terça-feira, 27 de outubro de 2020

Guiné 61/74 - P21485: (In)citações (171): Frei Henrique Pinto Rema, OFM, hoje com 94 anos, Comendador da Ordem do Infante Dom Henrique (2018), autor da "História das Missões Católicas na Guiné" (1982) (João Crisóstomo, régulo da Tabanca da Diáspora Lusófona, Nova Iorque)


Portugal > Presidência da República > Palácio de Belém > 9 de outiubro de 2018 > Frei Henrique Pinto Rema, OFM,  foi condecorado pelo Presidente da República Portuguesa com a Comenda da Ordem do Infante D. Henrique. “Em nome de Portugal, o seu Presidente agradece ao P. Rema o contributo precioso e longo que vem dando ao Povo Português com o seu intenso labor literário, através deste gesto simbólico”.

Dele escreve Frei Frei Armindo Carvalho, Ministro Provincial da Ordem dos Frades Menores (OFM), vulgo Franciscanos (que teve pelo menos 7 capelães militares no TO da Guiné, entre 1961 e 1974):


(...) Membro da Academia de [História], vem sendo solicitado para conferências e estudos de história. Com agrado geral, e sempre com uma “pitadinha” de bom humor, as suas palestras prendem o público e encantam. Colaborador em várias publicações, salienta-se em particular nos seus conhecimentos sobre a vida e obra de Santo António de Lisboa, particularmente condensadas em “Obras Completas de Santo António de Lisboa”, em 2 Volumes, da sua autoria.

Rema é referência obrigatória em Portugal e Europa para falar de Santo António. Possuidor de uma memória muito feliz, é encantador ouvi-lo conversar sobre assuntos relacionados à cultura e a História. É ele o cronista oficial da Província Portuguesa da Ordem Franciscana, retendo uns milhares de páginas escritas sobre os frades de Portugal e suas vidas." (...)


Fonte: OFM Portugal (com a devida vénia...)

1. Mensagem de João Crisóstomo,  régulo da Tabanca da Diáspora Lusófona, na sequência do Poste P21425 (*)


Date: quinta, 8/10/2020 à(s) 15:46
Subject: De Nova Iorque
 

 Caro Luís Graça,

Vejo com muita satisfação, o grande  número de publicações e trabalhos   sobre assuntos relacionados com a Guiné, para os quais  a sua apresentação no blog  tem contribuído para deixarem de ser  "luz debaixo de alqueire" . 

Neste contexto, sem saber avaliar a sua  importância (ou não)  mas como está relacionado com a Guiné,  lembrei-meu de te enviar o que segue, pois talvez tu ou o Beja Santos ou alguém dentre os muitos que têm escrito sobre a Guiné, possa aproveitar a informação  e fazer mais alguma investigação  se houver interesse para isso.

Neste caso trata-se de um padre franciscano e, como muito apropriadamente mencionaste, o nosso blogue é laico. Mas o facto de ele ser padre não quer dizer que os seus trabalhos não possam servir como fontes de informação.  

Tratam-se de alguns trabalhos de  Frei Henrique Pinto Rema,  de quem tenho ouvido falar. O que sabia dele era pouco, excepto que esteve na Guiné e que -  vai  fazer  amanhã dois anos ( 9 de outubro de 2018)  -   foi condecorado pelo Presidente da República  com o Colar da Cruz de Cristo e Comenda da Ordem do Infante D. Henrique.

 O intuito da minha aproximação era tentar obter alguma informação  sobre os capelães militares fanciscanos  ( num total de sete ) que me mencionaste   há dias, no Post 21425, de 6 de Outubro.

 Não foi desta vez que consegui esses resultados, mas isso só quer dizer que terei de continuar. Quando uma porta se fecha, entra-se pela janela… o importante é não  desistir. 

Não consegui agora directamente o que procurava, que a sua idade (94 anos, feitos há dias , a 23 de Setembro) leva-o agora a pensar duas vezes antes de aceitar novos envolvimentos. Mas recebeu o meu pedido com a maior boa vontade e vim a saber de alguns envolvimentos seus com a Guiné.

