sexta-feira, 13 de novembro de 2020

Guiné 61/74 - P21538: Casos: a verdade sobre... (15): A retirada de Madina do Boé e o enfraquecimento do flanco sul / sudeste do território (regiões de Gabu e Bafatá) (Valdemar Queiroz / Cherno Baldé / António Rosinha / Fernando Gouveia)


Foto nº 4

Guiné > Zona Leste > Região de Bafatá > Subsector de Galomaro > 21 de junho de 1969 > A antiga tabanca de Padada, a 12 km a sul de Madina Xaquili, na direcção do Rio Corubal.


Foto nº 1 > Guiné > Zona Leste > Região de Bafatá > Subsector de Galomaro > 21 de junho de 1969 > Restos, carboizados, da antiga tabanca de Padada, a 12 km a sul de Madina Xaquili, na direcção do Rio Corubal. 


Foto nº 2 > Guiné > Zona Leste > Região de Bafatá > Subsector de Galomaro > 21 de junho de 1969 > O grupo de combate do Fernando Gouveia, progredindo nas proximidades da antiga tabanca de Padada,   


Foto nº 3 > Guiné > Zona Leste > Região de Bafatá > Subsector de Galomaro > 21 de junho de 1969 > O Fernando Gouveia, nas proximidades da antiga tabanca de Padada,   



Foto nº 5 > Guiné > Zona Leste > Região de Bafatá > Subsector de Galomaro > 21 de Junho de 1969 t > Uma pausa para retemperar as forças, a caminho de Madina Xaquili que, tal como Padada antes, viri a ser abandonada em outubro de 1969. 
  

Fotos tiradas pelo nosso camarada Fernando Gouveia (ex-Alf Mil Rec e Inf, Bafatá, 1968/70), no decurso de um patrulhamento ofensivo àquiela tabanca abandonada, com o seu grupo de combate (20 milícias e 10 soldados metropolitanos). Em Padada reencontar-se-ia com forças da CCAÇ 2405 (Galomaro / Dulombi, 1968/70), comandadas pelo Cap Mil Jerónimo. Foram encontrados vestígios recentíssimos da guerrilha do PAIGC.


otos (e legendas): © Fernando Gouveia (2009. Todos os direitos reservados [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. Comentários de Valdemar Queiroz, Cherno Baldé e António Rosinha ao poste P21531 (*)

(i) Valdemar Queiroz

A questão do abandono de Madina e toda aquela região da zona além Corubal,  é estranha em termos de estratégia da ocupação do terreno, para, inclusivamente, não dar azo a "zona libertada".

Vejamos nos mapas existentes no blogue de toda essa região à data em que foram elaborados. Vejamos, depois, como era a ocupação/fixação da população e presença da NT a partir do início do ano de 1969. 

Verificamos que apenas Canjadude e mais acima Cabuca eram as únicas tabancas existentes a fazer tampão a incursões a Nova Lamego, Dara e Piche, que a partir daquela data começaram a ser atacadas mais frequentemente. 

Em toda aquela área a leste da linha (estrada) Buruntuma - Nova Lamego, só existam Cabuca e Canjadude com pouca população e praticamente só ocupação militar. 

Não sei o que entretanto foi acontecendo (vim para a peluda em dezembro de 1970) com flagelações a estas duas tabancas. O facto de cada vez mais população abandonar essas tabancas da região, concentrando-se nas grandes localidades de Nova Lamego e Bafatá,  fazia com que apenas a NT resistisse nesses locais, não tardando, sabe-se lá, tambéma serem consideradas para retiradas estratégicas formando, assim, mais "zonas libertadas".


(ii) Cherno Baldé: 

Antes do início da guerra, o Sudeste da Guiné, que inclui a parte sul da região de Bafatá (Galomaro Cossé) e da região de Gabu (Boé), não eram zonas desabitadas,  como se pode pensar. 

O seu despovoamento foi gradual e aconteceu nos primeiros anos da Guerra e, em 1968 quando chega o Gen Spinola, a situação ja era irreversível. 

O Galomaro, como diz o nome,  era uma zona habitada por ricos ganadeiros fulas e com arrozais nas bolanhas a perder de vista. Foram abandonadas com o recrudescer da guerra. 

