sexta-feira, 27 de abril de 2018

Guiné 61/74 - P18568: Notas de leitura (1061): Os Cronistas Desconhecidos do Canal do Geba: O BNU da Guiné (32) (Mário Beja Santos)

Interior do BNU em Bissau


1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 12 de Dezembro de 2017:

Queridos amigos,
Os efeitos do conflito mundial, como temos vindo a observar, fizeram-se sentir na colónia da Guiné na perda de poder aquisitivo, na perda de receitas devido ao contrabando, à rarefação de matérias-primas, até que chegamos a 1945e verificam-se duas velocidades: o Governador Sarmento Rodrigues traz projetos e meios de financiamento e a praça revitalizou-se, foram duas situações nem sempre coincidentes. Mas chegara a prosperidade e até conflitos noutro extremo do globo, caso da guerra da Coreia, trouxeram benefícios económicos, o preço da borracha subiu bastante e conforme anota o gerente do BNU as matérias-primas, todas elas, deram um salto. É uma década completamente diferente das anteriores, basta pensar que muito do arroz que se come na metrópole é arroz da Guiné.

Um abraço do
Mário


Os Cronistas Desconhecidos do Canal do Geba: O BNU da Guiné (32)

Beja Santos

É no final da década de 1940 que é possível retomar os relatórios de exercícios do BNU em Bissau. Como se constatará mais abaixo, há uma relativa discrepância entre o surto desenvolvimentista, inegável, contemporâneo da governação de Sarmento Rodrigues e o que se vai escrever. Mudou a gerência, aproveita-se a circunstância para se fazer o ponto da situação e assim se escreve para Lisboa:

“Excelentíssimos Senhores:
Em cumprimento das disposições em vigor, foi este relatório elaborado com inteira observância das normas de há muito estabelecidas, pelo que apresenta, nos seus vários capítulos e mapas que o acompanham, todos os elementos indispensáveis ao exacto conhecimento e apreciação de como decorreu a acção desta dependência nos dois últimos exercícios de 1949 e 1950.
Ao assumirmos a gerência desta filial, em 15 de Agosto de 1949, viemos encontrar a colónia no auge da segunda crise comercial que a atingira depois da última guerra, ambas resultantes de ter cessado o avultado e rendoso comércio praticado com os territórios vizinhos.
Da primeira vez, ocorreu isso em 1944, quando, libertada a França do jugo alemão, as suas colónias da África Ocidental passaram a importar tecidos americanos e dispensaram os da indústria nacional, que o comércio da Guiné importou e lhes forneceu, em grande escala, nos três anos anteriores; da segunda vez, em meados de 1948, quando novamente cessou esse comércio, que se voltara a fazer em 1947, porque as perturbações internas daquele país e a desvalorização da sua moeda haviam dificultado a importação dos países de meda forte, tanto de tecidos como de muitas outras mercadorias.

Na desmedida ânsia de auferir os excessivos lucros que dessa situação lhes adivinha, só curou o comércio de importar o máximo possível e o resultado foi ao falharem depois esses mercados, poucos serem os que não ficarem com colocação imediata para os stocks que constituíram.
E a isso, claro está, seguiu-se o sudário de letras protestadas e o consequente descrédito da praça.
Ao findar, porém, o ano de 1949, já a situação se havia desanuviado um pouco, porque, nesse lapso de tempo, não só se verificou o aumento dos preços como da produção dos principais produtos da colónia, o que veio elevar o poder aquisitivo do indígena e possibilitar o escoamento de uma boa parte dos excedente importado, não sem que, todavia, o comércio o tivesse de fazer com prejuízo, porque, entretanto também, mexeram os preços dos tecidos e houve que sacrificar mercadorias para realizar dinheiro e satisfazer compromissos, tudo isso nos levando a querer que alguns exportadores da metrópole terão ainda por algum tempo os seus créditos em mãos do comércio da colónia, sobretudo no libanês, se todos conseguirem reaver.