Alguns tópicos do seu vastíssimo currículo:

(i) Foi  Secretário da Prefeitura Apostólica  de 1965 a 1974 [e portanto estava lá  durante os dois anos  que eu  estive na Guiné ( 1965/ 1967); mas  na altura, recentemente saido do seminário,  o que eu queria era voltar são e salvo a Portugal e  nunca contactei com  ninguém];  

(ii) Lecionou várias disciplinas no Liceu Honório Barreto de Bissau e publicou artigos no  Boletim Cultural da Guiné Portuguesa, de 1968 a 1974. 

(iii) Publicou uma "História das Missões Católicas da Guiné",  primeiro no Boletim Cultural da Guiné Portuguesa  e depois na Editorial Franciscana de Braga, em 1982 , com 994 pp.; (**)

(iv) Participou  no Colóquio Histórico de Bissau em Dezembro  de 1997 com duas comunicações: Encontro da cultura cristã portuguesa com a cultura africana da Guiné; e Aculturação e Inculturação na gesta dos descobrimentos portugueses…

(v)  É o autor das "Obras Completas de Santo António", 2 volumes, Porto, Lello Editores, 1987, 2136 pp. (Coleção: Tesouros da Literatura e da Historia);

Bom, é tudo o que sei, mas como disse, se alguém quiser investigar…aqui estão as fontes ou as pistas; talvez os seus trabalhos possam ser informativos…  (***)

João Crisóstomo

___________


(**) Vd. poste de 9 de julho de  2018 > Guiné 61/74 - P18829: Notas de leitura (1082): História das Missões Católicas na Guiné, por Henrique Pinto Rema; Editorial Franciscana, Braga, 1982 (8) (Mário Beja Santos)(**) 

segunda-feira, 26 de outubro de 2020

Guiné 61/74 - P21484: O nosso blogue como fonte de informação e conhecimento (76): Memoriais Militares / Mémoriaux des Anciens Combattants / Veterans' Memorials: procuram-se contactos, nomeadamente em França e EUA, de associações de veteranos que se interessem por este tema (Serra Vaz, ex-fur mil inf / op esp, CCAÇ 2335, Angola, 1968 / 70)


Lourinhã > Atalaia > Parque dos Moinhos > 16 de junho de 2013 > Inauguração do monumento aos combatentes do ultramar > Vista parcial do monumento...


O concelho da Lourinhã tem, pelo menos, 5 (cinco!) monumentos (ou "memoriais") aos combatentes do ultramar: para além da sede do concelho, tem este na Atalaia, e em mais 3 povoações (Moledo, Zambujeira / Serra do Calvo, Ribamar).

Foto (e legenda): © Luís Graça (2013). Todos os direitos reservados. [Edição: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]



1. Mensagem de Serra Vaz, nosso camarada, antigo combatente em Angola, ex-fur mil inf /op esp, CCAÇ. 2335, Madureira, Nambuangongo, Zala, Malange, jan 1968/ abr 1970), estudioso e colecionador de memoriais militares, nomeadamente os erguidos no teatro de operações:


Date: terça, 1/09/2020 à(s) 10:26
Subject: Apresentação e pedido de informações sobre memoriais militares
Amigo e antigo camarada d´Armas Luís Graça:

Os meus cumprimentos.

Na sequência do nosso telefonema, tal como lhe disse, sou também um antigo militar (miliciano) e actualmente na situação de reforma, dedico-me ao estudo de diversas matérias sobre a Guerra do Ultramar, sendo a principal:

MEMORIAIS MILITARES,


ou seja, aqueles pequenos (e grandes !) monumentos que (quase) todos nós construímos e deixámos lá pelas Áfricas, pelos aquartelamentos por onde penosamente errámos…

Era uma forma de assinalar a nossa presença e deixar uma "marca" da passagem por esses locais e também, em muitos casos, homenagear os mortos em combate, e ainda servir de base para o mastro da bandeira.

Disponho de, no total, cerca de 700 exemplos, (Angola, Guiné e Moçambique ), na sua maior parte documentados por imagens, identificados e, na medida do possível, estudados.

Mas existirão certamente muitos mais (desconhecidos) cujos testemunhos os seus possuidores levarão para a cova e as imagens desse património histórico que dormem esquecidas em baús nos sótãos lá de casa, vão todos conhecer um destino comum: lixo.

E infelizmente, também no terreno, de tudo isso já pouco ou nada resta; mas importa preservar os testemunhos e as imagens que ainda existem.

