e tinha já viajado para a Metrópole. Aquele "piriquito" acabou por ser evacuado para Lisboa e soubemos mais tarde que aí falecera. Recordo-me do nome - Romão. (...)

3 . O meu colega jornalista Nelson Herbert refere no nosso blog

26 de janeiro de 2012 > Guiné 63/74 – P9401: Memória dos lugares (171): A minha Bissau, nas vésperas do 25 de Abril de 1974 (Nelson Herbert)

 https://blogueforanadaevaotres.blogspot.com/2012/01/guine-6374-p9401-memoria-dos-lugares.html

(...) Tive vários colegas portugueses, grandes amigos de infância que gostaria um dia poder rever (...)  

Entre esses amigos, recordo-me perfeitamente do Zé (ligeiramente mais velho, 1 a 2 anos pelo menos), do Becas, seu mano mais novo, da minha idade... colega das pescarias no lodoçal das bolanhas, junto ao quartel da Marinha! O pai era militar... habitavam uma residência, mesmo em frente à messe dos sargentos da Força Aérea, por sinal meus vizinhos. Hoje calculo que o pai fizesse parte da "psico", contavam ingenuamente os filhos, ante a inocência geral...
 
(...) Era precisamente, no muro frontal dessa residência, que o pessoal da Forca Aérea aguardava pelo autocarro azul que os levava às sessões nocturnas de cinema na base aérea de Bissalanca... E mais seria esse mesmo muro frontal da residência em questão, a escassos 100 metros da minha casa, o alvo de um dos atentados a bomba relógio registado durante a guerra em Bissau... (entre 73 a 74, por aí) (...).

Armadilhado pelas células clandestinas do PAIGC, numa bela noite, o muro foi-se pelos ares… Isto, minutos depois do autocarro azul ter partido do local para a viagem do costume! Nesse dia felizmente bem mais cedo que o habitual! 

Não houve vítimas, nem entre o pessoal da Forca Aérea nem entre a "meninada" que nas redondezas costumava brincar ao cair da noite!!! (...)
 
4. No nosso blog também se pode  ler

18 de janeiro de 2018 >  Guiné 63/74 - P9368: Situação Militar no TO da Guiné no ano de 1974: Relatório da 2ª REP/QG/CTIG: Transcrição, adaptação e digitalização de Luís Gonçalves Vaz (Parte I) 

https://blogueforanadaevaotres.blogspot.com/2012/01/guine-6374-p9368-situacao-militar-no-to.html

(...) A partir de Janeiro de de 1974, o PAIGC passava verdadeiramente à ofensiva, a qual se caracterizava pela definição de duas áreas de incidência de esforço, diametralmente opostas, uma no extremo Nordeste do Teatro de Operações onde desenvolvia a Operação “Abel Djassi” (pseudónimo de Amílcar Cabral) e a outra a sul, no Cubucaré, para o que inclusivamente tinha constituído um novo órgão coordenador das operações de guerrilha nesta Zona, o Comando Sul (...)

(...) Nas restantes áreas do Teatro de Operações da Guiné aumentava igualmente de modo significativo a atividade de guerrilha dispersa em superfície, com relevo para o emprego de engenhos explosivos e ações de terrorismo urbano que alastravam até à própria capital (Bissau). 

Como exemplo citam-se as 17 flagelações com armas pesadas a outros tantos Aquartelamentos ou Povoações, num único dia (20 de Janeiro de 1974, data do aniversário da morte de Amílcar Cabral), o rebentamento de engenhos explosivos num café de Bissau (26 de Fevereiro de 74) que provocou um morto e a sabotagem no próprio QG/CTIG (em 22 de Fevereiro de 74), onde parte do edifício principal foi destruído. (...)

5. Nma reportagem na RTP intitulada Canquelifá, a última operação dos Comandos - YouTube  já no final aparece esta imagem que refere a data 27Fev74 !!!!