Se depois o abandono do terreno se justificava devido à inexistência da população, é caso para dizer que sempre existiu e existe uma grande diferença entre a teoria e prática, entre os sonhos e a realidade, como podemos perecber no excertodo discurso em baixo, é pena que o homem [. o António Oliveira Salazar,]  nunca tenha vindo ao terreno para constatar a realidade "in loco". 

“As terras coloniais, ricas, extensas e de fraquíssima densidade populacional são o natural complemento da agricultura metropolitana, nos géneros pobres sobretudo, e das matérias-primas para a indústria, além de fixadores de uma população em excesso daquilo que a metrópole ainda comporte e o Brasil não deseje receber. (...) 

"Nós cremos que há raças decadentes ou atrasadas, como se queira, em relação as quais perfilhamos o dever de chamá-las à civilização. Que assim o entendemos e praticamos, comprova-se pelo facto de não existir qualquer teia de rancores ou de organizações subversivas que neguem ou que pretendam substituir a soberania portuguesa. (...)"

Fonte:  António Oliveira Salazar. Discursos e Notas politicas, vols. III e V (1943 e 1957). Coimbra, Coimbra editora, sem data. 

(iii) António Rosinha:

Amigo Cherno: "as terras coloniais, ricas, extensas e de fraquíssima densidade" a que o Salazar se referia, foram os tais colonatos que foram construidos em Moçambique e principalmente Angola. 

Na Guiné não havia extensões agrícolas desabitadas, para albergar tantas famílias, como as que foram para Angola e Moçambique, principalmente transmontanos e açoreanos. Os colonatos de Angola conheci-os relativamente bem. 

Cherno, ainda hoje estou convencido que continua a haver maiores extensões desabitadas em Angola do que as que existem na Guiné, mesmo considerando que a região de Madina do Boé continue pouco habitada. Só que as grandes extensões desabitadas em Angola, hoje já está tudo demarcado e aramado pelos "novos senhores" de Angola. 

A Guiné, tirando a região de Madina, sempre deve ter tido uma densidade populacional muito maior que Angola, que conheci bastante bem. Salazar não ia ao terreno, mas estava bem informado. 

PS- Onde parece que está a ficar muito despovoado é o norte de Moçambique, com decapitações e fugas da população e nem a ONU nem Portugal nem a Inglaterra (aquilo já se passou para a Commonuelth) fazem frente à Jihad ou o que aquilo é. A Europa já não pode com uma gata pelo rabo! 

2. O caso do abandono  de Madina Xaquili em outubro de 1969:

Num dos postes da sua série A Guerra Vista de Bafatá, o nosso camarada e amigo Fernando Gouveia (ex-Allf Mil Rec e Inf, Comando de Agrupamento nº 2957,  Bafatá, 1968/70)  explica o porquê da sua ida intempestiva para Madina Xaquili,lá  no "cu de Judas":

"(...) Com a retirada das NT de Madina do Boé a 05/06 de fevereiro de 1969 e na sequência do fracasso da Op Lança Afiada em Março de 69 [,  de 8 a 21],  era de prever (...) que o IN progrediria no terreno, para Norte, ameaçando as zonas povoadas do Cossé, aproximando-se de Bafatá.

"Em princípios de Junho de 1969 chega ao Agrupamento [de Bafatá] uma ordem do Comando Chefe que determinava o envio de oficiais disponíveis, enquadrando grupos de militares, para as tabancas da periferia da zona habitada, no intuito de segurar lá as populações. Sabia-se que a região do Cossé era habitada predominantemente por fulas e que estes, ao mínimo pressentimento de problemas, se deslocavam aproximando-se de Bafatá.

"É neste contexto que o Cor  Hélio Felgas, meu Comandante (, Cmando de Agrupamento nº 2957), determina que eu vá para Madina Xaqili, sendo a Companhia sediada em Galomaro [, a CCAÇ 2405,] que me asseguraria a logística. (....) O Capitão, pessoa afável que gostaria agora de identificar [, cap inf José Miguel Novais Jerónimo,], deu-me todas as indicações sobre o que iria encontrar em Madina Xaquili.

"Sobre os 7 militares metropolitanos que me acompanhariam, escolheu um que sabia cozinhar, um que sabia fazer pão, outro que sabia de enfermagem e um rádio-telegrafista. Quanto ao armamento que me iria fornecer, fiquei alarmado: Além das G3 e de algumas granadas, só tinha o cano (só o cano e um cepo de madeira a servir de prato) de um morteiro 60, e 16 (dezasseis) granadas" (...).

