segunda-feira, 21 de janeiro de 2013

Guiné 63/74 - P10978: Diário de Iemberém (Anabela Pires, voluntária, projeto do Ecoturismo, Cantanhez, jan-mar 2012) (1): A chegada


1. A nossa amiga Anabela Pires [, foto à esquerda,] (*)  chegou no dia 17, do corrente, a Auroville, no sul da Índia, onde vai viver nos próximos seis meses, até ao início do nosso verão.  Mandou-nos duas mensagens, ontem, que reproduzimos:

(i) Comentário do poste P10930

 (...) Muito obrigada aos grã-tabanqueiros pelas mensagens enviadas. Já estou em Auroville desde 5ª feira (dia 17). [. Vd a fotogaleria do sítio de Auroville]. Isto aqui também é "mato" mas um "mato" com mais recursos e mais organizado. Estou e estarei em fase de adaptação com algumas limitações - o meu mau inglês, o facto de não me poder deslocar sozinha depois do pôr do sol por ser perigoso (esta é a pior de todas e difícil de vir a ser ultrapassada) e a tentativa que estou a fazer de me deslocar de bicicleta - falta de treino para fazer vários quilómetros pois Auroville é bem maior do que eu imaginava. Um abraço grande (...)

(ii) Mensagem pessoal:

(...) Luís, com toda a justiça tens a minha autorização (*) Não me esqueci da minha promessa e tenho um post-it neste PC a dizer "ver Diário da Guiné" mas como estou sempre a adiar ..... OK! Confio que farás a devida triagem mas lamento dar-te a ti esse trabalho. Passou um ano depois que cheguei à Guiné, é justo que não esperes mais. Agora comecei a escrever a minha experiência por aqui e .... bem, como já não quero andar stressada , o mais natural era ir adiando esse trabalho. Um grande abraço para ti e para a Alice. Até breve, Anabela

(*) Resposta da Anabela ao meu mail do dia anterior, que dizia o seguinte:

(...) Minha malandra: primeiro, parabéns, por teres chegado "sã e salva"... Espero que seja mais uma experiência enriquecedora para ti. Segundo, foste-te embora sem me dares "autorização" para publicar no blogue o teu diário de Iemberém, expurgado naturalmente de referências mais intimistas ou pessoais...O que importa são as tuas impressões dos lugares e das gentes... Autorizas-me a que faça uma "edição" do teu diário, só com a parte da tua "leitura sociológica"?  Seria interessante para todo nós e para futuros viajantes... Prometo que faço uma boa "triagem"...Diz-me da tua justiça... Beijinhos meus e da Alice.   (...)

2. Vamos começar hoje a publicar excertos do Diário de Iemberém, da Anabela Pires, chegada a Iemberém, no Cantanhez,  há justamente um ano atrás, a 18 de janeiro de 2012, para trabalhar como voluntária no projeto de ecoturismo da AD - Acção para o Desenvolvimento.

Vamos utilizar dois tipos de parênteses para indicar eventuais alterações ao texto original: (i) parênteses curvos, seguidos de três pontos (...) para assinalar eventuais cortes feitos pelo editor (por ex., referências muito pessoais a terceiros) ; e os (ii)  parênteses retos  [ ] para indicar texto ocasionalmente inserido pelo editor  (subtítulos, links, informações adicionais, etc.). O ficheiro, em formato doc, que temos à nossa disposição,  tem 30 páginas, e vai de 18 de janeiro a 25 de março de 2012. 

3. Diário de Iemberém, por Anabela Pires

18 de Janeiro de 2012  [Chegada a Bissau e Iemberém]

Cheguei ontem a Iemberém (sector de Bedanda ou Cubacuré, região de Tombali, Guiné-Bissau).

[ Foto à esquerda: um avião da TAP, no Aeroporto Internacional de Bissau, 29 de fevereiro de 2008, foto de L.G. ]




São já 7 horas e 8 minutos, os galos já cantam, o dia começa a clarear mas ainda não vejo nada dentro de casa, sem luz. Acordei há já uma hora e é com a lanterna a energia solar, que a Catarina me trouxe da Índia, que ando dum lado para o outro. De vez em quando jogo instintivamente a mão aos interruptores da luz! 