Vd. fotograma do vídeo reproduzido acima e cujo teor é reproduzido


6 Na minha recordação, a Bomba no Café Ronda aconteceu em 1973, pouco tempo antes de eu ir de férias a S. Vicente, em Cabo Verde, a partir de 1 de Outubro…. portanto em Setembro daquele ano… 

Lembro-me que a noticia não foi escondida, e várias pessoas em S. Vicente-Cabo Verde, me perguntaram sobre isso. No dia desse acontecimento, eu, estava de serviço de Guarda na porta principal das instalações de Santa Luzia; no dia seguinte estava de folga, fui a Bissau, vi que cobertura de zinco do Café Ronda, estava todo entortado e voltado para cima, o que demonstrava a força do sopro da explosão! O Café estava fechado. Ouvi na messe, as «estórias» do que aconteceu… disseram que houve pessoas, que foram projectadas, sentadas na cadeira, para o outro lado da rua! Não sei se é verdade, porque como disse não presenciei!

Caro Luis, face a tantas datas e desencontros, estou na dúvida quanto à minha recordação! Poderei estar errado! Eis porque entro em contacto contigo e com os camaradas, talvez consiga mais algum depoimento/informação sobre esse acontecimento…. 

 Chamo atenção, como jornalista, para o facto de o relatório «sobre a situação militar no TO da Guiné no ano de 1974» ter a data de 1975, logo ter sido elaborado pelo menos 3 anos depois.... A mensagem confidencial  que envio, leva a varias interrogações, sobre a hora e a data do acontecimento… Será que houve duas, ou mais, explosões no Café Ronda?!

Espero que este assunto possa despertar algum interesse e eu possa receber alguma luz.

Apresento melhores cumprimentos e desejos de muita saúde

Forte abraço

Carlos Filipe Gonçalves

Jornalista Aposentado

II. Resposta do editor LG:

Meu caro Carlos Filipe: obrigado pelo desafio que nos colocas... Tens toda a razão, vai por aqui um grande trapalhada de datas... E tu próprio estás equivocado. 

A análise da mensagem (confidencial) que o Com-Chefe do CTIG manda para Lisboa, não deixa qualquer dúvida: o engenho eplosivo (uma ou duas granadas de mão defensivas, de origem russa,com espoleta ao retardor) lançada no Café Ronda foi no dia 26 de fevereiro de 1974, portanto ao tempo do gen Betencourt Rodrigues e não do Spínola.

Tanto o José Martins como o Abílio Magro apontam o ano de 1973. A informação está errada.  O atentado terrorista contra o Café Ronda, em Bissau, não se deu em 1973 mas em 1974, em 26 de fevereiro. E foi da responsabilidade do PAIGC, que quis mostrar, no 1º aniversário da morte de Amílcar Cabral, que podia atingir alvos urbanos e civis no coração da capital...  Mas parece que nesta altura as BR - Brigadas Revolucionárias, da Isabel do Carmo e do Carlos Antunes, também deram um arzinho da sua graça, colocando um engenho explosivo no QG, em Santa Luzia (quatro dias antes...). O seu a seu dono.

______________

Nota do editor:

Último poste da série > 31 de março de 2021 > Guiné 61/74 - P22053: Casos: a verdade sobre ...(21): a jangada que fazia a travessia do rio Corubal, em Cheche, já era assente em três canoas, no meu tempo, c. set 1967 / c. abr 1968 (Abel Santos, sold at, CART 1742, Nova Lamego e Buruntuma, jul 1967 / jun 1969)

Guiné 61/74 - P22190: 17º aniversário do nosso blogue (8): O relim não é um poema... A (des)propósito da Op Tigre Vadio, 30-mar / 1 abr 1970 (Luís Graça)


Extractos de : História da Unidade: BCAÇ 2852 (Bambadinca, 1968/70). Bambadinca: Batalhão de Caçadores 2852. 1970. Cap. II. 145-146.

Op Tigre Vadio

Iniciada em 30 [de Março de 1970], às 7h00, com a duração de 2 dias, para fazer um patrulhamento conjugado com emboscadas e batida na região do Cuor/Madina.

