Pombal > 28 de Abril de 2007 > 2º encontro da nossa tertúlia > Dois representantes da CCAÇ 2402/ BCAÇ 2851 (1968/70), o Raul Albino (assinalado com um círculo a amarelo) e o Maurício Esparteiro (a verde)...
O Raul Albino com a ajuda do fotógrafo Maurício Esparteiro concebeu e realizou uma ideia original: um livro da CCAÇ 2402 onde todos e cada e um são gente... Do capitão ao soldado básico, toda a gente tem lá a sua foto, o seu espaço... Além disso, cada um dos camaradas da CCAÇ 2402 pode ter uma versão única e original do livro, com registos exclusivos sobre a sua pessoa... Com uma pontinha de orgulho, o Raul e o Maurício mostraram-me um exemplar do seu livro: cada exemplar saíu da tipografia a 8 euros, sendo vendido a 10 euros, para cobrir as quebras e as borlas (1)...
Fotos: © Luís Graça (2007). Direitos reservados.
1. Mensagem do Raul Albino (ex-alf mil da CCAÇ 2402, pertencente ao BCAÇ 2851 (Có, Mansabá, Olossato, 1968/70), contemporâneo do BCAÇ 2852 (Bambadinca, 1968/70):
Caro Luís,
Após os agradáveis momentos de Pombal, é altura de voltarmos ao activo. Aqui vai o 5º texto das memórias da CCAÇ 2402 (2).
Ainda sobre Pombal e depois de tantos comentários elogiosos e algumas chamadas de atenção (3), aqui fica um meu apontamento.
Quando o Vítor indicou a seguir ao almoço que ia haver uma visita guiada com os automóveis a seguirem em fila, tive um pressentimento de que não ia ser fácil o esquema resultar. É que no ano anterior no convívio da CCAÇ 2402 em Figueiró dos Vinhos, o Beja Santos conseguiu que a Câmara cedesse dois autocarros para uma visita semelhante e tudo correu às mil maravilhas. Uma coluna de viaturas não é a mesma coisa e os meus receios de dispersão, infelizmente, vieram a concretizar-se. Foi uma iniciativa de periquito, que não afectou o global da óptima organização do Vítor. Parabéns a ele pelo seu evento.
Saudações a todos,
Raul Albino
___________
Notas de L.G.:
(1) Vd. posts de:
23 de Setembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1105: Como escrever um livro de memórias de guerra 'à la carte' (Raul Albino, CCAÇ 2402)
4 de Novembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1246: O meu livro Memórias de Campanha da CCAÇ 2402 (Raul Albino)
(2) Vd. ultimo post desta série > 13 de Abril de 2007 > Guiné 63/74 - P1658: História da CCAÇ 2402 (Raul Albino) (4): Uma emboscada em Catora e um Lobo Mau pouco predador
(3) Vd posts anteriores:
3 de Maio de 2007 > Guine 63/74 - P1728: Tertúlia: Encontro em Pombal (11): A parábola do porco e da tesoura de barbeiro (David Guimarães / Vitor Junqueira)
3 de Maio de 2007 > Guiné 63/74 - P1725: Tertúlia: Encontro em Pombal (10): O nosso bom gigante J. Mexia Alves (Vitor Junqueira)
1 de Maio de 2007 > Guiné 63/74 - P1720: Tertúlia: Encontro em Pombal (9): (Não) me tirem daqui (Sousa de Castro / Vacas de Carvalho / Mexia Alves)
1 de Maio de 2007 > Guiné 63/74 - P1717: Tertúlia: Encontro em Pombal (8): Ah, tigres! Ou uma dupla de fadistas (J.L. Vacas de Carvalho / J. Mexia Alves)
30 de Abril de 2007 > Guiné 63/74 - P1716: Tertúlia: Encontro em Pombal (7): Camaradas radicais (Paulo Santiago / Vitor Junqueira)
30 de Abril de 2007 > Guiné 63/74 - P1715: Tertúlia: Encontro em Pombal (6): Vitor, não temos a tua pedalada, mas foi bom (Sousa de Castro)
30 de Abril de 2007 > Guiné 63/74 - P1714: Tertúlia: Encontro em Pombal (5): Perdidos & achados (Carlos Vinhal / Vitor Junqueira)
30 de Abril de 2007 > Guiné 63/74 - P1713: Tertúlia: Encontro em Pombal (4): O nosso bom humor (Tino Neves / Vitor Junqueira)
30 de Abril de 2007 > Guiné 63/74 - P1712: Tertúlia: Encontro em Pombal (3): Obrigado e até ao próximo, em Monte Real (Joaquim Mexia Alves)
29 de Abril de 2007 > Guiné 63/74: P1710: Tertúlia: Encontro de Pombal (2): Saudades (João Parreira / António Pinto / Vitor Junqueira)
29 de Abril de 2007 > Guiné 63/74 - P1709: Tertúlia: Encontro em Pombal (1): Malta de cinco estrelas (José Martins)
Blogue coletivo, criado por Luís Graça. Objetivo: ajudar os antigos combatentes a reconstituir o "puzzle" da memória da guerra colonial/guerra do ultramar (e da Guiné, em particular). Iniciado em 2004, é a maior rede social na Net, em português, centrada na experiência pessoal de uma guerra. Como camaradas que são, tratam-se por tu, e gostam de dizer: "O Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca... é Grande". Coeditores: C. Vinhal, E. Magalhães Ribeiro, V. Briote, J. Araújo.
sábado, 5 de maio de 2007
Guiné 63/74 - P1732: Tabanca Grande: David Peixoto, ex-Soldado Condutor Auto-Rodas da CART 3492 (Xitole, 1972/74)
Guiné > Zona Leste > Sector L1 > Estrada de Bambadinca-Mansambo-Xitole > Ponte do Rio Jagarajá (?) > CCAÇ 2590/ CCAÇ 12 (Bambadinca, 1969/71)> "Eu, o então Fur Mil Ap Armas Pesadas Inf Henriques, pau para toda a obra, e o soldado condutor auto-rodas Dalot, o Diniz G. Dalot, talvez o melhor condutor de GMC do mundo ou, pelo menos, o melhor que eu alguma vez conheci... Berliet e GMC nas mãos dele, carregadas de sacos de arroz, não ficavam atoladas na famosa estrada Bambadinca-Mansambo-Xitole, a menos que rebentassem debaixo de uma mina. E mesmo assim, era preciso que os cabos de aço ou os troncos das árvores não aguentassem... Eu dizia que era preciso ser maluco para conduzir uma GMC. Ele ofendia-se: era o mais profissional dos nossos condutores auto-rodas...
Reguila, setubalense, condutor de pesados na vida civil, apanhou logo no princípio da comissão, em Julho de 1969, cinco dias de detenção. Por ser reguila, setubalense, condutor de pesados, descendente de franceses, e se calhar por ser o melhor condutor de GMC que eu alguma vez vi na vida... Gostava de te rever, Dalot. Sinceramente, gostava de te rever. Tu fazes parte da mítica galeria dos meus (anti)-heróis, tu e todos os bravos soldados condutores auto-rodas que passaram pela Guiné" (1)... (LG).
Foto: © Luís Graça (2005). Direitos reservados.
1. Mensagem do David Peixoto:
Caldas das Taipas, 1 de Maio de 2007:
Luís: Apresenta-se David Peixoto, ex-soldado condutor auto-rodas da CART 3492 (Xitole, 1972/1974), do BART 3873 (Bambadinca, 1972/74).
Desde já, peço-te para me autorizares a fazer parte da família da tertúlia, o que muito te agradeço. Já falei via telemóvel, com os seguintes camaradas: ex-alf Mexias Alves e ex-furriel Artur Soares. Eles pertenceram à minha companhia e sei que estiveram presentes em Pombal, encontro no qual, como sabes, não estive presente, por motivos profissionais. Espero no próximo poder estar presente, para partilhar convosco as alegrias e as tristezas do passado.
Camarada e amigo Luís, por hoje não te faço perder mais tempo, recebe um grande e forte abraço.
David Peixoto
Tlm > 938643896
2. Mensagem do co-editor do blogue, Carlos Vinhal:
Caro Amigo e Camarada David Peixoto:
Encarregou-me o nosso Comandante Luís Graça de te dar as boas-vindas. Serás bem-vindo à nossa Caserna virtual onde as regras mais elementares estão em disponíveis na página da nossa tertúlia: www.ensp.unl.pt/luis.graca/guine_guerracolonial_tertulia.html.
Deverás, logo que possas, enviar uma foto tua, fardado, da época em que eras certamente mais bonito e uma de agora certamente mais velhote. Podes e deves colaborar enviando as tuas estórias e as fotos que por aí tenhas. As tuas vivências fazem parte de um passado comum a todos nós, tertulianos. Partilha connosco a tua experiência e colabora no aumento do património do nosso blogue.
Em nome de todos, vai para ti um abraço de boas vindas.
Carlos Vinhal
3. Comentário (circunstancial) de L.G.:
David:
Como tu és bom rapaz, estiveste no Xitole de saudosa memória, foste um glorioso maluco condutor auto-rodas, de GMC, Berliet ou Unimog (por quem sempre tive uma especial admiração, já que fiz, no meu tempo, muitas colunas logísticas de Bambadinca para os teus sítios) e pertenceste à companhia do Mexia Alves (que vive hoje na Marinha Grande) e do Artur Soares (que é da Figueira da Foz), eu autorizo excepcionalmente a que apareças no blogue, sem as fotos da praxe e um resumo das tuas andanças pela Guiné.
Quando puderes, manda os elementos que te pediu o Carlos Vinhal, meu co-editor. Quanto ao resto, estás automaticamente em casa, entre camaradas que te vão estimar e que desde já te saudam, vivamente.
Pensando em ti penso também nos valentes soldados condutores auto-rodas, em geral, e dos da minha companhia, em particular (a CCAÇ 2590/CCAÇ 12), como o Dalot ou o Soares... Ambos caíram em minas anticarro: o Dalot safou-se na estrada que tu bem conheceste; o Soares, esse, teve menos sorte, na estrada de Nhabijões-Bambadinca, teve um trágico encontro com a morte... Num dia 13, do mês de Janeiro do ano de 1971, que por acaso não era sexta-feira, mas quarta... A dois meses do fim da comissão (Paz à tua alma, camarada Soares!).
Como vês, David, nem todos tiveram a mesma sorte que tu e eu. LG
_________
Nota de L.G.:
(1) Vd. posts de:
11 de Agosto de 2005 > Guiné 63/74 - CLXX: As heróicas GMC e os malucos dos seus condutores (CCAÇ 12, Septembro de 1969) (Luís Graça)
(...) "Porquê falar em sorte ? É que eu ia justamente à frente da viatura que accionou a mina, justamente do lado do pendura, com uma perna de fora… À turista, como quem vai num alegre e matinal safari algures num parque no Quénia… A pouco e pouco, o periquito ia ganhando confiança… Com três meses e meio de Guiné, e baptismo de fogo ainda muito recente (...) considerava-me já quase um veterano…´
"Recordo-me da viatura: um Unimog 404… Apesar da relativa tranquilidade que nos davam a experiente equipa de 12 picadores que iam à nossa frente com dois grupos de combate apeados, eu tinha recomendado ao condutor do Unimog que seguisse milimetricamente o rodado da viatura da frente… Um desvio de um milímetro podia ser fatal para o artista… O Dalot, que ia a atrás de mim, levava um bicho que tinha dez rodas, dois rodados duplos atrás, várias toneladas de ferro, mais três de arroz… Daquela vez vez foi ele e a sua GMC que voaram… Eu fiquei para a próxima, já lá mais para o fim da comissão" (...).
23 de Setembro de 2005 > Guiné 63/74 - CCV: 1 morto e 6 feridos graves aos 20 meses (CCAÇ 12, Janeiro de 1971) (Luís Graça)
(...) "Às 11.25h, na estrada de Nhabijões-Bambadinca, uma viatura tipo Unimog 411, conduzida pelo Sold Soares (CCAÇ 12) que ia buscar [a Bambadinca] a 2ª refeição para o pessoal daquele destacamento, accionou uma mina A/C."0 condutor teve morte instantânea. Ficaram gravemente feridos 1 Oficial (CCS / BART 2917)[Alf. Mil. Moreira] (a), 1 Sargento (Fur Mil Fernandes/CCAÇ 12) e 1 Praça (CCS / BART 2917)(...).
(...) "Regressado ao local das viaturas, o Gr Comb pelas 13.30h recebeu ordens para recolher, tendo o pessoal tomado lugar no Unimog e na GMC em que tinha vindo. Esta última [onde vinham as secções, comandadas pelos Fur. Mil. Marques e Henriques] (d) , entretanto, ao fazer inversão de marcha, e tendo saído fora da estrada com o rodado trazeiro, accionaria uma outra mina A/C colocada na berma, a 10 metros da anterior, e que não havia sido detectada pelos picadores.
"Em resultado de terem sido projectados, ficaram gravemente feridos o Fur Mil Marques e os Sold Quecuta, Sherifo, Tenen e Ussumane. Sofreram escoriações e traumatismos de menor grau o Alf. Mil. Rodrigues, o Sold TRMS Pereira e os Sold Cherno e Samba"(...).
2 de Dezembro de 2005 > Guiné 63/74 - CCCXXIX: E de súbito uma explosão (Luís Graça)
(...) "E de súbito uma explosão. O sol dos trópicos desintegra-se. O céu torna-se bronze incandescente. O mamute de três toneladas dá um urro de morte ao ser projectado sob a lava do vulcão. E depois, silêncio... Era uma hora e meia da tarde quando o meu relógio parou, na estrada de Nhabijões-Bambadinca" (...).
sexta-feira, 4 de maio de 2007
Guiné 63/74 - P1731: Não há registo, no Arquivo Histórico da FAP, de nenhuma areonave abatida no sul da Guiné em 28 de Março de 1968 (Victor Barata)
Mensagem do Victor Barata, o nosso único representante, até ao momento, dos heróis do ar:
Olá amigo Luis e Camaradas Tertulianos!
Li com atenção as intervenções dos nossos camaradas Idálio Reis (que tive o prazer de conhecer em Pombal durante o diálogo travado com o Rui Ferreira) (1) e do José Teixeira (2), depois de já ter lido a do Casimiro de Carvalho (3) e, como militar que fui da Força Aérea, achei por bem dar o meu esclarecimento, ressalvando desde já não querer com esta minha intervenção fazer critíca ou desmentir o que quer que seja.
De facto, eu tinha conhecimento que no dia 11 de Novembro de 1966 um avião Fiat G91, quando operava na zona do Xitole, tinha sido atingido com tiros, não sei de que tipo de arma, que lhe perfuraram a fuselagem junto ao motor, sem quaisquer lesões para o piloto, Castanheira e Sá (se não estou em erro).
Mas como, em relação aos camaradas citados, sou um periquito, para poder enriquecer a minha própria cultura sobre a Aviação Portuguesa procurei a entidade que acho mais competente para me esclarecer sobre o assunto, o Arquivo Histórico da Força Aérea Portuguesa, e de facto não existe qualquer registo de acidente com uma aeronave tipo Fiat G91 no dia 28 de Março de 1968... Será outro tipo de aeronave a que os nossos camaradas se referem?
Luís, gostaria de ressalvar que não quero com esta minha intervenção menosprezar quem quer que seja mas sim esclarecer, através dos registos históricos, o que se passou.
Ao Casimiro, Idálio e Teixeira um grande abraço de amizade.
Victor Barata
2. Comentário de L.G. :
Olá amigo Luis e Camaradas Tertulianos!
Li com atenção as intervenções dos nossos camaradas Idálio Reis (que tive o prazer de conhecer em Pombal durante o diálogo travado com o Rui Ferreira) (1) e do José Teixeira (2), depois de já ter lido a do Casimiro de Carvalho (3) e, como militar que fui da Força Aérea, achei por bem dar o meu esclarecimento, ressalvando desde já não querer com esta minha intervenção fazer critíca ou desmentir o que quer que seja.
De facto, eu tinha conhecimento que no dia 11 de Novembro de 1966 um avião Fiat G91, quando operava na zona do Xitole, tinha sido atingido com tiros, não sei de que tipo de arma, que lhe perfuraram a fuselagem junto ao motor, sem quaisquer lesões para o piloto, Castanheira e Sá (se não estou em erro).
Mas como, em relação aos camaradas citados, sou um periquito, para poder enriquecer a minha própria cultura sobre a Aviação Portuguesa procurei a entidade que acho mais competente para me esclarecer sobre o assunto, o Arquivo Histórico da Força Aérea Portuguesa, e de facto não existe qualquer registo de acidente com uma aeronave tipo Fiat G91 no dia 28 de Março de 1968... Será outro tipo de aeronave a que os nossos camaradas se referem?
Luís, gostaria de ressalvar que não quero com esta minha intervenção menosprezar quem quer que seja mas sim esclarecer, através dos registos históricos, o que se passou.
Ao Casimiro, Idálio e Teixeira um grande abraço de amizade.
Victor Barata
2. Comentário de L.G. :
Obrigado, Victor, pela tua contribuição, oportuna e pertinente. Não se trata de provocar gratuitamente nenhuma polémica, mas sim de apurar a verdade dos factos, como nos compete. Em breve vou publicar o texto original do Idálio Reis, onde este facto vem mencionado.
