domingo, 26 de julho de 2009

Guiné 63/74 - P4739: A guerra vista de Bafatá (Fernando Gouveia) (11): Interrogatórios

1. Mensagem de Fernando Gouveia, ex-Alf Mil Rec e Inf, Bafatá, 1968/70, com data de 22 de Julho de 2009:

Caro Carlos:

Mais uma vez estou sem computador, daí o atraso. Em anexo aí vai a XI estória
para a série "A Guerra Vista de Bafatá".

Um abraço.
Fernando Gouveia




A GUERRA VISTA DE BAFATÁ



Bafatá. 1969. Grande parte da tabanca da Rocha com a mesquita.


11 – Interrogatórios.

Já anteriormente referi que a minha principal função, como Oficial de Informações do Comando de Agrupamento, era tratar as notícias que iam chegando, quer respeitante ao IN, quer às NT. No entanto, também tinha sido instruído para fazer interrogatórios.

Na minha comissão de dois anos só tive que fazer dois interrogatórios, pois a grande maioria era feita nos Comandos de Batalhão ou de Companhia onde havia (caso dos Batalhões) um Capitão com essas funções específicas.

Abrindo aqui um parênteses referirei que, em combate e debaixo de fogo, de tudo seria capaz para salvar os meus camaradas e a minha própria pele, no entanto a frio e à sombra de um quartel seria de todo incapaz de torturar, física ou psicologicamente, qualquer elemento IN, como aliás aconteceu em vários casos que tive conhecimento. Recordo até que um dia, em Bambadinca, quando se estava a proceder a um interrogatório com alguma violência à mistura, vem ter comigo um alferes vangloriando-se de lá ter ido molhar a sopa. Episódio triste, tanto mais que esse alferes nada tinha a ver com o interrogatório.

Dos dois interrogatórios que fiz, um não deu em nada, dando até a impressão que o homem nunca pertencera ao IN e o que queria era ficar com as NT, onde tinha comida e dormida. Recordo que me pediu para lhe arranjar tabaco e eu próprio lhe comprei no mercado, às minhas custas, umas folhas de tabaco.

O outro foi a um elemento da população afecta ao IN, capturado numa operação. Idoso e com lepra em estado não conseguiu fugir. O interrogatório foi feito com o sujeito deitado numa maca e com a ajuda de um intérprete.

Com o mapa da zona à minha frente e com as sucessivas respostas que o homem foi dando, cheguei à localização, para mim exacta, do tal refúgio IN.

A informação que assim obtive destinava-se a concretizar uma operação, logo ao amanhecer do dia seguinte, primeiro um bombardeamento pelos Fiats ao local por mim assinalado e, em seguida, um golpe de mão pelos Páras, que nessa altura estavam em Bafatá.

Como na manhã do dia D o tecto (núvens) estava baixo, os Fiats não puderam actuar tendo-se feito a operação só com os Páras, helitransportados.

Mais uma vez, na guerra de retaguarda, não fui directamente responsável por mortes na Guiné pois se os Fiats tivessem actuado, tinham acertado em cheio: A cruz que tinha desenhado no mapa veio a verificar-se ser o local exacto do acampamento IN.

O resultado da operação resumiu -se à recolha de inúmero material, mais civil que militar: panos, amuletos, medicamentos (muitos pacotinhos de aspirina), apetrechos de limpeza de armas e muitos livros escolares. O pessoal IN conseguiu fugir todo.

O Ten Pára-quedista Gomes (meu antigo colega do liceu) que comandou a operação, acabou por me dar muito desse material, algum do qual ainda hoje conservo, como uma cartucheira que utilizo na caça.


Capa de um dos livros apreendidos

Uma página do livro anteriormente referido

Página de um outro livro com toda a certeza de origem nórdica (repare-se nas figuras). Tal como os nossos livros pretendiam ensinar aos guineenses as serras e os rios da metrópole, também estes referiam vivências, como patinagem, possivelmente no gelo, etc.

Última página de outro livro, já muito usado.

Duas páginas de outro livro, este para aprendizagem de algo relacionado com o árabe ou o Alcorão

Amuletos respectivamente para a cinta e para o pescoço (um feito com um chifre de cabra), também capturados. No seu interior eram introduzidos pequenos papeis com as preces pretendidas escritas em árabe.

Fotos e legendas: © Fernando Gouveia (2009). Direitos reservados.


Na próxima estória irei mostrar por dentro e por fora o Mercado de Bafatá, que na altura era o ex-libris da cidade.

Até para a semana camaradas.
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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 19 de Julho de 2009 > Guiné 63/74 - P4707: A guerra vista de Bafatá (Fernando Gouveia) (10): Mina bailarina

sábado, 25 de julho de 2009

Guiné 63/74 - P4738: Estórias do Mário Pinto (1): O soldado Machado, o "Cigano": 'Ó Barrelas, não me pagas uma bejeca?!'...


1. Esta é a primeira mensagem enviada pelo nosso Camarada Mário Gualter Rodrigues Pinto, ex-Fur Mil At Art da CART 2519 - "Os morcegos de Mampatá", Buba, Aldeia Formosa e Mampatá - 1969/71 -, que nos prometeu brindar ainda com mais algumas das suas estórias também elas curiosas, hilariantes e interessantes:



Camaradas e amigos,

Tal como tinha vindo a prometer ao Magalhães Ribeiro, lá vai uma das estórias giras passadas na CART 2519.

Todas as estórias, no fundo, avivam-nos a memória e recordam-nos, às vezes com muitas saudades, os bons momentos passados em comum.

O SOLDADO MACHADO

O “Cigano”,  como era conhecido o soldado Machado (creio que era mesmo da etnia cigana), foi protagonista de um episódio hilariante, mas muito real, que um dia “atropelou” o que não podia ser “abandalhada” - a rígida Disciplina Militar -, que na tropa se exige (creio que ainda hoje esta se mantém), em relação aos superiores hierárquicos.

Certo dia, o nosso capitão integrou-se num grupo de combate que ia patrulhar a nossa ZA - Zona de Acção, onde ia o nosso camarada Machado. Depois de percorrida já uma vasta área do patrulhamento habitual, e perto dum local por todos considerado de elevado risco, o Machado sai-se com esta:

- Ó meu Capitão, à nossa frente estão pegadas do IN. - Isto em pleno mato.