No decurso do ano 1950, circunstâncias várias contribuíram para que essa melhoria se acentuasse, pois, à regular campanha de produtos que nesse ano se verificou, seguiu-se a inconsequência da guerra na Coreia, uma razoável alta nos preços dos tecidos e a procura da borracha desta colónia, que passou a ser extraída pelo indígena em grandes quantidades e que tendo começada a ser vendida ao comércio a 8 escudos o quilo, ao findar do ano já atingia 16 escudos, o que tudo se crê que é permitido o completo escoamento desses tecidos. E a resolução que tomou o governo central, já no início de 1951, de providenciar o aumento de 20 centavos na cotação da mancarra estabelecida pelos industriais da metrópole, como também que fosse elevado para 40% o contingente da exportação para o estrangeiro do coconote, onde se obtêm preços elevadíssimos em comparação com os que se cotam na metrópole, permitirão certamente que o comércio se refaça completamente dos prejuízos que sofreu.
No respeita à posição da filial, com a prudência de que se tem rodeado, a crise que afligiu o comércio nos últimos anos, embora não desejável, só lhe trouxe benefícios, pois a excessiva importação que a originou em muito contribuiu para os elevados resultados verificados nesse período”.


Passara pois a haver progresso, desafogo, valorização dos produtos da terra. É neste contexto que o relatório introduz a novidade de nos informar quais as instituições então existentes que realizam operações consideradas bancárias, devidamente autorizadas. Diz o gerente que não se poderiam considerar concorrentes e explica porquê: “É bem de ver que se usássemos os mesmos processos, todas essas operações seriam canalizadas para o nosso banco porque a nossa organização lhes permitiriam serem prontamente atendidos, sem terem de aguardar, como naquelas, os dias marcados, semanas seguidas e até meses, para que apurem os fundos necessários”.

As instituições em causa eram três: a Caixa Económica Postal, fazendo empréstimos a funcionários, a diferentes taxas de juro, consoante os meses de liquidação da dívida; a Caixa de Aposentações e Pensões às Famílias dos Funcionários Públicos da Colónia e da Guiné, dispunha de um migalheiro que, por falecimento do sócio ou do pensionista inscrito assegurava aos herdeiros um capital de 50 contos, a Caixa também facultava empréstimos aos seus sócios e pensionistas; o Montepio das Alfândegas da Guiné, que tem como fins estabelecer pensões de sobrevivência, conceder subsídios de reforma, dar subsídios de luto, auxiliar os seus sócios por meio de empréstimos incluindo a construção ou compra de moradias.

Sendo a maior riqueza da Guiné a sua agricultura, entende-se que é por aí que o relator inicia a situação da praça. Tece um comentário lisonjeiro:

“Porque foram maiores as áreas cultivadas e o tempo se manteve sempre propício, permitindo que as plantações se conservassem em excelente estado até às colheitas, esperava-se que a produção fosse superior no corrente ano agrícola, tanto da mancarra como do arroz, mas se é certo que com este cereal isso se está a verificar, tanto em qualidade como em quantidade, outro tanto não sucede com aquela oleaginosa, pois há já informações seguras de que se apresenta este ano muito leve, com uma quebra sobre o peso normal que se computa em 20 a 25%. Esta circunstância aliada ao grande contrabando que dessa oleaginosa se está a fazer para os territórios vizinhos, porque ali a pagam por preço muito superior, um pouco mais do dobro, permite prever-se uma diminuição em relação ao ano anterior de umas 8 a 10 mil toneladas na sua exportação. Estão, porém, longe de ser fidedignos os dados fornecidos pelas estimativas, pois não sendo possível conseguir do indígena o manifesto da produção esta é calculada grosso modo”.

Dá um enfoco das obras que correm nos portos e sobre as vias de comunicação. Revela-se seguramente informado, os dados que envia constam de vários documentos oficiais, até de relatórios anteriores: “Depois que a ponte-cais de Bissau se arruinou totalmente, passou-se a utilizar a velhíssima ponte-cais do Pidjiquiti, resto de um velho fortim colocado fora do recinto das antigas fortificações da cidade”. E faz menção do que se já se escrevera em 1852, notificando o estado desastroso em que se encontrava a ponte-cais de Bissau. E então anuncia que se espera que dentro do ano seja o porto de Bissau dotado de uma excelente ponte-cais que está em construção e refere as suas caraterísticas.

