quarta-feira, 26 de junho de 2024

Guiné 61/74 - P25684: Tabanca Grande (560): José Álvaro Almeida de Carvalho, ex-alf mil art, Pel Art / BAC, obus 8.8 m/943 (1963/65) , adido 14 meses ao BCAÇ 619 (Catió, 1964/66): senta-se no lugar nº 890, à sombra do nosso poilão


Angola > Ponte do rio Cuanza (em contrução) > c. 1970/73 > O José Àlvaro Almeida de Carvalho, diretor do departamento de trabalhos externos da empresa L. Dargent Lda. Aqui ainda no início da montagem do tabuleiro da ponte...



Angola > Ponte do rio Cuanza (em contrução) > 25 de dezembro de 1973  >

Fotos: © José Álvaro Carvalho (2024). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. Conheço o José Álvaro Almeida de Carvalho, da Lourinhã, é meu conterrâneo, cantor, autor de fados (pelo menos uns 26...) e exímio tocador de guitarra. 

Durante muito tempo tocou numa velha casa de fados, o "Cantinho da Amizade",  escondida, ali na Rua da Cruz da Carreira, 38, na colina de Santana, ali perto do Campo dos Mártires da Pátria. (Vd. aqui página no Facebook)

Quadro técnico superior, com uma larga experiência no setor da metalomecânica pesada, reformado, vive na Praia da Areia Branca. Aos fins de semana, encontramo-nos no VIGIA - Grupo dos Amigos da Praia da Areia Branca. Conversa puxa conversa, vim a saber que tinha também estado na Guiné, em 1963/65, tendo passado por Bissau, Olossato, Catió e Ilha do Como (tendo inclusive participado na Op Tridente, dando apoio de artilharia).

Com os seus 85 anos (n. 1939), tem uma ótima cabeça e é grande contador de histórias. É uma apaixonado pela vida. E tem um riquíssima história de vida, que gosta de partilhar com os outros.

Por outro lado, ele também em comum comigo o conhecimento de Angola, onde viveu e trabalhou. Estava lá quando se deu o 25 de Abril. A sua empresa, a L. Dargent Lda, de que  o Zé Álvaro era diretor do departamento de trabalhos exteriores, fez a montagem da superestrutura metálica e cabos de suspensão da ponte na foz do Rio Cuanza em Angola.

A ponte do rio Cuanza (que alguns angolanos grafam como Kwanza), perto da foz, e que servia de ligação entre os antigos distritos (hoje províncias) de Luanda e Bengo, foi construída entre 1970 e 1973. O projeto é do eng. Edgar Cardoso. Fica a 75 km da capital.

Construída em aço e betão, esta ponte também conhecida como a ponte da Barra do Cuanza, tem em 400 metros de tabuleiro com 47 metros de altura, dois vãos externos de 70 metros e outro com 260 metros. O dono da obra na altura era a Junta Autónoma de Estradas de Portugal (JAEP).

O Zé Álvaro viveu, então, com a família (esposa e duas filhas), em Luanda no bairro da Sagrada Família, enquanto decorreu a obra (os trabalhos da empresa foram dados por comcluídos em março de 1974). 

Pouco tempo depois do 25 de Abril voltou a Lisboa. Continuou a ir a Angola, sempre que era preciso... Entretanto, conheceu outras empresas, a começar pela Sorefame: é, por isso, um ator e uma testemunha privilegiada das grandezas e misérias da nossa indústria metalomecânica pesada, cujas empresas, muitas delas, se afundaram com o pós-25 de Abril, as mudanças económicas, sociais e políticas operadas, a par da crise financeira, bem como da descolonização e, depois, com a entrada na Comunidade Económica Europeia (CEE), já em1986...