O Capitão ripostou:

- Ó meu Coirão, não sabes o meu nome,  eu sou o Barrelas!

O patrulhamento terminou ao findar do dia e procedeu-se ao respectivo regresso ao aquartelamento de Mampatá.

Na cantina, que era comum a todos,  praças, sargentos e oficiais, depois do banho, o camarada Machado tem este desplante perante a admiração de todos os presentes:

- Ó Barrelas,  não me pagas uma bejeca?!

O capitão,  com o seu ar autoritário - de Comandante -, virou-se para o Machado e disse:

- Ó meu coirão, já não me conheces, eu sou o teu capitão Barrelas, por isso deves tratar-me como tal. Quando te dirigires a mim,  tratas-me por meu capitão!

O mesmo,  atónito com a situação, retorquiu:

- Mas o senhor lá atrás disse-me para o tratar por Barrelas!...

Aqui o capitão riu-se da situação e acabou mesmo por pagar a “bejeca” ao Machado.

Um Abraço,
Mário Pinto
Fur Mil At Art

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Nota de M.R.:

Este poste é o primeiro desta série "Estórias do Mário Pinto".

sexta-feira, 24 de julho de 2009

Guiné 63/74 - P4737: Relação das Unidades que estiveram no Quartel de Mansoa (Jorge Canhão)


1. Mensagem do ex-Fur Mil At Inf Jorge Canhão, da 3ª Companhia do BCAÇ 4612/72, Mansoa 1972/74, datada de 21de Julho de 2009:

Camaradas,

Dedicado a todos aqueles que passaram pelo quartel de Mansoa, anexo a lista de todas as unidades que ali marcram presença.

Os dados recolhidos foram retirados da colecção "Os anos da guerra colonial" de Carlos Matos Gomes e Aniceto Afonso.

Recordo que a mencionada colecção, foi distribuida no primeiro semestre do corrente ano, juntamente com o jornal Correio da Manhã.

Abraços,

Jorge Canhão
Fur Mil da 3ª Cia do BCAÇ 4612/72

Guiné 63/74 - P4736: Dossiê Guileje / Gadamael 1973 (14): Na minha opinião pessoal, o Major Coutinho Lima foi um Herói! (Amílcar Ventura)


1. Mensagem de Amílcar Ventura, ex-Fur Mil Mec da 1ª CCAV/BCAV 8323, Bajocunda, 1973/74, com data de 26 de Julho de 2009:



Camaradas,


Começo esta minha mensagem por dizer, que nunca quis saber muito das novas tecnologias, mesmo tendo em casa um filho formado em informática, mas bastou ele ensinar-me como se liga e desliga o PC, como se procede para ter acesso há internet e foi o suficiente, para eu me iniciar nestas lides.


Tenho um irmão mais velho que também esteve na Guiné (Gampará) e se não tivesse acontecido um acidente, ter-nos-íamos lá juntado os dois. Foi este meu irmão que me falou no “blogueforanadaevaotres.blogspot.com”, e foi este blogue o “culpado” de eu, a partir de um certo dia, passar horas a fio num velhinho computador portátil, que o meu filho já tinha arrumado numa prateleira e que “preparou” para mim, a “devorar” poste atrás de poste.


Depois desta pequena introdução, vamos ao que me leva a escrever, hoje dia 18 de Julho de 2009, para o nosso Blogue que, mais não é que a descrição do modo como eu senti e analisei os acontecimentos em Guileje.


Enquanto estive na Guiné, fui algumas vezes a Bissau, e na Messe de Sargentos, como é fácil deduzir, falava-se de tudo o que ocorria nos mais turbulentos recantos da Guiné.


Os assuntos mais falados eram, jamais esquecerei, a retirada de Guileje e as graves situações vividas em Gadamael e Guidaje.


Eu só podia falar de Copá, porque estava nessa zona e tinha lá um pelotão da minha Companhia.

Sobre a retirada de Guileje as conversas versavam todas o mesmo tema - a acção do Major Coutinho e Lima -, e eram quase unânimes as opiniões que ele fez o melhor que podia ter feito na sua problemática situação.


Elogiava-se a sua retirada, que permitiu salvar não só as vidas dos seus militares, como as da população local a seu cargo.


Na minha análise pessoal e creio que na opinião geral, Herói de guerra tanto é aquele que dá a vida pela Pátria, como é aquele que salva vidas ao seu Serviço.


Para mim e para a maioria dos militares que estavam na Guiné, na altura, o então Major Coutinho e Lima (hoje Tenente Coronel), foi um Herói e não um cobarde, como as nossas chefias militares de então apelidaram e algumas opiniões teimam em querer confirmar.


Somos todos Camaradas de um Blogue de antigos Combatentes da Guiné, onde deve permanecer a amizade que nos uniu na Guiné e uma confraternização constante.


Já ultrapassamos os 300 Tertulianos, além de muitos Amigos.


Num espaço de três meses tivemos mais de 100 mil Visitas.


Considero que unidos na mesma finalidade seremos indestrutíveis.


Para acabar quero felicitar aos nossos camaradas editores, pelo trabalho que têm feito dando voz a todos os que, connosco, estiveram no teatro de guerra, na Guiné, defenderam a nossa Pátria, por vezes com vários e pesados custos pessoais.


Um abraço amigo para todos os Tertulianos e Amigos do nosso blogue,
Amílcar Ventura
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Notas de M.R.:

(*) Vd. último poste da série em:


Guiné 63/74 - P4735: Tabanca Grande (164): Mário Gualter Rodrigues Pinto, ex-Fur Mil da CART 2519, Buba, Mampatá e Aldeia Formosa, 1969/71


1. Mais um camarada nosso se junta à Tabanca Grande. O seu nome é Mário Gualter Rodrigues Pinto, ex-Fur Mil At Art da CART 2519 - "Os morcegos de Mampatá", Buba, Mampatá e Aldeia Formosa, 1969/71. As fotos habituais, uma do seu tempo de tropa e outra de
hoje, já ele enviou como se pode ver.


O Mário Pinto diz que tem muitas fotos dos tempos da Guiné e é autor de um blogue, com notícias das actividades passadas e das presentes da sua companhia, tendo indicado o seu endereço: http://cart2519osmorcegosdemampata.blogspot.com/2009/07/general-spinola.html


Em 12JUL2009 o Pinto deixou, no poste P4673, um comentário que a seguir se apresenta:

Caro José Teixeira,

Tenho seguido com atenção as tuas recordações da Guine.

