sexta-feira, 3 de fevereiro de 2017

Guiné 61/74 - P17018: Notas de leitura (926): "Diálogos Interditos, A Política Externa Portuguesa e a Guerra de África", II Volume, por Franco Nogueira, Editorial Intervenção, 1979 (Mário Beja Santos)

Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 24 de Novembro de 2015:

Queridos amigos,
Durante mais de oito anos, o ministro Franco Nogueira procurou, raramente com sucesso, defender a ideia imperial junto de aliados, como os EUA, a Grã-Bretanha, o Brasil e a França. Neste volume vemos como os EUA queriam fazer bons negócios a propósito de matérias-primas vitais como a tantalite, e Franco Nogueira diz que a China e a URSS pagam melhor; a tensão com a Santa Sé, que terá o seu pico alto com a audiência que Paulo VI concederá aos líderes dos movimentos independentistas, em pleno Vaticano; estes diálogos deixam bem claro como nos íamos aproximando e aprofundando relações com a África do Sul, como a NATO e os próprios Estados Unidos exigiram e conseguiram a retirada dos F 86 da Guiné.
Prosa magnífica, ficamos com a imagem de um lutador incansável que tem poucas ilusões quanto aos apoios dos países ocidentais perante a progressão inabalável da luta armada na África Portuguesa. Não poucas vezes nestas conversas vários diplomatas observam que aquele esforço de guerra não era eterno, haveria que encontrar outras soluções.

Um abraço do
Mário


A política externa portuguesa e a guerra de África: Franco Nogueira

Beja Santos

Não há ida à Feira da Ladra em que não traga uma novidade com incidências colaterais guineenses. Remexia livros numa larga bancada quando me chamou à atenção o título: "Diálogos Interditos, A política externa portuguesa e a guerra de África", II Volume, por Franco Nogueira, Editorial Intervenção, 1979. Franco Nogueira foi ministro dos Negócios Estrangeiros desde 4 de Maio de 1961 a 6 de Outubro de 1969, o mesmo é dizer que viveu os anos cruciais da evolução da guerra, depois afastou-se de Marcello Caetano. Este volume comporta os anos de 1964 a 1969, nele estão reunidos diálogos com embaixadores acreditados em Lisboa, desde o Núncio Apostólico até aos diplomatas da Grã-Bretanha e dos Estados Unidos, mas também com grandes do mundo, como Dean Rusk e até Nixon. Franco Nogueira escreve primorosamente, foi aliás um promissor crítico literário antes e depois de iniciar a sua carreira diplomática. Um volume desta natureza, por definição, não tem contraditório, são conversas em privado em que os diplomatas tomam notas que podem dar origem a relatórios canalizados para as vias competentes. Mas o que releva destas conversas, em que Franco Nogueira obviamente brilha, é a demonstração de que estamos perante um diplomata muito bem equipado e muito bem documentado. Os temas dominantes passam pela guerra de África, pelos negócios que certos aliados do Estado Novo pretendiam fazer em Angola e Moçambique, temos também a reação da política portuguesa ao progressivo isolamento internacional, ao protesto da diplomacia portuguesa pelo que se passava fundamentalmente em Londres, Washington e Nova Iorque, mas há largas referências ao azedume de Salazar face às mudanças políticas no Vaticano. E deposita-se muita esperança no Malawi e África do Sul, Salazar passava por cima do apartheid, queria aliados fortes na África Austral.

Em 1964, Franco Nogueira protesta porque Washington tem conversações com Holden Roberto, o embaixador dos EUA em Lisboa também protesta com as incursões das tropas portuguesas do Congo. As conversas com o Núncio Apostólico são pouco amáveis: o bispo do Porto não aceita lugares em qualquer parte do mundo, o que incomoda Salazar; o bispo da Beira, D. Sebastião Soares Resende é outro incómodo, Monsenhor Furstenberg, o Núncio, procura descansar o ministro, argumentando que a igreja portuguesa aceita o regime político português e aproveita a circunstância para dizer que há uma lacuna no Episcopado, não existe uma grande figura filosófica e doutrinal. Ficamos a saber que Monsenhor Furstenberg não gostava do General De Gaulle e perguntava-se se na realidade a política dos EUA não era já orientada por uma profunda embora disfarçada infiltração comunista na Administração norte-americana. O Estado Novo torcia o nariz ao trabalho apostólico de João XXIII e estava em rota de colisão com Paulo VI: “Falando de infiltração comunista, dirige a conversa sobre política de João XIII, e as suas encíclicas, e perguntei se Sua Santidade Paulo VI não estaria tentando travar os perigos sobrevindos”. Segue-se uma conversa de mercearia política e de negócios chorudos entre Franco Nogueira e o Almirante Anderson, embaixador dos EUA: “Alusão de Anderson ao caso da tantalite de Moçambique. Aleguei de novo as nossas razões e sublinhei a diferença de preços: os americanos pagam cerca de 4.500 dólares, os chineses e os russos cerca de 9.000. Anderson vincou a questão de princípio. Comentei que os princípios pareciam jogar sempre contra nós. Anderson falou de auxílios à metrópole, que poderiam ser anulados. Repliquei vivamente que não sabia de nenhuns, e além disso não podia admitir que o governo americano considerasse Moçambique parte integrante da nação portuguesa só quando lhe convinha”. Este ano de 1964 revela tensões agudíssimas entre o Estado Novo e a Santa Sé. A ser verdade tudo quanto Franco Nogueira escreve o regime manifesta permanentemente hostilidade ou desconfiança à política da Cúria.


