Queridos amigos,
Está a findar o ano de 1869, a questão dominante destes números do Boletim Oficial prende-se com temíveis casos de saúde pública, não param as epidemias e as condições de vida em Cabo Verde estão abaladas pelas fomes e penúrias. A Guiné não conhece novo regulamento para a sua organização, há poucas novidades, o distrito tem dois concelhos, aparecem juntas municipais e define-se a magistratura administrativa; o governador deve visitar em cada ano, duas vezes pelo menos, a praça de Cacheu, e uma vez os presídios e povoações do distrito. Há uma junta consultiva que tem o governador como presidente, os Grumetes têm a sua própria administração, a fazenda também tem o seu próprio regulamento e o mesmo se dirá da organização militar. E ficamos a saber que houve missionação no Sul da Guiné e 90 batismos.
Um abraço do
Mário
Factos passados na Costa da Guiné em meados do século XIX
(e referidos no Boletim Oficial do Governo Geral de Cabo Verde, ano de 1869) (14)
Mário Beja Santos
O que mais impressiona as informações que o Boletim Official acolhe neste ano de 1869 prende-se com o estado de saúde deplorável de Cabo Verde, um noticiário sobre a Guiné continua a ser residual, mas abrir-se-á uma exceção com a publicação do regulamento para a organização administrativa da Guiné, procurava-se dar um salto e melhorar a presença portuguesa.
No Boletim Official n.º 19, de 8 de maio, temos um extrato das notícias da Guiné recebidas pela escuna Bissau, o estado sanitário era bom, excelente o alimentício, animado o comercial e quanto à segurança pública não se lhe conheciam alterações; a Alfândega de Bissau rendeu nos meses de janeiro, fevereiro e março 9:379$339 reis, e a de Cacheu, nos meses seguintes, 1:735$447 reis; em janeiro, havia-se efetuado em Geba a paz com os Mandingas de Gófia, e em março, com os Mandingas de Teligi, eles tinham atacado o presídio de Geba, haviam sido rechaçados denodadamente e perseguidos até longa distância pelos Grumetes do presídio. Em Bissau, continuava a reconstrução o Forte do Pidjiquiti e em Cacheu haviam terminado consertos dos baluartes; os pagamentos aos funcionários públicos estavam em dia.
Neste mesmo Boletim Official, na secção dos avisos, pode ler-se que por participação do Governador da Guiné Portuguesa, em ofício n.º 37, de 13 de abril, consta que em data de 7 de março do corrente ano aportou no ponto da colónia de Rio Grande um escaler conduzindo cinco náufragos pertencentes à barca da americana Gem, propriedade de Charles Hoffman de Salena, nos Estados Unidos, capitão Miller, naufragado nos bancos da ilha de Orango no dia 3 do mesmo mês. Havia aquele barco saído de Rio Nunes com destino ao porto de Bissau com nove pessoas de tripulação e carga de várias mercadorias. Logo depois de encalhado, e abandonado pela população, o navio incendiou-se em consequência da explosão de uma porção de pólvora, que fazia parte do seu carregamento. Os náufragos, incluindo o capitão foram recebidos a bordo do patacho Btomac pertencente à mesma Casa Hoffman.
Passando agora para o Boletim n.º 22, de 29 de maio, o fundamental do seu conteúdo tem a ver com o regulamente da organização administrativa da Guiné Portuguesa. Importa salientar os dados que podem ser tidos como mais relevantes: a Guiné Portuguesa constitui um distrito dividido em dois concelhos, o de Bissau e o de Cacheu, e cada um destes em Praças e Presídios; o concelho de Bissau compõe-se da vila de S. José ou Praça de Bissau, do Presídio de Geba, da colónia do Rio Grande de Bolola e mais território desta dependência, e da ilha de Orango; o concelho de Cacheu compõe-se da Praça deste nome, dos presídios de Farim e Ziguinchor, e das povoações de Matta, Bolor e outras desta dependência. O distrito é administrado por um governador e os concelhos são regidos por administradores. Os presídios, a colónia e as povoações dependentes dos concelhos por chefes. Há um título do regulamento dedicado às juntas municipais e outro aos magistrados administrativos. Insere-se matéria sobre a organização da fazenda, dizendo-se que a fazenda pública é administrada na Guiné Portuguesa por uma delegação fiscal, composta do Governador do distrito, como presidente, e também pelo subdelegado do procurador da Coroa e fazenda em Bissau, do diretor da alfândega da vila e do primeiro escrivão da mesma alfândega. Outro dado importante é o regulamento para a organização militar. A Guiné Portuguesa constitui um distrito militar sujeito ao governo da província de Cabo Verde. O distrito é divido em dois comandos militares: o de Bissau e o de Cacheu, sendo o de Bissau exercido pelo governador do distrito, e o de Cacheu pelo comandante da força militar ali estacionada. Há na praça de Bissau um corpo de infantaria de segunda linha e na de Cacheu uma companhia, tendo à frente o capitão.