Também estive em Buba, Mampatá e Aldeia Formosa, em 1969/71.

Pertenci á CART 2519 - Os morcegos de Mampatá, por isso vivo com intensidade as tuas recordações.

Já agora se estiveres interessado em saber algo mais sobre a minha companhia, vai ao Blogue: www.cart2519osmorcegosdemampata.blogspot.com

Um abraço,
Mário Pinto

Usando o mesmo poste P4673, o nosso Camarada Zé Teixeira, no dia a seguir, 13JUL2009, ripostou com a seguinte mensagem:

Camarada Mário Pinto,

Sendo Mampatá a primeira terra na minha segunda Pátria, deixa-me considerar-te meu conterrâneo.

Só estive em Mampatá cerca de 6 meses integrado no meu Grupo de Combate, única força ali estacionada a par do pelotão de milícias, comandado pelo grande Aliu Baldé e pelo querido amigo Hanadú, que faleceu o ano passado em Buba, com fama de "maribu" (santo muçulmano).

Depois fui até à Chamarra. Mampatá ficou-me no coração, pelas suas gentes amorosas.

Já dei uma espreitadela ao teu blogue fiquei triste ao saber que a Cia. dos lenços azuis, que me foi buscar a Buba e com quem vivi grandes aventuras, tenha encerrado a sua vida nessa zona com mais duas mortes.

Agora só falta convidar-te a fazer parte da grande Tabanca Grande, pois com certeza tens muita coisa para contar.
Quando puderes dá uma volta pelo site da minha Companhia: http://empada.no.comunidades.net/

Abraço fraterno do,
Zé Teixeira dos "Colhões Negros de Mampatá".

2. Com a devida vénia reproduzimos a seguir uma pequena e curiosa história retirada do blogue do Mário Pinto:

General Spínola

Caros camaradas,

Foi por diversas vezes que tive encontros no mato com o "Homem do Monóculo".

Uma, em particular, foi em Uane, quando me encontrava a fazer protecção a uma coluna vinda de Buba, para Aldeia Formosa.

Deixou o meu grupo de combate Mampatá, ainda de madrugada, com a missão de picar a estrada e fazer protecção a uma coluna de abastecimento, que vinha de Buba - prática normal da nossa CART 2519 -, de 15 em 15 dias, indo ao encontro dos nossos camaradas de Nhala (companhia que neste momento não consigo identificar).

Feita a junção, emboscávamo-nos nas imediações, junto ao trilho de Uane, que era imenso.

Encontrava-me eu nessa função, quando começei a ouvir dois helicópteros vindos na minha direcção.

Chamei o radiotelegrafista e mandei-o entrar em contacto com os hélis, informando-os da nossa posição. Qual não foi o meu espanto, quando recebo ordem para fazer segurança apertada, ao perímetro, pois o COM-CHEFE ia descer.

- O homem é maluco! - disse eu.

Apresentei-me como era da praxe e o mesmo perguntou-me a minha patente.

- Furriel - disse eu.

- Então não há oficial.

- Não, meu General, o meu Alferes encontra-se na Metrópole, de férias.

Espante-se, o General não sabia que os Furriéis Milicianos comandavam o pessoal do pelotão, nas ausências dos Comandantes de pelotão...

Mário Pinto
Fur Mil CART 2519

Foto: © Mário G. R. Pinto (2009). Direitos reservados.
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Nota de M.R.:

(*) Vd. último poste da série em:


Guiné 63/74 - P4734: Destas não reza a História (Manuel Maia) (5): Chamava-se José, Silva José, à moda francesa...

1. Mensagem de Manuel Maia, ex-Fur Mil da 2.ª CCAÇ/BCAÇ 4610, Bissum Naga, Cafal Balanta e Cafine, 1972/74, com data de 23 de Julho de 2009:

Caro Vinhal,

Enquanto não é corrigida a História de Portugal em Sextilhas (ficaram para trás umas quantas...) envio-te esta história de um ex-emigrante que aproveitou para fugir à tropa e que, despudoradamente, virou antifascista perseguido pela Pide, obrigado a exilar-se em França...
Os nomes foram propositadamente trocados.


Chamava-se José, Silva José (à moda francesa...) e via a vida a andar para trás...


A tropa e o espectro da guerra de África que já levava uns quatro anos e parecia eternizar-se, começavam a preocupá-lo seriamente e a apavorar o pai, António Silva, que abandonara a jorna nos campos agrícolas desse Trás-os-Montes de Torga, para se aventurar na estranja, lá por França, faz tempo, desde o já distante ano de 1959...

Chegara a Paris (Banlieue) ainda antes do grande boom de emigração portuguesa que haveria de ajudar a França a recuperar da destruição sofrida durante a Segunda Grande Guerra Mundial, de que fôra um dos palcos privilegiados.

O seu patrão alugara-lhe uma casa que ele com o tempo haveria de recuperar, transformando-a num tecto acolhedor para viver, por um preço quase simbólico nos arredores da cidade luz...

Paris estava ainda na fase lenta de recuperação.A maioria dos portugueses a demandar terras gaulesas, fá-lo-ia só na década de sessenta, notando-se um crescendo no seu número, de ano para ano, uns por via legal (a minoria) enquanto outros, em maior número, fazendo-o a salto, correndo inclusive risco de vida ante o disparo de qualquer Guarda Fiscal...

Os bidonvilles eram, regra geral, a casa dos trabalhadores dos batiments... casotas de madeira forradas a chapa de bidon...

A lama, onde dejectos de toda a espécie se misturavam com a água da chuva, era escorregadia e dificultava o acesso aos tugúrios que habitavam em grupos de cinco ou seis, ou mais ainda, cozinhando normalmente de forma colectiva, o caldo de couves arrancadas juntamente com umas batatas e cebolas nas longas madrugadas de domingo, a que juntavam um cibo de toucinho rançoso de porco, trazido ainda de Portugal e guardado numa caixita de madeira com sal, ou comprado numa boucherie da zona por meia dúzia de patacos...

Era feito duas vezes por semana. Ao domingo no panelão maior e que durava até quarta-feira inclusivé, e à quinta, a caldaça nova era confeccionada na panela um pouco mais pequena.

