quinta-feira, 2 de maio de 2024

Guiné 61/74 - P25469: Os 50 anos do 25 de Abril (16): O fotornalismo da guerra, que os senhores do lápis azul deixavam passar, às vezes, em revistas como a "Flama", órgão oficial da JEC-Juventude Escolar Católica (1937-1983)

 



"O inimigo pode atacar a qualquer momento- Os rostos desta guerra, marcados pelo esforço e pela tensão nervosa de muitas horas de angústia, aguardam".




"Uma pausa no esforço diário mas logo prosseguem"


"Vai começar... O Grupo de Combate reune-se na base antes de mais uma operação"...


"Determinação. O rosto do soldado indígena, de metralhadora às costas, revela um firme propósito"


"Hora do rancho, após uma operação. O apetite é redobrado."




"Flama", Ano XXIII, nº 1000, 5 de maio de 1967, pp. 78/79 (Cortesia de Hemeroteca Digital de Lisbia / Câmara Municipal de Lisboa). 

(Adapt. livre de Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné... Com a devida vénia)


1. Era o "jornalismo" possível. Era o "fotojornalismo de guerra" possível... A "Flama", que se lia no ultramar, que chegava aos quartéis na Guiné, comemorava  em 5 de maio de 1967 o seu nº 1000. Tinha nascido em 1937, da iniciativa de um grupo da JEC - Juventude Escolar Católica, com a benção de Salazar e do Cardela Cerejeira. Era então marcadamente masculina,  e de teor religioso. Redefine-se a partir de 1944... Definia-se, ainda em 1967,  como "um semanário de atualidades de inspiração cristã".... Era então uma das revistas portuguesas mais antigas. E é hoje considerada um marco importante na história do jornalismo português, e nomeadamente do jornalismo feito por mulheres e para as mulheres.  Por ela passaram mulheres, jornalistas, como Maria Teresa Horta, Regina Louro, Edite Soeiro...

Nesse número especial,  dezasseis páginas (num total de 116) eram dedicadas ao cinquentenário de Fátima, na véspera da visita do Papa Paulo VI. Na altura custava 5$00 o número avulso (equivalente hoje a 2 euros; em 3 de maio de 1974, já custava o dobro, 10$00,  também 2 euros, a preços de hoje).

Duas páginas, cheias de fotos e sucintas legendas eram dedicadas à "Guiné: rostos de uma guerra". Evitando-se a propaganda mais descarada do regime. escreve-se:

  • "a luta na Guné prossegue sem quartel";
  • "militares de todos os ramos das forças armadas, generosos na sua juventude";
  • " cumprem a sua comissão de serviço";
  • "momentos dramáticos, arrancados ao quotidiano do soldados português";
  • "o rosto do soldado indígena" (sic)...

Uma raridade, em todo o caso,  na imprensa portuguesa da época, o aparecimento de fotos, com algum dramatismo, de militares portugueses em pleno  teatro  de operações da Guiné, já então o mais duro das "três frentes"....

Mas as fotos são provenientes dos... "fotocines"... no texto diz-se "amavelmente cedidas pelos repórteres dos Serviços Cartográficos do Exército" que eu, por exemplo,  nunca vi, ao meu lado, em operações, no meu tempo (junho de 1969 / março de 1971). As legendas da "Flama" são obviamente escritas no conforto da redação... em Lisboa, e na ignorância do que era realmente uma guerra de guerrilha e contra-guerrilha  ("subversiva e contra-subversiva", na linguagem da tropa de então). Por outro lado, havia o "Big Brother" da censura...

Mas é a "reportagem possível" de uma revista, respeitável, até "arejada",  oroginalmenet ligada à Igreja Católica, e que, para além dos assinantes, tinha uma boa fonte de receita na publicidade (muita dela já virada, nos anos 60/70, para o público feminino).

O seu primeiro diretor foi o dr. António dos Reis Rodrigues (1918-2009), um dos homens mais influentes da hierarquia eclesiástica de então: 

  • assistente eclesiástico da Juventude Universitária Católica (JUC) (1947-1965);
  • capelão (desde 1947) e professor da Academia Militar (onde leccionava Deontologia Militar e Ética);
  • procurador da Câmara Corporativa, na VIII Legislatura (1961/65), como representante  da Igreja Católica;
  • responsável pelo programa religioso da RTP (até 1966);
  • nomeado em 1966 bispo auxiliar de Lisboa, sob o título de Bispo de Madarsuma, com as funções de Capelão-mor das Forças Armadas (1967-1975);
  • membro da Conferência Episcopal Portuguesa, onde desempenhou várias funções, sendo Secretário (1975-1981) e vice-presidente (1981-1984);
  • vigário-geral do Patriarcado de Lisboa (1984)...
Temos algumas referências, no nosso blogue, ao senhor bispo de Mardasuma que, honra lhe seja feita, teve a corgem de ir dizer  missa na mítica Gandembel e lá teve o seu batismo de fogo, no Natal de 1967 (**).