Eu entendo que a investigação e o estudo destas matérias é também uma maneira de fazer História. É um "nicho" da História; é uma "pequena história " ou uma "história menor", ou lá o que lhe queiram chamar, mas é História.


O que eu pretendo, então?

A fim de fazer um estudo comparativo, gostava de saber se os militares americanos no Vietnam (1955 / 75 ) e os franceses na Indochina (1945/54) e na Argélia (1954 / 62 ) também deixaram algumas "marcas", assinalando a sua presença pelas posições que ocuparam durante essas, bem conhecidas, guerras, em termos tácticos muito semelhantes e contemporâneas da nossa guerra do ultramar..

Ou isso foi apenas uma prática só nossa, própria de nós, portugueses das nossas tradições e da nossa cultura?

O que eu peço:

i) Conhece algum antigo combatente como nós, radicado nos USA, ou França, pessoa idónea, bem relacionado e motivado para estes temas ?

ii) Tem o endereço de alguma(s) Associação(ões) de Veteranos de Guerra, americanos ou franceses, onde é suposto haver alguém que forneça informação credível ?


Nesse dois países devem existir muitas Associações desse tipo, tal como acontece em Portugal.

Eu posso fazer essa consulta directamente, escrevendo uma carta em inglês e/ou francês, desde que disponha de um endereço.

Muito grato pela atenção dispensada, me subscrevo com um abraço

Serra Vaz
e-mail: serlipe14@gmail.com
_________

Pedro da Luz Serra Vaz,
Dafundo, Cruz Quebrada, Oeiras

ex Fur Mil Inf (Op Esp ) CCAÇ. 2335 ( Companhia Independente.)
Angola Jan 1968 / Abril 70:
Madureira, Nambuangongo, Zala, Malange


2. Resposta do editor LG:

Olá, camarada.

Tenos pelo menos vinte referências, no nosso blogue, com o descritor ou marcador Memoriais... Mas este tema também está, em grande parte, coberto por outros descritores ou maracdores como, por exemplo, Monumentos (mais de 50 referências).

Não temos uma série específica, dedicada aos Memoriais da Guiné; em todo o caso, temos muita imformação, dispersa, em texto e fotos, sobre memoriais deixdos no terreno por muitas unidades e subunidaes que serviram no CTIG, entre 1961 e 1974.

Contactos com associações de veteranos, francesas e americanas, das guerras da Indochina, da Argélia e do Vietname, não temos... Mas, alguns camaradas nossos., que vivem em França e nos EUA, podem dar uma boa ajuda.

Obrigado, Serra Vaz, pelo pedido, pleo contacto e pela troca de impressões que estabelecemos ao telefone. Vou mandar alguns contactos de email. Estaremos sempre disponíveis para akudar e oxalá haja já, na volta do correio, respostas de camaradas nossos, da diáspora lusitana, interessados por este tema, iou que possam servir de elemento de ligação ás associações de veteranos dos EUA e da França, nomeadamebte.


Boa saúde, bom trabalho. LG

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Nota do editor:

Último poste da série > 8 de outubro de 2020 > Guiné 61/74 - P21430: O nosso blogue como fonte de informação e conhecimento (75): procuro mais notas biográficas sobre o cor pilav Gualdino Moura Pinto, dado erradamente como morto no acidente do avião da TAP, TP425, no Funchal, em 19/11/1977 (Santiago Garrido, jornalista, "La Voz de Galicia")

Guiné 61/74 - P21483: Memória dos lugares (415): Béli, Madina do Boé, Dandum...Fotos da última viagem ao sector do Boé, em 30 de junho e 1 de julho de 2018 (Patrício Ribeiro)



Guiné-Bissau > Região de Gabu > Sector de Boé > 2009 >Béli >  Restos do quartel de Béli, retirado pelas NT em meados de 1968, por ordem expressa de Spínola.

Foto (e legenda): © Patrício Ribeiro (2009). Todos os direitos reservados.. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. Entre 30 de junho e 1 de julho de 2018, o nosso amigo e camarada Patrício Ribeiro, que vive há 4 décadas na Guiné-Bissau, onde é empresário,  fez um  viagem de trabalho  ao setor do Boé,  hoje integrado na Região de Gabu. 