"(...) Chegámos a Madina Xaquili a meio da manhã [ do dia 14 de Junho de 1969]. Era uma tabanca com umas 20 palhotas. Estava em auto-defesa, com cerca de 40 milícias, comandados pelo também africano João Vieira (sem Bernardo). Havia uma razoável cerca de arame farpado e abrigos construídos recentemente. A população civil (2 ou 3 famílias) e as mulheres dos milícias não tinham abrigos" (...). (**)




Guiné > Carta geral da província (1961) (Escala 1/500 mil) >  Posição relativa de Madina Xaquili (rectângulo a verde)  em plena zona leste, tendo a sul o Rio Corubal e a norte a estrada Bafatá-Gabu. Madina Xaquili fazia parte do mapa de Cansissé (1/50 mil). 

Infografia: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné (2010)


3. Com a retirada de Béli (em julho de 1968), Madina do Boé e Cheche (em fevereiro de 1969), passou a haver um corredor, com "via verde", por onde o PAIGC se infiltrava mais facilmente na parte sul / sudeste do chão fula, a norte do Rio Corubal. 

Apesar do reforço temporário de tropas paraquedistas do BCP 12, ao sector de Galomaro (a partir de agosto de 1969, COP 7), bem como da CCAÇ 12 (que vai ter a sua estreia e batismo de fogo logo em Julho de 1969, em plena época das chuvas), Madina Xaquili,  guarnecida Pel Mil 147.  tornar-se-ia insustentável, sendo abandonada pela população e depois pelas NT logo em outubro de 1969. Padada, mais a sul, também já tinha sido abandonada (não posso precisar em que altura). O PAIGC apertava o cerco ao chão fula, e nomeadamente o Cossé donde eram originários, juntamente com Badora,  os soldados da CCAÇ 12.

O Pel Mil 147 (Madina Xaquili) fazia parte, em finais de setembro de 1968 (data em que o BCAÇ 2852 passou a tomar conta do Sector L1), da Companhia de Milícias nº 14 que tinhas pelotões e secções espalhados por Quirafo e Cansamange (Pel Mil 144), Dulombi e Cansamange (Pel Mil 145), Madina Bonco e Galomaro (Pel Mil 144). Nesta data já não há referência a Padada, presumindo-se que tenha sido abandonada anteriormente.

Em agosto de 1969, Madina Xaquili e o Pel Mil 147 já constam no dispositivo das unidades combatentes do BCAÇ 2852, em virtude de se passado a constituir um novo Sector, o L5, com sede em Galomaro (onde já estava de resto a CCAÇ 2405, com forças espalhadas por Imilo, Cantacunda, Mondajane, Fá, Dulo Gengele), integrado no CO7 (Bafatá).


(***) Sobre Madina Xaquili ler as venturas e desventuras do Fernando Gouveia em kunho de 1969... Foram 13 dias surreais, de 12 a 24 de Junho de 1969, contados e fotografados como só ele sabe.

26 de Junho de 2009 > Guiné 63/74 - P4585: A Guerra vista de Bafatá (Fernando Gouveia) (7): Um alferes desterrado em Madina Xaquili, com um cano de morteiro (VI Parte)

6 de Junho de 2009 > Guiné 63/74 - P4470: A Guerra vista de Bafatá (Fernando Gouveia) (6): Um alferes desterrado em Madina Xaquili, com um cano de morteiro 60 (V Parte)

28 de Maio de 2009 > Guiné 63/74 - P4429: A Guerra vista de Bafatá (Fernando Gouveia) (5): Um alferes desterrado em Madina Xaquili, com um cano de morteiro 60 (IV Parte)

21 de Maio de 2009 > Guiné 63/74 - P4395: A Guerra vista de Bafatá (Fernando Gouveia) (4): Um alferes desterrado em Madina Xaquili, com um cano de morteiro 60 (III Parte)

8 de Maio de 2009 > Guiné 63/74 - P4305: A Guerra vista de Bafatá (Fernando Gouveia) (3): Um alferes desterrado em Madina Xaquili, com um cano de morteiro 60 (II Parte)

27 de Abril de 2009 > Guiné 63/74 - P4254: A Guerra vista de Bafatá (Fernando Gouveia) (1): Três oficiais: um General, um Coronel, um Alferes - suas personalidades

6 comentários:

Tabanca Grande Luís Graça disse...