Tomaram parte na operação os seguintes destacamentos:

Dest A: CCAÇ 2636 a 2 Gr Com, reforçada pelo Pel Caç Nat 52
Dest B: CCAÇ 12 a 3 Gr Comb
Dest C: Pel Caç Nat 54 + 1 Esq Mort 81 / Pel Mort 2106

Relim:

Op Tigre Vadio terminou 1 [de Abril], 13h00. Regresso quartéis terminado 1, 16h30. Aproximação dificultada partir 31, 8h00 queimada linear feita IN. 31, 14h00, detectado acampamento região Belel (Mambonco 7I4-97) oito moranças com colmo sete adobo.

IN reagiu PPSH e RGPG-2 cerca de 2 minutos, sofrendo 15 (quinze) mortos confirmados, vestígios sangue 10 (dez) feridos graves. Verificado após incêndio acampamento 6 PPSH queimadas.

Destruídos meios vida. NT sofreram 2 feridos ligeiros. Batida Mort 81 mata (Mambonco 8H5- 17) ouvidos muitos gritos de dor. Fuga IN direcção (Mambonco 8G6 -32).

31 [de Março], 17h00 encontrada cadeira vigia e 2 granadas RPG-2 (Bambadinca 1A8-95). Gr[upo] IN estimado 6/8 elementos emboscou NT 2 LGFog, RPG-2 e PPSH cerca de 5 minutos.

IN fugiu reacção NT impossibilitadas perseguição virtude forte ataque abelhas causou diminuição física bastantes elementos. NT tiveram 1 ferido ligeiro e 1 ferido grave, 1 doente grave esgotamento.

Transcrição MSG 1404/C Com-Chefe (Oper): COMCHEFE MANIFESTA SEU AGRADO REALIZAÇÃO RESULTADOS OBTIDOS OP TIGRE VADIO.



O relim não é um poema (*)

por Luís Graça



Participaste nesta operação, a Tigre Vadio,
que era pressuposto durar dois dias.
Um passeio a Madina/Belel,
a sudeste de Sara / Sarauol, já no mítico Oio,
um patrulhamento ofensivo,
a travessia de um rio,
a sombra aprazível dos bissilões,
uma excursão a um santuário da guerrilha,
uma visita de cortesia aos homens do mato,
ali tão longe e ali tão perto,
que a Guiné era do tamanho do Alentejo,
pouco menos que os Países Baixos
de Sua Majestade a Rainha Juliana,
para retribuição de outras visitas de cortesia
que eles, os homens do mato, faziam à nossa malta,
aos destacamentos de Missirá e de Finete, Porto Gole e Enxalé,
e à navegação no Geba Estreito, no Mato Cão.
Afinal, o que eram 30/35 quilómetros
entre Bambadinca e Madina, em linha reta ?!

Em boa verdade,
só te faltou o autocarro autopulman,
com ar condicionado e bar aberto!...
E a orquestra de Berlim a tocar a Sinfonia do Novo Mundo,
a Sinfonia nº. 9 em mi menor, do Antonín Dvořák.

Mas era só tropa-macaca, tudo a penantes, como convinha,
sempre era mais seguro e barato,
que o heli custa quinze contos à hora:
"pretos de primeira" da tua CCAÇ 12
e dos Pel Caç Nat 52 e 54,
mais alguns "brancos de segunda",
os açorianos da CCAÇ Vinte e Seis Trinta e Seis
e um esquadrão da morte,
de morteiros 81 do Pel Mort 2106.

Levavam dois cantis de água por cabeça.
E um arsenal de granadas, à cabeça de carregadores,
arrebanhados pelo chefe de posto de Bambadinca
e pelo régulo de Badora,
pagos por uns míseros patacões ao dia.

O que é um gajo pensa, diz-me lá ?!
O que é que um gajo pensa, aos vinte três anos,
de Missirá a Salá e dali até Sancorlá,
em bicha-de-pirilau, escuro como breu,
a alma tensa, o corpo lasso, o capim mais alto
que as searas de trigo da tua terra, lá na cabeça do império,
a fustigar-te as trombas ?!

Bendita chuva, ou chuvinha, a primeira do ano,
que é um santo refrigério;
maldita, essa, sim, a trovada, ligada ao automático,
a disparar de rajada,
que te desperta os terrores mais antigos
de qualquer primata, hominídeo, social, territorial, predador.