Diz-me: consultaste apenas a página da Força Aérea Portuguesa - Arquivo Histórico ? Não haverá outras fontes ? Continua as tuas pesquisas sobre este assunto... É bom recordar que o PAIGC, em 1968, já tinha antiaéreas, e que só em 1973 (em Março) é que começaram a usar os mísseis terra-ar Strella. Olha, gostei de te ver em Pombal, a ti, ao Rui e ao Carlos. Infelizmente, falámos pouco.
PS - Já chegámos todos à conclusão de que houve um lamentável lapso, ou meu ou do Idálio: a data correcta é, de facto, 28 de Julho de 1968. Já corrigi o título do post de 2 de Maio de 2007 > Guiné 63/74 - P1721: O primeiro Fiat G-91 foi abatido em 28 de Julho de 1968 (Idálio Reis) .
_______
Notas de L.G.:
(1) Vd. post de 2 de Maio de 2007 > Guiné 63/74 - P1721: O primeiro Fiat G-91 foi abatido em 28 de Março de 1968 (Idálio Reis)
(2) Vd. post de 3 de Maio de 2007 > Guiné 63/74 - P1724: Em 1968 eu vi ser abatido um Fiat G.91 sob os céus de Gandembel (Zé Teixeira)
(3) Vd. post de 25 de Abril de 2007 > Guiné 63/74 - P1699: Guileje, SPM 2728: Cartas do corredor da morte (J. Casimiro Carvalho) (1): Abatido o primeiro Fiat G 91
PS - Já chegámos todos à conclusão de que houve um lamentável lapso, ou meu ou do Idálio: a data correcta é, de facto, 28 de Julho de 1968. Já corrigi o título do post de 2 de Maio de 2007 > Guiné 63/74 - P1721: O primeiro Fiat G-91 foi abatido em 28 de Julho de 1968 (Idálio Reis) .
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Notas de L.G.:
(1) Vd. post de 2 de Maio de 2007 > Guiné 63/74 - P1721: O primeiro Fiat G-91 foi abatido em 28 de Março de 1968 (Idálio Reis)
(2) Vd. post de 3 de Maio de 2007 > Guiné 63/74 - P1724: Em 1968 eu vi ser abatido um Fiat G.91 sob os céus de Gandembel (Zé Teixeira)
(3) Vd. post de 25 de Abril de 2007 > Guiné 63/74 - P1699: Guileje, SPM 2728: Cartas do corredor da morte (J. Casimiro Carvalho) (1): Abatido o primeiro Fiat G 91
Guiné 63/74 - P1730: Operação Macaréu à Vista (Beja Santos) (44): Uma temerária e clandestina ida a Bucol
Pombal > 28 de Abril de 2007 > 2º encontro da tertúlia Luís Graça & Camaradas da Guiné > O reencontro de dois camaradas do tempo de Bambadinca (BCAÇ 2852, 1968/70): J. L. Vacas de Carvalho (Pelotão de Reconhecimento Daimler 2206, 1969/71); Mário Bejas Santos (Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70).
Foto: © Luís Graça (2007). Direitos reservados.
44ª Parte da série Operação Macaréu à Vista, da autoria de Beja Santos (ex-alf mil, comandante do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70) (1). Texto enviado a 13 de Abril de 2007. Subtítulos do editor do blogue.
Meu caro Luís, ainda bem que descansaste na Páscoa. Comigo aconteceu o mesmo, não me recordo de uma semana em Inglaterra com 18 ou 19 graus, sem uma pinga de chuva. Reenvio-te o texto, pois faltavam os elementos referentes às leituras. Se tudo correr bem, esta tarde seguirá mais outro texto. Por favor, dá esta versão como a definitiva (...) . Mário.
A operação Bucol
por Beja Santos
Em meados de Maio, vale a pena percorrer em Missirá os caminhos que levam a 15 cubatas reconstruídas e três abrigos resistentes. Não há praticamente sinais do desastre de Março, luta-se contra o tempo e as chuvas fustigantes que acabam de chegar.
Há 45 dias, ou mesmo mais, que o centro da nossa existência está marcado pelos seguintes eixos: pelas idas permanentes a Mato de Cão, emboscadas nocturnas, as pequenas surtidas no Geba por causa de Mero ou de proteger as viagens do Sintex mas sobretudo a reconstrução de Missirá, que neste momento é visível, é a nossa grande alegria. É nesse preciso instante que me meto numa aventura, para a qual vou arrastar meia Missirá, em que quebrei as regras elementares da prudência, invadindo território alheio sem ponderar as consequências.
Um pedido do Comandante Teixeira da Mota
Um dia, recebo um aerograma do Comandante Teixeira da Mota, chegado em data recente a Bissau, colocado no Comando Naval (2). Depois da troca de cumprimentos, o ilustre historiador avança subtil e gentilmente um pedido:
"Acabei há dias de escrever um longo artigo contendo as aventuras de um príncipe fula, que vencido em guerra civil, aí por volta de 1600, foi parar a Mazagão e daí a Lisboa e Madrid a pedir auxílio militar, acabando por se baptizar. Juntei elementos que me permitirão reconstituir a sequência e duração de reinados dos imperadores fulas do Futa-Toro desde o lendário conquistador Tenguela e seu filho Coli (ambos continuam nas bocas dos fulas de hoje) desde 1465 e 1591. Vou ver se publico este estudo em Dakar. A propósito, para completar uma nota desse artigo, pedia-lhe para averiguar junto da gente de Missirá o que sabem acerca de uma tabanca aí perto, além Gambiel, no Joladu, chamada Bucol.
"O que eu pretendia saber é se a tabanca é antiga ou moderna, qual o grupo étnico de quem a fundou e lhe deu o nome e se este é de língua fula, mandinga ou beafada. A tabanca em si nada tem com o meu artigo, mas num documento antigo diz-se que os fulas invasores destas bandas partiram de uma cidade chamada Bucol, no Sudão, e interessava-me averiguar se o nome é fula ou não, pois não encontro esse nome nos clássicos da história sudanesa".
Ao fim dessa tarde, pedi para me reunir com Quebá Soncó e o chefe da tabanca Mussá Mané. Havia tais e tantos pormenores a esclarecer que decidi pedir ajuda de interpretação ao Cabo Domingos Silva, papel de Bissau que falava perfeitamente português, crioulo, mandinga e beafada . Quebá começou por me dizer que o príncipe Coli fazia parte das histórias da Guiné, tinha sido um grande guerreiro e um grande muçulmano. Quanto a Bucol, sabia que era tabanca beafada, fora lá várias vezes antes da guerra, o nome era antigo , muito antes dos mandingas serem os senhores do Cuor. Muito provavelmente, sugeriu, Bucol era nome fula.
O chefe de tabanca recordava uma grande construção, uma parede imensa do que lhe parecia ter sido uma muralha, quando visitara Bucol na sua infância. Tinha sido uma tabanca rica, terra de agricultura fértil, talvez a mais rica do Gambiel. Nada sabia sobre a origem da palavra Bucol , mas com os mandingas tinham chegado depois dos fulas, muito provavelmente tinha sido fundada por fulas mas confirmava que se falava beafada em Bucol.
Ouvi-os e perguntei repentinamente a Quebá:
-Oiça, não parece muito difícil irmos com o Sintex até junto da Aldeia do Cuor, acima do rio Gambiel e atravessarmos a bolanha do lado de Joladu e subirmos talvez duas horas a pé. Concorda?.
Quebá vacilou, lançando contra-argumentos de peso:
-Alfero, o inimigo é muito poderoso na zona de Sinchã Jobel. Lembre-se do que foi a nossa ida ao rio Gambiel, em Janeiro. A bolanha do lado da Aldeia do Cuor é grande, seremos facilmente avistados pelos sentinelas... Eu, se fosse a si, não ia . - Não tomei ali nenhuma decisão, adiei a resposta ao Comandante Naval em Bissau.
Aproveitando um boleia de DO para um RVIS entre Madina/Belel até ao Rio Gambiel
Como a vida se faz de muitas peripécias e também de felizes encontros, conhecer Bucol pelo ar foi uma imprevista coincidência, três dias depois. Regressado de Mato de Cão ao amanhecer, apresentei-me o Major Pires da Silva para lhe dar conta de um episódio preocupante: a gente de Madina/Belel tentara dinamitar um pontão na estrada de Gambaná, mesmo em frente ao grande palmeiral de Chicri. Mas fora uma operação mal sucedida, o pilar fora sacudido pela carga mas aguentara firme. Tínhamos assim provas de que o inimigo tentava eliminar qualquer hipótese da circulação rodoviária e dificultar-nos os patrulhamentos diários a Mato de Cão.
Mas mal entrei no gabinete quando ele me disse eufórico:
- Ora ainda bem que veio. Está a chegar uma DO e vamos fazer um RVIS entre Madina até ao Gambiel. Não desisto de percorrermos o Cuor e desalojarmos definitivamente o inimigo.
E de facto, meia hora depois a DO levantou voo acima dos Nhabjões, atravessou o Geba, vi Mato de Cão, depois Sinchã Corubal, os trilhos bem sulcados à saída de Cabuca, Madina cada vez mais activa, verdadeiras autoestradas passando por Quebá Jilã e inflitrando-se no Oio a partir de Barnir até Sinchã Boébé, já muito perto de Sarauol.
Em escassos meses, era notório a crescente presença de pontos de passagem, de campos lavrados, ocupação do território. Sem revelar a razão de fundo do meu interesse, pedi ao piloto para sobrevoarmos os rios Passa e Gambiel. No termo do rio Gambiel, pedi-lhe para sobrevoar a estrada que, antes da guerra, chegava a Geba. E pude confirmar que a região de Bucol não tinha sinais de presença humana, se bem que à volta do rio Gambiel fossem nítidos os campos lavrados entre Mansomine e Joladu.
No regresso a Missirá, pedi para conversar com Cibo Indjai, bravo soldado e um dos nossos mais valorosos caçadores. Como se estivesse a procurar informações sobre a presença do inimigo junto do rio Gambiel, questionei Cibo sobre campos cultivados na região de Bucol e Ponta, no fundo terra firme na vastíssima bolanha em frente à Aldeia do Cuor, do lado de lá do rio Gambiel.
- Ali não há nada, meu alfero, há bolanha e floresta cheia de capim. É bom para apanhar gazela. Bucol deve ter sido uma grande tabanca, há restos de construção, devia ser gente rica. Ali só há inimigo de passagem. Para cima é que é território deles.
Uma patrulha de reconhecimento a Bucol, clandestina e temerária
Com a maior das naturalidades, perguntei a Cibo se ele encontrava perigos numa patrulha de reconhecimento a Bucol. Caçador experimentado e dominando a palmo os diferentes recantos do Gambiel, respondeu com igual espontaneidade:
- Não vejo dificuldade nenhuma. Podiámos levar o Sintex em cima do Unimog grande, patrulhávamos a picada acima de Aldeia do Cuor, atravessamos o rio no Sintex ao princípio da manhã, caminhamos pela bolanha, percorremos Ponta e seguimos até Bucol. Depois de Aldeia do Cuor são três horas de viagem. Bem, talvez 5, para ver com cuidado se há gente de Sinchã Jobel ali perto.
E dois dias depois anunciei ao anoitecer que sairíamos de manhã num patrulhamento um pouco excêntrico, com Unimog, Sintex, salva vidas, dois morteiros, 40 homens, iríamos atravessar o Gambiel, 15 homens ficariam a tomar conta da viatura, os outros 25 iriam reconhecer a região. Em particular, Quebá Soncó suplicou-me:
- Eu vou, mas por favor prometa que é ir só a Bucol e voltar. Ir mais acima só com três companhias, ali há muito mais gente que em Madina, há muitos obstáculos, irá morrer muita gente.
Descansei Quebá, pedindo-lhe que guardasse completo sigilo. Saímos pelas três da manhã, vimos nascer o sol quando o Sintex, mesmo em frente à Aldeia do Cuor, começou a passar a tropa no longo trilho que avança numa bolanha de 4 quilómetros até ao mato circundante do que foi a tabanca de Ponta. Cibo, Sambu, Mamadu Camará e Quebá Soncó seguiam na dianteira. A viagem foi muito fatigante devido ao acidentado do terreno e confirmou-se a falta de presença humana. Ponta deve ter sido enorme e Queta mais tarde assegurou-me:
- Sim, Ponta era rica, tinha muita gente fula, oincas, beafadas, gente que atravessava Mansomine até Oio, para fazer negócios. Ponta foi abandonada em 63, logo no início da guerra, muita gente fugiu para Geba e Bafatá, outros foram para Sinchã Jobel. Naquela patrulha confirmamos que o território estava abandonado.
Dentro da mata e usando a maior prudência chegámos praticamente ao fim da manhã a Bucol. Lembrava um pouco a Aldeia do Cuor e o tal pano de muralha que falara Mussa Mané era empedrado e alto. Não consegui nenhuma explicação da sua utilidade, houve quem referisse tratar-se de um vestígio de uma refinaria. Com os binóculos, procurei sinais de presença humana e nada encontrámos. O regresso foi calmo e eram 4 da tarde quando entrámos em Missirá onde o Teixeira das transmissões anunciava a passagem de um comboio de navios pela noite escura em Mato de Cão.
Os dados obtidos seguiram no dia seguinte em aerograma para Bissau:
(i) ninguém associava o príncipe Coli a Bucol;
(ii) a povoação teria sido fundada por fulas e falava-se até antes da guerra predominantemente beafada;
(iii) ninguém sabe a antiguidade da tabanca, mas havia ali riqueza e certamente construções apoiadas por colonos cabo-verdianos.
O que não lhe disse é que tinha sido um acto estupidamente destemido, não teria qualquer explicação plausível caso me encontrasse com tropas de Geba ou tivesse havido um reencontro com uma patrulha de Sinchã Jobel [, regulado de Mansomine]. Não sei de facto o que se passou na minha cabeça para cometer tal atrevimento. Eu sei que dentro de meses voltarei ao Enxalé onde irei almoçar com o Alferes Taveira. Mas o Enxalé tinha a lógica que é quadrícula militar actual não contemplada: o nosso inimigo era comum, fora e continuaria a ser comum. O nosso inimigo não estava no Xime, nem em Mansambo, nem mesmo nas margens do rio Gambiel, estava em Madina, era entre S. Belchior e Enxalé que se fazia o transbordo de armamento pesado em canoas para a região de Aldeia Formosa. Só que a quadrícula é cega e não se podia interferir em sector alheio.
Omiti a ida a Bucol em Bambadinca e no correio para Lisboa. Penso mesmo que em Sinchã Jobel não se soube desta intrusão. Rendi-me ao imaginário do mundo de aventuras, sabe-se lá se não esperava encontrar em Bucol uma outra Tombuctu, uma esquecida cidade de ouro que pudesse mudar o rumo àquela guerra desventurada.
Capa do romance de Albert Camus, L' étranger [O Estrangeiro], referido na crónica anterior (1). Paris: Librairie Générale Française (LGF). 1959. (Colecção "Livre de Poche", 406). Capa atribuído ao pintor Lucien Fontanarosa. La Peste (1955) e L'étranger (1959) são os únicos livros publicados, em vida do autor, que apareceram numa colecção popular como o Livre de Poche (Livro de Bolso). Este livro foi oferecido ao Beja Santos pelo seu amigo Carlos Sampaio (3), que irá morrer em combate em Moçambique (LG).
O meu antigo aluno, Jorge Martins, escreveu-me e mandou-me uma prenda. Já me tinha oferecido um livro do Mário Cesariny, Intervenção Surrealista, depois de ter feito exame de História. Agora manda-me um livro chamado Pena Capital também do Cesariny, e é com imenso prazer que o leio nos meus serões, assenhoreando-me do seu poder alquímico, em que palavras banais se tornam foguetões líricos. Por exemplo:
Sou um homem
Um poeta
uma máquina de passar livro colorido
um copo uma pedra
uma pedra configurada
um avião que sobe levando-te nos seus braços
que atravessam agora o último glaciar da terra.
Mas também aquele belo poema:
Em todas as ruas te encontro
em todas as ruas te perco
conheç tão bem o teu corpo
sonhei tanto a tua figura
que é de olhos fechados que eu ando
a limitar a tua altura
e bebo a água e sorvo o ar
que te atravessou a cintura
tanto tão perto tão real
que o meu corpo se transfigura
e toca o seu próprio elemento
num corpo que já não é seu
num rio que desapareceu
onde um braço meu te procura
Ainda não sei que estou ler um dos poetas essenciais do século XX, um deslumbramento onde confluem a poesia medieval, a instantaneidade surrealista, Cesário Verde, Mário Sá Carneiro. Cesariny trouxe uma grande companhia e na volta do correio agradeci ao meu antigo aluno, disponibilizando para receber mais.
Capa do romance de Jorge Amado, Terras do Sem Fim. Lisboa: Livros do Brasil. (Colecção "Livros do Basil", 8).
Com o renascimento de Missirá, e por pura coincidência, retomo leituras de primeira água. Aí pelos 17 anos, comprei Terras do Sem Fim, de Jorge Amado. É uma saga à volta de S. Jorge dos Ilhéus, com o derrube das matas transformadas em cacaueiros. É um mundo de exploradores escravos, caciques tenebrosos, jagunços, aldrabões, prostitutas de todos os níveis, emboscadas, riquezas súbitas e a transformação de Sequeiro Grande em terra de cacau depois de muito sangue derramado. Não é possível esquecer Juca Badaró, o Dr Jessé, os amores de Ester e do Dr Virgílio, entre uma vastíssima galeria de figuras que circulam entre Baía, Ilhéus, Tabocas e Itabuna. Consegui este Jorge Amado em Bafatá, leio e releio e começo a aprender que não há livros bons definitivamente lidos para sempre.
