segunda-feira, 20 de dezembro de 2021

Guiné 61/74 - P22824: Paz & Guerra: memórias de um Tigre do Cumbijã (Joaquim Costa, ex-Furriel mil arm pes inf, CCAV 8351, 1972/74) - Parte XXI: A "marcha louca" na véspera do Natal de 1973



Foto nº 1 


Foto nº 1A

Foto nº 1 >  Guiné > Região de Tombali > Cumbijã > CCAV 8351 (1972/74 > c. Natal de 1973 Algures entre Cumbijã e Nhacobá > Base de lançamento das granadas de canhão sem recuo do IN contra o Cumbijã... São bem visíveis  duas valas cavadas feitas à medida do apontador e do municidor do canhão s/r  (Foto nº 1A) > Foto: Cortesia de Carlos Machado 



Foto nº 2

Foto nº 2A

Foto nº 2 B

Foto nº 2 >  Guiné > Região de Tombali > Cumbijã >  CCAV 8351 (1972/74 >  c. Natal de 1973  > Pelotão da “Marcha Louco” > Marchar, marchar… até encontrar o covil do IN e seu amigos Cubanos... 2º pelotão sendo eu o primeiro de pé à esquerda  (Foto nº 2A) e o líder “louco” da marcha, alferes Afonso, o primeiro de pé à direita (Foto nº 2B).



Foto nº 3 


Foto nº 3 A

Foto nº 3 > Guiné > Região de Tombali > Cumbijã > CCAV 8351 (1972/74 > 1974 > Algures entre Cumbijã e Nhacobá: Os furriéis: Machado e Costa... Na base móvel do PAIGC utilizada com sucesso nos ataques ao Cumbijã com canhóes sem recuo. O Machado tentando encontrar o local das minas por ele colocadas depois deste ser alvo de uma queimada, fazendo desaparecer as referências da sua localização. Esta desminagem ocorreu já depois do 25 de Abril de 74, com o objetivo de sinalizar o local com tampas de “bidon” pintadas (Foto nº 3A). Na altura o Furriel Machado já usava calças da moda, rotas nos joelhos! 

Fotos (e legendas): © Joaquim Costa (2021). Todos os direitos reservados [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]







O ex- furriel mil Joaquim Costa: natural de V. N. Famalicão,
vive hoje em Fânzeres, Gondomar, perto da Tabanca dos Melros.
É engenheiro técnico reformado.
Tem pronto o seu livro de memórias (, a sua história de vida),
de que estamos a editar alguns excertos, por cortesia sua. 
Tem um pósfácio da autoria do nosso editor Luís Graça.


Paz & Guerra: memórias de um Tigre do Cumbijã (Joaquim Costa, ex-Furriel mil arm pes inf, CCAV 8351, 1972/74) - Parte XXI




“A MARCHA LOUCA” 
(para garantir que não haveria “fogo de artifício” no dia de Natal)




Não tenho nenhuma memória do meu segundo Natal no TO da Guiné (1973), contudo julgo que esta “marcha louca” teve lugar nas vésperas desta quadra, tendo em conta o redobrar dos esforços no sentido de garantir alguma tranquilidade neste dia, do qual a tradição não fala de fogo de artifício...

As nossas rotinas continuavam: Patrulhamentos de reconhecimento e proteção na mata, fazer segurança aos trabalhos da estrada, levantar minas e proteger pontões, e, aceitar como fizesse parte destas rotinas as recorrentes flagelações com canhão sem recuo.

Sempre que as flagelações atingiam em pleno o perímetro do destacamento não descansávamos até encontrar o local do lançamento das mesmas, que mais tarde ou mais cedo lá conseguíamos.

Não estávamos preparados para aceitar mais mortes dentro do próprio destacamento com estas flagelações!