Falando das vias de comunicação, tem boas novas a dar: “Têm sido consideravelmente melhoradas nos últimos anos, mas não o bastante ainda para evitar que se danifiquem na época das chuvas e com as fortes pressões da rodagem dos camiões, sobretudo na ocasião das campanhas de compra da mancarra, do que resulta estarem pouco tempo durante o ano em bom estado de conservação". A sua extensão total aproxima-se dos 3 mil quilómetros, mas não especifica as estradas em terra-batida, macadamizadas e alcatroadas.

Outra novidade é a de terem sido iniciadas, a 10 de Julho de 1948, os trabalhos de construção da ponte de Ensalmá, que vai ligar a ilha de Bissau ao continente. E apresenta a obra ainda em curso no canal do Impernal: “Consta essencialmente de três tramos metálicos, os dois extremos apoiados em encontros nas margens e em pilares no leito do rio e o tramo central, móvel, apoia-se nos outros dois. O vão útil do tramo móvel é de 9,5 metros e permite, folgadamente, a passagem de embarcações que fazem a navegação pelos canais, cuja largura não chega a atingir 6 metros. Cada um dos pilares que serve de apoio aos tramos fixos é constituído por 2 cilindros de ferro fundido de 1,8 metros de diâmetro, cravados por havage e cheios de betão, cravados ao lado do outro e contraventados. A fundação dos encontros é feita empregando estacas de madeira com 20 centímetros de diâmetro”.

Este início da década de 1950 dá sinais claros de que a agricultura prospera e as exportações aumentam, para o gerente de Bissau o contexto internacional é facilitador: “Pode dizer-se, de um modo geral, em 1951 a situação voltou a prosperar, o que de resto só se poderia esperar de uma praça que viu os seus produtos valorizados e a sua exportação aumentada em 22%, mercê da procura que durante alguns meses e em consequência da guerra na Coreia voltou a ter a borracha desta província melhores preços. Enquanto que em 1950, o preço médio dos principais produtos de exportação – a mancarra, o coconote, o óleo de palma, os couros, a cera e, eventualmente, a borracha, foram de 2$19, 2$46, 3$79, 15$00, 20$99 e 5$55, por quilo, respectivamente, em 1951 subiram para 2$62, 2$99, 6$46, 21$33, 31$07 e 15$32. E melhor o atesta o pequeno número de letras protestadas existentes em carteira”.

(Continua)
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Notas do editor

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Último poste da série de 23 de abril de 2018 > Guiné 61/74 - P18553: Notas de leitura (1060): “Integração Nacional na Guiné-Bissau desde a Independência”, por Christoph Kohl, no Caderno de Estudos Africanos do Centro de Estudos Africanos do ISCTE, n.º 20, Janeiro de 2011 (Mário Beja Santos)

2 comentários:

Anónimo disse...

Caro camarada Beja Santos,
Tenho seguido os excelentes artigos sobre a História longínqua da Guine, e com surpresa vejo hoje, que aquilo não foi só a guerra que lá passamos, tem história que não conhecia, sempre pensei, e outros pensam, que era a guiné dos pretinhos.
Mas nós os Portugueses fizemos muito por aquele território, não fomos compreendidos.
Só venho hoje aqui dar uns comentários, porque vi a fotografia do interior do BNU de Bissau, que eu conheci também. Fui lá algumas vezes, tratar de assuntos do meu Batalhão, e depois fui fazer um depósito do acerto de contas final do BCAÇ1933, no valor de $50. Cinquenta centavos, ou seja, 5 tostões...
Tenho a cópia do depósito comigo, nas minhas recordações, se for de interesse até posso enviar e o Luís fará o favor de o Postar. É uma relíquia.
As instalações eram aquelas mesmo, nem sei de que ano estas são, mas eu fui lá em Maio de 1969. Com carimbo, data e tudo, se eu pudesse até fazia aqui o envio.
Um Ab,

Virgilio Teixeira

Mário Beja Santos disse...

Meu estimado Virgílio, Muitíssimo obrigado pelo teu cuidado. Sim, será bem-vindo o teu documento, posso inseri-lo numa das próximas crónicas ou tu publicarás como recordação, fica à tua escolha. Aproveito para apelar a todos os camaradas se tiverem qualquer documentação relacionada com o BNU da Guiné façam favor de me dar conhecimento, seria inserida em próximos textos a publicar, a obra ainda tem um bom par de episódios até chegar ao fim. Muito obrigado por tudo, Mário