Finalmente embarquei em Lisboa no dia 13, sexta-feira, às 21.30 e cheguei a Bissau às 2 da manhã do dia 14. O voo saiu com atraso de Lisboa pois o avião vinha completamente cheio. Para minha admiração metade do avião era ocupado por não guineenses! Desde um grupo de 30 brasileiros(as) que foram para Gabu fazer 20 dias de voluntariado no hospital, a freiras e padres italianos, havia um pouco de gente de diversas partes do mundo.

À minha espera estava o Gibi, colaborador da AD (Acção para o Desenvolvimento, ONG guineense para onde vim como voluntária) e o Domingos, motorista da AD.

O aeroporto de Bissau tem um aspecto apresentável. Recordo-me de a Dulce me ter contado que uma amiga dela, que aqui veio há uns anos, lhe ter referido que os funcionários escreviam em cima de caixas vazias. Portanto, algumas coisas vão mudando na Guiné-Bissau.

Fui instalada no Centro de Formação de Hotelaria que a AD tem no Bairro de Quelélé, nos arredores de Bissau.

Apesar de já ter visto imagens do Bairro de Quelélé na televisão e no site da AD, não imaginava o que encontrei. O Bairro fica entre o aeroporto (a 8 km da cidade) e a cidade e é um bairro bem popular em que a maioria das casas são as tradicionais palhotas. As ruas são mal definidas e todas em terra batida. A minha chegada a este bairro às 3 da manhã contribuiu para alguma perplexidade! Não o imaginava como é de facto e muito mais me espantou o facto dos mais importantes dirigentes da AD nele viverem. A AD tem todas as suas instalações no Bairro Quelélé e quem a dirige vive também no bairro. Há, portanto, uma grande fusão entre a AD e o Bairro Quelélé.

(Continua)
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Nota do editor:

(*) Vd. alguns postes anteriores da (ou referentes à)  Anabela Pires:

12 de janeiro de 2013 > Guiné 63/74 - P10930: Os nossos seres, saberes e lazeres (50): A caminho de Auroville, a "cidade do amanhecer", no sul da Índia... Mas se pudesse escolher, era já para Iemberém que eu queria voar (Anabela Pires)

(...) Vou voar de hoje a oito dias na companhia aérea dos Emirados Árabes - Lisboa- Dubai - Chennai. Dia 16 ficarei a dormir em Chennai e dia 17 irei então para Auroville num táxi da sua companhia de táxis. Chegarei no mesmo dia em que o ano passado cheguei a Iemberém. E se pudesse escolher era para Iemberém que voaria também este ano. 

 Penso passar a 1ª quinzena a conhecer Auroville e a integrar-me. Depois ou opto por uma participação ativa, ajudando onde for preciso - penso que vou privilegiar as quintas para continuar a aprender a cultivar - ou opto por um projeto de voluntariado. Tudo vai depender dos projetos de voluntariado que houver. Tenho como limitação a língua mas pelo menos espero regressar a falar inglês mais fluentemente. Penso regressar/chegar a Portugal dia 3 de Julho. (...)

5 de junho de 2012 > Guiné 63/74 - P9998: Em busca de... (191): Pessoal da 26ª CCmds, camaradas do João Gertrudes Luz, natural de Faro, sold cond comando (Brá e Teixeira Pinto, 1970/71), tragicamente desaparecido em 2007 (Anabela Pires, de regresso à Pátria)

(...) Recorde-se que a Anabela Pires esteve em Iemberém, na Região de Tambali, desde janeiro de 2012, como voluntária da AD, a trabalhar no projeto do ecoturismo do Cantanhez. Na sequência do golpe de estado de 12 de abril, acabou por ir para São Domingos e depois Dacar, no Senegal, por razões de segurança... Esteve lá mais de um mês, na casa de um amiga casada com um diplomata... Regressou há uma semana e picos a Portugal, na esperança de voltar à Guiné, em 2013, depois das "prometidas" (pelos golpistas!) novas eleições presidenciais...

Entretanto, ela tinha-me falado deste seu amigo, o João Gertrudes Luz, nosso camarada, tragicamente desaparecido em 2007, e da "dívida" que ela ainda tinha para com ele... Simbolicamente, com a publicação deste poste, fica saldada essa "dívida" em aberto, embora infelizmente tenhamos poucas notícias, no nosso blogue, da 26ª CCmds... Mas contamos, desde já, com os resultados das boas diligências dos nossos leitores, tabanqueiros e não tabanqueiros... Por certo que teremos resposta ao pedido da Anabela. (...)