As obras estão praticamente concluídas, para a semana iremos ameaçar nas redondezas de Madina. Já a seguir vou receber a visita de um Coronel que vem dos serviços jurídicos de Bissau ouvir-me por causa do recurso que interpus da minha punição. E lá para o fim do mês, estou a sair do banho vindo de uma emboscada nocturna quando vejo em cima de um abrigo um fogo capitoso, demolidor, arrasador, e escorriam-me as lágrimas convencido que estava que era gente de Madina a desfazer Finete. Não, era o primeiro grande ataque a Bambadinca, provando que a Operação Lança Afiada não desmotivara o Buruntoni nem o Fiofioli. Nós ainda não sabíamos mas o curso da guerra tinha irremediavelmente mudado.
___________
Notas de L.G.:
(1) Vd. último post desta série > 27 de Abril de 2007 > Guiné 63/74 - P1704: Operação Macaréu à Vista (Beja Santos) (43): Em louvor de Bambadinca, a nossa tabanca grande
(2) Vd. post de 30 de Março de 2007 > Guiné 63/74 - P1637: Operação Macaréu à Vista (Beja Santos) (40): Cartas de além-mar em África para aquém-mar em Portugal (2)
(...) "Avelino Teixeira da Mota (1920-1982): Vd. o excelente artigo de Carlos Manuel Valentim, S/Tenente (Comissão Cultural da Marinha) , publicado na Revista da Armada, nº 352, Abril de 2002: Avelino Teixeira da Mota, uma vida dividida entre a África e o Mar" (...)
(3) Vd. post de 23 de Março de 2007 > Guiné 63/74 - P1623: Operação Macaréu à Vista (Beja Santos) (39): Cartas de além-mar em África para aquém-mar em Portugal (1)
Foto: © Luís Graça (2007). Direitos reservados.
44ª Parte da série Operação Macaréu à Vista, da autoria de Beja Santos (ex-alf mil, comandante do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70) (1). Texto enviado a 13 de Abril de 2007. Subtítulos do editor do blogue.
Meu caro Luís, ainda bem que descansaste na Páscoa. Comigo aconteceu o mesmo, não me recordo de uma semana em Inglaterra com 18 ou 19 graus, sem uma pinga de chuva. Reenvio-te o texto, pois faltavam os elementos referentes às leituras. Se tudo correr bem, esta tarde seguirá mais outro texto. Por favor, dá esta versão como a definitiva (...) . Mário.
A operação Bucol
por Beja Santos
Em meados de Maio, vale a pena percorrer em Missirá os caminhos que levam a 15 cubatas reconstruídas e três abrigos resistentes. Não há praticamente sinais do desastre de Março, luta-se contra o tempo e as chuvas fustigantes que acabam de chegar.
Há 45 dias, ou mesmo mais, que o centro da nossa existência está marcado pelos seguintes eixos: pelas idas permanentes a Mato de Cão, emboscadas nocturnas, as pequenas surtidas no Geba por causa de Mero ou de proteger as viagens do Sintex mas sobretudo a reconstrução de Missirá, que neste momento é visível, é a nossa grande alegria. É nesse preciso instante que me meto numa aventura, para a qual vou arrastar meia Missirá, em que quebrei as regras elementares da prudência, invadindo território alheio sem ponderar as consequências.
Um pedido do Comandante Teixeira da Mota
Um dia, recebo um aerograma do Comandante Teixeira da Mota, chegado em data recente a Bissau, colocado no Comando Naval (2). Depois da troca de cumprimentos, o ilustre historiador avança subtil e gentilmente um pedido:
"Acabei há dias de escrever um longo artigo contendo as aventuras de um príncipe fula, que vencido em guerra civil, aí por volta de 1600, foi parar a Mazagão e daí a Lisboa e Madrid a pedir auxílio militar, acabando por se baptizar. Juntei elementos que me permitirão reconstituir a sequência e duração de reinados dos imperadores fulas do Futa-Toro desde o lendário conquistador Tenguela e seu filho Coli (ambos continuam nas bocas dos fulas de hoje) desde 1465 e 1591. Vou ver se publico este estudo em Dakar. A propósito, para completar uma nota desse artigo, pedia-lhe para averiguar junto da gente de Missirá o que sabem acerca de uma tabanca aí perto, além Gambiel, no Joladu, chamada Bucol.
"O que eu pretendia saber é se a tabanca é antiga ou moderna, qual o grupo étnico de quem a fundou e lhe deu o nome e se este é de língua fula, mandinga ou beafada. A tabanca em si nada tem com o meu artigo, mas num documento antigo diz-se que os fulas invasores destas bandas partiram de uma cidade chamada Bucol, no Sudão, e interessava-me averiguar se o nome é fula ou não, pois não encontro esse nome nos clássicos da história sudanesa".
Ao fim dessa tarde, pedi para me reunir com Quebá Soncó e o chefe da tabanca Mussá Mané. Havia tais e tantos pormenores a esclarecer que decidi pedir ajuda de interpretação ao Cabo Domingos Silva, papel de Bissau que falava perfeitamente português, crioulo, mandinga e beafada . Quebá começou por me dizer que o príncipe Coli fazia parte das histórias da Guiné, tinha sido um grande guerreiro e um grande muçulmano. Quanto a Bucol, sabia que era tabanca beafada, fora lá várias vezes antes da guerra, o nome era antigo , muito antes dos mandingas serem os senhores do Cuor. Muito provavelmente, sugeriu, Bucol era nome fula.
O chefe de tabanca recordava uma grande construção, uma parede imensa do que lhe parecia ter sido uma muralha, quando visitara Bucol na sua infância. Tinha sido uma tabanca rica, terra de agricultura fértil, talvez a mais rica do Gambiel. Nada sabia sobre a origem da palavra Bucol , mas com os mandingas tinham chegado depois dos fulas, muito provavelmente tinha sido fundada por fulas mas confirmava que se falava beafada em Bucol.
Ouvi-os e perguntei repentinamente a Quebá:
-Oiça, não parece muito difícil irmos com o Sintex até junto da Aldeia do Cuor, acima do rio Gambiel e atravessarmos a bolanha do lado de Joladu e subirmos talvez duas horas a pé. Concorda?.
Quebá vacilou, lançando contra-argumentos de peso:
-Alfero, o inimigo é muito poderoso na zona de Sinchã Jobel. Lembre-se do que foi a nossa ida ao rio Gambiel, em Janeiro. A bolanha do lado da Aldeia do Cuor é grande, seremos facilmente avistados pelos sentinelas... Eu, se fosse a si, não ia . - Não tomei ali nenhuma decisão, adiei a resposta ao Comandante Naval em Bissau.
Aproveitando um boleia de DO para um RVIS entre Madina/Belel até ao Rio Gambiel
Como a vida se faz de muitas peripécias e também de felizes encontros, conhecer Bucol pelo ar foi uma imprevista coincidência, três dias depois. Regressado de Mato de Cão ao amanhecer, apresentei-me o Major Pires da Silva para lhe dar conta de um episódio preocupante: a gente de Madina/Belel tentara dinamitar um pontão na estrada de Gambaná, mesmo em frente ao grande palmeiral de Chicri. Mas fora uma operação mal sucedida, o pilar fora sacudido pela carga mas aguentara firme. Tínhamos assim provas de que o inimigo tentava eliminar qualquer hipótese da circulação rodoviária e dificultar-nos os patrulhamentos diários a Mato de Cão.
Mas mal entrei no gabinete quando ele me disse eufórico:
- Ora ainda bem que veio. Está a chegar uma DO e vamos fazer um RVIS entre Madina até ao Gambiel. Não desisto de percorrermos o Cuor e desalojarmos definitivamente o inimigo.
E de facto, meia hora depois a DO levantou voo acima dos Nhabjões, atravessou o Geba, vi Mato de Cão, depois Sinchã Corubal, os trilhos bem sulcados à saída de Cabuca, Madina cada vez mais activa, verdadeiras autoestradas passando por Quebá Jilã e inflitrando-se no Oio a partir de Barnir até Sinchã Boébé, já muito perto de Sarauol.
Em escassos meses, era notório a crescente presença de pontos de passagem, de campos lavrados, ocupação do território. Sem revelar a razão de fundo do meu interesse, pedi ao piloto para sobrevoarmos os rios Passa e Gambiel. No termo do rio Gambiel, pedi-lhe para sobrevoar a estrada que, antes da guerra, chegava a Geba. E pude confirmar que a região de Bucol não tinha sinais de presença humana, se bem que à volta do rio Gambiel fossem nítidos os campos lavrados entre Mansomine e Joladu.
No regresso a Missirá, pedi para conversar com Cibo Indjai, bravo soldado e um dos nossos mais valorosos caçadores. Como se estivesse a procurar informações sobre a presença do inimigo junto do rio Gambiel, questionei Cibo sobre campos cultivados na região de Bucol e Ponta, no fundo terra firme na vastíssima bolanha em frente à Aldeia do Cuor, do lado de lá do rio Gambiel.
- Ali não há nada, meu alfero, há bolanha e floresta cheia de capim. É bom para apanhar gazela. Bucol deve ter sido uma grande tabanca, há restos de construção, devia ser gente rica. Ali só há inimigo de passagem. Para cima é que é território deles.
Uma patrulha de reconhecimento a Bucol, clandestina e temerária
Com a maior das naturalidades, perguntei a Cibo se ele encontrava perigos numa patrulha de reconhecimento a Bucol. Caçador experimentado e dominando a palmo os diferentes recantos do Gambiel, respondeu com igual espontaneidade:
- Não vejo dificuldade nenhuma. Podiámos levar o Sintex em cima do Unimog grande, patrulhávamos a picada acima de Aldeia do Cuor, atravessamos o rio no Sintex ao princípio da manhã, caminhamos pela bolanha, percorremos Ponta e seguimos até Bucol. Depois de Aldeia do Cuor são três horas de viagem. Bem, talvez 5, para ver com cuidado se há gente de Sinchã Jobel ali perto.
E dois dias depois anunciei ao anoitecer que sairíamos de manhã num patrulhamento um pouco excêntrico, com Unimog, Sintex, salva vidas, dois morteiros, 40 homens, iríamos atravessar o Gambiel, 15 homens ficariam a tomar conta da viatura, os outros 25 iriam reconhecer a região. Em particular, Quebá Soncó suplicou-me:
- Eu vou, mas por favor prometa que é ir só a Bucol e voltar. Ir mais acima só com três companhias, ali há muito mais gente que em Madina, há muitos obstáculos, irá morrer muita gente.
Descansei Quebá, pedindo-lhe que guardasse completo sigilo. Saímos pelas três da manhã, vimos nascer o sol quando o Sintex, mesmo em frente à Aldeia do Cuor, começou a passar a tropa no longo trilho que avança numa bolanha de 4 quilómetros até ao mato circundante do que foi a tabanca de Ponta. Cibo, Sambu, Mamadu Camará e Quebá Soncó seguiam na dianteira. A viagem foi muito fatigante devido ao acidentado do terreno e confirmou-se a falta de presença humana. Ponta deve ter sido enorme e Queta mais tarde assegurou-me:
- Sim, Ponta era rica, tinha muita gente fula, oincas, beafadas, gente que atravessava Mansomine até Oio, para fazer negócios. Ponta foi abandonada em 63, logo no início da guerra, muita gente fugiu para Geba e Bafatá, outros foram para Sinchã Jobel. Naquela patrulha confirmamos que o território estava abandonado.
Dentro da mata e usando a maior prudência chegámos praticamente ao fim da manhã a Bucol. Lembrava um pouco a Aldeia do Cuor e o tal pano de muralha que falara Mussa Mané era empedrado e alto. Não consegui nenhuma explicação da sua utilidade, houve quem referisse tratar-se de um vestígio de uma refinaria. Com os binóculos, procurei sinais de presença humana e nada encontrámos. O regresso foi calmo e eram 4 da tarde quando entrámos em Missirá onde o Teixeira das transmissões anunciava a passagem de um comboio de navios pela noite escura em Mato de Cão.
Os dados obtidos seguiram no dia seguinte em aerograma para Bissau:
(i) ninguém associava o príncipe Coli a Bucol;
(ii) a povoação teria sido fundada por fulas e falava-se até antes da guerra predominantemente beafada;
(iii) ninguém sabe a antiguidade da tabanca, mas havia ali riqueza e certamente construções apoiadas por colonos cabo-verdianos.
O que não lhe disse é que tinha sido um acto estupidamente destemido, não teria qualquer explicação plausível caso me encontrasse com tropas de Geba ou tivesse havido um reencontro com uma patrulha de Sinchã Jobel [, regulado de Mansomine]. Não sei de facto o que se passou na minha cabeça para cometer tal atrevimento. Eu sei que dentro de meses voltarei ao Enxalé onde irei almoçar com o Alferes Taveira. Mas o Enxalé tinha a lógica que é quadrícula militar actual não contemplada: o nosso inimigo era comum, fora e continuaria a ser comum. O nosso inimigo não estava no Xime, nem em Mansambo, nem mesmo nas margens do rio Gambiel, estava em Madina, era entre S. Belchior e Enxalé que se fazia o transbordo de armamento pesado em canoas para a região de Aldeia Formosa. Só que a quadrícula é cega e não se podia interferir em sector alheio.
Omiti a ida a Bucol em Bambadinca e no correio para Lisboa. Penso mesmo que em Sinchã Jobel não se soube desta intrusão. Rendi-me ao imaginário do mundo de aventuras, sabe-se lá se não esperava encontrar em Bucol uma outra Tombuctu, uma esquecida cidade de ouro que pudesse mudar o rumo àquela guerra desventurada.
Capa do romance de Albert Camus, L' étranger [O Estrangeiro], referido na crónica anterior (1). Paris: Librairie Générale Française (LGF). 1959. (Colecção "Livre de Poche", 406). Capa atribuído ao pintor Lucien Fontanarosa. La Peste (1955) e L'étranger (1959) são os únicos livros publicados, em vida do autor, que apareceram numa colecção popular como o Livre de Poche (Livro de Bolso). Este livro foi oferecido ao Beja Santos pelo seu amigo Carlos Sampaio (3), que irá morrer em combate em Moçambique (LG).
O meu antigo aluno, Jorge Martins, escreveu-me e mandou-me uma prenda. Já me tinha oferecido um livro do Mário Cesariny, Intervenção Surrealista, depois de ter feito exame de História. Agora manda-me um livro chamado Pena Capital também do Cesariny, e é com imenso prazer que o leio nos meus serões, assenhoreando-me do seu poder alquímico, em que palavras banais se tornam foguetões líricos. Por exemplo:
Sou um homem
Um poeta
uma máquina de passar livro colorido
um copo uma pedra
uma pedra configurada
um avião que sobe levando-te nos seus braços
que atravessam agora o último glaciar da terra.
Mas também aquele belo poema:
Em todas as ruas te encontro
em todas as ruas te perco
conheç tão bem o teu corpo
sonhei tanto a tua figura
que é de olhos fechados que eu ando
a limitar a tua altura
e bebo a água e sorvo o ar
que te atravessou a cintura
tanto tão perto tão real
que o meu corpo se transfigura
e toca o seu próprio elemento
num corpo que já não é seu
num rio que desapareceu
onde um braço meu te procura
Ainda não sei que estou ler um dos poetas essenciais do século XX, um deslumbramento onde confluem a poesia medieval, a instantaneidade surrealista, Cesário Verde, Mário Sá Carneiro. Cesariny trouxe uma grande companhia e na volta do correio agradeci ao meu antigo aluno, disponibilizando para receber mais.
Capa do romance de Jorge Amado, Terras do Sem Fim. Lisboa: Livros do Brasil. (Colecção "Livros do Basil", 8).
Com o renascimento de Missirá, e por pura coincidência, retomo leituras de primeira água. Aí pelos 17 anos, comprei Terras do Sem Fim, de Jorge Amado. É uma saga à volta de S. Jorge dos Ilhéus, com o derrube das matas transformadas em cacaueiros. É um mundo de exploradores escravos, caciques tenebrosos, jagunços, aldrabões, prostitutas de todos os níveis, emboscadas, riquezas súbitas e a transformação de Sequeiro Grande em terra de cacau depois de muito sangue derramado. Não é possível esquecer Juca Badaró, o Dr Jessé, os amores de Ester e do Dr Virgílio, entre uma vastíssima galeria de figuras que circulam entre Baía, Ilhéus, Tabocas e Itabuna. Consegui este Jorge Amado em Bafatá, leio e releio e começo a aprender que não há livros bons definitivamente lidos para sempre.
As obras estão praticamente concluídas, para a semana iremos ameaçar nas redondezas de Madina. Já a seguir vou receber a visita de um Coronel que vem dos serviços jurídicos de Bissau ouvir-me por causa do recurso que interpus da minha punição. E lá para o fim do mês, estou a sair do banho vindo de uma emboscada nocturna quando vejo em cima de um abrigo um fogo capitoso, demolidor, arrasador, e escorriam-me as lágrimas convencido que estava que era gente de Madina a desfazer Finete. Não, era o primeiro grande ataque a Bambadinca, provando que a Operação Lança Afiada não desmotivara o Buruntoni nem o Fiofioli. Nós ainda não sabíamos mas o curso da guerra tinha irremediavelmente mudado.
