terça-feira, 18 de agosto de 2020

Guiné 61/74 - P21266: Memórias cruzadas da Região do Cacheu: Antecedentes do Plano de Assalto ao Quartel de Varela, proposto por dois desertores portugueses: o caso do António Augusto de Brito Lança, da CART 250 (1961/63) (Jorge Araújo)



Foto 1 – Base Aérea 12, em Bissalanca. 




O nosso coeditor Jorge Alves Araújo, ex-Fur Mil Op Esp/Ranger,CART 3494 (Xime e Mansambo, 1972/1974), professor do ensino superior; vive em, Almada, está atualmente nos Emiratos Árabes Unidos; tem mais de 260 registos no nosso blogue.



MEMÓRIAS CRUZADAS

ANTECEDENTES AO "PLANO DE ASSALTO AO QUARTEL DE VARELA" PROPOSTO POR DOIS DESERTORES DO EXÉRCITO PORTUGUÊS A AMÍLCAR CABRAL EM JANEIRO DE 1963

- O CASO DE ANTÓNIO BRITO LANÇA, DA CART 250 (1961-1963) -


► Resposta (a possível!) aos comentários ao P21250 (13.08.20) (*) sobre o «Plano de assalto ao quartel de Varela» proposto por dois desertores das NT a Amílcar Cabral, em Janeiro de 1963, três semanas antes do início do conflito armado no CTIG.



◙ Sem prejuízo de voltar a este assunto, que acontecerá logo que tenhamos outras informações

relevantes, tomámos a iniciativa de acrescentar outros detalhes "historiográficos", já coletados anteriormente, mas que, como por nós foi referido na narrativa anterior [ponto 2.3], não se enquadravam naquele fragmento.

Com efeito, e ainda que não seja uma resposta objectiva ao pretendido pelo camarada Cmdt Pereira da Costa: "os arquivos militares (histórico e geral) devem ter algo, mesmo que pouco sobre estes homens" (…) "parece-me que a procura dos 'dois homens' será a via a seguir".


O que desde já poderei adiantar são alguns antecedentes que culminaram com a "elaboração do Plano" em título, nomeadamente alguns factos atribuídos ao António Augusto de Brito Lança, fur mil art da CART 250 (1961-1963), com início na mobilização da sua Unidade.



1. - A MOBILIZAÇÃO PARA O CTIG DA CART 250


Mobilizada pelo Regimento de Artilharia Pesada 2 (RAP 2), em Vila Nova de Gaia, para servir na província ultramarina da Guiné, embarcou em Lisboa, no Cais da Rocha, em 10 de Agosto de 1961, 5.ª feira, sob o comando do Capitão Art José Maria Eusébio Alves, tendo desembarcado em Bissau na 4.ª feira seguinte, dia 16 de Agosto. 



1.1 - SÍNTESE DA MOBILIDADE OPERACIONAL DA CART 250


A CART 250 foi colocada em Bissau, onde manteve a sua sede durante toda a comissão (16Ago61-06Nov63), sendo integrada no dispositivo e manobra do BCAÇ 236 [o mesmo da CART 240], em substituição da CCAÇ 52 [18Ago59-17Ago61; do Cap Inf Frederico Alfredo de Carvalho Ressano Garcia], a fim de assegurar a segurança e defesa das instalações e das populações da área.


Por períodos variáveis, a CART 250 cedeu pelotões para reforço de outros batalhões e intervenção em acções de nomadização e batida nas regiões de Mansodé/Mansabá, em Jul63, sob dependência do BCAÇ 507 [20Jul63-29Abr65; do TCor Inf Hélio Augusto Esteves Felgas] e Xime, em Ago63, sob a dependência do BCAÇ 506 [20Jul63-29Abr65; do TCor Inf Luís do Nascimento Matos].


Em 04Nov63, já na dependência do BCAÇ 600 [18Out63-20Ago65; do TCor Inf Manuel Maria Castel Branco Vieira], foi substituída no sector de Bissau pela CCAÇ 555 [03Nov63-28Out65; do Cap Inf António José Brites Leitão Rito], a fim de efectuar o embarque de regresso (Ceca; p 434).


2. - ANTECEDENTES AO "PLANO DE ASSALTO AO QUARTEL DE VARELA" ELABORADO POR DOIS DESERTORES DO EXÉRCITO PORTUGUÊS E DIRIGIDO A AMÍLCAR CABRAL, EM 04 DE JANEIRO DE 1963


Partindo dos vários registos que encontrámos relacionados com a pessoa do António Augusto de Brito Lança, leva-nos a concluir que, para além do seu envolvimento no «Plano Varela», existem outros a merecerem destaque.