Estamos em 1985, Franco Nogueira é recebido em Washington por Dean Rusk, está presente Robert MacNamara, Secretário da Defesa. Obviamente que é o continente africano que interessa ao todo poderoso Dean Rusk, questiona longamente Franco Nogueira, este replica queixando-se das pressões para retirada dos aviões F86 da Guiné, o ministro português fala da defesa do Ocidente e da política ambígua dos EUA que consente auxílios aos inimigos de Portugal e depois deseja instalações em Cabo Verde para o auxílio em voos especiais.

E no fim do ano começa o problema rodesiano, a Grã-Bretanha insiste no embargo de petróleo para a Rodésia. Nova queixa de Franco Nogueira, depois de apontar para a destruição do regime de Ian Smith, que seria muito vantajoso para os interesses portugueses: “Comentei que já estávamos um pouco fatigados com uma visão dos nossos interesses que consistia sempre em satisfazer os interesses ou as conveniências do atual governo britânico. Nós não aprovávamos nem reprovávamos o governo de Ian Smith: mas não estávamos convencidos de que Ian Smith fosse para nós um perigo. Dizia-lhe francamente o seguinte: em todo este problema da Rodésia nunca escutáramos do governo de Londres uma só palavra de preocupação, de salvaguarda dos interesses portugueses”. Começa aqui um formidável jogo do gato e do rato, vale a pena ler toda esta prosa para perceber como a diplomacia é também arte da dissimulação, era patente que o regime português apoiava aquele aliado racista que constituía um tampão contra infiltrações da guerrilha, anda tudo à volta do Porto da Beira, em Abril de 1966 a pressão vai crescer com a vinda de Lord Walston que pretende receber garantias formais do governo português de que não cede combustível a Ian Smith. São dezenas e dezenas de páginas e argumentos e contra-argumentos, é um prazer ler toda esta encenação da esgrima entre diplomatas.

Em 1967, Franco Nogueira recebe Botha, ministro da defesa da África do Sul, discute-se o bloqueio da Beira, a política soviética, o apoio incondicional da África do Sul à presença portuguesa. Nesse mesmo ano, Nogueira desloca-se a Pretória o primeiro-ministro é bem claro: “O combate que Angola e Moçambique travavam era parte do conjunto, e este era constituído por toda a África meridional. Não tinha a menor dúvida em o confessar e em o afirmar: a luta de Portugal em Angola e Moçambique era absolutamente vital para a República da África do Sul. A África do Sul não poderia permitir-se uma derrota portuguesa naqueles territórios. A África do Sul estava pronta a auxiliar-nos com quanto pudesse, logo e na medida que o solicitássemos. E mais: a África do Sul estava preparada a intervir militarmente, com forças sul-africanas, para restabelecer a situação, se esta se tornasse grave e nós o pedíssemos”. Franco Nogueira, na resposta, diz ser-nos desnecessário firmar uma aliança militar formal entre os dois governos.

Documento da maior importância para conhecer os bastidores da diplomacia portuguesa no momento em que a guerra de África era a prioridade das prioridades.
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Notas do editor

Último poste da série de 30 de janeiro de 2017 > Guiné 61/74 - P17004: Notas de leitura (925): "Os Alferes", por Mário de Carvalho, Editorial Caminho, 1989; e Editores Reunidos, 1994 (Mário Beja Santos)

3 comentários:

Antº Rosinha disse...

Os américas e os ingleses não eram mais nem menos naqueles tempos, daquilo que são hoje.

Anda tudo ligado, uns, hoje a fazer muros na Normandia outros no México.