A partir de Bafatá e Gabu, deslocou-se nomeadamente a Béli (onde pernoitou, em 30/6/2018) e a Dandum (passando por Madina do Boé). No regresso, a Bafatá, ficou em Canjadude, onde tinha trabalho.

Já aqui publicámos, no seu devido tempo, as crónicas que nos mandou, acompanhada de belas fotos... Esta é apenas uma das diversas viagens que fez a esta região, "remota e difícil acesso", da Guiné-Bissau. o setor do Boé.

Para a maior parte de nós, antigos combatentes,  é uma região praticamente desconhecida: havia lá poucos quartéis e destacamentos: Canjadude, a norte do Rio Corubal; Madina do Boé, Belí, Cheche, a sul...  Estes três últimos foram entretanto mandados retirar por ordem de Spínola: Béli (meados de 1968), Madina do Boé e Cheche, em 6 de fevereiro de 1969.

Daí termo-nos lembrado de reconstituir e documentar o percurso do Patrício Ribeiro, nesse início da estação das chuvas dw 2018. Publicamos alguns excertos e algumas das fotos, reeditadas e renumeradas (*).

Em 2018,  não havia ainda  sinais, no entanto, da "Montanha Cabral", aqui referida no poste P.21479 (**). 

O memorial ao Domingos Ramos, morto em 1966, é referido no texto, mas não o célebre "marco ali colocado por Amílcar Cabral em 1958 e que mais tarde se torna o local de encontro com os seus homens e onde muita da estratégia militar era definida", e cuja  existência foi aproveitada pela ONGD Afectos com Letras, com sede em Pombal,  para construir,a pedido da população local,  um memorial, "de reconhecimento histórico nas colinas do Boé" (**)

Esse memorial, tudo o indica, ficará nas imediações da Tabanca de Dandum, na colina Dongol Dandum, cota 171, a sul do antigo aquartelamento e da atual tabanca de Madina do Boé  (vd, carta de Madina do Boé, 1958, escala 1/50 mil). É aqui se situaria a tal "Montanha Cabral", de que pouca gente sabia até agora existêcia.

2. A este respeito, o Cherno Baldé, nosso colaborador permanente, mandou-nos o seguinte comentário (**): 

(...) Se a memória não me falha, a tal montanha está situada a meio caminho entre as localidades de Madina e Dandum, do lado direito para quem vai. Lembro-me vagamente de me terem falado dela, mas francamente, o caminho era tão mau e tantos os solavancos que não me apetecia falar de turismo, mesmo se a região, com as suas mil colinas, é simplesmente, a região mais bonita do pais.

Quanto ao marco geodésico de 1958, não acredito que tenha sido o Cabral a colocá-lo lá. Deve ser mais um mito popular a juntar-se a muitos outros. Sabemos que ele desenvolveu um amplo trabalho de recenseamento agrícola e, talvez estudo dos solos, mas não vejo em que isso estaria relacionado com a colocação de marcos geodésicos. 

Curiosamente, já tinha ouvido a mesma coisa sobre um marco do mesmo ano que tinha sido colocado a entrada da m8nha aldeia, no Leste. A verdade é que a esta data, salvo erro, o Cabral devia estar a trabalhar fora da Guiné.(...)  [, 1958,] 


3. A última viagem de Patrício Ribeiro a Beli, Madina do Boé e Dandum (30 de junho e 1 de julho de 2018):

[ Patrício Ribeiro é um português, natural de Águeda, criado e casado em Angola, com família no Huambo, antiga Nova Lisboa, ex-fuzileiro em Angola durante a guerra colonial, a viver na Guiné-Bissau desde meados dos anos 80 do séc. passado, fundador, sócio-gerente e director técnico da firma Impar, Lda.; tem também uma "ponta, junto ao rio Vouga, Agueda, onde se refugiou agora, fugimdo a pandemia de Covid-19: é o português que melhor conhece a Guiné e os guineenses, o último dos nossos africanistas: tem cerca de uma centena de referências o nosso blogue]


(..) Há poucos dias, fui dar uma volta pela região do Boé. Nos finais de Junho [de 2018], após as primeiras chuvas, como sempre gosto de fazer.

Nesta época podemos encontrar as encostas das colinas todas verdes, como se lá tivessem plantado relva, o terreno muito colorido com as primeiras flores a desabrochar, após a época seca. Com a falta de chuva nos últimos 7 meses, começando as chuvas, a relva cresce 2 a 3 cm por dia ...