Com Angola, a Guiné, o fado... e a história do trabalho e da indústria, como interesses em comum, temos sempre tema de conversa, enquanto passamos tardes agradáveis na varanda do VIGIA, que é reconhecidaente umas das mais fantásticas para se assistir a um pôr do sol sobre o Atântico: tem uma vista de 180 graus, do cabo Carvoeiro e Berlengas a norte/noroeste, e Santa Cruz, a sul...

2. O que eu não sabia é que o Zé Álvaro também era um talentoso escritor, tendo inclusive já publicado, em 2019, na Chiado Books, um livro autobiográfico ficcionado, o "Livro de C" (710 pp.), disponível em papel e em ebook. É um livro difícil de catalogar, logo à primeira leitura... A editora classificou-o como "não ficção".

O autor cedeu-me uma com cópia digital do manuscrito, que consta de duas partes. Trata-se de uma nova versão, aumentada, revista e melhorada.

O autor é o José Carvalho, o título mantém-se o mesmo, Livro de C. Em formato pdf, está dividido em dois volumes: volume 1 (328 pp) e volume 2 (357 pp.).  É um livro com múltiplas narrativas, desfasadas no tempo e no espaço. A separá-las, o autor teve a ideia de inserir fados em formato mp3, e acompanhados com a respetivas letra. 

Diz ele: cada volume é "reconstruído com alguns fados gravados, ao longo da vida, aqui inseridos como separadores e ornamento de narrativa".  Parte das letras (e algumas músicas) são  da sua autoria. Teremos ocasião de voltar a falar deste projeto singular, original, onde há lugar também para as memórias de guerra.

O Zé Álvaro aceitou o meu convite para integrar a nossa Tabanca Grande e autorizou-me a reproduzir excertos do seu manuscrito, entretanto, revisto e aumentado. (Não conheço o livro em papel, mas ele vai-se oferecer um exemplar, autografado.)

Falaremos mais, oportunamente, sobre este projeto literário  e o autor. C (inicial de Carvalho) era a letra do alfabeto pelo qual o pai, comerciante, o tratava. "Livro de C" tem, pois, um cunho marcadamente autobiográfico. Mas o livro é mais do que isso.



Foto nº 1


Foto nº 2

Guiné > s/l > s/d > c- 1963/65 > Fotos, sem legenda, do ex-alf mil art, José Álvaro Almeida de Carvalho, BCAC, Pel Art obus 8.8, m/943, que esteve 14 meses adido ao BCAÇ 619 (Catió, 1964/66). Em Catió, seguramenyte que conheceu o João Sacôto, da CCAÇ 617/BCAÇ 619 (Catió, Ilha do Como, Cachil, 1964/66).


Fotos: © José Álvaro Carvalho (2024). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


3. O José Álvaro Almeida de Carvalho foi alferes miliciano de artilharia, pertenceu ao BAC (1963/65), esteve na Guiné, adido ao BCAÇ 619 (14 meses em Catió). Mas, antes, em Bissau também pertenceu a uma companhia de intervenção, de que comandava um pelotão, operando em Bissau e arredores. Esteve destacado no Olossato, com o seu pelotão de infantaria.  (E fez um assalto ao K3!).

Veio originalmente em rendição individual. Quando essa companhia de caçadores, acabou a comissão, o Zé Álvaro ficou no QT, em Bissau, a aguardar nova colocação. 

Sei que, nessa altura,  também pensou em oferecer-se para os comandos do CTIG, conheceu o Saraiva e o Godinho, do tempo do nosso Virgínio Briote. É possível até que tenham estado juntos, o Briote e o Carvalho.

Mas foi no sul, na região de Tombali, em Catió, como oficial de artilharia do BAC (Bateria de Artilharia de Campanha, obus 8.8 cm m/943) que ganhou a sua cruz de guerra de 3ª classe. (Curiosamente, o seu primo direito, meu conterrâneio, vizinho e amigo de infância, João Patrício, viria a ser  colocado em Catió, dez anos depois, como alf mil, CCS/BCAÇ 4510/72, jun72/jul74)(um batalhão que só tinha comando e CCS, não dispunha de subuniddaes operacionais orgânicas).