Cherno, era uma dor de alma passar por dezenas de tabancas, abandonadas, calcinadas, como eu passei ao longo da guerra, no Cuor, no Enxalé, na Xime, em Badora, em Bissari, em Corubal, no Cossé, em Massomine, em Joladu, em Ganado, em Cossé, etc...

Só conhecia paz em Contuboel, onde havia algumas tabancas que pareciam ter parado no tempo: idílicas, bíblicas... Ou era dos meus olhos de "periquito" ?... Infelizmente não chegou a ir mais loge que Sonaco, não conheci a tua terra natal...

Mantenhas. E que Alá nos livre de desgraças como a guerra. Luís

Valdemar Silva disse...

Luís
Quando Julho-Agosto/1970 a nossa CART11 foi para Paunca, com armas e bagagens, e os nossos soldados fulas com mulheres e filhos, havia muitas tabancas na região sem milícias ou outro qualquer sistema armado de autodefesa.
Excetuando a tabanca Guiro Iero Bocari, cercada de arame farpado, valas defensivas, a NT e uma pequena população de crianças e gente grande, havia na região as tabancas de Paiama, Sinchã Molele, Sinchã Abludai, Fasse, Sinchã Mamadu que visitávamos com frequência em acompanhamento psico-social e não mais que isso.
Também verificamos, durante o período em que a nossa CART11 lá se fixou e até regressarmos à peluda (Dez/70), não ter havido nenhum ataque aquelas tabancas, ou sequer ao Quartel ou ao destacamento de Bocari.
Parece que 1974, para o fim da guerra, houve problemas com os nossos soldados fulas a não quererem se "entregar/render" ao PAIGC.

Abracelos
Valdemar Queiroz

Anónimo disse...

Desde sempre ocorreram migrações do 'hinterland' para destinos diversos das origens, radicando-se em concentrações populacionais de variegadas etnias.
Por causa da(s) guerra(s)?!
Ora, qualquer aprendiz de antrólogo/sociólogo sabe que não...
Fosse na "Guiné" ou em qualquer outro local do planeta.
Cpts,
JCAS

Anónimo disse...

> (onde se lê "antrólogo", obviamente leia-se "antropólogo")
JCAS

Tabanca Grande Luís Graça disse...

Fernando Gouveia, Cherno Baldé, Valdemar Queiroz, António Rosinha (por email)

13 nov 2020 19:16


No nosso blogue, nada se desperdiça... Istp é, nada vai para a famosa "cesta secção"... E muito menos os vossos preciosos comentários!... Obrigado!...

Não fazemos história, mas conforta-nos poder alimentar o rio da verdade, nas redes sociais....com factos apurados com honestidade intelectual e opiniões equilibradas e ponderadas...que respeitam os nossos valores e princípios.

Mantenhas.

PS - Um dado estatístico interessante... Desde maio de 2010, há 10 anos, desde que temos este dado estatístico disponibilizado pelo nosso servidor, o Blogger, foram feotos 154 mil comentários nos nossos postes... Foram publicados 85 mil, sendo os restantes 69 mil considerados pelo Bogger como SPAM (até ao ano de 2014)... Quando temos tempo, vamos recuperando um ou outro comentário que não é SPAM, um trabalho necessariamente moroso... Mas 99% é mesmo lixo...

Cherno Baldé disse...

Caros amigos,

Nunca será demais enaltecer a coragem do soldado português na guerra da Guiné. O exemplo do Alf. Fernando Gouveia que, contra toda e qualquer razoabilidade é atirado para a terra de ninguém, com poucos homens e munições, um cano de morteiro 60 sem respaldo e ainda por cima com água da cor do leite (na verdade não creio que houvesse má fé do Chefe da Tabanca de Cossé, pois naquela zona e outras do Leste da Guiné, na época seca, só havia esta água colorida onde as populações se abasteciam e davam aos animães doméstivos de beber).

Na minha opinião, não podia haver melhor prova de coragem e de abnegação em none da pátria. Não sei quais serão, hoje, os seus sentimentos ao voltar no passado e recordar-se desse episódio digno de Don Quixote de la mancha.

Com um abraço amigo,

Cherno Baldé