___________
Notas de L.G.:
(1) Vd. último post desta série > 27 de Abril de 2007 > Guiné 63/74 - P1704: Operação Macaréu à Vista (Beja Santos) (43): Em louvor de Bambadinca, a nossa tabanca grande
(2) Vd. post de 30 de Março de 2007 > Guiné 63/74 - P1637: Operação Macaréu à Vista (Beja Santos) (40): Cartas de além-mar em África para aquém-mar em Portugal (2)
(...) "Avelino Teixeira da Mota (1920-1982): Vd. o excelente artigo de Carlos Manuel Valentim, S/Tenente (Comissão Cultural da Marinha) , publicado na Revista da Armada, nº 352, Abril de 2002: Avelino Teixeira da Mota, uma vida dividida entre a África e o Mar" (...)
(3) Vd. post de 23 de Março de 2007 > Guiné 63/74 - P1623: Operação Macaréu à Vista (Beja Santos) (39): Cartas de além-mar em África para aquém-mar em Portugal (1)
quinta-feira, 3 de maio de 2007
Guiné 63/74 - P1729: Ainda a reportagem da TVI em Guidaje (Victor Tavares)
1. Mensagem do Victor Tavares:
Caro amigo Luís.
Depois de transmitida a reportagem Última Missão: Guidaje, na TVI, recebi muitas mensagens de apoio e felicitação tanto através do blogue que tu tão bem diriges, como telefonicamente e pessoalmente.
Agradeço a todos, por teu intermédio, esse gesto de simpatia, não mereço tanta atenção. Porque ao fazê-lo foi com a convicção de que representaria a vontade da grande maioria dos ex-combatentes e tertulianos, para estes vai um sincero abraço fraterno.
Se esta missão der frutos, como penso e espero, estes serão de todos nós; se os resultados que pretendemos não forem os que aspiramos, assumirei por inteiro essa responsabilidade, mas estou confiante porque ainda há pouco tempo recebi notícias de alguém que anonimamente está muito empenhado no resgate dos restos mortais dos nossos camaradas, não só os paraquedistas mas também os do exército que se encontram em Guidaje.
Para aqueles que de alguma forma não concordam com a posição que tomei, respeitarei a sua opinião.
Ao fazê-lo [, ao ir a Guidaje, a convite da TVI], não foi para criar protagunismo ou para me expôr publicamente. Quem me conhece sabe o tipo de pessoa que sou, não alinho nessas coisas. É verdade, agarrei esta oportunidade, porque entendi ser a altura certa para despertar consciências.
Fui companhado por dois profissionais de enorme categoria e de grandes qualidades humanas e de honestidade, e que ficaram bem patente na qualidade e objectividade e no tratamento da reportagem.O Jorge Araújo e o Ricardo Ferreira são na realidade dois jornalistas de corpo inteiro. Para eles vai tambem um abraço.
Despeço-me com um abraço para todos os tertulianos.
Victor Tavares
__________
Nota de L.G.:
(1) Vd. post de 22 de Março de 2007 > Guiné 63/74 - P1622: A Última Missão do paraquedista Victor Tavares (Luís Graça / Torcato Mendonça / J. Casimiro Carvalho)
Caro amigo Luís.
Depois de transmitida a reportagem Última Missão: Guidaje, na TVI, recebi muitas mensagens de apoio e felicitação tanto através do blogue que tu tão bem diriges, como telefonicamente e pessoalmente.
Agradeço a todos, por teu intermédio, esse gesto de simpatia, não mereço tanta atenção. Porque ao fazê-lo foi com a convicção de que representaria a vontade da grande maioria dos ex-combatentes e tertulianos, para estes vai um sincero abraço fraterno.
Se esta missão der frutos, como penso e espero, estes serão de todos nós; se os resultados que pretendemos não forem os que aspiramos, assumirei por inteiro essa responsabilidade, mas estou confiante porque ainda há pouco tempo recebi notícias de alguém que anonimamente está muito empenhado no resgate dos restos mortais dos nossos camaradas, não só os paraquedistas mas também os do exército que se encontram em Guidaje.
Para aqueles que de alguma forma não concordam com a posição que tomei, respeitarei a sua opinião.
Ao fazê-lo [, ao ir a Guidaje, a convite da TVI], não foi para criar protagunismo ou para me expôr publicamente. Quem me conhece sabe o tipo de pessoa que sou, não alinho nessas coisas. É verdade, agarrei esta oportunidade, porque entendi ser a altura certa para despertar consciências.
Fui companhado por dois profissionais de enorme categoria e de grandes qualidades humanas e de honestidade, e que ficaram bem patente na qualidade e objectividade e no tratamento da reportagem.O Jorge Araújo e o Ricardo Ferreira são na realidade dois jornalistas de corpo inteiro. Para eles vai tambem um abraço.
Despeço-me com um abraço para todos os tertulianos.
Victor Tavares
__________
Nota de L.G.:
(1) Vd. post de 22 de Março de 2007 > Guiné 63/74 - P1622: A Última Missão do paraquedista Victor Tavares (Luís Graça / Torcato Mendonça / J. Casimiro Carvalho)
Guine 63/74 - P1728: II Encontro em Pombal (11): A parábola do porco e da tesoura de barbeiro (David Guimarães / Vitor Junqueira)
28 de Abril de 2007 > 2º encontro da tertúlia Luís Graça & Camaradas da Guiné > Restaurante O Manjar do Marquês > Uma grande parte do grupo (faltam sempre alguns/algumas), fotografado depois do almoço.
Pombal > 28 de Abril de 2007 > 2º encontro da tertúlia Luís Graça & Camaradas da Guiné > Restaurante O Manjar do Marquês. Antes do almoço, o Vitor Junqueiro, na sua qualidade de nosso anfitrião e organizador do encontro, fez o discurso de boas vindas.
Num gesto de grande simbolismo e beleza, que nos tocou a todos, fez-se rodear e acompanhar pela sua família: três lindas filhas, duas encantadoras netas, um genro e o namorado de uma das filhas, qualquer deles simpatiquíssimos e amáveis...
Verdadeira caixinha de surpresas (2), o Vitor fez questão de ser condecorado por dois dos seus camaradas de Guiné: o A. Marques Lopes, o mais graduado de todos nós, coronel DFA na reforma, e que foi gravemente ferido em combate na Guiné; e o Luís Graça, na qualidade de editor do blogue...
A condecoração, sobre a qual ele foi lacónica, tem a ver com a sua brilhante folha de serviços como militar. Foi-lhe atribuído, segundo o que retive, pelo Chefe do Estado Maior do Exército e era para lhe ser entregue no dez de Junho de 1974... A cerimónia acabou por ser adiada trinta e três anos... Simbolicamente, a medalha por bons serviços foi-lhe entregue no dia 28 de Abril de 2007, por dois camaradas seus, na sua terra, na terra que ele muito ama... Um gesto carregado de grande significado e de alguma emoção.
Fotos: © David Guimarães (2007). Direitos reservados.
1. Mensagem do nosso tertuliano nº 3, David Guimarães:
Caros Luís, Vítor Junqueira e ex-camaradas.
É evidente que o dia de Sábado [ 28 de Abril de 2007,] foi diferente, bastante diferente de outros e ficamos sempre com vontade de outro Sábado melhor... Melhor, digo eu, em quantidade de pessoas, que quanto à qualidade chega (somos amigos, mais uma vez isso ficou comprovado)....
O resto que eu poderia dizer por aqui, seria jogo de palavras mais ou menos finas que eu aprendi na vida civil e começaria a dizer mais isto e mais aquilo até que chegaria à conclusão que... no Sábado tínhamos conquistado Pombal... Mas isso é outra coisa...
A Nossa História verdadeira foi o encontro que valeu a pena ... Um bem haja ao Vítor que tudo programou (e bem) no que respeita ao encontro . Pena foi o dia não ter mais horitas e ele acabava por me convencer o que eu não supunha... que Pombal era a melhor terra de Portugal.... Neste dia foi para nós e ainda bem... Ele soube muito bem comandar a operação, sem algum reparo e sem nenhum ferido...
Um bem haja novamente ao Luís que fez com o blogue esta maravilha de encontro... E a todos os ex-camaradas, obrigado, e que amanhã mais outros venham... Tenho a sensação que temos que alugar um quartel qualquer para uma próxima confraternização, mas se for preciso que assim seja, pois que eles sirvam para isso agora... Pelo menos teremos bons espaços... E pronto...
Na minha máquina saíram essas fotografias, que junto... Bom, estamos parecidos com o que somos, disso não me vou queixar a quem me vendeu a máquina... Estamos aí...Um grande abraço a todos com amizade,
David Guimarães
2. A pretexo, o Vitor não só comentou como acrescentou um conto, como só ele sabe contar. Neste caso, uma estória... com mu(o)ral ao fundo...
David,
No rescaldo do nosso Encontro, recebi vários e-mail com apreciacões sobre o Convívio, a maioria delas bastante positivas.
Há certas coisas que eu sei fazer. E acho que as faço bem. Porém, em matéria de organização de eventos, esta foi a minha primeira vez! Senti-me tão periquito como num certo episódio em que me ofereci para abater um leitão, que já não me lembro, nem isso é importante, se me foi oferecido ou à messe. Ninguém tinha ideia nenhuma de como é que se matava o bicho, a não ser a tiro. O que não convinha, pois a carne ficaria muito escura por o animal não ser devidamente sangrado. Eu já tinha visto fazer o seviço. Mandei chamar o fígaro da companhia e, quando chegou à minha presença, ordenei-lhe que fosse buscar a tesoura de cortar cabelo e a desinfectasse muito bem.
Num instante, eu tinha na mão a arma letal. Sem a menor hesitação, cravei um dos seus ramos na barbela do javardito, até aos copos. Não houve sequer um estremecimento, o animal caíu para o lado e assim se quedou, morto, como se tivesse sido fulminado. Saboreei a admiração que li nos olhos da minha pequena assistência, meia dúzia de praças que assitiam ao acto, para além do Russo, cozinheiro, e do básico seu ajudante.
Era a glória na arena, num fim de tarde perfeito. Impante de orgulho, qual matador de touros após lide afortunada, virei as costas à cena nem me dando ao trabalho de retirar o instrumento corto perfurante do pequeno cadáver que jazia a meus pés. Peito inchado, queixo erguido, porte marcial, encaminhei-me para a messe antecipando um jantar majestoso a interromper uma sequência interminável de ranchos à base de batata cozida com cavala de conserva, ou dobrada liofilizada com arroz. Iria derramar a minha incontestada superioridade sobre as cabeças baixas em sinal de respeito e admiração dos camaradas que comigo compartilhavam a mesa. Iria fazê-los sentir que naquela noite, se lhes era permitido deleitarem-se com a pele estaladiça e saborosa de um belo leitão à bairrada, a mim o deviam. Seria uma espécie de promoção honoris causa!
Não tinha avançado mais do que um dezena de passos quando ouço à minha rectaguarda um escarcéu do camano. Eu já tinha reparado que o filho da puta do porco jazente parecia observar-me com um olho aberto e outro fechado. O que eu não podia imaginar é que o cabrão estava a fazer-se de morto! Assim que achou que a distância entre nós era segura para lhe permitir a fuga, pôs-se de pé e aí vai ele direito à orla da mata.
Pimentel, o barbeiro, vendo a sua única tesoura encaminhar-se a tal velocidade para a floresta, entrou em pânico e desatou a correr atrás do bichinho. Mas este, com a ligeireza e manha próprias da espécie, não tardou a esfumar-se completamente no meio do mato. A vergonha era tanta que, se o chão pudesse oferecer-me um buraco para eu me esconder, eu ter-me-ia enfiado lá dentro.
Mas para grandes males, o remédio possível. O que não era adimissível era passarmos a andar todos guedelhudos por falta de tesoura. Mandei equipar uma secção e lá fui em busca do jantar andante. Fez-se noite, a hora do tacho já lá ia e do fugitivo nem rasto. O pessoal resmungava, com razão, e o mal-estar palpva-se. Mandei retirar. De volta e já perto do arame farpado, o fugaz reflexo de um raio de luar despertou a atenção de um dos homens. Baixou-se por uns instantes e, ao erguer-se, levantou o braço ostentando como se fosse um troféu, um dos mais belos que já vi, a nossa bendita tesoura!
Aliviado, fui em busca da janta que o Manuel dos Santos, corneteiro e barman, me tinha resguardado com todo o desvelo. Levantei a tampa da marmita e ... és capaz de adivinhar o que era o menu?
Pois meu querido amigo David Guimarães, eu acho que no passado sábado voltei a tentar matar o porco com a tesoura!
Obrigado pelas palavras de ânimo e pelas fotografias.
Até ao próximo (encontro), se não for antes. Um abraço do,
Vitor Junqueira
____________
Notas de L.G.:
(1) Vd. último post desta série > 3 de Maio de 2007 > Guiné 63/74 - P1725: Tertúlia: Encontro em Pombal (10): O nosso bom gigante J. Mexia Alves (Vitor Junqueira)
(2) (...) "Do meu curriculum consta que fui trabalhador rural, vendedor ambulante, empregado de balcão, operário da construção civil, contrabandista, marinheiro e médico. Mas nunca fui Bufo, nem agente infiltrado ou pide à paisana. Considero-me um homem de palavra, a quem a Pátria sempre tratou como filho e nunca como enteado. Deu-me mais do que eu merecia.Quanto aos dois anos que passei na Guiné, foram de facto os melhores da minha vida só comparáveis àqueles em que andei lá por fora" (...).
Vd. post de 27 de Outubro de 2006 > Guiné 63/74: P1215: Vitor Junqueira: Irmãos de sangue, suor e lágrimas (Vitor Junqueira)
Vd. também post de 31 de Outubro de 2006 > Guiné 63/74 - P1224: Blogue: não ao politicamente correcto (Vitor Junqueira)
Guiné 63/74 - P1727: Guileje, SPM 2728: Cartas do corredor da morte (J. Casimiro Carvalho) (2): Abril de 1973: Sinais de isolamento
Guiné > Região de Tombali > Guileje > CCAV 8350 (1972/73) > O espaldão do morteiro à guarda do Fur Mil Op Esp José Casimiro Carvalho.
Guiné > Região de Tombali > Guileje > CCAV 8350 (1972/73) > O Furriel Mil Op Esp J. Casimiro Carvalho, posando para a fotografia com uma das mais temíveis armas do PAIGC: um RPG, lança-granadas-foguete.
Guiné > Região de Tombali > Guileje > CCAV 8350 (1972/73) > 1973 > O heliporto... Após a queda das primeiras aeronaves, abtidas pelos Strella, de finais de Março a meados de Junho de 1973 deixa de ser possível, à FAP;: dar apoio aéreo ou voar no sul da Guiné. O correio e os víveres chegam com dificuldade, em colunas que vêm de Gadamael, sendo esta por sua vez abastecida de barco a partir de Cacine.
Guiné > Região de Tombali > Guileje > CCAV 8350 (1972/73) > 1973 > Março/abril de 1973 > Um dos passatempos favoritos do Casimiro Carvalho era a caça... aos pardais.
Guiné > Região de Tombali > Guileje > CCAV 8350 (1972/73) > O José Casimiro Carvalho, armado até aos dentes, numa saída para o mato, empunhando a um dos nossos lança-granadas-foguete, de calibre 3,7.
Guiné > Região de Tombali > Guileje > CCAV 8350 (1972/73) > Março de 1973 > A inauguração do bar!... O acontecimento do mês, depois do ataque ao aquartelamento e à queda do primeiro Fiat G.91 em 25 de Março... Escreveu o nosso camarada a uma bajuda [creio que irmã ou cunhada], em carta de 21/3/73: "Mando-te mais uma foto da inauguração do nosso bar. O careca é o major, o furriel que está à minha direita é o enfermeiro, e vai aí a casa, este mês, recebam-no bem".
Fotos: © José Casimiro Carvalho (2007). Direitos reservados.
Não há correio nem evacuações no sul da Guiné, o que começa a afectar profundamente o moral das NT, acontonadas no perímetro dos aquartelamentos. J. Casimiro Carvalho - nas poucas cartas que escreve, no mês de Abril de 1973, ao pai, à mãe, ao irmão - começa a dar sinais do isolamento e do stresse em que se vive, em Guileje... É incapaz, no entanto, de prever a tragédia que se avizinha, a batalha de Guileje (17 a 22 de Maio de 1973) e que levará à decisão de abandonar, em 22 de Maio de 1973, o aquartelamento e a tabanca de Guileje.
Nessa altura, o Casimiro estava em Cacine e irá escrever aos seus pais a carta que começa assim (e que reproduziremos na íntregra em próximo post): "Cacine, 22/5/73. Queridos pais: Vou contar-lhes uma coisa difícil de acreditar, como vão ter oportunidade de ler: Guileje foi abandonada" (...).
A selecção, a revisão e a fixação do texto são da responsabilidade do editor do blogue (LG) .
Guileje, SPM 2728: Cartas do corredor da morte (J. Casimiro Carvalho) (2): Abril de 1973: Sinais de isolamento
Guileje, 6/4/73
(…) Nos últimos dias o meu grupo tem saído quase interruptamente para a mata e, quando devia descansar, está de serviço. Andamios extenuados. Chiça!