Neste mês ainda se pode passar por todos os caminhos e picadas; os rios de água cristalina começam a correr, mas ainda os podemos ultrapassar com as viaturas todo o terreno.

Claro que em alguns locais já temos mais de um palmo de água nas entradas, durante muitas dezenas de metros [,  mas como o solo é todo de pedra, não há o perigo de ficar atolado na lama.

Depois de sair de Bafatá, passamos em Gabú [, antiga Nova Lamego], a caminho de Ché Ché, estrada de terra batida, em muito bom estado até ao rio.

Lá chegamos ao primeiro obstáculo [...], a travessia do rio Corubal. [Foto nº 1], Esperamos pela jangada que estava do outro lado e, depois de algum tempo de espera, lá apareceu ela para nos transportar! Estava a ser puxada à mão por diversos homens, porque o motor estava avariado. (...)


Foto nº 1 > Guiné-Bissau > Região de Gabu > Setor de Boé > 30 de junho de 2018 >  Margem direita do Rio Corubal > Rampa de acesso, do lado da estrad que vem de Gabu e Canjadude... Do outro lado, na margem esquerda, fica(va)  Ché Ché (ou Cheche, como vem grafado no nosso blogue): vê-se a jangada que faz o transporte de viaturas, pessoas e bens.. Mas neste dia, a travessia é feita por jangada, puxada... à corda, por avaria no motor.   

Recorde-se que, em 6 de fevereiro de 1969, neste mesmo local, houve um trágico acidente com a jangada: morreram, afogados, 46 militares e 1 civil, na sequência da retirada do quartel de Madina do Boé (Op Mabecos Bravios).


(...) Ultrapassado o rio [Corubal], lá seguimos por cima da estrada de pedra a caminho de Beli, mais ou menos 40 km, passando por algumas poucas tabancas, que outrora eram bem pequenas, com as casas todas cobertas a palha, mas agora são maiores e com mais casas, quase já não há casas cobertas a palha. Este caminho é muito bonito e difícil.

Ao chegar a Beli, iniciamos o nosso trabalho e procuramos alojamento nas instalações da Chimbo, que tem 9 bangalós para alugar. [Foto nº 2]. São holandeses, da Fundação Chimbo Daribó. Andam a instalar máquinas fotográficas nas árvores, para fotografarem os chimpanzés, muitos, búfalos, alguns e até alguns leões: vd. o sítio na Net,  www.chimbo.org.

Não há Internet, mas na vila há telefone. No resto da região, não. A língua falada corrente é o Fula. Por vezes não é possível uma conversa em Crioulo e Português, língua oficial, só com professores e alguns funcionários. Os jovens entendem um pouco.


Foto nº 2 > Guiné-Bissau > Região de Gabu > Setor de Boé > 1 de julho de 2018 > Béli > Bangalós da Fundação Chimbo Daribó, baseadas nas casas tradicionais fulas, circulares, e com telhado de colmo, em forma de cone.


Ao outro dia [, 1 de julho de 2018} seguimos viagem para Dandum, voltamos para trás até tabanca de Cobolo e seguimos em direção a Sate; dali por um caminho a corta mato para Diquel, por onde as viaturas ainda passam. [Fotos nº 3 e 4]



Foto nº 3 > Guiné-Bissau > Região de Gabu > Setor de Boé > 1 de julho de 2018 > Picada para Dandum, q sul de Madina do Boé, ainda transitável



Foto nº 4 > Guiné-Bissau > Região de Gabu > Sector de  do Boé > 30 de junho de 2018 > Tabanca de e posto fronteiriço de Dandum, 3km a sul de Madina do Boé.


Passamos por algumas pequenas tabancas perdidas nas colinas do Bolé, mas todas têm escolas. Cruzamos alguns rios que começam rapidamente a aumentar o caudal, com a chuva que está a cair.

Lugares muito bonitos e completamente diferentes do resto da paisagem da Guiné (foto 6). Algumas destas tabancas já existiam. (Ver mapa de 1961 da Província da Guiné, e voltaram a ser implantadas na Carta Geológica da Guiné, do Dr. Paulo Alves, em 2011).