Vejamos outros antecedentes, por ordem cronológica:


2.1 - DAKAR; 31-10-1962 = CONTACTO ESCRITO COM AMÍLCAR CABRAL


Transcreve-se (a partir do original abaixo) a carta manuscrita por António Augusto de Brito Lança, em Dakar, em 31 de Outubro de 1962, 4.ª feira, e dirigida a Amílcar Cabral:


"Exmo. Sr. Eng. Amílcar Cabral


Devido às dificuldades de vida aqui no Senegal penso em partir para a Argélia, por intermédio de Marrocos, visto aqui não haver embaixada Argelina. Já falei com o consulado de Marrocos, mas como não possuo passaporte, ofereceram-me algumas dificuldades. Perguntaram-me se eu não conhecia lá ninguém e eu disse-lhe que a única pessoa que conhecia era V. Exª.


Perguntaram-me ainda se eu não levava intenções de ir matar alguém. Evidentemente, disse que queria ir para um país, onde possa trabalhar e viver tranquilo, devido às condições em que me encontro e se possível trabalhar com o movimento democrata português.


Então queria pedir a V. Exª se me podia auxiliar a ir para Marrocos. Antecipadamente agradeço no que V. Exª me poder auxiliar.


Muito respeitosamente. António Brito Lança.



Citação: (1962), Sem Título, Fundação Mário Soares / DAC - Documentos Amílcar Cabral, Disponível HTTP: http://hdl.handle.net/11002/fms_dc_37783, com a devida vénia. (1)


A morada indicada em rodapé: (137, Rue Blanchot, Dakar) era provavelmente a da «Maison Augustin Ly (Casa de Hóspedes)», situada na Ilha de Gorée [, ou Goreia, símbolo da escravatura], e que ainda hoje existe, conforme localização sinalizada no mapa abaixo (Google)




Mapa da região de Dakar (Senegal) com infografia da provável residência do António Brito Lança em Outubro de 1962 (fonte: imagem satélite da Google, com a devida vénia).


2.2 - Memória descritiva do Aeroporto de Bissalanca, em 08 de Dezembro de 1962 e respectivo croqui


As informações detalhadas do Aeroporto de Bissalanca, bem como o seu respectivo croqui, foram elaboradas por António Lança e enviadas, em 08 de Dezembro de 1962, para o Bureau de Dakar, ao cuidado de Amílcar Cabral, conforme se dá conta abaixo.


"A aeronáutica tem cerca de cem homens, mas o serviço de segurança do aeroporto é mantido pelo exército, se bem que a todos os homens da aeronáutica esteja distribuída uma pistola-metralhadora F.B.P.


A aeronáutica tem somente dois a três homens de serviço diário. Um encontra-se em frente da aerogare militar, outro pelos lados da aerogare civil ou da torre de controlo. Tem ainda um oficial de serviço. O exército envia de manhã para o aeroporto uma secção que fica na casa da guarda e montam dois postos: um no cimo da torre e outro junto à porta de entrada.


Por volta das 7 horas da tarde, chegam mais duas secções e então montam os postos designados na figura por letras maiúsculas.


As armas que utilizam nos postos são G-3 (espingarda automática e semiautomática que carrega vinte munições). Quando estão de alarme, entregam a cada sentinela uma granada ofensiva. Durante a noite o jeep faz várias rondas à pista e costumam por vezes passar nas estradas indicadas na figura, por traços vermelhos. Durante o dia está uma autometralhadora antiaérea de 4 cm com uma secção de cavalaria e à noite vem outra, ficando ambas dentro da aerogare militar.


Os traços que fiz a lápis na gravura indicam ervas ou pequenos arbustos. Sobre árvores não sei dar um esquema mais ou menos exacto, pois quando abalei andavam a cortar muitas e não sei como aquilo está presentemente. Agora os postos de sentinela devem permanecer na mesma pois são os pontos melhores que têm. Os sentinelas não têm abrigos feitos no terreno para se esconderem só por detrás das paredes e se o fizerem ficam sem qualquer possibilidade de fazerem fogo.


No paiol do aeroporto encontram-se duas secções e montam os pontos os postos indicados na gravura por letras maiúsculas. Em volta do paiol há um muto de arame farpado. Nos quatro cantos principais há uma guarita de sentinela mas estes só a utilizam quando chove.