Caminhas toda a noite, a partir de Missirá.
Um gajo não pensa nada, camarada,
enquanto caminha toda a noite,
colado ao gajo da frente, para não se perder
um gajo não tem tusa para pensar,
apenas para serrar os dentes 
e tentar sobreviver a mais uma operação,
no final do tempo seco, 
com dez meses de (co)missão,
que a Pátria é quem mais ordena...
Era final de março, marçagão, mas na tua terra não,
que em abril, sim, é que as águas mil são.

Era pressuposto haver um reabastecimento no dia seguinte,
como mandava o mais elementar bom senso
e a experiência operacional do passado.
(Falavam-te, os velhinhos, da Operação Lança Afiada
em que um em cada seis dos bravos combatentes fora evacuado,
por desidratação, insolação, exaustão, fome, sede, ataque de abelhas...)

Caminhaste, caminhou a tropa-macaca,
penosamente, toda noite.
Era pressuposto a guerra parar às dez horas da manhã,
às dez em ponto, para fazer o piquenique;
sardinhas com pão e molho de piripiri,
e conservas de ananás da África do Sul!..
Porque o clima é quem mais ordena, ou ordenava,
e não o relógio do senhor comandante.

Cortaram-te as voltas, os gajos do PAIGC
(não te apetece dizer IN, já não sabes quem é aqui o teu inimigo),
cercaram-te pelo fogo.
E, quanto a Deus, Alá e os irãs,
mais as formigas e as abelhas selvagens da Cuor,
e até o macaco-cão,
a gente nunca sabia exatamente de que lado é que estavam.

Temerariamente,
alguém decidiu brincar ao gato e ao rato.
às catorze horas da tarde, no píncaro do dia,
com uma temperatura brutal e os cantis vazios...
Havia ali uma dúzia de casas de colmo e de adobe, 
desalinhadas, não reordenadas, 
que não pagavam imposto de palhota,
mesmo a jeito, ou por azar,
para a malta despejar as granadas de bazuca e de morteiro oitenta e um.
Pois que saia, e forte, a bazucada, a morteirada, com o código da morte!

A malta, nós, quem ?
O patrão da Dornier, do PCV, da tropa-macaca,
a quem as moranças estragavam a vista
nos seus passeios matinais pelo corredor do Oio,
com ciclovia e tudo,
uma autêntica autoestrada
para as "bikes" dos homens do mato,
oferta da loura Suécia com amor livre
e muitas coroas de flores no cabelo,
Make War, Not Love!

Não, ainda não havia os Strelas,
a temível arma dos arsenais soviéticos,
que haveriam de pôr o "tuga" em sentido, em terra,
ou a pau, quando voava contra os ventos da História,
mau grado a valentia e a perícia
dos nossos Gloriosos Malucos das Máquinas Voadoras.

Alguém puxou dos galões dourados
e decidiu fazer um golpe de mão,
ou melhor: mandar fazer,
que tu nunca viste nenhum "cão grande", de capitão para cima,
andar cá em baixo, com a tropa-macaca,
com a p... da canhota nas mãos.

A escassas semanas de acabar a (co)missão ao serviço da Pátria,
p'ra ficar bem no álbum de fotografia do batalhão,
e impressionar o Caco Baldé,
o homem grande de Bissau...
Um pequeno senhor da guerra qualquer,
do batalhão de Bambadinca,
que gostava de andar de Dornier, de cu tremido,
e que queria chegar a tenente-coronel,
e a coronel e quiçá a general,
o que era perfeitamente normal
para quem escolhera a carreira das armas,
e portanto a honra e a glória de servir a Pátria.

Quem ?
Quem é que manda nesta merda, ó oinca,
tu que lavras a tua bolanha,
e que talhas com a tua catana a piroga onde te afogas,
metralhada pelo helicanhão ?
Quem é que comanda esta tropa-macaca,
ó mandinga, ó biafada, ó fula, ó minha gente ?
É uma imensa cobra
que se desloca nas terras do Infali Soncó,
espantando os bichos e os irãs,
qual rolo compressor, calcando o capim à sua passagem.
Não se lhe vê nem o rabo nem a cabeça.