Era o diretor da "Flama" quando se deu o 25 de Abril de 1974. A revista vai dedicar um número especial ao acontecimento. Iremos reproduzir algumas imagens dessa edição (**).



Guiné > Região de Tombali > Gandembel > 25/12/1968 > Missa de Natal celebrada pelo capelão-mor das Forças Armadas, bispo de Madarsuma. Foi a última missa celebrada em Gandembel (o aquartelamento seria abandonado um mês depois, por ordem do Com-Chefe)... E nesse dia de Natal o Dom António dos Reis Rodrigues teve o seu batismo de fogo...

E ainda propósito desta foto, o nosso camarada  Antº Rosinha escreveu em genial comentário ao poste P13616: 

(...) A foto da "Última Missa em Gandembel", é uma das fotos mais falantes do que qualquer outra que se possa ver sobre a Guerra do Ultramar. Aquela mesa/altar, aquele ajudante em tronco nú, representam bem o desenrascanço da malta.

Esta última missa documentada por Idálio Reis contrasta com a 1ª missa, festejada por índios e pintada por artistas e documentada pela carta de Caminha. Quatro dias após ter chegado em Porto Seguro, no Domingo de Páscoa, em 26 de abril de 1500, Cabral determinou que se realizasse uma missa no ilhéu da Coroa Vermelha. Foi a Primeira Missa celebrada em solo brasileiro e o evento foi documentado pela Carta de Caminha. (...)


Foto (e legenda): © Idálio Reis (2007). Todos os direitos reservados [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]
___________

Notas do editor:

(*) Vd. postes de:

15 de maio de 2023 > Guiné 61/74 - P24317: Recortes de imprensa (126): O caso do capelão militar Arsénio Puim, expulso do CTIG em 1971 (tal como o Mário de Oliveira em 1968) não foi excecional: o jornalista António Marujo descobriu mais 11 padres "contestatários" (10 da diocese do Porto e 1 de Viseu)... Destaque para o trabalho de investigação publicado na Revista do Expresso, de 12/5/2023

17 de setembro de  2014 > Guiné 63/74 - P13616: Os nossos capelães (4): O bispo de Madarsuma, capelão-mor das Forças Armadas, em Gandembel, no natal de 1968 (Idálio Reis, ex-alf mil, CCAÇ 2317, Gandembel / Balana, 1968/69)

5 comentários:

Tabanca Grande Luís Graça disse...

Não sabemos nem onde nem quando estas fotos foram tiradas pelos "repórteres dos Serviços Cartográficos do Exército" (sic)... Na segunda foto, a contar de cima, vê-se um militar com uma metralhadora MG 42 que, em geral, era usada pelos paraquedistas e pelos fuzileiros... LG

Tabanca Grande Luís Graça disse...

Sim, não são tropas paraquedistas nem fuzileiros... apesar da MG42... Precisamos de mais palpites... Pode ser que alguém reconheça estes camaradas...

Valdemar Silva disse...

Parece serem fuzileiros, atendendo à apresentação da embarcação.

A fotografia da missa em Gandembel é das grandes fotografias do nosso blogue.
Repare-se no altar mor com a abside formada por o espaldão de um obus. O altar de madeira feito às três pancadas com uns castiçais em latas de coca-cola é o mais notado na foto.
Também o capelão numa posição cheia de fé acompanhado por um acólito em tronco nu dão uma ideia de grande religiosidade.
Mas, se repararmos bem no acólito, não se percebe por que está em tronco nu e vemos que há uma montagem para tapar o que ele tem pendurado ao pescoço, o que será?

Valdemar Queiroz

paulo santiago disse...

O Pelotão de Caçadores Nativos 53 tinha distribuída uma metralhadora MG 42,uma grande,eficaz (e pesada) arma.

P.Santiago

Anónimo disse...

A CCaç 3327/BII17 tinha quatro MG42 distribuídas. Na Mata dos Madeiros, a minha secção carregava com uma e quatro fitas.
Abraço transatlântico
José Câmara