08/12/962, António Augusto de Brito Lança.



 Citação: (1962), "Informações sobre o aeroporto de Bissalanca", Fundação Mário Soares / DAC - Documentos Amílcar Cabral, Disponível HTTP: http://hdl.handle.net/11002/fms_dc_ 40304, com a devida vénia. (2)




Citação: (1962), "Mapa do aeroporto de Bissalanca", Fundação Mário Soares / DAC - Documentos Amílcar Cabral, Disponível HTTP: http://hdl.handle.net/11002/fms_dc_40236, com a devida vénia. (3)




Foto 2 – Base Aérea 12, em Bissalanca. [Foto do álbum do Virgínio Briote, ex-Alf Mil Comando – P15303], com a devida vénia.


2.3 - DAKAR; 03-01-1963 = CONTACTO ESCRITO DE JOSÉ ARAÚJO


Transcreve-se (a partir do original abaixo) a carta dactilografada por José Eduardo Araújo (1933-1992), responsável do PAIGC do Bureau de Dakar, enviada a António Augusto de Brito Lança, com data de 03 de Janeiro de 1963, ou seja, no dia anterior à elaboração do «Plano de Ataque ao Quartel de Varela».


"Prezado companheiro,


Cá me chegou às mãos a sua carta de 25 último [Dez'62]. Tenho a agradecer-lhe a prontidão com que me respondeu, e que revela que o conteúdo da minha primeira carta lhe mereceu a atenção que eu esperava.


Sobre o que me pede, envio-lhe aqui junto uma lista contendo os dados sobre os nossos amigos portugueses.


Devo dizer-lhe que na Embaixada do Brasil se mostraram um tanto pessimistas quanto à possibilidade da ida daqueles seus compatriotas para o Brasil. Não falei com o Embaixador mas sim com uma pessoa próxima dele. Parece que a dificuldade resulta de aqueles companheiros não terem passaporte. Julgo, porém, que uma ordem vinda de ai eliminará todos os obstáculos. A si agora de agir.


Espero, no entanto, uma resposta sua com as sugestões que tenha a fazer.

Saúdo-o cordialmente o amigo."

 



Citação: (1963), Sem Título, Fundação Mário Soares / DAC - Documentos Amílcar Cabral, Disponível HTTP: http://hdl.handle.net/11002/fms_dc_35963, com a devida vénia. (4)


3 - MEMÓRIAS CRUZADAS DA AUTORIA DE ZAIN LOPES [RAFAEL BARBOSA] EM 1961


Transcreve-se do texto original manuscrito por Zain Lopes [Rafael Barbosa] os diferentes pedidos/acções a desenvolver pelo Partido, incluindo o ataque ao Aeroporto de Bissalanca.


▬ Ponto 1 = Insistimos



"Continuamos a insistir sobre o pedido que, até agora, não foi atendido, o que ignoramos o motivo disso. Materiais de grande necessidade, sem os quais é imprescindível [para] continuarmos na luta; botes de borracha ou qualquer outro material necessário ao transporte dos [nos] rios. Salva-vidas de tipo colete, visto haver pessoas que não sabem nadar; granadas de mão muito mais vantajosas, em certos casos, do que pistolas e metralhadoras, equipamento completo para um soldado, viveres e medicamentos."

 

▬ Ponto 2 = Ataque




"Há necessidade de atacar o aeroporto [Bissalanca] com granadas de mão em pleno dia e destruição dos depósitos de gasolina à noite. Após o ataque convém avançar logo para a capital [Bissau]. É necessário armas antiaéreas para as diversas localidades do país."

 

▬ Ponto 3 = Fronteira do Senegal




"Avisamos e continuamos a avisar em manter muito cuidado com aquela fronteira, pois há toda a conveniência de fechar toda a fronteira com o Senegal, e há ainda pessoas a quem devem ser entregues armas até depois da luta."

 

▬ Ponto 4 = Fotografias




"Fotografia n.º 1 – Braima Sori Djalló, de 29 anos de idade [n-1932], natural de Guileje, área de Bedanda, guarda da P.S.P., tendo ingressado no Partido em 17-11-1960.


Fotografia n.º 2 – Albino Sampa, guarda do arquivo, da tribo mancanha, de 28 anos de idade [n-1933], natural de Bula, ingressou no Partido a 22-08-1960."