Entretanto, já alguém, o "tigre de Missirá" em pessoa,
tinha ido buscar, de heli,
o reabastecimento de água a Bambadinca.
Alguém da malta (, não interessa a cor,) terá,
intencional ou inadvertidamente,
disparado uma rajada que atingiu o heli
e estilhaçou um dos vidros laterais.
O heli foi para Bissau, para a oficina,
e o "tigre", que é vadio mas não voa, ficou retido no Xime.
 
A verdade é esta, camaradas:
o PCV falhou,
o plano de operações saiu furado,
o heli desandou, estilhaçado, 
a cadeia de comando quebrou-se,
e alguém quis matar o "tigre de Missirá",
afinal o elo mais fraco da cadeia de comando.
O fogo no capim e o ataque de abelhas fizeram o resto,
enquanto o senhor comandante do PCV
foi dormir, nessa noite, na sua cama em Bambadinca.

No regresso ao Enxalé,
depois de uma segunda noite no mato,
a tropa-macaca sofreu brutalmente,
tu sofreste, que a dor não dá para colectivizar nem partilhar,
sofreste brutalmente a desidratação,
o veneno das abelhas,
o esgotamento físico,
a fome,
a sede,
a insolação,
a exaustão,
as miragens,
o absurdo,
o desespero,
a desumanidade.
Tiveste miragens, o deserto do Saara ali tão perto,
em passando o Senegal, logo ao virar da esquina!
Nunca tinhas tido miragens,
foi mais uma experiência enriquecedora,
tudo por mor da Pátria e dos seus desígnios insondáveis!

Tiveste miragens, como no deserto do Saara,
lambeste a última gota do teu frasco de uísque,
bebeste o teu próprio mijo, esgotado o soro,
mastigaste as ervas do orvalho, esgotada a água,
desesperaste, perdida a esperança,
bebeste sofregamente a água choca dos charcos,
amparaste os mais desgraçados do que tu,
transportaste os feridos.
consolaste os mais sofridos,
fizeste as tuas obras de misericórdia,
segundo o Evangelho de São Mateus
que aprendeste quando eras cristão e crente e menino e moço
e temente a Deus
e tinhas um grande amor à Pátria, à Fátria e à Mátria,
mesmo que a sagrada tríade nunca te tivesse dado sinais
de que correspondia ao teu grande amor de filho e irmão!

Não deste nenhum tiro de misericórdia, mesmo cristãmente,
aos moribundos que não chegaram a haver, felizmente,
mas odiaste o PCV,
odiaste o Cuor,
odiaste Bambadinca,
as fardas,
os galões,
a tropa,
a guerra,
odiaste tudo naquele dia de mentira,
1 de abril de 1970,
Herr Spínola, a Guiné,
o Amílcar Cabral e os seus libertadores,
os senhores da guerra e os seus títeres...
Odiaste tudo,
até... o dia em que nasceste!

Um homem, mesmo o cristão que tu és,
tem que odiar,
tem que aprender a odiar,
tem que saber odiar,
para sobreviver, em qualquer guerra,
tem que odiar o inimigo para o poder matar,
tem que arranjar um inimigo, qualquer que ele seja,
e tem que saber odiar o seu general
para poder saber matar quem te quer matar.

Camarada, tu que fizeste a Op Tigre Vadio,
depois de tantos anos,
releste o relim
e há qualquer coisa que mexe em ti:
o relim não é um poema,
um poema épico ou dramático,
é sim, tão apenas,
um esquema telegráfico da guerra
para os senhores que estão em terra,
e que não têm tempo para ler relambórios.