Guileje, 12/74/73
(…) A vontade de escrever não é muita, mas sinto necessidade disso. Hoje, ou melhor, ontem o meu grupo foi dar fogo de treino e ouviu-se dois rebentamentos. Pensou-se logo: rebentaram armadilhas (das muitas que rodeiam o quartel).
Hoje saiu a milícia nver o que tinha sido e estva lá um turra com o pé cortado pela armadilha. Tinha uma arma mauser semi-automática. Outro dia, não sei se disse, apresentou-se aqui um outro turra, com a pila cortada e um testículo… Foi para Bissau.
Como os aviões e avionetas andam a cair devido a uma arma nova, um míssil terra-ar, desconhecido para nós, quase não há transportes para o mato, e portanto o correio atrasa muito (…).
Guileje, 17/4/73
(…) Devem estar admirados com a falta de correio mas a culpa não é minha mas sim é devida à falta de transporte aéreo para as zonas perigosas. Tal é o nosso caso. Os turras têm uma arma que deita a aviação abaixo e agora não há correio, só há em caso de evacuções ou colunas. Portanto, não se admirem.
Houve aqui batuque, é emocionante.
Matei uma espécie de onça, a pele é maravilhosa. Hoje matei uma águia a 350 metros.
Estou óptimo, mas fartíssimo de estar aqui isolado do resto do mundo sem ver coisas novas (…).
Guileje, 22/4/73
(…) Hoje foi um dia de fartura cá em Guileje, recebi nada mais do que 10 cartas. (…) Recebi as cacholas, até dá para gozar. Recebi o salpicão, estava uma delícia (….).
Desde o princípio do mês que não recebia notícias vossas. Não há aviões, nem para feridos que haja. Não há, portanto, evacuações para estas zonas. Isto está mau. Mas não se preocupe (…)..
Guileje, 27/4/73
(…) No último dia 25, quando fizemos 6 meses de Guiné, e um mês que fomos atacados, voltámos a ser flagelados com canhões sem recuo, mas sem consequências, é claro. As granadas caem à volta do quartel, eles não acertam, e foi de noite (…).
Aqui tudo decorre normalmente, com alguns problemas de isolamento e é só.
Guileje, 30/4/73
(…) Esta é mais uma das cartas que eu escrevi e que vai ficar junto com as outras, que vão seguir em coluna auto até Gadamael, donde seguem de batelão até Bissau. Todas juntas, claro. Não se admire, pois a culpa é de não haver aviação.
Estamos num total isolamento, mas vai-se aguentando, e saímos muito pouco do quartel, pois não havendo evacuações não pode haver feridos.
Hoje choveu em abundância (o pessoal saiu cá fora), pela primeira vez, no Guileje. Foi uma festa, mas é só uma pequena amostra do que há-de chover. Junto envio algumas fotos para o paizinho. A da bajuda com o jubi às costas é para si, OK?
Amanhã vou finalmente ter notícias da Metrópole, pois haverá uma coluna (…).
__________
Nota de L.G.:
(1) Vd. post de 25 de Abril de 2007
Guiné 63/74 - P1699: Guileje, SPM 2728: Cartas do corredor da morte (J. Casimiro Carvalho) (1): Abatido o primeiro Fiat G 91
Guiné > Região de Tombali > Guileje > CCAV 8350 (1972/73) > O Furriel Mil Op Esp J. Casimiro Carvalho, posando para a fotografia com uma das mais temíveis armas do PAIGC: um RPG, lança-granadas-foguete.
Guiné > Região de Tombali > Guileje > CCAV 8350 (1972/73) > 1973 > O heliporto... Após a queda das primeiras aeronaves, abtidas pelos Strella, de finais de Março a meados de Junho de 1973 deixa de ser possível, à FAP;: dar apoio aéreo ou voar no sul da Guiné. O correio e os víveres chegam com dificuldade, em colunas que vêm de Gadamael, sendo esta por sua vez abastecida de barco a partir de Cacine.
Guiné > Região de Tombali > Guileje > CCAV 8350 (1972/73) > 1973 > Março/abril de 1973 > Um dos passatempos favoritos do Casimiro Carvalho era a caça... aos pardais.
Guiné > Região de Tombali > Guileje > CCAV 8350 (1972/73) > O José Casimiro Carvalho, armado até aos dentes, numa saída para o mato, empunhando a um dos nossos lança-granadas-foguete, de calibre 3,7.
Guiné > Região de Tombali > Guileje > CCAV 8350 (1972/73) > Março de 1973 > A inauguração do bar!... O acontecimento do mês, depois do ataque ao aquartelamento e à queda do primeiro Fiat G.91 em 25 de Março... Escreveu o nosso camarada a uma bajuda [creio que irmã ou cunhada], em carta de 21/3/73: "Mando-te mais uma foto da inauguração do nosso bar. O careca é o major, o furriel que está à minha direita é o enfermeiro, e vai aí a casa, este mês, recebam-no bem".
Fotos: © José Casimiro Carvalho (2007). Direitos reservados.
Não há correio nem evacuações no sul da Guiné, o que começa a afectar profundamente o moral das NT, acontonadas no perímetro dos aquartelamentos. J. Casimiro Carvalho - nas poucas cartas que escreve, no mês de Abril de 1973, ao pai, à mãe, ao irmão - começa a dar sinais do isolamento e do stresse em que se vive, em Guileje... É incapaz, no entanto, de prever a tragédia que se avizinha, a batalha de Guileje (17 a 22 de Maio de 1973) e que levará à decisão de abandonar, em 22 de Maio de 1973, o aquartelamento e a tabanca de Guileje.
Nessa altura, o Casimiro estava em Cacine e irá escrever aos seus pais a carta que começa assim (e que reproduziremos na íntregra em próximo post): "Cacine, 22/5/73. Queridos pais: Vou contar-lhes uma coisa difícil de acreditar, como vão ter oportunidade de ler: Guileje foi abandonada" (...).
A selecção, a revisão e a fixação do texto são da responsabilidade do editor do blogue (LG) .
Guileje, SPM 2728: Cartas do corredor da morte (J. Casimiro Carvalho) (2): Abril de 1973: Sinais de isolamento
Guileje, 6/4/73
(…) Nos últimos dias o meu grupo tem saído quase interruptamente para a mata e, quando devia descansar, está de serviço. Andamios extenuados. Chiça!
Guileje, 12/74/73
(…) A vontade de escrever não é muita, mas sinto necessidade disso. Hoje, ou melhor, ontem o meu grupo foi dar fogo de treino e ouviu-se dois rebentamentos. Pensou-se logo: rebentaram armadilhas (das muitas que rodeiam o quartel).
Hoje saiu a milícia nver o que tinha sido e estva lá um turra com o pé cortado pela armadilha. Tinha uma arma mauser semi-automática. Outro dia, não sei se disse, apresentou-se aqui um outro turra, com a pila cortada e um testículo… Foi para Bissau.
Como os aviões e avionetas andam a cair devido a uma arma nova, um míssil terra-ar, desconhecido para nós, quase não há transportes para o mato, e portanto o correio atrasa muito (…).
Guileje, 17/4/73
(…) Devem estar admirados com a falta de correio mas a culpa não é minha mas sim é devida à falta de transporte aéreo para as zonas perigosas. Tal é o nosso caso. Os turras têm uma arma que deita a aviação abaixo e agora não há correio, só há em caso de evacuções ou colunas. Portanto, não se admirem.
Houve aqui batuque, é emocionante.
Matei uma espécie de onça, a pele é maravilhosa. Hoje matei uma águia a 350 metros.
Estou óptimo, mas fartíssimo de estar aqui isolado do resto do mundo sem ver coisas novas (…).
Guileje, 22/4/73
(…) Hoje foi um dia de fartura cá em Guileje, recebi nada mais do que 10 cartas. (…) Recebi as cacholas, até dá para gozar. Recebi o salpicão, estava uma delícia (….).
Desde o princípio do mês que não recebia notícias vossas. Não há aviões, nem para feridos que haja. Não há, portanto, evacuações para estas zonas. Isto está mau. Mas não se preocupe (…)..
Guileje, 27/4/73
(…) No último dia 25, quando fizemos 6 meses de Guiné, e um mês que fomos atacados, voltámos a ser flagelados com canhões sem recuo, mas sem consequências, é claro. As granadas caem à volta do quartel, eles não acertam, e foi de noite (…).
Aqui tudo decorre normalmente, com alguns problemas de isolamento e é só.
Guileje, 30/4/73
(…) Esta é mais uma das cartas que eu escrevi e que vai ficar junto com as outras, que vão seguir em coluna auto até Gadamael, donde seguem de batelão até Bissau. Todas juntas, claro. Não se admire, pois a culpa é de não haver aviação.
Estamos num total isolamento, mas vai-se aguentando, e saímos muito pouco do quartel, pois não havendo evacuações não pode haver feridos.
Hoje choveu em abundância (o pessoal saiu cá fora), pela primeira vez, no Guileje. Foi uma festa, mas é só uma pequena amostra do que há-de chover. Junto envio algumas fotos para o paizinho. A da bajuda com o jubi às costas é para si, OK?
Amanhã vou finalmente ter notícias da Metrópole, pois haverá uma coluna (…).
__________
Nota de L.G.:
(1) Vd. post de 25 de Abril de 2007
Guiné 63/74 - P1699: Guileje, SPM 2728: Cartas do corredor da morte (J. Casimiro Carvalho) (1): Abatido o primeiro Fiat G 91
Guiné 63/74 - P1726: Álbum das Glórias (12): Bissau: Clube Militar, mais conhecido por Biafra (Mário Bravo)
Guiné > Bissau > 1971 > "É uma imagem do Clube Militar, o local onde nos eram servidas as refeições. Alguns de nós estarão recordados. E será que ainda existe algo de ruínas (?!), deste complexo ?"
Guiné > Bissau > 1971 > "Isto é a imagem das traseiras do complexo habitacional (?), onde nos alojavam quando de passagem pela capital – Bissau. Que ronco de quartos, sem qualquer tipo de conforto, mas que era o que existia".
Fotos e legendas: © Mário Bravo (2007). Direitos reservados
1. Mensagem do Mário Bravo (Ex-Alf Mil Médico, CCAÇ 6, Bedanda, 1971/72, actualmente a viver e a trabalhar no Porto onde é ortopedista) (1):
Meu Caro Luís Graça:
Não consegui organizar a minha vida para estar presente em Pombal, o que lamento e peço desculpa.
Tenho estado um pouco afastado do teu tão estimado blogue, mas prometo retomar em força. Hoje à noite estava a ver umas fotos da Guiné e encontrei esta que se refere ao chamado Clube Militar. Quando cheguei a Bissau, em Novembro de 1971, fiquei instalado neste complexo militar. Junto desta messe havia um espaço onde dormiam os oficiais, em passagem por Bissau. Quem é que não se lembro do famoso Biafra ?
Para o devido reconhecimento, como se dizia em gíria militar (ainda me lembro), envio duas fotos referentes à situação descrita.
Cumprimenta
Mário Bravo
2. Comentário de L.G.:
Mário: Ainda não foi desta que a gente se passou a conhecer pessoalmente, ao vivo. Há dias estive no Porto, com o Amaral Bernardo que me disse que tu tinhas aparecido por lá, pelo serviço dele, no Hospital de Santo António. Há 30 anos que não se viam, foi o nosso blogue que vos juntou, a vocês dois que são médicos e vivem na mesma cidade... Sei que estás no Hospital da Lapa. Um belo dia destes faço-te uma surpresa.
Agradeço-te as fotos do Biafra. Vão enriquecer o nosso Álbum das Glórias (2).
O António Graça de Abreu, que tu conheceste em Teixeira Pinto (3), almoçou connosco no Pombal, conversámos um bocadinho, mas ele seguiu depois para o Porto. Ofereceu e vendeu exemplares do seu último livro, Diário da Guiné. Perdeste também a oportunidade de conhecer o teu colega Vitor Junqueira, que foi o nosso caloroso e bom anfitrião. Vive em Pombal, tendo já trabalhado no Hospital de Leiria.
Mantenhas. Luís
___________
Notas de L.G.
(1) Vd. post de 23 de Janeiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1457: Tertúlia: Apresenta-se o Alf Mil Médico Mário Bravo, CCAÇ 6, Bedanda (1971/72)
(2) Vd. último post desta série > 27 de Abril de 2007 > Guiné 63/74 - P1703: Álbum das Glórias (11): O autocarro da carreira Bissau/Bissalanca (Victor Barata)
1. Mensagem do Mário Bravo (Ex-Alf Mil Médico, CCAÇ 6, Bedanda, 1971/72, actualmente a viver e a trabalhar no Porto onde é ortopedista) (1):
Meu Caro Luís Graça:
Não consegui organizar a minha vida para estar presente em Pombal, o que lamento e peço desculpa.
Tenho estado um pouco afastado do teu tão estimado blogue, mas prometo retomar em força. Hoje à noite estava a ver umas fotos da Guiné e encontrei esta que se refere ao chamado Clube Militar. Quando cheguei a Bissau, em Novembro de 1971, fiquei instalado neste complexo militar. Junto desta messe havia um espaço onde dormiam os oficiais, em passagem por Bissau. Quem é que não se lembro do famoso Biafra ?
Para o devido reconhecimento, como se dizia em gíria militar (ainda me lembro), envio duas fotos referentes à situação descrita.
Cumprimenta
Mário Bravo
2. Comentário de L.G.:
Mário: Ainda não foi desta que a gente se passou a conhecer pessoalmente, ao vivo. Há dias estive no Porto, com o Amaral Bernardo que me disse que tu tinhas aparecido por lá, pelo serviço dele, no Hospital de Santo António. Há 30 anos que não se viam, foi o nosso blogue que vos juntou, a vocês dois que são médicos e vivem na mesma cidade... Sei que estás no Hospital da Lapa. Um belo dia destes faço-te uma surpresa.
Agradeço-te as fotos do Biafra. Vão enriquecer o nosso Álbum das Glórias (2).
O António Graça de Abreu, que tu conheceste em Teixeira Pinto (3), almoçou connosco no Pombal, conversámos um bocadinho, mas ele seguiu depois para o Porto. Ofereceu e vendeu exemplares do seu último livro, Diário da Guiné. Perdeste também a oportunidade de conhecer o teu colega Vitor Junqueira, que foi o nosso caloroso e bom anfitrião. Vive em Pombal, tendo já trabalhado no Hospital de Leiria.
Mantenhas. Luís
___________
Notas de L.G.
(1) Vd. post de 23 de Janeiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1457: Tertúlia: Apresenta-se o Alf Mil Médico Mário Bravo, CCAÇ 6, Bedanda (1971/72)
(2) Vd. último post desta série > 27 de Abril de 2007 > Guiné 63/74 - P1703: Álbum das Glórias (11): O autocarro da carreira Bissau/Bissalanca (Victor Barata)
(3) Vds. posts de:
27 de Fevereiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1552: Lançamento do livro 'Diário da Guiné, sangue, lama e água pura' (António Graça de Abreu)
12 de Fevereiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1517: Tertúlia: Com o António Graça de Abreu em Teixeira Pinto (Mário Bravo)
Guiné 63/74 - P1725: II Encontro em Pombal (10): O nosso bom gigante J. Mexia Alves (Vitor Junqueira)
Pombal > 28 de Abril de 2007 > 2º encontro da nossa tertúlia > O Joaquim Mexia Alves que, além de ter um metro e noventa e tal, tem uma belíssima voz para o fado (1) e é um grande camaradão. Já se ofereceu para organizar o próximo encontro da nossa tertúlia, que - segundo a sua sugestão - poderia voltar a realizar-se na região centro (Ortigosa / Monte Real, concelho de Leiria).
1. Resposta do Vitor Junqueira ao mail do Joaquim Mexia Alves (2):
Joaquim Mexia Alves,
Posso tratar-te apenas por Joaquim ou Quim?
As tuas palavras e simpatia fazem-me bem ao ego. Fico-te grato e com o pesado sentimento de que se calhar não sou merecedor. Pois, meu querido amigo e vizinho, entre as coisas mais gratas que me aconteceram neste encontro, registo a oportunidade que tive de te conhecer pessoalmente.
Através dos teus escritos eu pude construir uma certa imagem da tua pessoa, inteiramente corroborada pela curta troca de impressões que ocorreu entre nós em final de jornada: Um homem de ferro com coração de passarinho. Talvez te pareça excessivamente familiar e, se assim for, aqui vai o meu antecipado pedido de desculpas. Mas sabes, não é qualquer um que se pode vangloriar de ter por amigo o Bom Gigante de Monte Real!
Um dia destes, vamos encontrar-nos para tomar um cafezito e, se houver vagar, daremos também um pouco à língua, que esse é um privilégio exclusivista que eu recuso às mulheres.
