Forno crematório elétrico. Foto de Georg Lippitsch (2017). Cortesia de Wikipedia > Cremação
1. Já tive, ontem de manhã, uma longa e agradável conversa, com o Hélder Sousa, nosso aniversariante do dia (a par do Carlos Prata). Estava feliz, naturalmente, é dos que gostam de fazer anos, de estar vivo, de ser ativo e proativo, e de receber lembranças dos amigos... "Eh!, pá, 'tás porreiro ? Ainda ainda não foste covidado ? E quando é que a gente bebe um copo ?"...
Para além do doce blá-blá dos amigos, há uma razão adicional para se celebrar essa efeméride festiva que é o nosso aniversário: é que no dia de anos a família pelo menos reune-se, filhos e netos, noras e genros juntam-se à volta da mesa para cantar os parabéns a você.
Não há, afinal, melhor prenda do que essa...E fazem-se juras,votos, promessas..."Até aos cem, papá, muita saúde e longa vida, vovô!"...
Mas a gente sabe, por experiência própria e alheia, que o raio da velhice nunca vem só, com ela vêm as sequelas & as mazelas...E, no caso dos antigos combatentes como nós, as sequelas & as mazelas se calhar são a dobrar... Dizia-me há um dias um camarada, ao telefone, grávido de lucidez: "Porra, estamos protésicos & amnésicos!"...
Para o Carlos Prata e o Hélder Sousa, que ainda são "rapazes novos", eu pessoalmente só posso desejar, não o impossível, mas o razoável: No mínimo, que acordem todos os dias com o dedo grande do pé direito a mexer!...
Para o Carlos Prata e o Hélder Sousa, que ainda são "rapazes novos", eu pessoalmente só posso desejar, não o impossível, mas o razoável: No mínimo, que acordem todos os dias com o dedo grande do pé direito a mexer!...
Era assim que a gente acordava jovialmente na Guiné, todas as manhãs (em Bambadinca, sempre que dormíamos num colchão de espuma; que no mato, as preocupações matinais eram bem outras).
Os nossos filhos e netos podem não acreditar, e achar que já estamos todos lelés da cuca, mas era a primeira parte do corpo, o dedo grande do pé direito, para que deitávamos os "holofotes" ao acordar...
Era a primeira peça do esqueleto que não podia falhar... E era o primeiro teste vital que tínhamos de fazer todos os dias, pela manhã... (Há muita gente viva, camaradas da Guiné, que ainda anda por aí em boa forma e que não me deixa mentir.)
2. Fui assaltado, entretanto, por uma dúvida: será que estamos mesmo "lélés da cuca" ? Nós ou o blogue, que é a mesma coisa...Há quem insinue, há quem acuse, há quem se interrogue, há quem receie: mas agora até já os crematórios, ligados à centrais de aquecimento das cidades, lá na terra dos viquingues, também são tema de conversa ?! (*)
2. Fui assaltado, entretanto, por uma dúvida: será que estamos mesmo "lélés da cuca" ? Nós ou o blogue, que é a mesma coisa...Há quem insinue, há quem acuse, há quem se interrogue, há quem receie: mas agora até já os crematórios, ligados à centrais de aquecimento das cidades, lá na terra dos viquingues, também são tema de conversa ?! (*)
Apressei-me a pôr água na caldeira, e escrevi, em comentário ao poste P 21411 (*), adicional aos comentários do António Martins de Matos, Cherno Baldé, Valdemar Queiroz e José Belo...
Parafraseando o escritor romano Públio Terêncio, o Africano (c. 195 / 185 a- C- c. 159 a. C:). na sua comédia "Heautontimorumenos" (O inimigo de si mesmo), do ano de 165 a.C., podemos dizer_"Homo sum, humani nihil a me alienum puto" (, traduzindo para o povo cristão que não sabe latim: «Sou humano, e nada do que é humano me é estranho»).
Pois é, se calhar nada é mais humano do que a nossa condição mortal, a morte e o culto dos nossos mortos... O assunto é tão delicado que continua a mexer connosco, antigos combatentes: os nossos mortos insepultos (, que desapareceraam nas águas lodosas dos rios, braços de mar e bolanhas da Guiné), os nossos mortos inumados em cemitérios locais, por vezes nos próprios locais onde morreram (Cheche / Rio Corubal, Guidaje...), os nossos mortos pulverisados por minas e fornilhos, os talhões nos cemitérios e monumentos aos nossos mortos vandalizados...
De acordo com as nossas regras editoriais, só há três "temas" que são tabus: a política (partidária), a religião (proselitista) e o futebol (clubístico)... Em nenhum deles cai a cremação e a eficiência energética das cidades... De qualquer modo, e como diz um amigo meu, isso é tramado, porque se calhar a política, a religião e o futebol representam, com a conversa da treta, as anedotas, a fofoquice e os comes & bebes, 99% das nossas conversas do dia a dia...
Restar-nos-ia 1% para falar aqui no blogue... Mas o problema é que a maior parte da malta já não quer mesmo falar da "guerra da Guiné", coisa do passado distante, e há mais de meio século (1961-1974)... "Camarada, estou cansado, poupa-me!", ouve-se dizer...
Quando o último se calar, vou ter mesmo que ponderar o fecho do blogue... Mas antes temos de fazer uma festa de despedida e nomear uma comissão liquidatária... para organizar o "choro"... E aí põe-se a questão: é com ou sem cremação, o funeral ?
Aliás, o blogue já se começou a "desfazer": estranhamente ontem de manhã desapareceu a coluna estática do lado esquerdo... Mau augúrio ? Ou um simples "bug" informático, uma anomalia temporária ?...
Aposto na segunda hipótese. A verdade é que se eu clicar em postes anteriores a coluna reaparece...Mas de momento só aparece a coluna em branco, do branco da cal, do branco da cor da morte!...
Se calhar, bem tem razão o tal camarada que, há dias, ao telefone, em desabafo solidário, me dizia: "Porra, camarada, estamos a ficar todos protésicos e amnésicos!"... Um eufemismo para dizer: "Velhos"!...
Eu, protésico, já estou... Se calhar o próximo passo, é "lelé da cuca"...
De qualquer modo, caros amigos e camaradas, desculpem lá qualquer coisinha, mas "homo sum"..., o que dizer: os pobres dos editores que fazem este blogue não são heróis, muito menos deuses... O máximo que eu posso é recomendar que todos nós, editores, autores, colaboradores permanentes, comentadores e leitores, façamos o teste, rápido e gratuito, que a gente fazia todas as manhãs na Guiné, o do dedo-grande-do-pé-direito-a-mexer"... (**)
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Notas do editor:
(**) Último poste da série > 19 de setembro de 2020 > Guiné 61/74 - P21372: (Ex)citações (371): eu, computodependente me confesso: a notícia da minha "deserção"... foi, afinal, um bocado exagerada... (Valdemar Queiroz)