O relim (, vocábulo que não vem sequer no dicionário)
faz economia dos pontos e vírgulas,
dos pontos de interrogação e das reticências,
enfim, de quase tudo,
que não fica para a História com H grande,
dos quilos de merda que destilaste,
das miríades de abelhas kamikazes
que arrancaste do cachaço,
que arrancaste do couro cabeludo,
dos gritos de dor que ecoaram pelas matas de Madina/Belel,
dos teus gritos e dos gritos dos desgraçados dos elementos pop
que morreram à hora da sua sesta, carbonizados, nas suas moranças,
o relim faz economia de tudo que é acessório,
o relim despreza os detalhes,
o relim ignora as paredes do estômago,
coladas uma à outra pela fome e a sede,
o relim não conhece as hormonas do stress,
o cortisol, a adrenalina e a noradrenalina,
o relim escamotoeia a lassidão do corpo, a tensão da alma,

e nem sequer te dá  um colchão para te estirares, à noite,
ou um ombro amigo para chorares, de raiva e de impotência.

Não, nunca mais irás esquecer Madina/Belel
onde nem chegaste a ir, diz-te  o guia que perdeu a bússola,
tu, e mais 250 homens, combatentes
(oito grupos de combate),
fora um número indeterminado de civis, nativos,
contratados ou arrebanhados como carregadores
(para transporte à cabeça,
como no tempo do Teixeira Pinto, o "capitão diabo",
de granadas de morteiro, de bazuca, de jericãs de água.
E que largaram tudo, ao primeiro ataque
do exército das abelhas do Cuor,
quiçá treinadas na China ou em Cuba.)

Ah, esqueceste-te de mencionar o médico do batalhão,
o Vidal Saraiva (tinhas esquecido o teu nome),
o valente alferes miliciano médico,
que o "tigre de Missirá" deve ter conseguido aliciar à última hora,
face aos casos graves de desidratação,
insolação,
intoxicação
e ferimentos em combate...

Pobre doutor
(ninguém tratava ninguém por doutor
lá no cu do mundo, longe do Vietname),
ficaste em terra
(nunca te tratámos por tu, a não ser hoje),
perdeste a boleia do heli e conheceste o inferno do Cuor,
com os teus trinta e três anos feitos.

Agora, que morreste,
lá no Olimpo, ao lado do velho Hipócrates, teu mestre,
deves estar a sorrir,
com um sorriso bonacheirão, benevolente,
ou com uma gargalhada desbragada, insolente,
o humor ácido típico do cirurgião, 
destas tuas peripécias cá na terra...
Será que as constaste, ainda em vida, aos teus netos ?
Oxalá, Enxalé, Insh'Allah!

Meus senhores, o Relim não é um poema,
é um exercício de pura economia,
um tratado de finíssima estética,
um compêndio de sumária gramática,
um fait-divers com que se brinca,
um escarro na cara do Zé Soldado,
entre duas partidas de bridge ou de king
na messe dos oficiais de Bambadinca.

Que nos valha, ao menos, o velho RDM,
o Regulamento de Disciplina Militar,
é mais grosso, tem mais papel, vê lá tu,
é coisa que se apalpa, outrossim,
e que em último caso serve,
bem melhor do que o capim,
para enxugar o suor da pele,
e mais prosaicamente para limpar... o cu!

Luís Graça

Bambadinca, 2 abril de 1970. 
Revisto, aumentado e melhorado, meio século depois, 
por ocasião do 17º aniversário do nosso blogue,
e no decurso da pandemia de Covid-19 
que segue os seus trâmites (**)
_____________


Notas do editor:

(*) Vd. postes de:

2 de julho de 2016 > Guiné 63/74 - P16259: Manuscritos(s) (Luís Graça) (86): O Relim Não é um Poema (à memoria do médico Joaquim Vidal Saraiva 1936-2015)


Guiné 61/74 - P22189: Notas de leitura (1355): "Vem Comigo à Guerra do Ultramar", por António Luís Monteiro da Graça (Mário Beja Santos)



1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 17 de Abril de 2021:

Queridos amigos,
É sempre uma surpresa agradável encontrar na Feira da Ladra relatos da guerra da Guiné, mesmo aqueles que já são conhecidos e até já estão repertoriados. É o caso destas notas soltas do coronel António Luís Monteiro da Graça que comandou a Companhia de Cavalaria 677 na região de Tite e São João, entre 1964 e 1966. O que mais me impressionou na releitura foi o cuidado posto pelo autor em mostrar-nos, produzindo as cartas geográficas, as dificuldades quase sobrehumanas de percorrer lamaçais atravessados por cursos de água, com a mata cerrada a boa distância, mas dando boa visibilidade para hostis bazucadas e morteiradas. Monteiro da Graça desmonta a falsidade do nosso controlo daquele território, o penoso das assiduidades, a falta de material, a falta de formação, tudo superado pela galhardia e destemor dos seus homens, lêem-se estes relatos de quatro comissões e vê-se que não é fruto do acaso que estes rastos de memória são dedicados a todos os militares da CCAÇ 677, é importante lê-lo para sentir o peso destas solidariedades que nunca se apagaram.