21 de maio de 2012 > Guiné 63/74 - P9931: Ser solidário (127): Anabela Pires, voluntária da AD, de regresso a casa, depois das suas (des)venturas em Iemberém e em Dakar

(...) Sinto que preciso de fazer o "luto" da minha experiência interrompida na Guiné e por isso não tenho, para já, o meu coração muito aberto a um trabalho como voluntária noutra ONG. Como há muitos anos que desejo aprender a cultivar estou à procura de uma quinta, de preferência de agricultura biológica, que me queira receber em troca de trabalho. Estou a procurar no WWOOF. Pode ser em Portugal ou noutro país desde que a viagem para o mesmo não seja muito cara. Tenho especial interesse em aprender a cultivar legumes e eventualmente árvores de frutos. Gostaria de começar o mais tardar em Outubro uma vez que, pelo menos em Portugal, é o início do ano agrícola. O ideal seria encontrar uma família portuguesa, daquelas que deixou a vida da cidade para ir para o campo. Se a família tiver uma componente de turismo rural tanto melhor pois aí também posso dar "uma mão". Gostaria de ir viver para o campo e ter uma actividade física. (...)


16 de abril de 2012 > Guiné 63/74 - P9753: O Nosso Livro de Visitas (132): Não se preocupem se não der notícias - só estamos sem eletricidade porque o gasóleo acabou! (Anabela Pires, Iemberém, Cantanhez)

(,,,) Acabou-se o gasóleo que sustenta as nossas 4 horas de luz por dia e a água no depósito! Portanto, estamos novamente sem luz e sem água nas torneiras (aqui em casa tenho 2 no WC o que é muito bom). Isto significa que é mais difícil recarregar a bateria do computador. A minha amiga francesa que mora a 3 km e tem painel solar leva-me o PC e põe-o a carregar mas tudo isto demora mais tempo e posso estar por isso mais "ausente".

Como alternativa posso comprar uns litros de gasolina e pedir à Satu que ligue o gerador do restaurante para carregar os aparelhos. Mas o dinheiro também se acabou - está em Bissau à espera de transporte para cá chegar. Não sei quando vem o carro, era para ter vindo na 6ª feira, mas com os problemas em Bissau ..... aguardamos. Bem, esta do dinheiro é um bocadinho brincadeira pois a Satu certamente me emprestará dinheiro se eu precisar! (,,,)


12 de janeiro de 2012 > Guiné 63/74 - P9346: Tabanca Grande (317): Anabela Pires, voluntária no projeto Ecoturismo do Cantanhez, nossa tabanqueira nº 536, aqui saudada pelo Hélder Sousa

(...) Esta notícia que o JERO [, José Eduardo Oliveira, amigo da irmã da Anabela, que vive em Alcobaça, ] nos enviou, com todos os ingredientes que a compõem, bem assim como as achegas que vieram dos comentários, tem várias coisas que são notáveis.

A primeira é, obviamente, a decisão de Anabela Pires em ocupar a sua reforma em algo que lhe é útil (também) mas em que dirige os seus conhecimentos, saberes e força de vontade em algo que enriquece quem toma esse tipo de atitudes e que é o de 'ajudar os outros'. Provavelmente o seu nascimento em África pode ter contribuído para o 'apelo' mas acho que o 'contágio' com a Guiné explica-se através do que foi referido sobre os contactos e os conhecimentos. (...)


7 de janeiro de 2012 > Guiné 63/74 - P9328: O Nosso Livro de Visitas (120): Anabela Pires, em vias de ir para Iemberém, no Cantanhez, trabalhar como voluntário na AD - Acção para o Desenvolvimento, procura cartas da região de Tombali e elogia o nosso blogue

(...) Olá, Luís! Desculpe antes demais o tratamento informal mas visitando frequentemente o blogue Luís Graça e camaradas da Guiné, conhecendo a Alice e estando a pensar partir para a Guiné-Bissau em Janeiro [de 2012], onde vou trabalhar com a AD [- Acção para o Desenvolvimento], quase me sinto como membro da Tabanca Grande.