Aos domingos, às vezes, bebiam uma cervejita pois ao vinho ninguém chegava face ao exorbitante preço pedido por garrafa...

Diariamente, levas e levas de portugueses cirandavam, mala ou saco na mão e garrafão na outra à procura de emprego nos inúmeros batiments em construção...

Todos se arrogavam de trolhas ou pedreiros, embora a maioria fosse mão de obra não especializada saída do campo, da lavoura, mas interessadíssima em aprender.

Numa primeira fase esses ex-jornaleiros trabalhavam como indiferenciados, mas muito rapidamente absorviam conhecimentos necessários para darem o salto para as várias profissões ligadas à construção como os pintores e carpinteiros de cofragem ou de zimbre...

Traziam umas magras provisões, uns míseros francos, uma vontade enorme de vencer, e geralmente o catraio de cinco litros como gostavam de chamar ao garrafão, com vinho das mais variadas origens, quando não mesmo, o portuguesíssimo bagaço...
O garrafão e a mala de cartão haveriam de ser um símbolo dos portugueses em França.

As mulheres, que nos anos subsequentes acabariam por demandar a França quando as condições de vida já haviam melhorado, ostentavam o moustache mais ou menos penugento que seria o alvo das piadas sobre portuguesas por terras gaulesas.
Era uma característica distintiva, tal qual o puxo ou a banana no cabelo...

Depois, afrancesar-se-iam, cortando-o e pintando-o, tal qual as madames do batiment onde eram concierges, isto poucos dias antes do regresso à terra para férias, que mais não eram senão dar no duro, na finalização da casa do tipo la maison que andavam construindo faz tempo...

Em Julho e Agosto regressavam, carros cheios de tralha, alguma achada nos passeios, mas para a qual encontravam sempre alguma utilidade iniciando um período em que procuravam mostrar algum status, sujeitando-se para isso à exploração desenfreada da aldeia que apostara em tirar-lhes a massa...

Da comissão fabriqueira da festa do Santo Orago da freguesia, passando pelo padre, que conseguia sempre o óbolo para as obras da igreja, ao merceeiro e ao dono da tasca que chamava restaurant ao seu espaço onde servia um bacalhau assado na brasa ou umas febras, uns bifes ou cabrito, que em geral era anho, todos apostavam enm aliviar-lhes os bolsos de forma escandalosa...

Nesses dois meses os carros de matrícula francesa sobrepunham-se aos nacionais.
Nas zonas costeiras, o pescador chegava à praia com meia dúzia de ranhosas(depois de descarregar o pescado para os restaurantes em locais foras da zona de veraneantes) reclamando que o mar estava um cão... uma noite inteira de trabalho para esta mão cheia de peixes. Assim ninguém tinha coragem de regatear o preço pedido e os emigrantes até davam gorjeta...

Foram, infelizmente, sempre espoliados pelos conterrâneos chico espertos...
Nos ultimos anos, as vacances do António Silva foram passadas (aliás como na maioria dos casos...) a erguer a sua casa na aldeia, ajudado pela sua Conceição, que lhe carregava os baldes da massa quando estavam a carregar a placa...
Era até doer as costas, até não poder mais. Tinha de ser!

No último ano, contrariamente aos anteriores, António ao invés de fazer férias em Julho ou Agosto, viera em Maio para ir a Fátima agradecer à Virgem Maria e acabar de vez a casa. Conceição disse-lhe:
- Olha lá, Tone. Tens de levar o rapaz contigo pois o governo qualquer dia já não o deixa sair...
- Deixa-o acabar o ano que não o quero à tábua da cal...
- Queres ver o nosso filho morto na guerra? Ai Jesus, Maria Santíssima que até me arrepio toda só de falar nisto...
- Está descansada, mulher dum raio, que o rapaz acabando o ano em Julho os exames segue em Agosto. Já tratei de tudo lá e mando-o chamar através da agência para ficar tudo mais oficial. O passaporte que não usou ano passado(porque chumbou e acabou por ficar mais um ano...) vai usá-lo este ano, está descansada. Quando lá chegar já tem emprego à sua espera na Citroen. Pedi ao senhor engenheiro quando andei a fazer-lhe uma obra em casa e ele disse que sim. Pediu o nome do rapaz e ele até já tem ficha pronta...

Mal regresado a Paris, António deu andamento ao processo de chamamento do filho José.
Agosto, estação de Campanhã no Porto.

O Zé passeava-se em companhia da mãe, da avó Beatriz, da irmã Margarida e do senhor Joaquim, taxista que os trouxera até à Invicta... Bilhete comprado, papelada toda no bolso (incluindo o passaporte) José despede-se e avança para o combóio.

Os lugares à sua beira estavam ocupados por dois jovens da sua idade que também demandavam a terra dos gauleses. Não se conheciam entre si, mas rapidamente o Zé se apresentou e passados uns curtos momentos do arranque do Sud-Express já todos se conheciam como se fossem amigos de peito... Fôra o destino que os juntara. Haveriam de ser amigos vida fora...

Cada um transportava um saco ou uma mala velha para além do inseparável garrafão.
O Zé, para além da pinga, levava também outro garrafão com bagaço para o pai oferecer ao senhor engenheiro que lhe arranjara emprego.
No cesto de vime, comprado na feira d'ano anterior, levava uma galinha assada, que em viva fôra preta e que a mãe escolhera por causa do mau olhado...
Tinha um cheirinho divinal... levava ainda uma dúzia de chouriças de carne feitas em casa pela sua avó Beatriz, duas mouras, um chouriço e uns bolinhos de bacalhau que deviam estar mesmo bons,dado tratar-se da especialidade da avó, a quem todos recorriam nos casamentos, tal a qualidade evidenciada...
Levava ainda uma boa dúzia de moletes para fazer sandes, e um cibo de broa e azeitonas para mastigar com o presunto da pata da frente do porquito que morrera atropelado pela motorizada do vizinho. Um melão e uma dúzia de maçãs completavam a ementa...

Cada um dos outros também no seu farnel apresentava bolinhos de bacalhau, sandes de presunto alguma fruta...
O Quim levava até umas iscas de bacalhau que parece que do dito apenas terão apanhado o cheiro...
O Álvaro, tinha também umas sardinhinhas fritas com molho de cebolada dentro dum tachito pequeno que também levava arroz seco.