Um abraço do
Mário


Vem comigo às terras barrentas entre S. João, Enxudé e Jabadá

Mário Beja Santos

Já em 2013 aqui se fez menção ao punhado de apontamentos elaborados pelo Coronel António Luís Monteiro da Graça com o título "Vem Comigo à Guerra do Ultramar", episódios soltos das suas quatro comissões em Moçambique, Guiné e Angola (P11399 de 13 de Abril de 2013). Fora possível fazer tal recensão por existir um exemplar que o oficial oferecera à Liga dos Combatentes. Dá sempre gosto voltar a ler estes conjuntos de memórias, tive agora a dita de comprar exemplar na Feira da Ladra, reler com gosto e talvez fazer um comentário com novo olhar. Logo as razões da dedicatória, a Companhia de Cavalaria 677 merece-lhe essa homenagem, foi ele que formou esta unidade independente, mal chegados à Guiné subtraíram-lhe um pelotão que foi reforçar Fulacunda, a sofrer na época uma grande pressão por parte do PAIGC. Recordações não lhe faltam: o alferes Teixeira, que tinha visão deficiente e que bastantes vezes ia de encontro às árvores, as suas grossas lentes nem sempre lhe davam a panorâmica do que estava à frente. E vem o elogio a todos: “Tive a felicidade de comandar homens que iam suportando todas as contingências da guerra com grande espírito de sacrifício, mas eivado de humor e boa disposição que se prolongaram até aos dias de hoje, em que não faltam aos anuais almoços de confraternização. E o elogio é extensivo aos nativos que iam connosco e que sempre foram elementos de grande valor e lealdade, honrando os compromissos assumidos e a esperança de que com a sua participação estarem a contribuir para uma Guiné mais próspera e melhor preparada para a mudança que se esperava”.

Vendo agora com mais cuidado as cartas melhor se percebe como aquela geografia de terras alagadas à volta de Jabadá, Enxudé, Gã Chiquinho eram um tormento na progressão que a guerrilha experimentada aproveitava a oportunidade para flagelar. Em junho de 1964 a guerrilha dispunha de metralhadoras e bazucas. Naquele tempo havia um médico por companhia e o Dr. Pereira não tinha qualquer preparação física, andara duas ou três semanas em Mafra, ia-se abaixo das canetas nas operações. “Daí nasceu uma guerra entre mim e o comandante. Este obrigava-me a levar o médico para as operações. Eu não o levava pois já tinha a experiência e não estava a ver o doutor a mostrar boa vontade para ir. E não o levei mais, chatices tinha eu de sobra. E também analisando bem, que fazia o médico em caso de ferimento grave? Em estancar o sangue e esperar pela evacuação, se possível, coisa que o enfermeiro podia fazer”. Conta-nos a peripécia da CCAÇ 423 que chegara de Lisboa com o destino de São João. Em vez de se ter utilizado um transporte marítimo para pôr a unidade em poucas horas no seu destino, alguém decidiu que deviam partir de Bissau e ir até Bafatá, descer por Fulacunda e Nova Sintra até São João. Foi bico de obra a remover obstáculos nas picadas e já com o quartel de Nova Sintra à vista sofreram uma grande emboscada. Lá seguiram para Tite, depois Enxudé e finalmente São João, que saga. Mas fica-se a perceber como logo no início da guerra muitos itinerários se tornavam progressivamente mais perigosos.