Cruz de Guerra, 3ª Classe Alferes Miliciano de Artilharia JOSÉ ÁLVARO ALMEIDA DE CARVALHO | BAC | GUINÉ

Transcrição da Portaria publicada na O.E. Nº 15 - 2ª série, de 1965.

Por Portaria de 29 de Maio de 1965:

Condecorado com a Cruz de Guerra de 3ª classe, ao abrigo dos artigos 9º e 10º do Regulamento da Medalha Militar, de 28 de Maio de 1946, por serviços prestados em acções de combate na Província da Guiné Portuguesa, o Alferes Miliciano de Artilharia, José Álvaro Almeida de Carvalho, do Quartel-General do Comando Territorial Independente da Guiné.

Transcrição do louvor que originou a condecoração. (Publicado na OS nº 42, de 21 de Maio de 1965, do CTIG):

Louvo o Alferes Miliciano de Artilharia, José Álvaro Almeida de Carvalho, da BAC, porque, durante o período de catorze meses em que esteve destacado no Batalhão de Caçadores nº 619, foi sempre um Oficial zeloso, dedicado e muito competente, salientado-se a sua acção, principalmente, no campo operacional, em que foi utilíssimo o apoio, sempre eficaz, que soube dar com o seu pelotão em todas as operações em que interveio, nomeadamente, nas "Tridente", "Broca", "Macaco", "Tornado" e "Remate", contribuindo assim, dentro do seu âmbito, para o prestígio da Arma a que pertence.

Várias vezes se ofereceu para acompanhar o pessoal infante em operações, deslocando-se às zonas de contacto, para assim ver, "in loco", novas posições para as suas bocas de fogo, demonstrando a sua nobreza de carácter, a sua coragem e o desprezo pelo perigo.

Contribuiu imenso e com o seu pessoal, nunca se poupando a esforços, para o aperfeiçoamento dos trabalhos de organização do terreno e defesa do aquartelamento.

Pelas qualidades apontadas, este Oficial tornou-se digno de apreço e estima dos seus superiores e subordinados.

Excertos de Portugal. Estado-Maior do Exército. Comissão para o Estudo das Campanhas de África, 1961-1974 [CECA] - Resenha Histórico-Militar das Campanhas de África (1961-1974). 5.° volume: Condecorações Militares Atribuídas, Tomo II: Cruz de Guerra (1962-1965). Lisboa, 1991, pág. 475.


4. Finalmente, e embora nos falte uma foto mais atual, e legendas para as fotos do seu álbum (que é diminuto), eu quero apresentar o José Álvaro Carvalho como o grão-tabanqueiro nº 890. É o seu lugar, sentado, à sombra do nosso poilão. 

Passa a ser mais um dos n0ssos "veteraníssimos", um dos poucos (com o Mário Dias e o João Sacôto, por exemplo) que participou na Op Tridente (jan / mar 1964).

6 comentários:

Manuel Castro disse...

É sempre agradável saber do aumento de tabanqueiros, pois, mais relatos teremos sobre aquele tempo da nossa mártire juventude, as amizades criadas e os maus e bons momentos por lá vividos.
Aquando da operação tridente a CC 414 estava em Catió adstrito ao BCAÇ 356 que foi substituído pelo BCAÇ 619. Talvez este nosso camarada, que merece as boas vindas, se lembre dos ex-oficiais, Capitão Manuel Dias Freixo (falecido) e ex-alferes milicianos médico José Manuel Santos Coelho, Alberto Costa Lobo (falecidos), Marques, Joaquim Teixeira de Sousa e Oswaldo Miguel Sequeira (Caboverdiano).
Um grande abraço.
Tabanqueiro 793.

Fernando Ribeiro disse...