Neste mesmo Boletim fica-se a saber quais as escolas de instrução primária na Guiné: Nossa Senhora da Candelária e Nossa Senhora da Purificação (não se sabe se ambas em Bissau ou Bissau e Cacheu), S. Francisco Xavier (Bolor), Nossa Senhora da Graça (Farim e Geba).
No Boletim nº23, de 5 de junho, constam as instruções para o registo dos libertos, a cada pessoa que registar o seu liberto se dará para seu título certidão conforme um modelo assinado pela comissão e entregue no ato de ser feito o registo.
É de ter atenção de que nestes boletins referentes a este ano, além da febre amarela, fala-se em casos de varíola e sarampo.
No Boletim n.º 30, de 24 de julho, informa-se que continuam os trabalhos de beneficiação no Forte de Belchior e estão a ser tomadas medidas idênticas para instalações na praça de Bissau. Neste mesmo Boletim vêm notícias da Guiné Portuguesa, escreve-se o seguinte: Em Bargny, Rufisque, Dacar, Goré, Gâmbia e outros portos vizinhos reinava o cólera asiático, tendo já feito imensos estragos. O governador do distrito, ouvido o respetivo delegado da Junta de Saúde, havia tomado as necessárias e convenientes providencias para evitar a introdução ali do terrível flagelo.
No Boletim n.º 33, de 14 de agosto, informa-se que era regular o estado sanitário do distrito e bom o alimentício, continuando inalteráveis a ordem e a tranquilidade públicas. Por participação do chefe da colónia do Rio Grande constava que o cólera asiático grassava em Carabane, ponto no rio Casamansa vizinho a Cacheu; e, por participações extraoficiais, constava grassar também aquela epidemia em Mansoa Camancó, ponto próximo do presídio de S. Belchior. Em Geba, segundo participa o chefe naquele presídio, havia sido feita a paz com os gentios Mandingas de Ganadu e Mansomini, que a haviam solicitado. Era bastante animado o comércio, tendo sido abundante a colheita de cera.
Em Farim, reinava o sossego, havendo as melhores relações de amizade entre os génios daquelas paragens e o presídio. Continuavam as plantações e sementeiras de milho, mandioca, batata, arroz, mancara, etc.
No Boletim n.º 34, de 24 de agosto, anuncia-se a visita do cónego missionário Joaquim Vicente Moniz que percorreu o Sul da Guiné e batizou 90 gentios. Estamos a chegar ao final do ano e, como vemos, é a saúde deplorável que é alvo do maior número de informações.
Este suplemento ao n.º 14 do Boletim Official do Governo Geral da Província de Cabo Verde e da Costa de Guiné, de 5 de abril de 1869, anuncia a chega do novo Governador, o Excelentíssimo Senhor Conselheiro Caetano Alexandre de Almeida e Albuquerque, conferiu-lhe posse o seu antecessor, o Excelentíssimo Senhor Conselheiro José Guedes de Carvalho e Menezes
Rua da Alfândega, Bissau
Ponte-cais de Bissau, construída pelo governador Carlos Pereira na década de 1910
Ponte-cais Correia e Leça, Bissau, cerca de 1890
Ilustração de Augusto Trigo representando um aldeamento em manual colonial português
(continua)
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Notas do editor:
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2 comentários:
Não há dúvidas! Éramos uns grandes "desenvolvidores". O que aqui se conta é de pasmar e o desenvolvimento fica bem patente na Rua da Alfândega e nas aventuras bélicas contra e a favor dos diferentes grupos étnicos. Mas o mais curioso é a existência de locais que parecem ter um grande desenvolvimento e vida pacífica.Alguns, no "nosso tempo" não existiam ou quase não tinham importância. Ao lermos estes papéis nem sequer temos uma ideia - por pequena que fosse - como se vivia naquela terra.
Um Ab.
António J. P. Costa
Este Boletim Oficial de 1869 da Colónia de Caboverde, ainda a Casamance pertencia aos domínios portugueses governados por Caboverde.
Nessa data ainda as divisões de África pelos poderosos europeus não estava ainda bem concretizadas, mesmo Angola e Moçambique ainda tinham o mapa-cor-de-rosa atravessado na garganta.
Ainda a Rainha Vitória e Bismark e a França andavam a selecionar onde cheirava mais o ouro.
Depois de tudo o que temos destas leituras de Beja Santos, A Guiné chegou até nós devido a Caboverde ali ao pé.
Com tanto ouro (riquezas naturais) que os grandes procuravam, acontece que em Angola, Moçambique e Guiné, nunca foi encontrado ouro explorável como em muitas outras colónias europeias.
Foi o que sobrou para Portugal, naquele tempo.
Os africanos sabem que Portugal não deve qualquer indemnização às antigas colónias, porque não lhe roubou as suas riquezas.
E respeitou sempre todos os seus usos e costumes e fez poucas igrejas e nãonfez universidades e poucas escolas e não obrigava ninguém ir à escola.
Quase não colonizou nem catequizou.
No caso da Guiné nem o Spínola fez nada, que o PAIGC não deixou, no fim lá ficou aquilo entregue aos caboverdeanos e seus combatentes.
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