Decidiram que a comida seria de todos para todos e foi assente que a galinha do Zé só seria comida já no domingo a chegar a Paris.
Por essa noite de sexta adentro lá se entretiveram a comer umas sardinhinhas e um bocado de arroz que colocaram no único prato que o Álvaro levava e comeram à vez... os bolinhos de bacalhau, alguma fruta.

Quando acordaram seis, sete da manhã de sábado, beberam dos termos que todos tinham levado um café que acompanharam com umas sandes de presunto e até de bolinhos de bacalhau...
Por volta das dez e meia começaram a sentir um cheiro algo incomodativo vindo de debaixo dos seus bancos...
Era a galinha que devido ao calor se estragara...
Havia que deitá-la fora urgentemente

Temos de deitar isso fora pá antes que se estrague o meu salpicão - disse o Zé.

-Salpicão, chamas salpicão a um chouricito manhoso? Salpicão é o meu, ripostou o Álvaro...

-Isso não interessa agora para o caso. Façam costas que eu deito o bicho p´ra fora.

Entretanto, todas as janelas estavam bem abertas até baixo, por via do calor e do cheiro...

-Custa-me deitar a bichinha fora...

-O gajo é tolo! Dá cá isso que eu resolvo. Não vês aqueles gajos lá do fundo a olhar p´ra nós? Façam costas.

O comboio circulava a duzentos e muitos quilómetros por hora...
Tão depressa Álvaro jogou borda fora a galinha envolta no guardanapo e em jornais, logo ela reentrou (não fosse ela uma ave...) por uma das janelas do fundo indo bater com fragor no encosto de cabeça de uma cadeira vazia para saltar já toda esparramada para o colo do passageiro que aí seguia em frente...

Segundos depois, o homem de meia-idade abeirou-se deles para dizer:

- Merde, merde, qui va payer?
E mostrava o fato beje claro cheio de manchas de galinha, a gravata toda suja e a camisa com restos de ave impregnados.

-Merde, merde, qui va payer?

-Merda não pá, que até era uma galinha que eu vi crescer, disse o Zé...

-Está calado pá que ainda vem aí o revisor e estamos feitos ao bife. Neguem, neguem tudo...

Entretanto, sorte a deles, o combóio chega a Paris. Aglomeram-se as pessoas à espera dos passageiros. No meio de tanta confusão, os três aproveitam para se esgueirar...
Todos tinham os pais à espera que não se conheciam, mas depressa em uníssono surgiria uma gargalhada logo que lhes foi contada a aventura...

Promessas de reencontros. Despedidas, cada um para o seu lado.O tempo foi passando, os seus conhecimentos evoluíram, e entretanto, dá-se o golpe militar em Portugal.

Quase de imediato, Zé desembarca em Lisboa, discurso de antifascista engatilhado, autoproclamando-se exilado político perseguido pela PIDE, e filia-se num partido da extrema esquerda.Pouco depois dá o salto para um dos grandes, e agora é vê-lo, fatos de cashemire, gravatas de seda natural e sapatos italianos.
Arranjou a vidinha...

Só não esteve na guerra da Guiné porque era antifascista, objector de consciência, e um perseguido pela PIDE...

O pior é se o Quim e o Álvaro lhe descobrem a careca...

Manuel Maia
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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 2 de Julho de 2009 > Guiné 63/74 - P4630: Destas não reza a História (Manuel Maia) (4): História da esgraçadinha

Guiné 63/74 - P4733: Em busca de... (81): Jantar, retribui-se (José Carlos Neves)


1. Mensagem de José Carlos Neves, (*), ex-Soldado Radiotelegrafista do STM, Cufar, 1974, com data de 2 de Julho de 2009:

Caro Carlos Vinhal

Faço-te aqui um apelo. Porém não há pressa até porque vou de férias (Algarve) e só lá para 20 de Julho é que estarei por cá.


Jantar, retribui-se

No último dia em que Catió era nosso, no dia a seguir foi entregue ao PAIGC, fui convidado para ir lá jantar pelo pessoal do PINT. Estava teso que nem um carapau ou seja sem dinheiro e é claro que nessa condição rejeitei o convite com muita pena minha. Porém a solidariedade fez-se logo sentir e um camarada (do qual não me lembro o nome) e que julgo ser da Póvoa de Varzim se prontificou logo a pagar-me o jantar com a condição de que lhe pagaria outro quando nos encontrássemos na vida civil.

Nunca mais o vi e agora com a leitura do Blogue é que as memórias vão aparecendo.
Se por acaso esse nosso camarada pertencer à Tabanca Grande ou alguém o conhecer por favor digam-me para poder, com todo o gosto, saldar a minha dívida.

José Carlos Neves
Ex-Soldado Radiotelegrafista do STM
Cufar 1974
__________

Notas de CV:

(*) Vd. poste de 28 de Junho de 2009 > Guiné 63/74 - P4598: Estórias avulsas (35): O porco que andava à solta (José Carlos Neves)

Vd. último poste da série de 21 de Julho de 2009 > Guiné 63/74 - P4716: Em busca de... (80): CCP 121 - Apelo vindo do Brasil (Cassiano Rocha da Costa, natural de Castro Daire)

Guiné 63/74 - P4732: As grandes Operações da CART 2339 (Carlos Marques Santos) (6): Operação "Rua Turra"



1. Mensagem de Carlos Marques Santos, ex-Fur Mil da CART 2339, Fá Mandinga e Mansambo, 1968/69, com data de 21 de Julho de 2009:

Vinhal:
Com um abraço aqui vai a história do mês.
CMS


AS GRANDES OPERAÇÕES DA CART 2339

Historial da Companhia

Fá Mandinga e Mansambo – 1968/ 1969

Operação VI

Estamos em 30 de Julho de 1968 e pelas 1800h foi iniciada uma Operação denominada “Rua Turra” com a duração de 2 dias para esclarecimento da dúvida se o IN tinha abandonado ou não a região do POIDOM.

Tomaram parte na Operação as seguintes forças:

Destacamento A – CART 2339 a 4 GCOMB

Destacamento B – CART 1746 a 2 GCOMB (um deles era o Pel Caç Nat 53)

Pel Caç Nat 52

Pel Caç Nat 63

Pel Artª

Desenrolar da acção:

O Destacamento A saiu de Mansambo às 20,00h em viaturas para o Xime onde iniciou o movimento apeado à 01,00h, tendo ainda de noite atingido o ponto previsto.

