sexta-feira, 10 de janeiro de 2014

Guiné 63/74 - P12567: Notas de leitura (551): "Antologia da Terra Portuguesa - Cabo Verde, Guiné, São Tomé e Príncipe, Macau e Timor", por Luís Forjaz Trigueiros (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 7 de Agosto de 2013:

Queridos amigos,
Mal irrompeu a guerra em Angola e surgiram obras de reportagem sobre a região; o mesmo acontecerá com a Guiné e Moçambique.
Autores de cunha nacionalista, caso de Luís Forjaz Trigueiros e Amândio César, lançar-se-ão em obras de cunho antológico.
Este volume de Luís Forjaz Trigueiros é sintomático quanto à quantidade e qualidade de autores: Cabo-Verde preenche praticamente metade do volume, as outras colónias terão porções muito mais magras. Trigueiros optou por Zurara em vez de André Álvares de Almada, ambos indispensáveis; escolheu Fernanda de Castro, foi pena ter escolhido um texto menor”; selecionou avisadamente páginas de Teixeira da Mota e João Augusto da Silva. Estranhamente, nem uma palavra sobre Fausto Duarte.
Para que conste.

Um abraço do
Mário


A Guiné aos olhos de Luís Forjaz Trigueiros

Beja Santos

Pelos anos 1960, a Livraria Bertrand lançou uma coleção que deixou nome: Antologia da Terra Portuguesa. O país que éramos então foi descrito região por região, com exceção do chamado Ultramar em que Luís Forjaz Trigueiros escreveu volumes separados para Angola e Moçambique e Manuel de Seabra escreveu sobre Goa, Damão e Dio e Luís Forjaz Trigueiros sobre Cabo Verde, Guiné, S. Tomé e Príncipe, Macau e Timor.

A fatia de leão coube a Cabo-Verde, Forjaz Trigueiros compendiou textos, por vezes de uma enorme beleza, assinados por escritores como José Osório de Oliveira, Manuel Lopes, António Pedro, Nuno de Miranda, Gabriel Mariano, Onésimo Silveira, Baltazar Lopes e Daniel Filipe.

Mais curto será o espaço que o autor reservará à Guiné, mas convém referir que escolheu bem o que saiu das mãos de Gomes Eanes de Zurara, Augusto Casimiro, Fernanda de Castro, Maria Archer, Teixeira da Mota, António de Cértima, João Augusto, Landerset Simões, Manuel Belchior e Manuel Henriques Gonçalves. Escolha é escolha, sempre sujeita a reparos, na conceção de um Portugal do Minho a Timor, Forjaz Trigueiros, dentro da sua lógica, escolheu avisadamente. Como se passa a referir.

Primeiro, o autor do chamado achamento da Terra dos Negros, Gomes Eanes de Zurara e a sua Crónica dos Feitos da Guiné. Lançarote, almoxarife de Lagos, dirige-se ao Infante D. Henrique e pede licença para ir à Guiné:
“E se Deus trouxer o feito de nossos contrários, presas de grande valor, pelas quais de vosso quinto devereis receber grande proveito, do qual nós não ficaremos sem parte. E disto, senhor, vos praza havermos vossa resposta, para despachadamente seguirmos nossa viagem, enquanto nos o verão dá tempo para isso”.

Chega-se à Guiné – então o que se entenderia por ela – Nuno Tristão e outros são frechados e morrem do veneno das setas. A viagem prosseguirá em condições precárias, com logística deficiente, poucos homens, os nautas chorosos pela morte do capitão, de escudeiros e homens de pé. E como numa oração Zurara escreve:
“Ó grande e supremo socorro de todos os desamparados e atribulados, que nunca desamparas aqueles que te chamam em maior necessidade, que ouviste os clamores daqueles que gemiam a ti! Onde bem mostraste que ouvias suas preces, quando em tão breve lhe enviaste tua celestial ajuda, dando esforço e engenho a um tão pequeno moço, nado e criado em Olivença, que é uma vila de sertão mui afastado do mar, o qual avisado por graça divinal, encaminhou o navio, mandando ao grumete que diretamente seguisse o norte, abaixando-se um pouco à parte do levante, ao vento que se chama nordeste, porque ali entendia ele jazia o reino de Portugal, cuja viagem eles seguir desejavam!”.

E elogia os nautas inexperientes que conduziram a torna-viagem, onde foram recebidos pelo Infante, “contar-lhe o forte aquecimento da sua viagem, apresentando-lhe a multidão das frechas com que seus parceiros morreram, de cuja perda o Infante houve grande desprazer, porque quase os criara todos, não pôde escusar tristeza daquela humanidade que ante a sua presença pelo espaço de tantos anos fora criada”.