 

Citação: (s.d.), "Mensagem de Zain Lopes sobre o desenvolvimento da luta clandestina em Bissau e o problema da fronteira do Senegal", Fundação Mário Soares / DAC - Documentos Amílcar Cabral, Disponível HTTP: http://hdl.handle.net/11002/fms_dc_41719, com a devida vénia. (5)


► Fontes consultadas:


Ø  (1) Instituição: Fundação Mário Soares Pasta: 04604.039.093. Assunto: Solicita ajuda para entrar em Marrocos a fim de seguir para a Argélia com o objectivo de trabalhar com o movimento democrata português. Remetente: António Brito Lança, Dakar. Destinatário: Amílcar Cabral. Data: Quarta, 31 de Outubro de 1962. Observações: Doc incluído no dossier intitulado Correspondência 1962 (interna PAIGC, MPLA, FRELIMO, UGEAN, CONCP). Fundo: DAC - Documentos Amílcar Cabral. Tipo Documental: Correspondência.


 

Ø  (2) Instituição: Fundação Mário Soares Pasta: 07062.035.024. Título: Informações sobre o aeroporto de Bissalanca. Assunto: Documento assinado por António Augusto de Brito Lança com informações sobre o serviço de manutenção da segurança do aeroporto de Bissalanca. Data: Sábado, 08 de Dezembro de 1962. Observações: Doc incluído no dossier intitulado Clandestinidade Bissau e outros documentos. Fundo: DAC - Documentos Amílcar Cabral. Tipo Documental: Documentos.


 

Ø  (3) Instituição: Fundação Mário Soares Pasta: 07062.035.023. Título: Mapa do aeroporto de Bissalanca. Assunto: Mapa desenhado do aeroporto de Bissalanca contendo informações sobre as forças militares portuguesas de serviço na base. Desenhado por António Augusto Brito Lança. Data: Sábado, 08 de Dezembro de 1962. Observações: Doc incluído no dossier intitulado Clandestinidade Bissau e outros documentos. Fundo: DAC - Documentos Amílcar Cabral. Tipo Documental: Documentos.


 

Ø  (4) Instituição: Fundação Mário Soares Pasta: 04622.146.014. Assunto: Envio de lista contendo dados sobre amigos [desertores?] portugueses. Remetente: José Eduardo Araújo. Destinatário: Não identificado. Data: Quinta, 3 de Janeiro de 1963. Observações: Doc incluído no dossier intitulado Correspondência dactilografada 1963. Fundo: DAC - Documentos Amílcar Cabral. Tipo Documental: Correspondência.


 

Ø  (5) Instituição: Fundação Mário Soares Pasta: 07063.036.044. Título: Mensagem de Zain Lopes [Rafael Barbosa] sobre o desenvolvimento da luta clandestina em Bissau e o problema da fronteira do Senegal. Assunto: Mensagem assinada por Zain Lopes [dirigida a Amílcar Cabral] solicitando o envio de botes de borracha, coletes salva-vidas, granadas e pistolas-metralhadoras, e mencionando o ataque ao aeroporto de Bissau e o cuidado a ter com a fronteira do Senegal. Data: s.d. Observações: Doc incluído no dossier intitulado Cartas de Bissau 1960-1961. Fundo: DAC - Documentos Amílcar Cabral. Tipo Documental: Documentos.


 

Ø  Estado-Maior do Exército; Comissão para o Estudo das Campanhas de África (1961-1974). Resenha Histórico-Militar das Campanhas de África; 7.º Volume; Fichas das Unidades; Tomo II; Guiné; 1.ª edição, Lisboa (2002); p 434.

Termino, agradecendo a atenção dispensada.

Com um forte abraço e votos de muita saúde.

Jorge Araújo.

15AGO2020


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15 de agosto de 2020 > Guiné 61/74 - P21254: Debates da nossa tertúlia (I): Nós e os desertores (17): António Augusto de Brito Lança, natural de Castro Verde, fur mil art, da CART 250, e António de Jesus Marques, natural da Covilhã, sold aux enf, CART 240, que desertaram em 1962, e que são os presumíveis autores do "plano de assalto ao quartel de Varela"

10 comentários:

Valdemar Silva disse...