Cerca das 07,00h detectou e foi detectado por grupo IN desarmado, vindo da região do Burontoni, perseguiu-os, mas sem resultados.

Após o tiro de Artilharia iniciou a progressão para o objectivo que atingiu sem reacção IN. O local encontrava-se tal como tinha sido deixado depois da Op. “Bate Dentro”.

Bateu de seguida a zona recebeu ordem de retirada, tendo atingido o Xime cerca das 13,00h, regressando a Mansambo em 31 às 20,30h.

Notas pessoais:

Nesta data a Companhia estava a agrupar-se definitivamente em Mansambo ficando ainda a Formação em Fá.

O meu Pelotão (3.º) acaba a diligência em Moricanhe e no dia seguinte, 28 de Julho, segue para Mansambo, continuando no seu trabalho de Engenharia Civil. Ainda faltavam os nossos abrigos. Era necessário construí-los, mas como o 1.º Pelotão nos tinha rendido em Moricanhe não dormimos ao relento.

Logo dia 30 a Op. “Rua Turra”.

A progressão foi feita debaixo de chuva torrencial e noite escura como breu progredindo o pessoal em bicha de pirilau, mas de mão dada.

Só os relâmpagos animavam o cenário.

Avistados elementos IN, disparos da nossa parte sem resultados.

Os guias perderam-se e regressámos a Mansambo sem picar a estrada.

Operação sem incidentes

CMSantos
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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 25 de Junho de 2009 > Guiné 63/74 - P4578: As grandes Operações da CART 2339 (Carlos Marques Santos) (5): Operação "Bate Dentro"

Guiné 63/74 - P4731: Meu pai, meu velho, meu camarada (11): Mensagem do filho do Cap-Pára João Costa Cordeiro (Pedro Miguel Pereira Cordeiro)


1. O filho do nosso camarada Capitão Pára João Costa Cordeiro, falecido na Guiné, Pedro Miguel Pereira Cordeiro, deixou a seguinte mensagem no poste P4694, sob a forma de comentário:


Caros Senhores,

Agradeço os vossos testemunhos, garanto que, algures num futuro próximo, também acrescentarei (se o moderador aprovar) algumas fotos e documentos relativos à comissão de meu Pai na Guiné.

Ao Doutor Rebocho,

Se não me engano, nalguma foto aparece o (então Sarg.) Doutor Rebocho, lembro-me vagamente de ao ver fotos da Guiné com minha Mãe, esta referir um qq incidente com um Sargento que aparecia numa foto...

A António Santos,
Tenho bem presente a verdadeira paixão de meu Pai pelos saltos de pára-quedas, abundam, nos álbuns de família, imensos saltos, alguns em competições em França e na Rodésia, isto apesar das 2 comissões. Lembro-me, mesmo em miúdo na Guiné de, a seguir ao almoço, ele "cravar" os seus amigos pilotos para ir dar um salto.

Ao Cor. Matos Gomes,
Tenho algumas fotos dos tempos da Academia, incluindo mesmo algumas das competições de Atletismo e uma de um gesso ao tórax resultante duma queda na ginástica. Sei que a sua pronúncia Micaelense lhe valeu a alcunha "Duze", do que não sabia era desse envolvimento em reuniões.
Agradeço imenso o depoimento.

P.S.: Caro Luís Graça, gostaria apenas de lhe pedir para corrigir o marcador de "Cap Pára João Pedro Cordeiro", para "Cap Pára João Costa Cordeiro". É que o Pedro sou eu, não meu Pai que era Manuel de 2º nome...

Um forte abraço a todos,
Pedro Cordeiro
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Notas de M.R.:

(**) Vd. últimos postes desta série relacionados em:

Guiné 63/74 - P4730: Memórias e histórias minhas (José da Câmara) (5): Os primeiros passos na Guiné

1. Mensagem de José da Câmara, ex-Fur Mil da CCAÇ 3327 e Pel Caç Nat 56, Guiné, 1971/73, com data de 17 de Julho de 2009:

Olá amigo Carlos,
Junto encontrarás mais um pouco da minha história.
Se vires que algo possa ser ofensivo para alguém agradeço que faças o óbvio: dá-lhe o nó que eu até agradeço.
Com votos de muita saúde para esses lados do Atlântico.

Um abraço amigo,
José Câmara


Os primeiros passos na Guiné

A Companhia de Caçadores 3327 quando chegou à Guiné já tinha o seu IAO feito e sabia-se que a mesma iria ficar em Bissau durante algum tempo. Como não ia substituir nenhuma Companhia, não lhe foi dado qualquer treino operacional.

A Companhia passou as primeiras três semanas no Depósito de Adidos em Brá, tendo depois mudado para o AGRBIS onde permaneceu até ao dia 6 de Abril de 1971.
Estes dois meses revelaram-se como estando entre os piores momentos de toda a comissão.

AGRBIS > O arame farpado, as bananeiras , as papaeiras e o barro vermelho.

A adaptação ao calor da Guiné tornava-se muito difícil a que não era alheio o facto de estarmos instalados em barracas de campanha. Para quem fazia serviço de noite era impossível descançar de dia dentro das barracas. Assim cada um procurava um sítio que lhe permitisse algum descanço, missão quase impossível num local barrento e sem arvoredo.

A mudança para o AGRBIS com instalações muito boas para a época vieram minimizar as condições salubres e de alimentação. Em contrapartida a Companhia teve que enfrentar no austero Coronel Santos Costa (?), Comandante do AGRBIS e a quem tinham apelidado de O Onze, uma disciplina que ultrapassava em muito aquilo que era razoável e normal. O Coronel usou e abusou do RDM e transformou uma Companhia disciplinada num autêntico desastre, históricamente falando. Foi pena!

AGRBIS > Tanques de água

Outro factor que contribuiu para o mal estar da Companhia em Bissau, em príncipio, foi a falta de correspondência. Como afirmei anteriormente a Companhia teve o seu embarque marcado para o dia 5 de Janeiro, mas só veio a verificar-se a 21 do mesmo mês. Entretanto os militares foram avisados para informarem os familiares e aqueles com quem mantinham correspondência que a deviam mandar para o SPM da Companhia. Infelizmente o sistema do Serviço Postal Militar não foi devidamente informado de que a Companhia ficaria no DA, e a correspondência acabou por ficar congelada em Bissalanca durante algum tempo.

