terça-feira, 19 de janeiro de 2010

Guiné 63/74 – P5678: Estórias do Mário Pinto (Mário Gualter Rodrigues Pinto) (34): O turra branco "Capitão G3" (Mário G R Pinto)

1. O nosso Camarada Mário Gualter Rodrigues Pinto, ex-Fur Mil At Art da CART 2519 - "Os Morcegos de Mampatá" (Buba, Aldeia Formosa e Mampatá - 1969/71), enviou-nos a sua 34ª mensagem, em 17 de Janeiro de 2010:
Camaradas,

Eu não perfilo com desertores, mas a lenda, o carisma sentimental e o infortúnio do fuzileiro de que vos vou falar, fez-me pesquisar a estória da sua vida e trazê-la ao nosso convívio, por achar de interesse geral.

O TURRA BRANCO CAPITÃO G3

António Tavares Trindade era um rapaz simples, filho da cidade de Lisboa, onde cresceu e aprendeu a viver. Ficou órfão de pai na adolescência, ainda bastante novo.

Sua mãe, ainda jovem, veio a casar em segundas núpcias com um indivíduo, que o veio a marcar negativamente para o resto da sua vida, pois pertencia à mórbida organização da PIDE.

Aos 17 anos, desagradado com o seu padrasto, começou a ver a sua vida a complicar-se, plena de hostilidade em casa e, revoltado, resolveu ingressar na Marinha como voluntário.

Nesta altura, inicio do ano 1962, a guerra em Angola estava no auge e a necessidade de tropas para o Ultramar fez com que o recém marujo incorporado fosse direitinho parar aos fuzileiros.

A dura recruta e a cultura castrense, que se vivia naquela altura em todas as unidades militares, não contribuíram em nada para melhorar o carácter do jovem fuzileiro. Apenas com 18 anos e acabada a sua formação militar, foi enviado para a Guiné e despejado num teatro de guerra, que não lhe despertava qualquer sentimento em particular.

Órfão de afectos e desiludido com a vida, que tinha sido compelido a escolher, não o satisfazia de modo algum. As ligações com a sua mãe eram dificultadas pelo seu padrasto, com quem se não dava de modo nenhum e cada vez odiava mais. A PIDE, organização a que, como já disse, o seu padrasto pertencia, era outra espinha no seu coração.

É, nessa altura, que conhece a sua femme fatale, que o ajuda a transformar a sua vida num autêntico inferno.  Nas suas andanças pela cidade de Bissau e pelos seus bares, onde eram férteis as meninas da vida nocturna, veio a conhecer uma brasa por quem se embeiçou. Segundo rezam as crónicas da época, era mesmo uma bonita mulher.

A femme fatale fazia parte da organização do PAIGC e, tendo descoberto a tristeza e o descontentamento do fuzileiro, decidiu convencê-lo a desertar para o outro lado, o que ele acabou por fazer, mais tarde, após uma discussão com um superior.

O fuzileiro Lisboa - António Tavares Trindade - o G3, como era conhecido pelos seus camaradas da altura, era um exímio artista com o LGF (Lança Granadas Foguete), que disparava com muita precisão.

Há quem afirme que o PAIGC, ao ter conhecimento desta destreza do Lisboa, o fez instrutor de RPG 2, para ensinar os seus guerrilheiros, vindo a ser baptizado por Capitão G3.
A Frente Patriótica Nacional, em Argélia, mantinha uma estreita ligação com os movimentos de libertação das colónias, nomeadamente com o PAIGC.

Na sua luta contra o Salazarismo absorvia no seu seio todos os dissidentes do regime, e é neste contexto que o PAIGC em 1964 entrega em Argel 5 desertores do nosso exército, onde o Capitão G3 ia integrado.

Em 1965, o governo de Argel entra em desavenças com a FPN e prende 16 dos seus membros onde se encontrava o G3.

Os mesmos são libertados após o golpe de estado que, nesse mesmo ano, derrubou Ben Bella. O G3 saiu então livre da Argélia, atravessando Marrocos, com destino a Espanha.