Um abraço do,
Vitor Junqueira
____________
Nota de L.G.:
(1) Vd. posts de:
1 de Maio de 2007 > Guiné 63/74 - P1720: Tertúlia: Encontro em Pombal (9): (Não) me tirem daqui (Sousa de Castro / Vacas de Carvalho / Mexia Alves)
1 de Maio de 2007 > Guiné 63/74 - P1717: Tertúlia: Encontro em Pombal (8): Ah, tigres! Ou uma dupla de fadistas (J.L. Vacas de Carvalho / J. Mexia Alves)
(2) Vd. post de 30 de Abril de 2007 > Guiné 63/74 - P1712: Tertúlia: Encontro em Pombal (3): Obrigado e até ao próximo, em Monte Real (Joaquim Mexia Alves)
(...) Caros Luís Graça, Vítor Junqueira e Camaradas da Guiné: Ainda a refazer-me das emoções de Sábado, venho agradecer - quer queiram, quer não queiram: (i) ao Luís Graça, pela ideia do blogue, pelo trabalho que nele tem e também porque por causa disso nos proporciona momentos como os de Sábado; (ii) Ao Vítor Junqueira e a quem o ajudou a organização e tudo o que naquele dia nos quis dar, sobretudo a intimidade que nos deu de si próprio ao colocar a sua família como nossa anfitriã, mais o belíssimo gesto da condecoração; (iii) A todos os camaradas, pelo amizade, o acolhimento, a alegria, a franqueza do abraço" (...).
1. Resposta do Vitor Junqueira ao mail do Joaquim Mexia Alves (2):
Joaquim Mexia Alves,
Posso tratar-te apenas por Joaquim ou Quim?
As tuas palavras e simpatia fazem-me bem ao ego. Fico-te grato e com o pesado sentimento de que se calhar não sou merecedor. Pois, meu querido amigo e vizinho, entre as coisas mais gratas que me aconteceram neste encontro, registo a oportunidade que tive de te conhecer pessoalmente.
Através dos teus escritos eu pude construir uma certa imagem da tua pessoa, inteiramente corroborada pela curta troca de impressões que ocorreu entre nós em final de jornada: Um homem de ferro com coração de passarinho. Talvez te pareça excessivamente familiar e, se assim for, aqui vai o meu antecipado pedido de desculpas. Mas sabes, não é qualquer um que se pode vangloriar de ter por amigo o Bom Gigante de Monte Real!
Um dia destes, vamos encontrar-nos para tomar um cafezito e, se houver vagar, daremos também um pouco à língua, que esse é um privilégio exclusivista que eu recuso às mulheres.
Um abraço do,
Vitor Junqueira
____________
Nota de L.G.:
(1) Vd. posts de:
1 de Maio de 2007 > Guiné 63/74 - P1720: Tertúlia: Encontro em Pombal (9): (Não) me tirem daqui (Sousa de Castro / Vacas de Carvalho / Mexia Alves)
1 de Maio de 2007 > Guiné 63/74 - P1717: Tertúlia: Encontro em Pombal (8): Ah, tigres! Ou uma dupla de fadistas (J.L. Vacas de Carvalho / J. Mexia Alves)
(2) Vd. post de 30 de Abril de 2007 > Guiné 63/74 - P1712: Tertúlia: Encontro em Pombal (3): Obrigado e até ao próximo, em Monte Real (Joaquim Mexia Alves)
(...) Caros Luís Graça, Vítor Junqueira e Camaradas da Guiné: Ainda a refazer-me das emoções de Sábado, venho agradecer - quer queiram, quer não queiram: (i) ao Luís Graça, pela ideia do blogue, pelo trabalho que nele tem e também porque por causa disso nos proporciona momentos como os de Sábado; (ii) Ao Vítor Junqueira e a quem o ajudou a organização e tudo o que naquele dia nos quis dar, sobretudo a intimidade que nos deu de si próprio ao colocar a sua família como nossa anfitriã, mais o belíssimo gesto da condecoração; (iii) A todos os camaradas, pelo amizade, o acolhimento, a alegria, a franqueza do abraço" (...).
Guiné 63/74 - P1724: Em 1968 eu vi ser abatido um Fiat G.91 sob os céus de Gandembel (Zé Teixeira)
Sintra > Granja do Marquês > Base Aérea nº 1 > Academia da Força Aérea Portuguesa > Fiat G-91, em exposição.
O Fiat G.91 era um avião monomotor de reacção, subsónico, de asa baixa e trem retrácill. Projectado como caça táctico padrão para a NATO, teve seu baptismo de voo em 1956.
Por divergências políticas entre os membros da NATO, nomeadamente com a França, acabou por ser adoptado apenas pelos países do consórcio construtor (Itália e Alemanha). No total, foram construídos menos de 700 unidades.
Em Portugal, esta aeronave chegou em 1966, tendo sido abatida ao serviço em 1993. A Força Aérea Portuguesa chegou a possuir 74 aviões, nas versões R/3 e R/4. Portugal foi, de resto, o único país da NATO a utilizar o G.91 em situações reais de combate, durante a guerra colonial. O G.91 serviu em 2 esquadras de ataque baseadas em Moçambique e numa esquadra baseada na Guiné (a famosa Esquadra 121 - Os Tigres).
Na guerra colonial, o G.91 foi utilizado como avião de ataque ao solo e de reconhecimento. Para reconhecimento fotográfico o avião estava equipado com câmaras fotográficas no nariz. O efeito psicológico provocado pelo troar do reactor era mais eficaz que propriamente o seu poder de fogo e o seu curto alcance limitava operacionalmente a sua acção. Armamento: Estava equipado com 2 canhões DEFA 30 mm ou 4 metralhadoras Colt-Browning de 12,7 mm.
Segundo outras fontes consultadas, teriam sido abatidos cinco Fiat G.91, da Esquadra 121, na Guiné, a partir de 1973, na sequência da introdução dos mísseis terra-ar Strella , de origem soviética. Não encontrei até hoje qualquer referência à aeronave abatida em 1968, conforme testemunho do nosso camarada Idálio Reis, agora corroborado pelo Zé Teixeira. (LG).
Foto e texto (adaptado) > Fonte: Wikipedia (com a devida vénia..)
O Fiat G.91 era um avião monomotor de reacção, subsónico, de asa baixa e trem retrácill. Projectado como caça táctico padrão para a NATO, teve seu baptismo de voo em 1956.
Por divergências políticas entre os membros da NATO, nomeadamente com a França, acabou por ser adoptado apenas pelos países do consórcio construtor (Itália e Alemanha). No total, foram construídos menos de 700 unidades.
Em Portugal, esta aeronave chegou em 1966, tendo sido abatida ao serviço em 1993. A Força Aérea Portuguesa chegou a possuir 74 aviões, nas versões R/3 e R/4. Portugal foi, de resto, o único país da NATO a utilizar o G.91 em situações reais de combate, durante a guerra colonial. O G.91 serviu em 2 esquadras de ataque baseadas em Moçambique e numa esquadra baseada na Guiné (a famosa Esquadra 121 - Os Tigres).
Na guerra colonial, o G.91 foi utilizado como avião de ataque ao solo e de reconhecimento. Para reconhecimento fotográfico o avião estava equipado com câmaras fotográficas no nariz. O efeito psicológico provocado pelo troar do reactor era mais eficaz que propriamente o seu poder de fogo e o seu curto alcance limitava operacionalmente a sua acção. Armamento: Estava equipado com 2 canhões DEFA 30 mm ou 4 metralhadoras Colt-Browning de 12,7 mm.
Segundo outras fontes consultadas, teriam sido abatidos cinco Fiat G.91, da Esquadra 121, na Guiné, a partir de 1973, na sequência da introdução dos mísseis terra-ar Strella , de origem soviética. Não encontrei até hoje qualquer referência à aeronave abatida em 1968, conforme testemunho do nosso camarada Idálio Reis, agora corroborado pelo Zé Teixeira. (LG).
Foto e texto (adaptado) > Fonte: Wikipedia (com a devida vénia..)
1. Mensagem do Zé Teixeira, autor de um notável documento humano, já aqui publicado > O Meu Diário... O José Teixeira foi 1º cabo enfermeiro, na CCAÇ 2381 (Buba, Quebo, Mampatá, Empada, 1968/70).
Caríssimos Idálio e Luís:
Quando eu nos encontros com antigos combatentes ouvia dizer que o primeiro Fiat abatido foi em Fevereiro/Março de 1973, eu reagia afirmando que não era verdade, pois em 28 de Julho de 1968 eu tinha visto um Fiat que estava a acompanhar uma coluna de mantimentos para Gandembel, cuja segurança estava a ser efectuada pela minha companhia. Coluna que felizmente não teve incidentes, durante o percurso, talvez a única.
Mas ao chegarmos a Gandembel, levámos uma carga de lenha em pleno dia. Valeu-nos a experiência dos camaradas do Idálio, [a CCaç 2317,] que tiveram o cuidado de nos fazer recolher de imediato para as suas casernas.
Estranhamente toda a gente reagia com incredualidade à minha informação que tinha visto um Fiat cair em 1968 e rejeitavam-na categoricamente. Afirmavam a pés juntos que era falso. Seria que eu depois de regressar imaginava coisas ?
No meu Diário escrevi:
Aldeia Formosa, 28 de Julho de 1968
Ontem Aldeia Formosa voltou a ser atacada. Três vezes numa semana é muito.
Hoje fui fazer uma coluna a Gandembel. Tudo correu bem. O IN não atacou nem colocou minas na picada. Só tivemos uma tempestade de chuva. Começámos por ouvir um ruído assustador que se aproximava de nós. De repente surge uma forte ventania que nos arrastava, seguida de uma tromba de água que transformou a picada num rio. Um quarto de hora depois tudo desapareceu e voltou o sol quente que rapidamente nos secou.
Pouco antes de chegar a Gandembel vimos o IN atacar um Fiat das FAP que se incendiou, tendo o piloto saltado de paraquedas.
Passei no sítio onde há pouco tempo se deu uma terrível emboscada que roubou seis vidas. Quinze fornilhos colocados em série num local onde a tropa ao sentir as primeiras balas da emboscada se esconde. Doze rebentaram no momento em que se iniciou a emboscada e ceifaram seis vidas. Foi uma sorte não ter lá ficado toda a Companhia.
Quando chegámos a Gandembel, fomos saudados pelo IN com um pequeno ataque ao aquartelamento, sem consequências. Os Camaradas que estão aqui estacionados dizem que comem disto todos os dias e mais que uma vez.
Como é terrível...
Encontrei em Gandembel o Mário Pinto, meu colega de escola, contou-me coisas terríveis que se têm passado neste aquartelamento fortificado, junto à Fronteira com a Guiné-Conacri que tem como objectivo cortar os carreiros de ligação à estrada da morte impedindo o IN de fazer os abastecimentos.
-Será verdade que vamos ficar nesta zona por muito tempo ?
Odeio... Odeio os homens que se guerreiam e matam. No entanto eu também sou um deles...
O Inimigo também tem namorada, mulher, filhos... também se agarra aos seus santos protectores...
Pergunto-me se, quantas vezes ao sair para o mato as portas das Tabancas se abrem e surgem caras, um sorriso, um braço no ar ... um desejo de 'bom biaje', se não serão essas mesmas caras com o ódio estampado que nos esperam no meio da bolanha, prontas a matar quem não quer fazer guerra, mas foi obrigado pelo sentido de Pátria em que foi educado ?
Toda a cara preta me parece um IN. Odeio o IN, porque é traiçoeiro, porque mata . . .
Efectivamente, ouvi fogo no meio da mata cerrada, suficientemente longe de nós e vi um dos Fiat deixar um rastro de fumo negro, começar a perder altura e afocinhar lá longe. Entre os meus colegas, houve quem afirmasse que viram o piloto saltar de paraquedas.
No dia seguinte, apareceram os Páras para bater a zona e recolher o Piloto. Ficaram por Aldeia Formosa uma temporada.
A coluna anterior tinha deixado as marcas bem visíveis nos fornilhos que rebentaram, e nas quais cabia uma GMC.
A coluna seguinte foi terrível. A cerca de um Km, à nossa frente, abre-se um enorme e violento fogachal, que nos levou a parar e aguardar, pois prevíamos que o Grupo de Comb da Companhia do Idálio que corajosamente vinha ao nosso encontro, estava em apuros. Efectivamente, algum tempo depois recebemos uma mensagem a pedir-nos para regressarmos para trás, porquanto, tinham sido violentamente atacados, tinham caído num campo de minas e iam recuar com feridos, mortos e um desaparecido.
Demos meia volta e voltamos para trás, sem incidentes. O IN tinha gasto as energias com os camaradas de Gandembel, mas se estes não tivessem o cuidado de nos avisar, seria terrível, pois passados 15 dias e já com a limpeza da mata feita pelos páras que levantaram n minas e armadilhas, detectámos 57 minas conforme escrevi no meu Diário embora eu tivesse ficado a salvo no Destacamento de Mampatá Forreá, onde fora colocado temporariamente.
Mampatá, 23 de Agosto de 1968
Mais uma etapa díficil para a Companhia 2381. Quem diria que, após uma coluna a Gandembel na qual se levantaram 57 minas A/P e quatro fornilhos, depois da passagem por Xamarra e sem ninguém contar surge a terrível emboscada que provoca cinco feridos.
É sempre assim, onde menos se conta, quando a calma e a confiança voltam ao espírito, quando se julga que o perigo já passou, surge de entre o arvoredo, traiçoeiramente, o inimigo.
Um viver constante em estado de guerra arrasa o espírito. A parte física ressente-se, as conversas entre camaradas tornam-se por tudo ou nada exaltadas, pequenos quezílias tornam-se problemas.
O homem é fruto do ambiente em que vive. Se o ambiente é de paz, sente-se a vida nos corações, a calma e a confiança no outro, vive-se a paz. Quando o troar dos canhões se ouve longe ou perto, quando existe guerra entre os homens, existe guerra no seu espírito. O espírito torna-se selvagem. Trava-se uma luta entre o antigo e o novo, entre o amor e o sangue. Um jovem que ainda ontem só pensava em amar, hoje não vacila em disparar sobre um inimigo, mesmo ferido inofensivo, inutilizado, a precisar de uma mão salvadora....
Antes de ontem e ontem, Buba foi atacada. Os Páras têm tido um trabalho intenso. Hoje bateram a zona de onde costumam atacar Aldeia Formosa. Há alguns dias que patrulham a zona envolvente de Gandembel e com bons resultados. vários mortos, manga de feridos e material apreendido.
Hoje escrevi para a Metrópole. As minhas últimas cartas não me agradam . Será que o meu amor está a diminuir ?... ou a ânsia de amar mais, me faz julgar que não consigo dar a entender quanto amo.
Registe-se que, nesta coluna, um dos grupos de combate da minha companhia que fazia a protecção do flanco, encontrou os restos mortais de um camarada do Idálio Reis que tinha sido dado como desaparecido. Estavam no meio da mata, entrançados entre duas árvores. A carne tinha sido sugada pelas formigas. Havia indícios de que esteve consciente e fez tentativas de sair da posição em que se encontrava, pela terra mexida junto aos seus pés. Não vi nem vivi esta cena, mas esta imagem persegue-me ainda hoje.
Obrigado Idálio por me ajudares a repôr a verdade (2). Um fraternal abraço muito especial para ti, irmão.
J.Teixeira
Esquilo Sorridente
_________
Nota de L.G.
(1) Vd. post de 14 Março de 2006 > Guiné 63/74 - DCXXVI: O meu diário (Zé Teixeira) (fim): Confesso que vi e vivi.
Vd posts os 18 posts anteriores:
1 de Janeiro de 2006 > Guiné 63/74 - CDX: O meu diário (José Teixeira, CCAÇ 2381) (1): Buba, Julho de 1968
(...) Buba, 21 de Julho de 1968: Agora me lembro, hoje é Domingo... Saí às cinco da manhã em patrulha de reconhecimento à estrada de Aldeia Formosa. Voltei a Buba onde assento desde ontem pelas treze e trinta, depois de uma marcha de cerca de vinte quilómetros debaixo de sol abrasador. O resto da tarde foi para dormir, estava completamente esgotado (...).
2 de Janeiro de 2006 > Guiné 63/74 - CDXI: O meu diário (José Teixeira, CCAÇ 2381) (2): Buba/Aldeia Formosa, Julho de 1968
(...) Buba/Aldeia Formosa, 24-26 de Julho de 1968: (...) A noite começou mais cedo neste negro dia de vinte e quatro de Julho! Esta vida salvava-se, mas um mal nunca vem só. A viatura atingida era o carro do rádio e consequentemente desde aquela hora (16 h) ficamos completamente isolados do resto do mundo. O ferido mais grave e que veio a falecer era o radiotelegrafista. Isto é guerra...Quando nos dispúnhamos a montar acampamento o radiotelegrafista morreu. Com o impacte do rebentamento tinha ido ao ar e caíu de peito, rebentando por dentro. Eu e o Catarino nada pudemos fazer (...).
2 de Janeiro de 2006 > Guiné 63/74 - CDXIII: O meu diário (José Teixeira, CCAÇ 2381) (3): Aldeia Formosa, Julho de 1968
Aldeia Formosa, 9 de Agosto de 1968: (...) Um pelotão de milícia de Aldeia Formosa foi bater a zona de Mampatá, para confundir o IN e sofreu dois mortos e três feridos. Trouxe orelhas de vários IN, mortos durante o combate. É horrível, Senhor... dois mortos e três feridos e... orelhas de vários IN mortos. Alguns, foi a sangue frio, segundo dizem, depois de serem descobertos com ferimentos que os impediam de fugir. Tudo isto é guerra, enquanto uns estavam na rectaguarda feridos, outros, autênticas feras, procuravam IN, irmãos de raça, para os assassinarem (...).