AGRBIS > Mensagem visiual diária da guerra – Helis a grande altitude em direçãao ao sul

Foi durante a estada no DA que teve lugar a cerimónia de boas-vindas pelo então Comandante-Chefe General Spínola. Não o conhecia! O seu discurso foi empolgante e trouxe, ao menos para mim, uma faceta nova a tudo aquilo que me tinham ensinado na Recruta e Especialidade. A guerra não poderia ser ganha se não conquistássemos a população e não a tivéssemos connosco. Isso só poderia ser obtido com respeito pelo ser humano, pelos suas tradições, pela sua forma de estar. Era, julgo eu, a base essencial da sua estratégia para UMA GUINÉ MELHOR!

A seguir às cerimónias o General teve uma reunião com todos os graduados das Forças que agora começavam a sua comissão. Mais uma vez o General no seu estilo militarista peculiar alertou para os perigos que iriamos enfrentar, e exortou-nos a respeitar os nativos, e a fazer da Guiné um pedaço de terra do qual todos nós nos pudessemos orgulhar no futuro.

Durante a sua alocução falou-nos da importância que era reservada aos diferentes postos de comando, e referiu-se especialmente aos Primeiros Sargentos das Companhias, equiparando-os às nossas mães, arrancando assim uma gargalhada geral. O General até conseguiu rir-se com as suas próprias palavras.

Confesso que mais tarde acabei por perceber o que ele então nos quiz dizer.

Foi nessa altura que o Capitão Parracho, comandante da Companhia de Caçadores 3325 entrou, tendo sido de imediato interpelado pelo General na sua falta de comparência ao príncipio da reunião. O Capitão, com o àvontade próprio de alguma experiência, respondeu que estivera a prepar as coisas necessárias à sua Companhia que iria seguir para o mato nessa noite. No meio da gargalhada e da boa disposição do momento, as palavras do Capitão tiveram o efeito de uma lufada de ar gelado. Sabíamos que o destino da sua Companhia era Guileje.

Finda a audiência entrámos nas despediadas normais daquelas ocasiões. Cada um seguiria, a partir de agora, o seu próprio destino. A madeirense 3325 ia para Guilege. A açoriana 3326 ia para Mampatá, a 3327, a minha Companhia, ficava em Bissau e a 3328 ia para Bula.

Nessa despedida estava o meu bom amigo Fur Mil Bernardino Val da CCaç 3325. Era natural da área de Viseu. Tínhamos sido camaradas de Pelotão na Recruta, marchámos lado a lado e as nossas tarimbas também eram lado a lado. Na Especialidade foi voluntário para o Curso de Comandos, o seu sonho. Acabaria tirando o Curso de Minas e Armadilhas. Encontrámo-nos no Funchal, e mais tarde em Santa Margarida. Viajámos juntos até à Guiné.

Primeiro Turno 1970 - O Instruendo Bernardino Val em Tavira. Fur Mil da CCaç 3325.

No abraço de despedida ficou a última vez que nos veríamos. O Val não voltaria.

José Câmara
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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 1 de Julho de 2009 > Guiné 63/74 - P4621: Memórias e histórias minhas (José da Câmara) (4): A viagem até à Guiné

quinta-feira, 23 de julho de 2009

Guiné 63/74 - P4729: Tabanca Grande (163): Vasco Joaquim, ex-1.º Cabo Escriturário da CCS/BCAÇ 2912, Galomaro, 1970/72

1. Mensagem de Vasco Joaquim, ex-1.º Cabo Escriturário da CCS/BCAÇ 2912, Galomaro, 1970/72, com data de 15 de Julho de 2009:

Caro Luís Graça,
Junto envio as 2 fotos solicitadas a todos aqueles que desejam fazer parte da Tabanca Grande.

Cumpre-me agradecer todo o teu esforço, brio e competência, para levar por diante um trabalho que visa juntar todos aqueles que viveram a guerra na Guiné. Sem a tua dedicação e ajuda dos que complementam (refiro-me ao Eduardo Magalhães, ao Carlos Vinhal, e Virgínio Briote) este meritório trabalho, certamente não seria possível a aproximação dos nossos camaradas de armas. Bem hajas por tudo isso.

Pertenci à CCS do BCaç 2912, sita em Galomaro, leste de Bafatá, com Companhias operacionais em Cancolim a CCAÇ 2699, em Dulombi a CCAÇ 2700 e no Saltinho a CCAÇ 2701. Estou aposentado (61 anos feitos em 24 de Junho passado), o meu nome é Vasco de Jesus Joaquim, ex-1.º Cabo Escriturário.

Embarquei para a Guiné em 24/4/1970 a bordo do Carvalho Araújo, um cargueiro de transporte de mercadorias, e desembarquei em Bissau em 1/5/1970.

Regressei à Metrópole em 22 de Março de 1972.

Este blogue que eu tenho o cuidado de pesquisar diáriamente, faz-nos reviver situações boas e más, e recordar pessoas que conhecemos, e permite que voltemos a reencontrar camaradas que já não víamos há quase 40 anos.

Estou em contacto quase diário com o Magalhães Ribeiro e com o Juvenal, aos quais agradeço todo o interesse e ajuda que informaticamente me vão prestando.

Por hoje é tudo Luís.
Um abraço do Vasco Joaquim


2. Comentário de CV:

Caro Vasco Joaquim, não és propriamente dito um estranho ou um novato no nosso Blogue. Deste sinal de ti em Agosto do ano passado, e finalmente és apresentado formalmente à tertúlia.

Agradecemos as tuas simpáticas palavras, que diariamente fazemos por merecer com o nosso trabalho.

Claro que a partir de hoje assumes a responsabilidade de contribuir com as tuas histórias e fotografias, não importando o que dizes ser os teus poucos conhecimentos de informática. Há concerteza aí por casa alguém que dá um jeito na digitalização daquelas fotos velhinhas e descoloridas que todos temos há muito esquecidas pelas gavetas. Quanto aos textos, escrevendo directamente no corpo da mensagem ficam automaticamente em ordem para enviar.