A Europa (e a igreja)naquele tempo foi irresponsável e continua hoje, ainda bem que nós estamos na borda.

Devemos sempre re-lembrar e nunca esquecer o nosso comportamento contra aqueles "ventos" da história.

Ainda hoje deu à costa, em Cadis no sul de Espanha o corpo da criança Samuel que vinha do Congo e «não sabia nadar», nem ele nem a pobre da mãe.

Vão chegar muitos mais, já escrevi e repetirei o caso de um ajudante meu guineense que também veio parar a Cadis

Obrigado Beja Santos, a ver se encontras os discursos de F.N. Rui Patrício e não me lembro de um outro ministro, que fizeram 170 discursos na ONU, a dizer que era muito mau a Europa abandonar os africanos entregues a eles próprios.

Americanos? Russos? e agora os árabes a entrar por ali a dentro? que vá lá agora a santa igreja dar a bênção final.

Grande Franco Nogueira, grande Spínola, grande Salgueiro Maia, que lutámos até podermos, ajudados por milhões de angolanos, moçambicanos, caboverdeanos e guineenses.

Não resultou?, mas não precisamos virar a cara para o lado para não ver o que se está a passar à nossa volta.

Juvenal Amado disse...

Rosinha diz a certa altura...... Beja Santos, a ver se encontras os discursos de F.N. Rui Patrício e não me lembro de um outro ministro, que fizeram 170 discursos na ONU, a dizer que era muito mau a Europa abandonar os africanos entregues a eles próprios.

Quem detém o poder nunca é receptivo a qualquer mudança. Senão vejamos os países não iam sobreviver ao fim da escravatura, os governos ficaram em pé de guerra com o voto das mulheres, empresas não sobreviviam com as 8 horas de jornada, não seriam rentáveis com os direitos sociais que os trabalhadores tinham que auferir, com a idade mínima para se poder empregar uma criança outra tragédia da era industrial , por fim não sobrevivem à imposição do ordenado mínimo, etc tec.

Amigo Rosinha o problema é mesmo esse, os africanos nunca estiveram entregues a eles próprios. Eles nunca foram donos do seu destino. Os belgas, os ingleses, os franceses, os americanos, fora sempre donos e senhores de África e as independências, foram na esmagadora maioria, uma máscara para o continuo sangramento das riquezas minerais dos países que antes administravam às claras, agora o fazem às escuras e pagam a uma minoria, que enriquece com migalhas. Essa minoria em troca dessas migalhas, arca com as culpas todas tanto da miséria como da repressão do seus povos e deposita o dinheiro sujo em bancos Suíços, Franceses, ou Americanos, em Singapura ou Hong-Kong. Enfim haverá sempre um paraíso bancário para lavar esse dinheiro sujo

Se não temos saído de África já nós tínhamos sido engolidos por Wall Street pelo 88º de Queennsway Grup em Hong-Kong, pela CIF (Fundo Internacional da China) a Shel a BP etc, etc.
Por alguma razão os países que mais exportam, são os que vivem mais pobres. Exportam para quem?
O Fundo Monetário Internacional, define um pais rico em recursos, num país que está em risco de sucumbir à maldição dos recursos.
A maldição dos recursos em África, não são outra coisa do que uma pilhagem sistemática feita pelos grandes interesses dos países, que sempre enriqueceram enquanto em África aumentam as carnificinas, que põem dirigentes ao sabor dos interesses externos.
O grande saque do sul de África começou no Século XIX com as expedições de exploradores, mineiros e mercenários, enviados pelos impérios em busca de riquezas minerais à volta de um entreposto que se havia formado em Joanesburg. Assim ao longo da costa africana partiam escravos, ouro e óleo de palma.
Em meados do Século XX, já se extraia petróleo da Nigéria e à medida que partiam os colonos com a conquista da soberania de alguns estado, os colossos empresariais conservavam e ampliavam os seus poderosos interesses.
Há milhares de africanos, que lutam para tirar os seus compatriotas da miséria, mas essa máquina de pilhagem foi modernizada e enquanto outrora, os habitantes africanos eram expropriados por tratados, hoje as falanges de advogados que representam as empresas petrolíferas e mineiras, com receitas anuas de centenas de milhares de milhões de dólares, impõem condições de miséria aos governos africanos, com esquemas de evasão fiscal que retiram receitas e empobrecem as suas nações.
Os antigos impérios ocultavam-se em redes multinacionais. Hoje essas redes fundem o poder dos estados com o das empresas, que pertencem a elites trans-nacionais, que enriquecem assim sem se saber onde está o lucro porque a riqueza exibida por alguns, não é se não uma pequena amostra da realidade. Os verdadeiramente ricos não a mostram a sua riqueza.