2 de Janeiro de 2006 > Guiné 63/74 - CDXIV: O meu diário (José Teixeira, CCAÇ 2381) (4): Aldeia Formosa, Agosto de 1968
(...) Aldeia Formosa, 28d e Julho de 1968: (...) Encontrei em Gandembel o Mário Pinto, meu colega de escola, contou-me coisas terríveis que se têm passado neste aquartelamento fortificado, junto à fronteira com a Guiné-Conacri que tem como objectivo cortar os carreiros de ligação à estrada da morte, impedindo o IN de fazer os abastecimentos (...).
6 de Janeiro de 2006 > Guiné 63/74 - CDXXVII: O meu diário (José Teixeira, CCAÇ 2381) (5): Mampatá, Agosto-Setembro de 1968
(...) Mampatá, 7 de Setembro de 1968: Tenho que reagir. Estou-me portando pior que os outros. Onde está a minha força de vontade de viver segundo o meu projecto de vida ? Sinto-me só... recomeço a luta tanta vez... como fugir ?...Eu não quero matar. Eu não quero morrer. Quero viver, mas esta vida, não (...).
11 de Janeiro de 2006 > Guiné 63/74 - CDXL: O meu diário (José Teixeira, CCAÇ 2381) (6): Mampatá, Setembro-Outubro de 1968
(...) Mampatá, 17 de Setembro de 1968: Dia de correio. Ainda cedo sentiu-se a avioneta de Sector em direcção a Aldeia Formosa. Aguardamos com ansiedade a viatura que partiu para lá....O Vitor escreveu-me. Por Bissorã nem tudo corre bem. Segundo ele, num pequeno incidente ficaram dois soldados inutilizados para toda a vida, ambos com uma perna amputada e um outro com a cara cheia de estilhaços. Além destes, uma nativa morta e outra sem uma perna. Tudo por rebentamento de minas A/P, montadas pelo IN.Numa saída em patrulha a malta vingou-se fazendo sete mortos e dois prisioneiros. O último a morrer foi o tipo que montou as minas e, pelo que ele conta, teve morte honrosa. Todos os africanos verificaram a eficiência das suas facas no seu corpo (...)
(...) Mampatá, 25 de Setembro de 1968: Como é belo sentir nas próprias mãos o pulsar de um coração novo que acaba de vir ao mundo. Um corpo pequenino, branco como a neve, puro como os anjos e no entanto, este corpo vai crescer, a pouco e pouco a natureza encarregar-se-á de o tornar negro como os seus progenitores, negro como os seus irmãos que hoje não cabiam em si de contentes. É puro como os anjos, a sua alma está imaculada, mas virá o tempo em que conhecerá o pecado, terá de escolher entre o bem e o mal (...).
Guiné 63/74 - CDLIV: O meu diário (José Teixeira, enfermeiro, CCAÇ 2381) (7): Mampatá, Outubro-Dezembro de 1968
(...) Mampatá, 29 de Outubro de 1968: (...) A família do sargenti di milícia Hamadu (1) estava toda reunida. No meio, um alguidar cheio de vianda (arroz) com um pequeno bocado frango frito:- Teixeira Fermero, vem na cume (Enfermeiro Teixeira vem comer). - Sentei-me meti a mão no alguidar, fiz uma bola com arroz bem temperado com óleo de palma e meti à boca (Em Roma sê romano). Estava apetitoso e eu estava cheio de comer massa com chispe que o cozinheiro confeccionava na cozinha improvisada ao ar livre, porque não havia mais nada. Estamos no tempo das chuvas, a Bolanha dos Passarinhos está intransponível pelo que não há colunas a Buba para trazer mantimentos (...).
19 de Janeiro de 2006 > Guiné 63/74 - CDLXI: O meu diário (José Teixeira, enfermeiro, CCAÇ 2381) (8):
Chamarra, Janeiro de 1969(...) Mampatá, 5 de Janeiro de 1969: (...) Admiro esta população de Mampatá. Quando souberam que eu ia de serviço na coluna em substituição do Lemos vieram despedir-se de mim. Fui abraçado, as bajudas beijavam-me e cantavam uma melodia triste. Até dá gosto viver com esta gente.A mãe da Binta veio trazer-ma para lhe dar um beijinho e fazer um festinha como era meu hábito (Pegava nela e atirava-a ao ar dando a miúda e a mãe uma gargalhada).A Maimuna tinha oito luas quando cheguei a Mampatá (...).(...) Chamarra,
23 de Janeiro de 1969: (...) Ontem ao anoitecer, em Aldeia Formosa, alguém, lançou uma granada de mão para a Messe dos sargentos. Não se sabe quem foi. Branco ou negro. Por vingança, por descuido. Os resultados foram tremendos. Dois soldados, meus camaradas, tiveram morte imediata e houve ainda dez Furriéis feridos, alguns com gravidade. As medidas tomadas pelo Comandante para descobrir o assassino ainda não resultaram.Aqueles dois colegas que casualmente se encontravam à porta encontraram a morte, pela mão de um companheiro cego pela loucura ou pelo ódio, tudo leva a crer (...).
24 de Janeiro de 2006 > Guiné 63/74 - CDLXXIV: O meu diário (José Teixeira, enfermeiro, CCAÇ 2381) (9): Buba, Fevereiro/Março de 1969, 'manga de chocolate'
Buba, 20 de Fevereiro de 1968: Estou em Buba desde 7 de Fevereiro e as perspectivas não são muito boas. Gandembel foi abandonada e o IN entretinha-se por lá. Agora, talvez porque se está a construir uma estrada nova para ligar Buba a Aldeia Formosa, esta linda terra está a ser a preferida pelo IN para as suas brincadeiras.A estrada nova já causou um morto, o primeiro da minha Companhia quando eu ainda estava em Chamarra. O IN estava emboscado com dois fornilhos montados e, ao fazer rebentar a emboscada, provocou a explosão das armadilhas e um homem, o velho, foi pelos ares. Mais uma vida roubada (...).
30 de Janeiro de 2006 > Guiné 63/74 - CDLXXXVI: O meu diário (José Teixeira, enfermeiro, CCAÇ 2381) (10): Abril/Maio de 1969, 'Senhora, nem Tu me salvaste!" (...)
Buba, 19d e Abril de 1969: (...) Um pequeno incidente de palavras entre um soldado da minha Companhia [CC 2381] e um Comando Africano, quando tomavam banho, originou uma luta entre Fuzileiros e Comandos com consequências graves. Parece estar tudo louco (...).
6 de Fevereio de 2006 > Guiné 63/74 - DII: O meu diário (José Teixeira, enfermeiro, CCAÇ 2381) (11): Desenfiado, em férias na Metrópole (Maio/Junho de 1969)
(...) Bissau, 19 de Junho de 1969: Regressei a Bissau depois de um mês de férias na Metrópole onde pude participar no casamento do meu irmão Joaquim.A minha [licença] de férias foi cheia de aventura. O Comandante não assinou o Passaporte, pelo que não podia ir, apesar de ter a viagem comprada. Mandei um rádio para Bissau a anular a viagem e entretanto o Comandante foi para uma Operação.(...) Entretanto aparecem dois bombardeiros no ar e o lugar do atirador vago. Ao pressentir que iam aterrar, fardei-me, peguei na mala e dirigi-me à pista com intenções de pedir ao Comandante da Esquadrilha para me levar, só que vejo sair do outro Bombardeiro nada menos que o meu Comandante que regressava da Operação (...).
8 de Fevereiro de 2006 >A Guiné 63/74 - DV: O meu diário (José Teixeira, enfermeiro, CCAÇ 2381) (12): A morte do Cantiflas (Julho de 1969)
(...) Buba, 18 de Julho de 1969: (...) Para morrer basta estar vivo, não interessa o local ou meio. De paz ou de guerra. A morte aparece em qualquer sítio e a qualquer hora. O Cantinflas estava na guerra.. Caíu debaixo de fogo várias vezes, sofreu os efeitos de uma guerra traiçoeira, sem o mais pequeno ferimento, mas a morte espreitava-o impiedosamente e há dias, através de um choque eléctrico, veio ter com ele (...).
9 de Fevereirod e 2006 > Guiné 63/74 - DVIII: O meu diário (José Teixeira, enfermeiro, CCAÇ 2381) (13): Vi a morte à minha frente (31 de Julho de 1969)
Buba, 31 de Julho de 1969: Vi a morte à minha frente. Saí de manhã até à Bolanha de Beafada, a montar segurança à coluna que ia para Aldeia Formosa. Tinha como missão assistir os Picadores que iam à frente a tentar detectar as possíveis minas que o IN costuma colocar. Coloquei a bolsa na 1ª viatura e segui à frente da mesma.Como havia muitas poças de água, instalei-me ao lado do condutor. Em determinado momento tive um pressentimento e saltei da viatura seguindo à sua frente. Não andei 50 metros e senti um rebentamento, fui projectado pela deslocação do ar e senti algo a cair em cima de mim, deduzindo que eram estilhaços. Pensei:- Desta não escapo (...).
11 de Fevereiro de 2006 > Guiné 63/74 - DXX: O meu diário (José Teixeira, enfermeiro, CCAÇ 2381) (14): De que lado estaria Deus ? (Agosto de 1969)
(...) Buba, 7 de Agosto de 1969: As colunas de abastecimento a Aldeia Formosa e povoações limítrofes continuam a dar que falar. Ontem, seguiu mais uma e, ao chegar ao Pontão de Uane, uma mina anticarro rebentou debaixo da 14ª viatura, projectando os seus ocupantes a grande altura, pois a viatura seguia sem carga. Três mortes instantâneas, todas de africanos e nove feridos graves, entre os quais dois colegas meus. Foi este o resultado (...).
20 de Fevereiro de 2006 > Guiné 63/74 - DLXVII: O meu diário (José Teixeira, enfermeiro, CCAÇ 2381) (15): um dia negro para a 15ª Companhia de Comandos (Setembro de 1969)
(...) Empada, 9 de Setembro de 1969: Na estrada de Fulacunda, mais 8 Comandos e 3 soldados ficaram sem vida. Houve ainda sete feridos graves, entre os quais o meu amigo Zé João, enfermeiro comando. Uma mina anti-carro de grande potência atirou com a viatura cheia de militares, que estiveram comigo em Buba (15ª Companhia de Comandos) contra um tronco de árvore que se debruçava sobre a estrada, matando uma série deles instantaneamente. No buraco feito pela bomba pode-se esconder uma viatura, tal era a sua potência... (...)
8 de Março de 2006 > Guiné 63/74 - DCXVII: Dia Internacional da Mulher (5): 'Fermero, ká na tem patacão pra paga, fica ku minha mudjer' (Zé Teixeira) .XVI Parte de O Meu diário (José Teixeira, enfermeiro, CCAÇ 2381) (16)
9 de Março de 2006 > Guiné 63/74 - DCXX: O meu diário (José Teixeira, enfermeiro, CCAÇ 2381) (17): Este gajo estava mesmo apanhado
(...) Empada, 16 de Outubro de 1969: Do pelotão que está em Buba chegam novidades. Há dias houve por lá um terrível ataque com tentativa de assalto. Atacaram do sítio habitual do lado do rio com 10 Canhões s/r (...)Segundo dizem os meus colegas eram mais de duzentos, a avançarem em arco para que se as nossas forças saíssem a envolverem. Felizmente estava emboscado um Pelotão que os detectou. Parece que foi um tremendo fogachal, enquanto os Fuzas perseguiam os que atacaram do lado do rio que pretendiam reforçar as forças de assalto (...).
12 de Março de 2006 > Guiné 63/74 - DCXXII: O meu diário (José Teixeira, enfermeiro, CCAÇ 2381) (18): Empada, Novembro/Dezembro de 1969
Empada, 20 de Novembro de 1969: O Kebá aparecia todos os dias na Enfermaria. É o nosso ajudante no tratamentos da população. Trata as pequenas feridas. Elas já sabem:- Kebá põe mercuro ! - e ele põe.- Kebá, parte quinino! - e ele vai buscar LM. Vão-se embora todos contentes.Ao Almoço lá lhe trazemos uma cantina cheia de comida. É a nossa paga. Há dias deixou de aparecer. Estranho, mas como tem duas mulheres e vários filhos no mato, admiti que tivesse ido embora.Ontem vi-o a carregar barricas de água, da fonte para o jardim do chefe de posto. Perguntei-lhe porque deixou de aparecer e fiquei horrorizado. Estava preso por não pagar o Imposto de Pé Descalço.Vim para o Quartel e a minha revolta fez-me agir. Um quarto de hora depois estava a casa do Chefe de Posto cercada por militares armados de G3 a exigirem a libertação do Kebá (...).
Caríssimos Idálio e Luís:
Quando eu nos encontros com antigos combatentes ouvia dizer que o primeiro Fiat abatido foi em Fevereiro/Março de 1973, eu reagia afirmando que não era verdade, pois em 28 de Julho de 1968 eu tinha visto um Fiat que estava a acompanhar uma coluna de mantimentos para Gandembel, cuja segurança estava a ser efectuada pela minha companhia. Coluna que felizmente não teve incidentes, durante o percurso, talvez a única.
Mas ao chegarmos a Gandembel, levámos uma carga de lenha em pleno dia. Valeu-nos a experiência dos camaradas do Idálio, [a CCaç 2317,] que tiveram o cuidado de nos fazer recolher de imediato para as suas casernas.
Estranhamente toda a gente reagia com incredualidade à minha informação que tinha visto um Fiat cair em 1968 e rejeitavam-na categoricamente. Afirmavam a pés juntos que era falso. Seria que eu depois de regressar imaginava coisas ?
No meu Diário escrevi:
Aldeia Formosa, 28 de Julho de 1968
Ontem Aldeia Formosa voltou a ser atacada. Três vezes numa semana é muito.
Hoje fui fazer uma coluna a Gandembel. Tudo correu bem. O IN não atacou nem colocou minas na picada. Só tivemos uma tempestade de chuva. Começámos por ouvir um ruído assustador que se aproximava de nós. De repente surge uma forte ventania que nos arrastava, seguida de uma tromba de água que transformou a picada num rio. Um quarto de hora depois tudo desapareceu e voltou o sol quente que rapidamente nos secou.
Pouco antes de chegar a Gandembel vimos o IN atacar um Fiat das FAP que se incendiou, tendo o piloto saltado de paraquedas.
Passei no sítio onde há pouco tempo se deu uma terrível emboscada que roubou seis vidas. Quinze fornilhos colocados em série num local onde a tropa ao sentir as primeiras balas da emboscada se esconde. Doze rebentaram no momento em que se iniciou a emboscada e ceifaram seis vidas. Foi uma sorte não ter lá ficado toda a Companhia.
Quando chegámos a Gandembel, fomos saudados pelo IN com um pequeno ataque ao aquartelamento, sem consequências. Os Camaradas que estão aqui estacionados dizem que comem disto todos os dias e mais que uma vez.
Como é terrível...
Encontrei em Gandembel o Mário Pinto, meu colega de escola, contou-me coisas terríveis que se têm passado neste aquartelamento fortificado, junto à Fronteira com a Guiné-Conacri que tem como objectivo cortar os carreiros de ligação à estrada da morte impedindo o IN de fazer os abastecimentos.
-Será verdade que vamos ficar nesta zona por muito tempo ?
Odeio... Odeio os homens que se guerreiam e matam. No entanto eu também sou um deles...
O Inimigo também tem namorada, mulher, filhos... também se agarra aos seus santos protectores...
Pergunto-me se, quantas vezes ao sair para o mato as portas das Tabancas se abrem e surgem caras, um sorriso, um braço no ar ... um desejo de 'bom biaje', se não serão essas mesmas caras com o ódio estampado que nos esperam no meio da bolanha, prontas a matar quem não quer fazer guerra, mas foi obrigado pelo sentido de Pátria em que foi educado ?
Toda a cara preta me parece um IN. Odeio o IN, porque é traiçoeiro, porque mata . . .
Efectivamente, ouvi fogo no meio da mata cerrada, suficientemente longe de nós e vi um dos Fiat deixar um rastro de fumo negro, começar a perder altura e afocinhar lá longe. Entre os meus colegas, houve quem afirmasse que viram o piloto saltar de paraquedas.
No dia seguinte, apareceram os Páras para bater a zona e recolher o Piloto. Ficaram por Aldeia Formosa uma temporada.
A coluna anterior tinha deixado as marcas bem visíveis nos fornilhos que rebentaram, e nas quais cabia uma GMC.
A coluna seguinte foi terrível. A cerca de um Km, à nossa frente, abre-se um enorme e violento fogachal, que nos levou a parar e aguardar, pois prevíamos que o Grupo de Comb da Companhia do Idálio que corajosamente vinha ao nosso encontro, estava em apuros. Efectivamente, algum tempo depois recebemos uma mensagem a pedir-nos para regressarmos para trás, porquanto, tinham sido violentamente atacados, tinham caído num campo de minas e iam recuar com feridos, mortos e um desaparecido.
Demos meia volta e voltamos para trás, sem incidentes. O IN tinha gasto as energias com os camaradas de Gandembel, mas se estes não tivessem o cuidado de nos avisar, seria terrível, pois passados 15 dias e já com a limpeza da mata feita pelos páras que levantaram n minas e armadilhas, detectámos 57 minas conforme escrevi no meu Diário embora eu tivesse ficado a salvo no Destacamento de Mampatá Forreá, onde fora colocado temporariamente.
Mampatá, 23 de Agosto de 1968
Mais uma etapa díficil para a Companhia 2381. Quem diria que, após uma coluna a Gandembel na qual se levantaram 57 minas A/P e quatro fornilhos, depois da passagem por Xamarra e sem ninguém contar surge a terrível emboscada que provoca cinco feridos.