Como vês é fácil.

Somos contemporâneos na Guiné, pois cheguei a Bissau a 13 de Abril de 1970, a bordo do luxuoso paquete "Ana Mafalda", e regressei à então Metrópole em 19 de Março de 1972, já num vôo TAM, certamente como tu.

Em nome dos editores e da tertúlia em geral, envio-te um fraterno abraço e votos de boa convivência na nossa Caserna Virtual.

CV
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Notas de CV:

(*) Vd. postes de:

9 de Agosto de 2008 > Guiné 63/74 - P3124: O Nosso Livro de Visitas (23): Vasco Joaquim, 1.º Cabo Escriturário da CCS/BCAÇ 2912 (Juvenal Amado/Carlos Vinhal)
e
28 de Agosto de 2008 > Guiné 63/74 - P3153: Estórias avulsas (21): Espectáculo do Zéquinha em Bafatá (Vasco Joaquim)

Vd. último poste da série de 14 de Julho de 2009 > Guiné 63/74 - P4686: Tabanca Grande (162): José Eduardo Oliveira, ex-Fur Mil, CCAÇ 675, Binta, 1965/66

Guiné 63/74 - P4728: Dando a mão à palmatória (22): Nota Prévia em defesa do bom nome de Luís Rainha (Rui A. Ferreira)

1. O nosso camarada Rui Alexandrino Ferreira, autor de "Rumo a Fulacunda", enviou-nos no dia 17 de Julho de 2009 este texto que será a Nota Prévia a inserir no seu próximo livro intitulado "Quebo, nos confins da Guiné". Os nossos tertulianos devem recordar-se do diferendo originado pelo uso indevido do nome de Luís Rainha no primeiro livro de autoria do Rui Alexandrino atrás referido. A pré-publicação desta Nota Prévia no nosso Blogue, mas não é que o cumprimento da palavra por parte do nosso tertuliano Rui Alexandrino para defesa do bom nome do nosso camarada Luís Rainha (*)



  2. Nota Prévia Rui A. Ferreira


Rectificando "Rumo a Fulacunda" numa acção que se por um lado me causa algum amargo de boca, não por me julgar o único detentor da verdade ou por ter de reconhecer o erro cometido, mas por que e ainda que contra mim próprio, tenho de a fazer respeitar, não só pela consideração por quem me leu, mas fundamentalmente pela reposição do bom nome de Luís Rainha que sem ter sido tido ou achado se viu protagonista de coisas que não fez. Assim se torna absolutamente imprescindível a explicação que se segue. Tal como o tempo não volta depois que foi passado e a ocasião depois que foi perdida, assim também a pedra depois de atirada e muito em especial palavra depois de proferida. Aceitando como boa a verdade que estes conceitos encerram e a imensa sabedoria dos sábios e filósofos da antiguidade que assim a eles se referiram, só posso em minha defesa acrescentar que a pesar de já publicada pode a palavra ser rectificada. Quando decidi, bem ao contrário do que tenho visto e lido, ao escrever "Rumo a Fulacunda" dar às coisas e chamar as pessoas pelos seus próprios nomes, sabia que me poderia meter em sérios trabalhos, provavelmente escusados. Bastava usar os habituais subterfúgios de "Qualquer semelhança com a realidade foi pura coincidência" ou trocar os nomes chamando ao Caria por exemplo Faria, ou ao Coronel Totobola, mudando-lhe a alcunha para Lotaria ou até numa actualização mais identificável com os tempos que correm de Euro Milhões... Mas não foi o que aconteceu e numa lamentável troca de nomes dos comandantes de dois Grupos de Combate da então Companhia de Comandos da Guiné, acabou no uso indevido no de Luís Rainha como intérprete de situações e acções com as quais nada teve. E se não está em causa a veracidade do que se passou e em "Rumo a Fulacunda" se encontra descrito e aceitando como absolutamente natural a sua intempestiva reacção que só não se sente quem não é filho de boa gente, pareceu-me imperioso, por ser justo e porque errar é próprio dos homens, este apresentar de públicas desculpas a que me comprometi e aqui estou a cumprir. Que o faço por absoluto imperativo moral e nunca para evitar o recurso à Justiça dos Tribunais que, pela morosidade de actuação, pela impunidade que se vive neste país e sobretudo porque tudo não passou de uma troca de nomes que publicamente já reconheci e que eu próprio lamento, duvido que qualquer resolução que daí pudesse vir chegasse a tempo de apanhar algum de nós ainda com vida. Se por absoluto respeito por quem já não pertence a este mundo, omito o nome do verdadeiro interveniente nas ocorrências embora também não seja segredo para quem esteve na Guiné, nessa altura, de quem se trata, mas também por que me parece que ninguém sai beneficiado com o arrastar da situação. Neste contexto aproveito ainda para agradecer, pelo muito que fizeram para sanar este incidente, ao Luís Graça e ao nosso Blogue (pois só a existência dos dois permitiu este estabelecer de amizades e de encontros e reencontros de antigos combatentes da Guiné) ao Virgínio Briote que tal como o Luís Rainha integrava então a Companhia de Comandos, que terei julgado com o rigor excessivo de quem ou esperava aquilo que não podiam dar ou não quis ver que eram homens como nós os da tropa macaca, anónimos filhos do povo com os mesmos temores e as mesmas carências, com iguais angústias e as mesmas dificuldades e frustrações e não máquinas de guerra... Ao que foi o Capitão Miliciano Vasco da Gama que, na primeira vez que o vi e com ele falei, me deu a sensação não de estar a conhecer uma nova pessoa, mas simplesmente que se tratava do reencontro de velhos amigos e que percorreu os mesmos caminhos por terras de Aldeia Formosa, onde provou o seu imenso valor, a minha consideração e gratidão pelas intervenções decisivas e apaziguadoras que teve. Rui Alexandrino Ferreira Quinta do Paul, Ortigosa, Monte Real, Leiria > IV Encontro Nacional do nosso blogue > 20 de Junho de 2009 >Da esquerda para a direita: Luís Raínha, Vasco da Gama, Rui Ferreia e António Carvalho > Fnalmente, o bacalhau da reconciliação e da paz, acarinhado pelo Vasco, testemunhado pelo Carvalho e fotografado pelo Luís Graça... __________