Não tínhamos dúvidas que os operadores destes canhões sem recuo eram elementos cubanos,  muito bem preparados tecnicamente. Impressionante a forma como à segunda ou terceira tentativa as metiam quase todas dentro do destacamento. Contudo, é minha convicção que algo mais havia para além da competência técnico dos operadores… “No creo em las brujas, pero hay”.

Enquanto as granadas caiam fora do destacamento,  lá íamos tolerando a ousadia do IN (e seus amigos cubanos). Contudo, quando começavam a cair dentro do perímetro do destacamento a coisa “piava mais fino” e todas as contas eram feitas no sentido de confirmar a direção das mesmas e aferir a distância do local, tendo em vista a sua “caça”.

Geralmente o ataque começava ainda com a luz do dia e acabava já noite posta. Sempre assim atuavam. A noite sempre foi a “praia” do IN, deslocando-se, montando minas e infiltrando-se para o interior do território sem nenhum obstáculo a não ser uma ou outra emboscada noturna e uma ou outra granada de obus.

Os ataques nesta “nesga” de tempo tinha como objetivo evitar a nossa perseguição bem como não denunciar a sua posição,  tendo em conta o clarão provocado pela saída das granadas. Contudo, as últimas canhoadas, já com a noite a cair, acabavam por denunciar a sua direção. Quanto à distância? Alguém disse com toda a propriedade: “é só fazer as contas”, sabendo que a velocidade do som é de 340 m/s...

Já dois pelotões tinham saído com o objetivo de encontrar a base de lançamento das granadas de canhão sem recuo. Nada foi encontrado, pelo que chegou a nossa vez de tentar a sorte. Nesta altura já estava no meu pelotão o meu grande amigo “alfero” Afonso (amigo para a vida), que, não tendo passado todo o calvário da companhia até aí, estava, contudo, imbuído de uma determinação, quase doentia, em encontrar o local do ataque. Na saída vira-se para mim e diz-me com toda a convicção: "Costa, só regressamos ao destacamento depois de encontrarmos a base". Ao que eu repliquei: "Então era melhor reforçarmos as rações de combate !"

Inicia-se assim a “marcha louca”, atravessando trilhos, bolanhas e rasgando a mata com a faca de mato na direção do objetivo que o homem tinha gravado na sua cabeça, sem o auxílio de mapas ou bússolas, que segundo ele só complicavam.

Assumiu a dianteira, substituindo-se ao guia, tornando-se cada vez mais difícil acompanhar o seu andamento. A determinação era tanta que nem nos apercebemos que já estávamos a algum tempo a andar em círculo, com o primeiro da coluna a juntar-se ao último (perante o susto e a estupefação dos dois), caminhando em passo cada vez mais acelerado, mas não saindo do mesmo sítio.

Todas estas voltas se justificavam já que o seu “GPS” marcava que tínhamos chegado ao destino/objetivo. Este estava bem dissimulado na mata. “Manga de ronco”, o nosso homem conseguiu!

Encontramos o local junto a um Baga Baga com duas valas cavadas para se protegerem das nossas granadas de obus (Foto nº 1).

Regressamos ao Cumbijã,  eufóricos e só não demos uma medalha ao nosso “herói” porque foram todas gastas no torneio de futebol inter- turmas (pelotões).

Se o Marcelo da altura fosse o Marcelo de hoje, havia medalha!

No dia seguinte um outro pelotão foi ao local minar a zona, tendo encontrado uma das valas minada.

Felizmente tivemos sossego durante algum tempo, ao fim do qual a rotina voltou…

Continua...

_________

Nota do editor:

Último poste da série > 26  de novembro de 2021 > Guiné 61/74 - P22754: Paz & Guerra: memórias de um Tigre do Cumbijã (Joaquim Costa, ex-Furriel mil arm pes inf, CCAV 8351, 1972/74) - Parte XX: outras guerras, outros protagonistas: os mosquitos, as abelhas, as formigas, as matacanhas...

6 comentários:

Tabanca Grande Luís Graça disse...