Por aqui começam a aparecer algumas hortas de caju nos vales, assim como algumas pequenas tabancas, porque os terrenos são mais férteis. O que obriga os animais selvagens existentes no Parque Natural do Boé a ter de "arranjar" outros locais … Agora são avistados para os lados de Lugajole, mesmo junto à fronteira com a Guiné-Conacri. (***)

Chegamos até perto de Madina do Boé, mas seguimos o caminho para Dandum, 3 km mais à frente.

Dandum, a tabanca é muito grande com muitas casas, tem posto de fronteira [, Foto nº 4]: alguns funcionários públicos, guardas de fronteira, professores; tem um hospital, tudo e todos perdidos na distância para Bissau... O local é uma planície com terra muito fértil, com muitas árvores de fruto.

Verificamos o trabalho que tínhamos realizado no hospital,  há uns meses, está tudo Ok!


Foto nº 5 > Guiné-Bissau > Região de Gabu > Sector de  do Boé > 1 de julho de 2018 > Tabanca de Madina do Boé. 



Foto nº 6 > Guiné-Bissau > Região de Gabu > Sector de  do Boé > 1 de julho de 2018 >  Madina do Boé > Restos do antigo aquartelamento, retitado em 6 de fevereiro de 1969, ao tempo da CCAÇ 1790, do cap inf José Aparício... Estas ruínas parecem ser a da antiga central elétrica...



Foto nº 7 > Guiné-Bissau > Região de Gabu > Sector de  Boé > 1 de julho de 2018 >  A velhinha fonte da "Colina de Madina do Boé",  construída em 1945, ainda já está, operacional... O painel de azulejos já muito degradado...


No regresso pelos mesmos caminhos, mas paramos em Madina do Boé, para as fotos da praxe. A tabanca de Madina do Boé fica em uma planície fértil, com muitos árvores de fruto e tem alguns morros ao longe (Fotos nºs 5 e 6).

A fonte "Colina de Madina do Boé", construída em 1945, ainda lá está, resistindo à usura do tempo e dos homens (Foto nº 7). Há dibversas fotos no blogue.

 Estivemos junto ao Memorial de Domingos Ramos, local onde foi ferido e provavelmente morto (foto 11). Está aproximadamente a uns 500 metros da fonte de 1945 e do antigo quartel, a poucos metros do caminho para Dandum, na planície. (Foto nº 8).

Na pedrta, não havia nenhuma inscrição. O pessoal que me acompanhava,  do Parque Natural do Boé, sabia deste local, indicaram-me talvez porque passamos perto. Das outras vezes que fui a Madina,  não me indicaram este sitio. Do outro lado da picada, perto a 70 metros, já há algumas casas.  



Foto nº 8 > Guiné-Bissau > Região de Gabu > Sector de  Boé > 1 de julho de 2018 >  Monumento à memória de Domingos Ramos, comandante do PAIGC, morto em 10 de novembro de 1966, ao tempo da CCAÇ 1416.


Regresso a Beli, para assistir ao encontro de Portugal / Uruguai, no clube dos jovens, enquanto a trovoada deixou ver, até que o sinal da parabólica deixou passar. A Net por estas paragem não é uma ciência exacta... é muito complicado. Grande foi a festa, quando Portugal marcou o golo.

Depois regresso de Beli até Candjadude (Foto nº 9) onde passamos o resto do dia a fazer trabalhos, antes da chegada da noite, a Gabú.



Foto nº 12 > Guiné-Bissau > Região de Gabu > Sectir de Boé > 1 de julho de 2018 > Caminhos do Boé, com colinas ao fundo, no regresso a Canjadude e a Gabu (antiga Nova Lamego)

Fotos (e legendas): © Patrício Ribeiro (2018) Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]
 
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Notas do editor:

(*) Vd. postes de;


21 de julho de 2018 > Guiné 61/74 - P18861: Bom dia, desde Bissau (Patrício Ribeiro) (7): Os meus passeios pelo Boé - Parte I: 30 de junho de 2018: a travessia do Rio Corubal, de jangada, em Ché Ché

(**) Vd. poste de 24 de outubro de 2020 > Guiné 61/74 - P21479: Memória dos lugares (414): Região de Gabu, setor de Boé, Colinas do Boé: Montanha Cabral... Alguém sabe onde fica, exatamente, essa "montanha" (fello, em fula), que faz parte das "lendas e narrativas" do PAIGC ? 