Posteriormente, tornou-se combatente anti-fascista, apoiando a candidatura do General Humberto Delgado (foto ao lado), tornando-se seu segurança pessoal até à sua morte.

Na clandestinidade viveu até 1968, altura que foi preso pela PIDE, por denúncia do seu padrasto, quando visitou sua mãe doente,  internada no hospital.

Foi torturado violentamente pelos seus carcereiros, nos calaboiços da polícia política do regime, que não lhe perdoaram a sua deserção da CF3 na Guiné, a colaboração prestada ao PAIGC, bem como as posteriores ligações á FNP e, pior ainda, a sua ligação ao PCP (Partido Comunista Português), a que aderira entretanto.

Como desertor foi julgado pelo tribunal da Marinha e cumpriu a sua pena no Forte de Elvas.

Posto em liberdade, depois da pena cumprida, teve de regressar ao Corpo Fuzileiros. Marginalizado e perseguido, por uns e por outros, arrastou-se penosamente pelos quartéis até cumprir o tempo de serviço na Marinha, que lhe faltava.

Na vida civil, empregou-se na CUF/QUIMIGAL do Barreiro, onde fixou residência depois de casar no Lavradio.

Nunca deixou de ser militante do PCP/Barreiro, pelo que era frequentemente preso pela ex-PIDE, que passou a designar-se, naquela época, por DGS (Direcção Geral de Segurança).

Depois do 25 de Abril, era membro destacado do PCP/Barreiro. Nos anos 1975 a 77 formou a célula do seu partido no Lavradio, após ter frequentado em Moscovo, por ordem do Partido, a formação em política apropriada.

Hoje, pouco mais se sabe do Capitão G3, apenas que frequenta esporadicamente a Sede da Associação dos Fuzileiros, no Barreiro.

Nota final: Todos estes dados recolhidos foram pesquisados na NET em, http://companhia2fz.blogspot.com/search?q=Ant%C3%B3nio+Tavares+Trindade e junto de camaradas de armas do G3, residentes no Lavradio.

Um abraço,
Mário Pinto
Fur Mil At Art
Emblema de colecção: © Carlos Coutinho (2009). Direitos reservados.
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Nota de M.R.:

Vd. último poste desta série em:

17 de Janeiro de 2010 > Guiné 63/74 – P5669: Estórias do Mário Pinto (Mário Gualter Rodrigues Pinto) (33): Até os babuínos eram contra nós (Mário G R Pinto)

2 comentários:

MANUELMAIA disse...

CARO MÁRIO,

POR MUITAS DESCULPAS QUE POSSAM SER APRESENTADAS À LAIA DE MOTIVAÇÃO,JUSTIFICATIVA,CONTINUO CONVENCIDO QUE A DESERÇÃO É O DEGRAU MAIS BAIXO A QUE O MILITAR PODE CHEGAR.

É QUE A PASSAGEM PARA O LADO DO INIMIGO IMPLICAVA FORNECIMENTO DE INFORMAÇÕES QUE PODIAM PÔR EM PERIGO DE VIDA TODOS OS SEUS CAMARADAS.

EM TODOS OS PAÍSES DO MUNDO UM DESERTOR É JULGADO E CONDENADO.
NESTE CASO,TÊ-LO-Á SIDO,MAS A PRÁXIS PÓS 25 NÃO ERA ESSA...

ABRAÇO
MANUEL MAIA

Anónimo disse...

Caro Mário Pinto
Existem algumas incorrecções que se me der licença gostaria de precisar: O Tavares não desertou com os outros Fuzileiros mas sim com dois Policias, foi guarda-costas do General Delgado, até ao assassinato deste,veio a pé de Argel a Casablanca onde se entregou ao Consulado de Portugal naquela Cidade Marroquina,
Ao Sr. Manuel Maia: não fique triste por o G3 não ter sido fuzilado, porque houve momentos que o mesmo teria preferido essa pena, que passar o que passou com os esbirros da P.I.D.E., mais informo que só no Forte de Elvas esteve Cinco Anos.
Cumprimentos
Virgilio Miranda