Passando à frente de Augusto Casimiro e Fernanda de Castro, temos Maria Archer (1899 a 1982) a descrever um tornado em Bissau:
“Calmaria. Uma nuvem branca mancha o azul intenso do céu. Não bole folha. O mar é de leite. De súbito surge um ponto negro no horizonte e em poucos minutos aumenta, amplia-se, cobre todo o céu como uma tampa negra. Um furacão terrível desencadeia-se. As árvores desfolham-se, dobram-se, gemem. Batem as portas e janelas, estilhaçam-se vidros, há gritos nas casas. As ruas despovoam-se. Toda a população se recolhe. Quem não encontra abrigo deita-se no chão. Os barcos, no porto, são balouçados por vagalhões medonhos. Partem-se as amarras. Os animais, espavoridos, correm pelos campos.
Uns minutos de inferno. Dez, quinze minutos, o máximo. Depois o tornado vai-se, passa, leva a outros lugares o seu estrondo de maldição. Volta o céu azul, o ar calmo, o sossego. Foi-se o tornado”.

Segue-se depois um termo de comparação, saíra da Guiné em 1918, não havia uma única estrada, nem iluminação elétrica, nem esgotos ou águas canalizadas. Não havia automóveis na Guiné, os barcos a motor eram raros. Décadas mais tarde, sente-se por lá um outro ritmo de vida. Passou-se a viajar de automóvel pela Guiné, de gasolina pelos rios e canais, certos burgos estão iluminados a eletricidade. Há hortas, há desporto, resiste-se mais ao clima. E a autora termina assim:
“Despediram-se de mim, no cais, o cozinheiro mandinga, o criado de mesa grumete, a lavadeira cabo-verdiana, a muleca mancanha, que era gentia, como todos os da sua raça.
E eu pensei : 
- Eis um grupo que representa o povo da Guiné!

O criado grumete e a lavadeira cabo-verdiana diziam-me: 
- Deus lhe dê boa viagem! E benziam-se.

Eu não sei se lhes dei, a vocês, uma ideia do que é a Guiné, e do seu encanto de terra bárbara e do seu pitoresco de Babel das raças indígenas. Eu, por mim recordo-a com a mais intensa impressão que me deixou a África”.

Forjaz Trigueiros escolhe páginas esplêndidas de Teixeira da Mota sobre a expansão portuguesa na Guiné, e depois poesia de António de Cértima. Um escritor ainda recentemente aqui abordado, João Augusto Silva, autor da obra premiada “África, da vida e do amor na selva”, é o autor seguinte de onde podemos ler o “Apólogo do Falcão e Abutre”:
“À sombra de uma árvore, um alto poilão secular, descansa, tranquilo, o abutre. No mesmo ramo em que ele assenta, caiado pelos dejetos brancos de tantos que ali passaram, veio pousar um falcão. Depois de trocarem cumprimentos, o falcão sempre palreiro e irrequieto, increpou o abutre de desprezível, de cobarde, de madraceiro, e quantos nomes lhe acudiram à cabeça louca e leviana. Chamou-o e tornou a chamar o ser mais miserável da criação. Mas, finalmente, furioso com o silêncio enervante do abutre, aconselhou, para terminar: 
- Deixa a carne podre e infecta dos monturos e faz como eu, que me alimento com a carne dos animais que abato à custa de um labor intenso. Porque não abandonas essa vida de pária, sempre no esterco à procura daquilo que outros abandonam?

O abutre, paciente, ouviu tudo e não teve o mínimo gesto de protesto, de indignação sequer. Nisto, porém, em grande velocidade, passou entre os dois uma avezita de penas multicolores. Doido, desordenado, o falcão lançou-se em perseguição da ave; mas tão desastradamente o fez que, de encontro a um tronco robusto, foi bater em cheio com o peito. Louco, cheio de dor, piando e repiando, caiu no chão, exânime, sobre as folhas secas.

Nesta altura, o abutre, lentamente, levanta voo e vai pousar, sereno, junto ao moribundo. O falcão, nas vascas da agonia, ainda pôde ver, a seu lado, cheio de horror, a silhueta tenebrosa e agoirenta do abutre. E trémulo perguntou: 
- Que vens aqui fazer? Grave, imperturbável, o abutre respondeu: 
- Aguardo o teu fim.”

Forjaz Trigueiros inclui ainda textos de Landerset Simões, Manuel Belchior e imagens da Guiné da autoria de Manuel Henriques Gonçalves. Não deixa de ser estranho certas omissões, como é o caso de Fausto Duarte, nome relevante da literatura colonial.
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Nota do editor

Último poste da série de 6 DE JANEIRO DE 2014 > Guiné 63/74 - P12549: Notas de leitura (550): "O Muro", por Afonso Valente Batista (Mário Beja Santos)

1 comentário:

luis disse...

eu conheço um senhor que andou na guiné no batalhão caçadores 3832, na c.caç 3305, que é de uma freguesia aqui vizinha, chamada Vide,concelho de Seia, sendo que agora o nome da freguesia até é "união das freguesias de vide e cabeça" devido á reorganização administrativa. chama se António Matias, tem 64 anos..