O coronel Monteiro da Graça não deixa de referir o verdadeiro calvário que era percorrer aquelas bolanhas para chegar aos objetivos próximos do Rio Geba. Fazer operações na península de Gampará era igualmente um tormento, do outro lado do Corubal agentes do PAIGC já cultivavam na Ponta do Inglês, na Ponta Luís Dias em Mangai, Mina e Fiofioli. Bem curioso é o que ele nos relata da Operação Crato que se realizou em 18 e 19 de julho de 1964, envolvia a unidade de São João, dois destacamentos de fuzileiros desembarcados em Jabadá, a companhia de Fulacunda e dois pelotões da 677. Saíram do Enxudé, embarque no meio de uma enxurrada de lama, são embarcados em duas LDM, amarinharam por meio de cordas em plena escuridão para o contratorpedeiro Voga, tornearam a ilha de Bolama, entrou-se no Rio Grande de Buba e a progressão começou na península de Buduco, em direção ao norte. Descobrem um acampamento, recentemente abandonado, e ainda com a comida ao lume. Começou a chover torrencialmente e deram de caras com uma patrulha inimiga. Tudo acabou bem. Ficamos igualmente a saber que o PAIGC flagela quando pode a Ponta de Jabadá.

Destaca atos de heroísmo dos seus militares, dois deles foram condecorados com a Medalha de Valor Militar. O controlo do terreno era dificílimo. “A função de intervenção era só teórica, pois as minhas tropas faziam as operações de intervenção e depois de chegarem faziam também as outras atividades. O meu pessoal pouco tempo depois da chegada, três meses, estava quase inoperacional”. Impraticável qualquer tipo de controlo, o terreno não permitia qualquer permanência, e o PAIGC já flagelava com morteiros e bazucas. Havia as marés que obrigavam embarques e desembarques com imensas dificuldades, por vezes Monteiro da Graça tece comentários cáusticos à Marinha.

Em 3 de agosto desse mesmo ano de 1964 três companhias voltam à península de Gampará, na junção dos rios Geba e Corubal. “Acontece que a noite estava de tempestade. Na margem norte do Geba, existia frente à península o quartel de Porto Gole, que não fora avisado da operação. Com a tempestade, as duas LDM foram atiradas para a praia junto ao quartel que começou a atirar morteiradas contra o possível inimigo, nós, neste caso. O segredo da Operação foi-se. No dia seguinte, nem inimigo nem população estavam nos acampamentos e nas tabancas, pouco mais restante do que destruir os seus quartéis”. Queixa-se da falta de instrução da tropa, desde o uso de armas até às granadas. Viveu uma guerra pobrezinha, experimentou a recusa no fornecimento de granadas, a falta de material, e conta uma história de uma operação em que partir às quatro da manhã e às três da tarde antes o comandante do batalhão informa-o de que teria de emprestar para uma outra operação os três morteiros de 60 mm. Surpreendido com a notícia, achou por bem sugerir que se devia suspender a Operação, o comandante recusou-se a tal cancelamento. Veio um avião a Fulacunda e trouxe um morteiro, já ganhara a perceção de que o PAIGC começava a ter mais e melhor armamento.

Tem muitas recordações avulsas, sente-se nesta escrita a densa camaradagem que se estabeleceu e terá sido interrompida quando a litíase renal o obrigou a um tratamento mais sério. Mas esta CCAÇ 677 ficou-lhe no coração, jamais esqueceu todos aqueles lodaçais que encontrou no Sul. Um relato tocante que justificou a releitura de um lugar pouco aflorado na literatura da guerra da Guiné.
Coronel de Cavalaria António Luís Monteiro da Graça (1925-2014)
Companhia de Cavalaria 677, Tite e São João, 1964-1966
Ruínas do antigo quartel português em Tite. Fotografia de Alfredo Cunha, jornal Expresso, com a devida vénia
Porta de armas do quartel de Tite, 1964. Fotografia do blogue
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Nota do editor

Último poste da série de 3 DE MAIO DE 2021 > Guiné 61/74 - P22167: Notas de leitura (1354): "Nos Meandros da Guerra, O Estado Novo e África do Sul na defesa da Guiné", por José Matos e Luís Barroso; Caleidoscópio, 2020 (2) (Mário Beja Santos)