A língua oficial de Angola é o português, que não tem no seu alfabeto as letras K, W e Y. Este é o argumento usado pelo próprio governo, quando insiste em grafar os topónimos do país sem estas letras, contra a vontade de muitos angolanos. Neste termos, o nome da própria capital de Angola continua a ser grafado Luanda, como antigamente, e não Lwanda. O nome do maior rio de Angola é oficialmente grafado Cuanza e não Kwanza. A grafia Quanza é considerada arcaica. Porém, a grafia da moeda angolana é Kwanza, com K e W por razões pouco claras; é a tal exceção que confirma a regra.

Antes da independência, Angola era considerada uma província (ultramarina) de Portugal e como tal não podia ter "províncias" no seu interior. Ela mesma era uma província. O que Angola tinha era distritos: distrito do Zaire, distrito do Huambo, distrito da Huíla, etc. Após a independência, os antigos distritos passaram a ser chamados províncias, os antigos concelhos e circunscrições passaram a ser chamados municípios e os antigos postos administrativos passaram a ser chamados comunas. Além disso, houve a divisão do antigo distrito de Luanda em duas províncias: a província de Luanda (a cidade e seus vastos arredores) e Bengo (o resto do antigo distrito de Luanda). Em 1970-73, portanto, a agora chamada "província do Bengo" ainda não existia. A região que fica a sul do rio Cuanza, chamada Quissama, fazia também parte do distrito de Luanda. A ponte ligava duas margens de um mesmo distrito, o de Luanda.

septuagenário disse...

Este antigo combatente, José Alvaro, conheceu o "inferno" da barra rio Pobreza, do rio Tombali...mas foi compensado ao conhecer o paraiso sem aspas, na barra do rio Quanza a 60 Klm de Luanda passando pela Samba e Mussulo.

"Era tudo nosso", à vontade à vontadinha, mas acabou.se.

Não há bem que sempre dure, nem mal que ature!

Tabanca Grande Luís Graça disse...

Obrigado, Fernando Ribeira, vou corrigir... Só comecei a ir a Angola (ou mellhor, Luanda) em 2003... E o que aprendi na escola primária, depressa esqueci...

Recapitulando: rio Cuanza; distrito do Bengo... Um candando (sem K). Luis

Antº Rosinha disse...

Este antigo combatente, José Alvaro, conheceu o "inferno" da barra rio Pobreza, do rio Tombali...mas foi compensado ao conhecer o paraiso sem aspas, na barra do rio Quanza a 60 Klm de Luanda passando pela Samba e Mussulo.

"Era tudo nosso", à vontade à vontadinha, mas acabou.se.

Não há bem que sempre dure, nem mal que ature!

Tabanca Grande Luís Graça disse...

Rosinha, para "matares saudades"... É uma reortagem da RRP, de 1971, sobre o início dos trabalhos de construção da ponte sobre o rio Cuanza (sic)... Passou no noticiário nacional, de 9 de janeiro de 1971... São cerca de 3 minutos e meio. É a preto e branco e,infelizmente, sem som... Mas dá para ver alguns aspetos dos trabalhos, sendo angolanos os trabalhadores e operadores das máquinas...

https://arquivos.rtp.pt/conteudos/construcao-da-ponte-sobre-o-rio-cuanza/

Resumo analítico:

(...) Estrutura em construção; vista dos trabalhos a decorrer no terreno; homens a trabalhar e maquinaria em funcionamento nas margens; vista do rio e da paisagem arborizada nas margens; pormenores da estrutura em construção; vista da estrutura, água do rio, vegetação e maquinaria na margem, a partir de embarcação; homens trabalham; grua transporta lama retirada do terreno onde se encontram os alicerces em construção para a margem; tratores em funcionamento; fundações alagadas; placa e sinal de proibição de acesso a pessoas estranhas ao serviço; inscrição "Ponte Sobre o Rio Cuanza em Construção" em maqueta; pormenores da maqueta da ponte em construção. (...)