Realmente o Mundo é Pequeno mas a vossa Tabanca... é Grande! Certamente a Alice já lhe contou como fui ter ao blogue e como descobri que o seu fundador é casado com a Alice Carneiro! Bom, tudo começou por eu andar à procura de cartas/mapas da Guiné-Bissau. Situar-me geograficamente é sempre um ponto de partida.  (...)


7 de janeiro de 2012 > Guiné 63/74 - P9325: Ser solidário (119): Anabela Pires: A caminho de Iemberém como voluntária da ONG AD - Acção para o Desenvolvimento (JERO)

(...) Conheci a Anabela Pires, em Coimbra, no dia do falecimento de sua Mãe.Já lá vão um bom par de meses. A conversa foi de circunstância e a minha presença na cerimónia religiosa, no dia do funeral, deveu-se à minha relação fraterna com a sua irmã Margarida Pires, professora em Alcobaça e camarada de boas causas (Defesa de Património Cultural e outras).

No último Verão soube pela Margarida que a sua irmã Anabela queria fazer serviço voluntário na Guiné. Falei-lhe do nosso Pepito (nickname do Engenheiro Agrícola Carlos Schwarz da Silva), que vive e trabalha em Bissau desde 1975, sendo um dos fundadores da AD - Acção para o Desenvolvimento.  O mundo é pequeno e a Anabela Pires tinha sido colega e amiga da Alice Carneiro, mulher do nosso Editor Luís Graça. (...)





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4 comentários:

Hélder Valério disse...

Caríssima Anabela

Pois, muito sinceramente, espero e desejo que tenha sucesso nesta nova experiência/aventura/projecto.
Com certeza que haverá aspectos que nos poderão ser transmitidos, nomeadamente no âmbito da solidariedade, e dos esforços de superação que irão ser exigidos.

Relativamente às 'memórias da ida à Guiné' que o Blogue começou agora a publicar nota-se logo, para já, a perplexidade com o que lhe apareceu pela frente: não-guineenses a irem para a Guiné (afinal, um sítio altamente improvável de se encontrar em qualquer roteiro turístico...), o impacto favorável no aeroporto (é quase sempre assim: quando se espera o pior, a realidade um pouco melhor que seja acaba por agradar) e o impacto da realidade social no Quelélé.

Já sabemos que acordou cedo e que são 7 da manhã, mas ainda não saiu da habitação... vou aguardar pelo 'choque' ao chegar ao exterior, para não falar de que se aguardam referências à temperatura...

Abraço
Hélder S.

JD disse...

Olá Anabela,
Para além de subscrever o comentário do Helder, quero manifestara minha admiração poruma mulher que se mete em quase-aventuras como as que nos revela, e por razões de solidariedade que dão alma ao espírito de aventura.
Depois da Guiné, agora a Índia... um país imenso que lhe vai provocar muitos "choques", principalmente pela condição de mulher.
Desejo-lhe muitas felicidades, e que tenha oportunidade para concluir o "estágio" guineense.
Um abraço
JD

Luís Graça disse...

Anabela, tu que nasceste em Moçambique (, logo, em África, berço da humanidade,) e tens o bichinho da procura do conhecimento e da sabedoria, já me obrigaste a saber onde era e o que é Auroville, a cidade da aurora, fundada há mais de 40 anos, e que tem o apoio da Unesco... Fui procurar no respetivo sítio, na Net:

"Auroville pretende ser uma cidade universal onde homens e mulheres de todos os países são capazes de viver em paz e crescente harmonia, para além de todos os diferenças em termos de credos religios, de todas as ideologias políticas e de todas as nacionalidades. O objetivo de Auroville é realizar a unidade humana".


... Utopia ? Precisamos de "utopias", e uma delas a realização da nossa plena humanidade... Espero, Anabela, que no dia 3 de julho de 2013 voltes mais rica e mais forte, intelectual e espiritualmente falando... Até lá, tens que nos dizer, quando puderes e quiseres, como é que, no dia a dia, os habitantes de Auroville vão realizando (ou tentando realizar) essa tal "unidade humana"...

Anónimo disse...

No blogue Politeia saiu uma apreciação do livro de António Abreu, Diário da Guiné. Como ex-miliciano, com comissão na Guiné, passo palavra.
RC