Caro Jorge Araújo
Então, como é que vai o covid por esses lados das arábias? Continuam os confinamentos e o uso de máscaras? Como é que os homens muçulmanos reagem ao uso da máscara, que mal comparado pode ser equiparado a um niqab das mulheres.ah!ah
Em tempos, um humorista contava que no ano 600 teria havido uma grande pandemia prós lados do médio oriente e para evitar contágios toda a gente andava de cara tapada até aos olhos, mas parece que um tal El Balsonari teria dito que era um pequeno resfriadinho que os homens aguentavam bem, mas as mulheres sendo mais fracas deveriam continuar resguardadas, e até hoje. Os muçulmanos que me desculpem desta gracinha.
Agora voltando ao António Brito Lança, cada vez é maior a confusão com o 'seu' tipo de letra. Repara no tipo de letra (p.ex. os 'A') não tem nenhuma semelhança com o tipo de letra da assinatura que aparece no P21250 "Plano assalto Quartel de Varela". Ainda não localizei, mas julgo este tipo de letra já apareceu noutros postes anteriormente publicados.

Ab. e saúde da boa
Valdemar Queiroz

Tabanca Grande Luís Graça disse...

Ah! Grande Sherlock Holmes!...

Um abraço para os dois...

PS - O Jorge vai voltou à Tabanca de Almada. Mas deixou lá, em Abu Dhabi, a sua bajuda... Alguém tem que trabalhar...

António J. P. Costa disse...

Olá Camaradas

Parece-me que, para esclarecermos o que sucedeu devemos procurar saber como é que estes dois desertores regressaram a Portugal. Até pode ter sido através de Marrocos (Frente Patriótica) ou Brasil, que na altura não alinhava muito com o salazarismo. Não sei se a "fonte" PAIGC não estará esgotada. Terá havido intervenção de outra potência europeia? Nesse caso talvez o MNE tenha algo em arquivo (reservadíssimo, claro)...
E as famílias que talvez existam? Descendentes que tenham ouvido histórias. O que contarem é verdade, mesmo que pouco exacto. Não entendo como é que desertores de um exército não ficam retidos pelo outro e vão viver para uma pensão em Dakar. Era pouco provável que dali fugissem, mas o PAIGC parece não ter querido explorar o seu potencial em termos de informações. Teremos de admitir que desconfiou. Mesmo assim poderia ter tentado verificar a qualidade das informações prestadas. É um procedimento estranho. Uma actuação, sobre Varela ou sobre o AM de Bissau teria, no mínimo dividendos políticos, mesmo que os dividendos militares não fossem muitos.

Um Ab.
António J. P. Costa

Anónimo disse...

Dec.- Lei 180/74 de 2 de Maio (Amnistia dos desertores e refractários)
Considerando que muitos militares, quer pertencentes aos quadros permanentes, quer no âmbito do serviço militar obrigatório, se ausentaram do País por motivos de natureza ideológica e política, devido ao regime então em vigor, deixando de cumprir as suas obrigações militares;
Considerando que muitos jovens se ausentaram do País, recusando-se, pelos mesmos motivos, a cumprir as disposições da Lei do Serviço Militar;
Tendo em atenção o desejo manifestado por todos esses portugueses de se integrarem de novo na comunidade nacional, com vista à reconstrução que se inicia;
Nestes termos:
Tendo a Junta de Salvação Nacional assumido os poderes legislativos que competem ao Governo, decreta, para valer como lei, o seguinte:
ARTIGO 1º - É amnistiado o crime de deserção, previsto nos artigos 163° a 176° do Código de Justiça Militar.
ARTIGO 2º - São amnistiadas as infracções previstas nos artigos 27º nº 3 dos artigos 30º, 59º, 60º e 64º da Lei nº 2135, de 11 de Julho de 1968 (Lei do Serviço Militar).
ARTIGO 3º - 1. Para cumprimento das suas obrigações militares os cidadãos abrangidos pela presente amnistia apresentar-se-ão, no prazo de quinze dias a contar da data da entrada no País, nos locais a designar.
2. Os cidadãos sujeitos a cumprimento de serviço efectivo em regime disciplinar especial por motivos politicos passam a regime normal.
ARTIGO 4º - Este decreto-lei entra imediatamente em vigor.
Visto e aprovado pela Junta de Salvação Nacional em 1 de Maio de 1974.
Publique-se.
O Presidente da Junta de Salvação Nacional, António de Spínola.
Para ser publicado em todos os Boletins Oficiais dos Estados e províncias ultramarinas.

Anónimo disse...

... perguntar a Manuel Alegre de Melo Duarte, se tem memória de algum daqueles mencionados desertores tenha estado em Argel.

António J. P. Costa disse...

