
O serrador
Duas serras e dois cavaletes eram a ferramenta.
De colete e botas.
Trabalhava à jorna.
Dois preços.
De comer ou a seco.
Chegava ao monte pela manhãzinha.
Pelo chão, espalhados, estavam os toros do eucalipto.
Mais os ramos.
Um cheirinho de invejar.
Escolhido o sítio, vinha a tarefa de pôr o toro sobre os cavaletes.
Sem ajudas.
À altura dum homem.
Em dois lances, uma força bruta,
e o toro jazia pronto para a serração.
Lá no alto, um pé à frente e outro atrás,
Derreado, apontava a serra ao tronco,
Já descascado.
E, vai de força, de cima abaixo,
Daquele jeito que só o mestre sabe,
Zás... Zás... Zás...
O serrim caía no chão e fazia tapete.
Uma tábua surgia e depois outra
E outra, até à última.
Aí, umas dez, conforme a grossura.
Era o primeiro.
A seguir o descanso. O suor escorria.
Ia ao bornal.
Uma caneca de tinto, um naco de broa e um chouriço.
Ao fim do dia, vinha o patrão.
Tarefa pronta.
Satisfação de ambos.
Madeira prá casa.
Quinze mil réis.
Graças a Deus!...
Berlim, 23 de Outubro de 2018
10h8m
Jlmg
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Entusiasmo
Não se compra nem vende o entusiasmo.
É um estado de alma.
Não se sabe donde vem.
É luz acesa. Sem ele, tudo apaga.
Nada tem sabor.
A apatia vem.
Reagir é o remédio.
Dar um passeio.
Pela montanha ou até ao mar.
Refrescar os olhos. Ver além.
Ouvir música.
Alegre e colorida.
Um bom vinho.
Abrir a janela.
Olhar o céu.
Tomar um duche.
Ir ao café.
Na esplanada.
Ver gente.
Ir a uma feira.
Estou certo.
Fica melhor.
Pode ser que tudo passe
E volte a sorrir...
Berlim, 25 de Outubro de 2018
8h33m
Jlmg
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Os enigmas
No começo, tudo está bem.
O sol e o vento são bons.
A chuva e o mar se dão bem.
Não pergunto o que haverá para lá daquela serra.
Me contento com o que tenho ao redor do meu quintal.
Uma bola, de trapos me contenta. De borracha será melhor.
Não importa a cor da camisola ou da camisa.
O que interessa é brincar.
O comer aparece sobre a mesa quando vem a fome.
Se alguém me fez mal digo ao meu pai.
É tão bom viver.
Sem perguntas. Está tudo certo.
Mas, depois vem a escola.
Letras e algarismos trazem dúvidas.
Traduzir a voz em sinais gráficos é uma meada muito envencilhada para decifrar.
Vem a história com suas histórias.
Os réis que já não há.
Suas façanhas sempre a mal.
A geografia a falar de rios e de continentes.
Já me bastava o regato da minha aldeia
e o lago de Sestais.
A aritmética das contas sempre a dar erradas.
Escrever sem erros é uma epopeia.
Depois, a religião a falar do que se não vê.
Para que serve acreditar?
De vez em quando há alguém que morre.
O corpo vai para o chão.
Para onde vai a alma do pensamento.
Dizem que é imortal.
Acreditar sem ver não é bem do nosso agrado.
Os preceitos do bom viver. Qual a fonte?
Porquê o prémio e o castigo, já me chega o que chamam a consciência?
Enfim. Um emaranhado de mistérios.
Se não fossem bem explicados,
Mais valia não haver...
ouvindo Secret Garden- Música para el espíritu - Luty Molíns
Berlim, 26 de Outubro de 2018
8h 56m
Jlmg
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Nota do editor
Último poste da série de 21 de outubro de 2018 > Guiné 61/74 - P19124: Blogpoesia (590): "No meio da geometria", "Não tem pele a alma" e "Estado de alma", da autoria de J. L. Mendes Gomes, ex-Alf Mil da CCAÇ 728