É sempre assim, onde menos se conta, quando a calma e a confiança voltam ao espírito, quando se julga que o perigo já passou, surge de entre o arvoredo, traiçoeiramente, o inimigo.
Um viver constante em estado de guerra arrasa o espírito. A parte física ressente-se, as conversas entre camaradas tornam-se por tudo ou nada exaltadas, pequenos quezílias tornam-se problemas.
O homem é fruto do ambiente em que vive. Se o ambiente é de paz, sente-se a vida nos corações, a calma e a confiança no outro, vive-se a paz. Quando o troar dos canhões se ouve longe ou perto, quando existe guerra entre os homens, existe guerra no seu espírito. O espírito torna-se selvagem. Trava-se uma luta entre o antigo e o novo, entre o amor e o sangue. Um jovem que ainda ontem só pensava em amar, hoje não vacila em disparar sobre um inimigo, mesmo ferido inofensivo, inutilizado, a precisar de uma mão salvadora....
Antes de ontem e ontem, Buba foi atacada. Os Páras têm tido um trabalho intenso. Hoje bateram a zona de onde costumam atacar Aldeia Formosa. Há alguns dias que patrulham a zona envolvente de Gandembel e com bons resultados. vários mortos, manga de feridos e material apreendido.
Hoje escrevi para a Metrópole. As minhas últimas cartas não me agradam . Será que o meu amor está a diminuir ?... ou a ânsia de amar mais, me faz julgar que não consigo dar a entender quanto amo.
Registe-se que, nesta coluna, um dos grupos de combate da minha companhia que fazia a protecção do flanco, encontrou os restos mortais de um camarada do Idálio Reis que tinha sido dado como desaparecido. Estavam no meio da mata, entrançados entre duas árvores. A carne tinha sido sugada pelas formigas. Havia indícios de que esteve consciente e fez tentativas de sair da posição em que se encontrava, pela terra mexida junto aos seus pés. Não vi nem vivi esta cena, mas esta imagem persegue-me ainda hoje.
Obrigado Idálio por me ajudares a repôr a verdade (2). Um fraternal abraço muito especial para ti, irmão.
J.Teixeira
Esquilo Sorridente
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Nota de L.G.
(1) Vd. post de 14 Março de 2006 > Guiné 63/74 - DCXXVI: O meu diário (Zé Teixeira) (fim): Confesso que vi e vivi.
Vd posts os 18 posts anteriores:
1 de Janeiro de 2006 > Guiné 63/74 - CDX: O meu diário (José Teixeira, CCAÇ 2381) (1): Buba, Julho de 1968
(...) Buba, 21 de Julho de 1968: Agora me lembro, hoje é Domingo... Saí às cinco da manhã em patrulha de reconhecimento à estrada de Aldeia Formosa. Voltei a Buba onde assento desde ontem pelas treze e trinta, depois de uma marcha de cerca de vinte quilómetros debaixo de sol abrasador. O resto da tarde foi para dormir, estava completamente esgotado (...).
2 de Janeiro de 2006 > Guiné 63/74 - CDXI: O meu diário (José Teixeira, CCAÇ 2381) (2): Buba/Aldeia Formosa, Julho de 1968
(...) Buba/Aldeia Formosa, 24-26 de Julho de 1968: (...) A noite começou mais cedo neste negro dia de vinte e quatro de Julho! Esta vida salvava-se, mas um mal nunca vem só. A viatura atingida era o carro do rádio e consequentemente desde aquela hora (16 h) ficamos completamente isolados do resto do mundo. O ferido mais grave e que veio a falecer era o radiotelegrafista. Isto é guerra...Quando nos dispúnhamos a montar acampamento o radiotelegrafista morreu. Com o impacte do rebentamento tinha ido ao ar e caíu de peito, rebentando por dentro. Eu e o Catarino nada pudemos fazer (...).
2 de Janeiro de 2006 > Guiné 63/74 - CDXIII: O meu diário (José Teixeira, CCAÇ 2381) (3): Aldeia Formosa, Julho de 1968
Aldeia Formosa, 9 de Agosto de 1968: (...) Um pelotão de milícia de Aldeia Formosa foi bater a zona de Mampatá, para confundir o IN e sofreu dois mortos e três feridos. Trouxe orelhas de vários IN, mortos durante o combate. É horrível, Senhor... dois mortos e três feridos e... orelhas de vários IN mortos. Alguns, foi a sangue frio, segundo dizem, depois de serem descobertos com ferimentos que os impediam de fugir. Tudo isto é guerra, enquanto uns estavam na rectaguarda feridos, outros, autênticas feras, procuravam IN, irmãos de raça, para os assassinarem (...).
2 de Janeiro de 2006 > Guiné 63/74 - CDXIV: O meu diário (José Teixeira, CCAÇ 2381) (4): Aldeia Formosa, Agosto de 1968
(...) Aldeia Formosa, 28d e Julho de 1968: (...) Encontrei em Gandembel o Mário Pinto, meu colega de escola, contou-me coisas terríveis que se têm passado neste aquartelamento fortificado, junto à fronteira com a Guiné-Conacri que tem como objectivo cortar os carreiros de ligação à estrada da morte, impedindo o IN de fazer os abastecimentos (...).
6 de Janeiro de 2006 > Guiné 63/74 - CDXXVII: O meu diário (José Teixeira, CCAÇ 2381) (5): Mampatá, Agosto-Setembro de 1968
(...) Mampatá, 7 de Setembro de 1968: Tenho que reagir. Estou-me portando pior que os outros. Onde está a minha força de vontade de viver segundo o meu projecto de vida ? Sinto-me só... recomeço a luta tanta vez... como fugir ?...Eu não quero matar. Eu não quero morrer. Quero viver, mas esta vida, não (...).
11 de Janeiro de 2006 > Guiné 63/74 - CDXL: O meu diário (José Teixeira, CCAÇ 2381) (6): Mampatá, Setembro-Outubro de 1968
(...) Mampatá, 17 de Setembro de 1968: Dia de correio. Ainda cedo sentiu-se a avioneta de Sector em direcção a Aldeia Formosa. Aguardamos com ansiedade a viatura que partiu para lá....O Vitor escreveu-me. Por Bissorã nem tudo corre bem. Segundo ele, num pequeno incidente ficaram dois soldados inutilizados para toda a vida, ambos com uma perna amputada e um outro com a cara cheia de estilhaços. Além destes, uma nativa morta e outra sem uma perna. Tudo por rebentamento de minas A/P, montadas pelo IN.Numa saída em patrulha a malta vingou-se fazendo sete mortos e dois prisioneiros. O último a morrer foi o tipo que montou as minas e, pelo que ele conta, teve morte honrosa. Todos os africanos verificaram a eficiência das suas facas no seu corpo (...)
(...) Mampatá, 25 de Setembro de 1968: Como é belo sentir nas próprias mãos o pulsar de um coração novo que acaba de vir ao mundo. Um corpo pequenino, branco como a neve, puro como os anjos e no entanto, este corpo vai crescer, a pouco e pouco a natureza encarregar-se-á de o tornar negro como os seus progenitores, negro como os seus irmãos que hoje não cabiam em si de contentes. É puro como os anjos, a sua alma está imaculada, mas virá o tempo em que conhecerá o pecado, terá de escolher entre o bem e o mal (...).
Guiné 63/74 - CDLIV: O meu diário (José Teixeira, enfermeiro, CCAÇ 2381) (7): Mampatá, Outubro-Dezembro de 1968
(...) Mampatá, 29 de Outubro de 1968: (...) A família do sargenti di milícia Hamadu (1) estava toda reunida. No meio, um alguidar cheio de vianda (arroz) com um pequeno bocado frango frito:- Teixeira Fermero, vem na cume (Enfermeiro Teixeira vem comer). - Sentei-me meti a mão no alguidar, fiz uma bola com arroz bem temperado com óleo de palma e meti à boca (Em Roma sê romano). Estava apetitoso e eu estava cheio de comer massa com chispe que o cozinheiro confeccionava na cozinha improvisada ao ar livre, porque não havia mais nada. Estamos no tempo das chuvas, a Bolanha dos Passarinhos está intransponível pelo que não há colunas a Buba para trazer mantimentos (...).
19 de Janeiro de 2006 > Guiné 63/74 - CDLXI: O meu diário (José Teixeira, enfermeiro, CCAÇ 2381) (8):
Chamarra, Janeiro de 1969(...) Mampatá, 5 de Janeiro de 1969: (...) Admiro esta população de Mampatá. Quando souberam que eu ia de serviço na coluna em substituição do Lemos vieram despedir-se de mim. Fui abraçado, as bajudas beijavam-me e cantavam uma melodia triste. Até dá gosto viver com esta gente.A mãe da Binta veio trazer-ma para lhe dar um beijinho e fazer um festinha como era meu hábito (Pegava nela e atirava-a ao ar dando a miúda e a mãe uma gargalhada).A Maimuna tinha oito luas quando cheguei a Mampatá (...).(...) Chamarra,
23 de Janeiro de 1969: (...) Ontem ao anoitecer, em Aldeia Formosa, alguém, lançou uma granada de mão para a Messe dos sargentos. Não se sabe quem foi. Branco ou negro. Por vingança, por descuido. Os resultados foram tremendos. Dois soldados, meus camaradas, tiveram morte imediata e houve ainda dez Furriéis feridos, alguns com gravidade. As medidas tomadas pelo Comandante para descobrir o assassino ainda não resultaram.Aqueles dois colegas que casualmente se encontravam à porta encontraram a morte, pela mão de um companheiro cego pela loucura ou pelo ódio, tudo leva a crer (...).
24 de Janeiro de 2006 > Guiné 63/74 - CDLXXIV: O meu diário (José Teixeira, enfermeiro, CCAÇ 2381) (9): Buba, Fevereiro/Março de 1969, 'manga de chocolate'
Buba, 20 de Fevereiro de 1968: Estou em Buba desde 7 de Fevereiro e as perspectivas não são muito boas. Gandembel foi abandonada e o IN entretinha-se por lá. Agora, talvez porque se está a construir uma estrada nova para ligar Buba a Aldeia Formosa, esta linda terra está a ser a preferida pelo IN para as suas brincadeiras.A estrada nova já causou um morto, o primeiro da minha Companhia quando eu ainda estava em Chamarra. O IN estava emboscado com dois fornilhos montados e, ao fazer rebentar a emboscada, provocou a explosão das armadilhas e um homem, o velho, foi pelos ares. Mais uma vida roubada (...).
30 de Janeiro de 2006 > Guiné 63/74 - CDLXXXVI: O meu diário (José Teixeira, enfermeiro, CCAÇ 2381) (10): Abril/Maio de 1969, 'Senhora, nem Tu me salvaste!" (...)
Buba, 19d e Abril de 1969: (...) Um pequeno incidente de palavras entre um soldado da minha Companhia [CC 2381] e um Comando Africano, quando tomavam banho, originou uma luta entre Fuzileiros e Comandos com consequências graves. Parece estar tudo louco (...).
6 de Fevereio de 2006 > Guiné 63/74 - DII: O meu diário (José Teixeira, enfermeiro, CCAÇ 2381) (11): Desenfiado, em férias na Metrópole (Maio/Junho de 1969)
(...) Bissau, 19 de Junho de 1969: Regressei a Bissau depois de um mês de férias na Metrópole onde pude participar no casamento do meu irmão Joaquim.A minha [licença] de férias foi cheia de aventura. O Comandante não assinou o Passaporte, pelo que não podia ir, apesar de ter a viagem comprada. Mandei um rádio para Bissau a anular a viagem e entretanto o Comandante foi para uma Operação.(...) Entretanto aparecem dois bombardeiros no ar e o lugar do atirador vago. Ao pressentir que iam aterrar, fardei-me, peguei na mala e dirigi-me à pista com intenções de pedir ao Comandante da Esquadrilha para me levar, só que vejo sair do outro Bombardeiro nada menos que o meu Comandante que regressava da Operação (...).
8 de Fevereiro de 2006 >A Guiné 63/74 - DV: O meu diário (José Teixeira, enfermeiro, CCAÇ 2381) (12): A morte do Cantiflas (Julho de 1969)
(...) Buba, 18 de Julho de 1969: (...) Para morrer basta estar vivo, não interessa o local ou meio. De paz ou de guerra. A morte aparece em qualquer sítio e a qualquer hora. O Cantinflas estava na guerra.. Caíu debaixo de fogo várias vezes, sofreu os efeitos de uma guerra traiçoeira, sem o mais pequeno ferimento, mas a morte espreitava-o impiedosamente e há dias, através de um choque eléctrico, veio ter com ele (...).
9 de Fevereirod e 2006 > Guiné 63/74 - DVIII: O meu diário (José Teixeira, enfermeiro, CCAÇ 2381) (13): Vi a morte à minha frente (31 de Julho de 1969)
Buba, 31 de Julho de 1969: Vi a morte à minha frente. Saí de manhã até à Bolanha de Beafada, a montar segurança à coluna que ia para Aldeia Formosa. Tinha como missão assistir os Picadores que iam à frente a tentar detectar as possíveis minas que o IN costuma colocar. Coloquei a bolsa na 1ª viatura e segui à frente da mesma.Como havia muitas poças de água, instalei-me ao lado do condutor. Em determinado momento tive um pressentimento e saltei da viatura seguindo à sua frente. Não andei 50 metros e senti um rebentamento, fui projectado pela deslocação do ar e senti algo a cair em cima de mim, deduzindo que eram estilhaços. Pensei:- Desta não escapo (...).
11 de Fevereiro de 2006 > Guiné 63/74 - DXX: O meu diário (José Teixeira, enfermeiro, CCAÇ 2381) (14): De que lado estaria Deus ? (Agosto de 1969)
(...) Buba, 7 de Agosto de 1969: As colunas de abastecimento a Aldeia Formosa e povoações limítrofes continuam a dar que falar. Ontem, seguiu mais uma e, ao chegar ao Pontão de Uane, uma mina anticarro rebentou debaixo da 14ª viatura, projectando os seus ocupantes a grande altura, pois a viatura seguia sem carga. Três mortes instantâneas, todas de africanos e nove feridos graves, entre os quais dois colegas meus. Foi este o resultado (...).
20 de Fevereiro de 2006 > Guiné 63/74 - DLXVII: O meu diário (José Teixeira, enfermeiro, CCAÇ 2381) (15): um dia negro para a 15ª Companhia de Comandos (Setembro de 1969)
(...) Empada, 9 de Setembro de 1969: Na estrada de Fulacunda, mais 8 Comandos e 3 soldados ficaram sem vida. Houve ainda sete feridos graves, entre os quais o meu amigo Zé João, enfermeiro comando. Uma mina anti-carro de grande potência atirou com a viatura cheia de militares, que estiveram comigo em Buba (15ª Companhia de Comandos) contra um tronco de árvore que se debruçava sobre a estrada, matando uma série deles instantaneamente. No buraco feito pela bomba pode-se esconder uma viatura, tal era a sua potência... (...)
8 de Março de 2006 > Guiné 63/74 - DCXVII: Dia Internacional da Mulher (5): 'Fermero, ká na tem patacão pra paga, fica ku minha mudjer' (Zé Teixeira) .XVI Parte de O Meu diário (José Teixeira, enfermeiro, CCAÇ 2381) (16)
9 de Março de 2006 > Guiné 63/74 - DCXX: O meu diário (José Teixeira, enfermeiro, CCAÇ 2381) (17): Este gajo estava mesmo apanhado
(...) Empada, 16 de Outubro de 1969: Do pelotão que está em Buba chegam novidades. Há dias houve por lá um terrível ataque com tentativa de assalto. Atacaram do sítio habitual do lado do rio com 10 Canhões s/r (...)Segundo dizem os meus colegas eram mais de duzentos, a avançarem em arco para que se as nossas forças saíssem a envolverem. Felizmente estava emboscado um Pelotão que os detectou. Parece que foi um tremendo fogachal, enquanto os Fuzas perseguiam os que atacaram do lado do rio que pretendiam reforçar as forças de assalto (...).
12 de Março de 2006 > Guiné 63/74 - DCXXII: O meu diário (José Teixeira, enfermeiro, CCAÇ 2381) (18): Empada, Novembro/Dezembro de 1969
Empada, 20 de Novembro de 1969: O Kebá aparecia todos os dias na Enfermaria. É o nosso ajudante no tratamentos da população. Trata as pequenas feridas. Elas já sabem:- Kebá põe mercuro ! - e ele põe.- Kebá, parte quinino! - e ele vai buscar LM. Vão-se embora todos contentes.Ao Almoço lá lhe trazemos uma cantina cheia de comida. É a nossa paga. Há dias deixou de aparecer. Estranho, mas como tem duas mulheres e vários filhos no mato, admiti que tivesse ido embora.Ontem vi-o a carregar barricas de água, da fonte para o jardim do chefe de posto. Perguntei-lhe porque deixou de aparecer e fiquei horrorizado. Estava preso por não pagar o Imposto de Pé Descalço.Vim para o Quartel e a minha revolta fez-me agir. Um quarto de hora depois estava a casa do Chefe de Posto cercada por militares armados de G3 a exigirem a libertação do Kebá (...).
(2) Vd. post de 2 de Maio de 2007 > Guiné 63/74 - P1721: O primeiro Fiat G-91 foi abatido em 28 de Março de 1968 (Idálio Reis)
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