Quantos aos discursos feitos na ONU, também vou gostar de os ler, mas é só para saber o que eles disseram, porque na realidade nunca passaram disso mesmo, discursos de uma coisa que não tinha presente nem futuro.

Um abraço

Antº Rosinha disse...

"Se não temos saído de África já nós tínhamos sido engolidos por Wall Street pelo 88º de Queennsway Grup em Hong-Kong, pela CIF (Fundo Internacional da China) a Shel a BP etc, etc."

Juvenal Amado, será que estes gajos que falas também estariam ao lado do PAIGC e do MPLA etc. contra nós? ou seriam eles que ajudaram a "engolir" Amílcar Cabral?

Não os conheço de lado nenhum, mas podes juntar a estes os que eu vi em acção (cínica e descarada) na Guiné após a independência: FMI, ONU, e umas tantas ONG's, suecos, brasileiros, equatorianos, russos e cubanos, alemães das duas alemanhas, chineses das duas chinas...que não generalizando, não roubavam, mas "enganavam" muito bem.

Sei do que falo, até eu lá estive duas vezes com essa gente toda, eu pelo BM (Banco Mundial), mas que logro, que mentira, que cinismo...mas qual independência africana?

Um velho colega meu ultramarino viu-me cá após uma das minhas ausências na Guiné, e perguntou-me assim: "Rosinha, por onde andas a enganar?"

Esse meu colega, muito mais velho que eu muito viajado e sabia muito de África (Goa, Macau, Timor e Angola) deixou-me de boca aberta, era bruxo.

No caso da Guiné ainda bem que os recursos naturais não apareceram até hoje(petróleo, ouro e diamantes) porque foi atraz dessas porras que muitos "cooperantes" eram para lá enviados.

Foi atraz dos recursos naturais que se fizeram aquelas fronteiras, (1880) e foi para embaratecer os custos dessas explorações que se fizeram aquelas independências, colonizar ficava caro.

Nunca ninguém olhou para os africanos mas sim para os recursos naturais de África.

Nós é que nunca tivemos grande vocação para grandes explorações e grandes empreendimentos, só arranhámos ligeiramente o Brasil e Angola.

"Até os dirigentes do MPLA e o próprio Amílcar espalhavam internacionalmente a ideia que tinham riquezas fabulosas no seu sub-solo e o Salazar escondia essas riquezas para ninguém cobiçar aquilo."

Juvenal, diziam os angolanos mestiços e brancos, que era verdade, que lhe déssemos a independência que iam fazer de Luanda uma "Manhatan".

Estavam a entregar-se na boca do lobo.

Com o Luís Cabral, antes do golpe, diziam também diariamente ao povo que iam fazer da Guiné uma "Suíça Africana".

Claro que os milhões de jovens de tanga e zagaia na mão ficavam hipnotizados a sonhar, mas não os homens grandes.

Juvenal o que eu digo sempre, é que foi de um cinismo humanamente atroz, depois de todas as barbaridades da escravatura em África, a que já existia naturalmente e aquela usada pelos europeus, e depois de esquartejar aquele continente orientados apenas pelas riquezas expostas, e não pelas pessoas, as independências foi a cereja no bolo, como se diz.

Não eramos só nós que deviamos lá ficar, eram os paises europeus colonizadores que deviam ter vergonha e suportar por mais uns anos os custos da colonização, contra os americanos e russos e chineses, e o resultado para África (e esta Europa)foi o que é.

E os africanos das nossas colónias (régulos e homens grandes)sabiam que ia ser muito mau, com Cabrais,Netos e Savimbis.

Uma prova que o abandono e a demagogia e a mentira estão desmascarados, comparemos o resultado da África do Sul e o resto de toda a África, onde os boeres resistiram contra tudo e contra todos, e ninguém estranho lá meteu o nariz.

Juvenal, nós, uma gota de água no oceano, nem contamos muito para o que hoje se passa na Europa e em África, mas sempre que podermos, e em memória dos africanos que estiveram ao nosso lado e daqueles que foram daqui e muitos não regressaram, devemos lembrar sempre o esforço destes 13 anos, para evitar piores males do que aqueles que já tinham sido internacionalmente perpetrados em África.

Não conseguimos? salvaram-se ao menos as fronteiras, que como sabemos,historicamente nem estavam garantidas.

Cumprimentos.