Boa ideia!
Ele esteve lá bastante tempo - na Frente Patriótica - e talvez quando eles lá possam ter chegado.~
Um Ab.
António J. P. Costa

Hélder Valério disse...

Caros amigos

Resolvi consultar a biografia do Manuel Alegre e de forma resumida temos a sua mobilização para Angola em 1962, prisão pela PIDE em 1963, colocação com residência fixa em Coimbra em 1964 donde passa à clandestinidade e saída para Argel.
Não tenho referências a meses podendo ser no início ou fim desses anos.
Seja como for pode de facto ter tido conhecimento desse caso. Directo, acho difícil, pois parece haver diferença temporal, mas pode ter tido de forma indirecta.
Abraço
Hélder Sousa

Valdemar Silva disse...

Entre 1961 e 1973, e conforme o nosso camarada Zé Martins, estudioso destes assuntos, dos recenseados durante esses anos mais de 10% faltavam ao ingresso no serviço militar obrigatório. Pelo Dec-Lei 180/74 seriam considerados refractários, com a grande maioria a ter dado o saldo para arranjar melhores condições de vida no estrangeiro, ficando logo «carimbados» como desertores por razões de natureza ideológica ou politica, evidentemente que não foi nada disso, como depois se veio a verificar em França acusados de fura-greves.
Não sabemos se os dois desertores seriam bem recebidos por Manuel Alegre, aliás Manuel Alegre de Melo Duarte (12-05-1936), em Argel, visto se tratarem de desertores que se passaram para o PAIGC em pleno período de guerra. Julgo que uma coisa seria desertar simplesmente da tropa, outra coisa seria desertar e passar a fazer parte da tropa inimiga.

Ab. e saúde da boa
Valdemar Queiroz

Valdemar Silva disse...

Ainda sobre os refractários, desertores e faltosos, e atendendo ao Dec. Lei 180/74, estes seriam amnistiados por se terem ausentado do País por motivos ideológicos e políticos.
Pois, havia os que simplesmente 'fugiam da tropa' e davam o salto para trabalhar no estrangeiro por razões de sobrevivência económica tendo, depois, para serem amnistiados alegarem 'eu fui sempre do contra por isso é que fugi da tropa'.
Quando, de Agosto a Outubro de 1968, estive destacado, do RAP3, no Quartel Sá RI10, em Aveiro, como monitor de recrutas do Contingente Geral, havia um recruta que aproveitava o regresso da instrução no exterior, sendo ele do 1º. Pelotão e assim dos primeiros a entrar, para fugir do Quartel. Fugiu várias vezes e aparecia três/quatro dias depois acompanhado pela GNR que o iam prender a uma localidade próximo de Aveiro, até ficar preso no Quartel só saindo para a instrução dentro das instalações.
Dizia não ser nenhum bandido e apenas fugia para ir trabalhar no campo para ajudar a mãe e os irmãos mais novos. Provavelmente alguma vez fugiu a valer a salto para o estrangeiro e calhando foi amnistiado por razões ideológicas e políticas, que se incluía a miséria e a pobreza da população portuguesa.

Valdemar Queiroz

António J. P. Costa disse...

Olá Camaradas

Também eu encontrei "ausentes (mas de elástico) sem licença", que fugiam do quartel para ir trabalhar. Depois regressavam, para voltarem a fugir...

O ausente sem licença é o militar de está ilegitimamente fora da unidade por um período inferior a 8 dias (depois de pronto) ou 15 (se ainda for recruta).

Na CArt 3567 tive um soldado que, no TO daquela PU, já tinha 12 "porradas" por este motivo. Andava em consulta de psiquiatria e, cada vez que ia ao médico, levava um furriel à ilharga para termos a garantia de que não se perdia no Pilão, mesmo sem dinheiro...
Era o "Cartucho", Pontoneiro de Apoios Fixos (especialidade nobre de Eng.ª), mas tinha sido reclassificado em atirador... Na vida civil tinha a extenuante profissão de "Cobrador de Carrocel" (cor verde). Não sei o que isto significa, mas era uma espécie de qualificação que o distinguia da ralé dos cobradores de carrocel.
Ficam provadas duas coisas: o Exército não era considerado uma instituição de cidadania à qual era necessário obedecer e, devido à pobreza dos meios rurais do tempo, a sobrevivência estava primeiro.
Nesta como noutras situações fica provada a ignorância e a pobreza de espírito do nosso povo, mas sempre com uma certa dose de desenrasçanço.

Um Ab.
António J. P. Costa