Joaquim, e os vossos "sapadores" (,o Carlos Machado...) nunca tentou destruir, por implosão, os "bagabaga" que circundavam o vosso "resort" de muitas estrelas ? Eu sei que aquela argamassa de baba de formiga e grãos de terra era... "cimento armado".

Ao invés, hoje destroi-se, com facailidade, com os "bulldozers", estes "monumentos" da natureza, tão típicos da paisagem guineense do nosso tempo... Não sei se há uma "proteção legal"...

Valdemar Silva disse...

Caro Costa
Como hoje não estou com pachorra para descobrir a "Hipótese Riemann" e nem sequer calcular a distância máxima percorrida pela granada do canhão sem recuo, eu sei qu'era só fazer as contas e...devem ser praí uns 6.723,206 metros, resolvi chatear com a importantíssima questão do "cajado arma".
Podemos ver numa das fotografias uns picadores de estradas (uma especialidade militar em extinção) utilizando a pica e transportando a G3 em cajado arma ou à caçador de coelhos.
Não comento ser o desconfiado alfero um dos picadores, ele lá saberia porquê, mas comento o desconfortável (como se diz no futebol) que seria ter de reagir rapidamente com a pica numa mão e o cajado arma noutra.
Pelo uso das calças do camuflado e pela porrada que já tinham levado, bem podiam ter aprendido a transportar a G3: caminhado com a bandoleiro esticada ao ombro e encostando a arma à cintura junto ao carregador, que até dá para descansar o braço e utiliza-lo para outra necessidade em pé.
No blogue temos imagens da posição correcta: no P13404 aparece uma foto semelhante duma picagem e no P6903 aparece o meu amigo Abílio Duarte (lenço vermelho) numa operação d"Os Lacraus" da nossa CART11. a descansar o braço numa paragem no mato.
Cá pelo sul já começou o inverno, e com chuva, vento e frio dá para passar as tardes a escrever destas coisas sem pretender chatear ninguém ah!ah!ah!

Abraço e saúde
Valdemar Queiroz

Anónimo disse...

Acompanhei de perto (mas longe) o suplício de Tântalo desta companhia, passei por lá, estive lá numa noite de 1973, protegido por montes de terra empilhada pela Engenharia, nas imediações do arame... de noite houve ataque ao destacamento e zumbiam as granadas do obus 14 de Mampatá. Só susto, felizmente. Tenho um grande respeito pela companhia de Cumbidjã. As tuas palavras, caro amigo e camarada Costa, soam-me perto e levam-me lá, de novo.

Um grande abraço

Carvalho de Mampatá.

Anónimo disse...

Caro Valdemar
Nunca gostei de usar “suspensórios”. Muito menos na G3.
Como a nossa área de intervenção era uma zona de mata densa ainda deixava a G3 pendurada numa árvore (na marcha louca bem ficava sem arma para não me perder do resto da coluna). Com os suspensórios numa emboscada ainda corria o risco de morrer asfixiado enrolando a bandoleiro no pescoço com a pressa de ripostar ao ataque. Para além do mais dava um ar de caçador estilo Sousa Cintra.
Tu não perdoas nada. Não te queria como instrutor.
Um grande abraço e tudo de bom Neste Natal e todos os dias
Joaquim Costa

Anónimo disse...

Amigo Carvalho
Voz amiga das Medas, tal e qual a Voz amiga de Mampatá
É sempre um prazer sentir a tua presença.
Um grande abraço e um Santo e Feliz Natal
Joaquim Costa

Anónimo disse...

Valdemar
No comentário anterior esqueci-me de fazer referência aos teus altos estudos matemáticos sobre problemas não resolvidos ou sem solução ("Hipótese Riemann ). Nem com a minha velhinha régua de cálculo (que infelizmente perdi com a mudança de casa). Não te metas em caminhos sem solução. Fiquemos pelo Pitágoras.
Mais um abraço.
Joaquim Costa