Guiné 61/74 - P21482: Notas de leitura (1317): “Para o bem da Nação: usos políticos do desporto na Guiné Portuguesa (1949-1961)”, um artigo de Victor Andrade de Melo na Revista Análise Social de 2017 (2) (Mário Beja Santos)


1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 19 de Dezembro de 2017:

Queridos amigos,
Aqui se põe termo a uma curta viagem sobre a prática desportiva na Guiné-Bissau, com um apontamento da importância que o PAIGC conferia, no período da luta armada, à ginástica e ao desporto em geral. A guerra, a descolonização e o isolamento do colonialismo português alteraram em profundidade a política de desporto ancorada por Sarmento Rodrigues, um crente no luso-tropicalismo e um impulsionador do bom relacionamento com os territórios limítrofes. A chegada de contingentes militares metropolitanos aumentou o número de técnicos desportivos mas os grupos guineenses decaíram devido à gradual instabilidade política. É esse histórico que aqui fica registado.

Um abraço do
Mário


Usos políticos do desporto na Guiné Portuguesa e no PAIGC (2)

Beja Santos

Em texto anterior, retirado da revista Análise Social n.º 225, de 2017, sumularam-se as apreciações do investigador Victor Andrade de Melo sobre as manifestações desportivas na Guiné Portuguesa desde a era de Sarmento Rodrigues até 1961, o ano que precede o início das ações subversivas do PAIGC. No artigo do mesmo autor intitulado “A nação em jogo: esporte e guerra colonial na Guiné Portuguesa (1961-1974)”, publicado na revista Antíteses, da Universidade Estadual de Londrina, Brasil, aflora-se o impacto da guerrilha do PAIGC, mas é importante dar atenção ao prelúdio desses acontecimentos. Os clubes mantiveram a sua atividade até ao início da guerra, enfrentado os mesmíssimos problemas que se tinham registado nos anos 1950, com relevo para as dificuldades financeiras e deficiências organizativas graves. Isto para dizer que a política do desporto na Guiné tinha uma dependência crucial no incentivo estatal. Um cronista observou que o Liceu Honório Barreto inaugurado em 1957 não possuía um espaço adequado para a prática do desporto, isto em 1961. A Mocidade Portuguesa tentava a implantação na Guiné, fazia uma inserção que ia desde a apresentação de danças indígenas até à educação física.
Entrada dos elementos da Mocidade Portuguesa no campo de futebol do Piche, 1971

A guerra trouxe modificações de montra e uma delas foi a participação de militares em diferentes modalidades desportivas. Equipas das Forças Armadas passaram a participar nos eventos desportivos. Em 1967, o Torneio da Páscoa contou com a presença da seleção nacional de militares, que um cronista saudou como uma forma de exaltação do império: “Foi este o último elo que ligou os desportistas da Guiné e a Mãe Pátria, nesta magnífica jornada que jamais se poderá apagar da mente deste povo modesto. Bem hajam, valentes soldados de Portugal, que a este cantinho trouxeram um pouco da recordação do nosso verdadeiro Lar". Os militares também passaram a ocupar funções de direção, caso do Capitão António Rodrigues Rebelo de Carvalho que em 1963 assumiu o Conselho Provincial de Educação Física, empossado diretamente pelo Governador da Guiné.

Em 1964, um dos mais tradicionais campeonatos disputados na Guiné, o Torneio Internacional da Páscoa, pela primeira vez não contou com equipas de fora da província. Escreveu-se em O Arauto: “Os tempos mudaram. O momento atual não permite que continuemos a manter relações desportivas com esses vizinhos”.

No ano seguinte, como já se escreveu no texto anterior, veio a Académica de Coimbra, que retornava à Guiné com o mesmo sucesso que obtivera nos anos 1950. Em Abril de 1962, desembarcaram em Bissau, para realizar jogos em várias cidades, as seleções portuguesas de vólei e andebol. O Arauto voltou a embandeirar em arco: “Em Bissau ou em Bafatá, em Farim ou em Bula, em Teixeira Pinto ou em Bissorã, irmanados do mesmo desejo e no mesmo brio – portugueses, pretos, mestiços e brancos – entregaram-se ao desenvolvimento desportivo local, alheios às contrariedades". Uma delegação do Sporting Clube de Portugal veio à Guiné em 1966, trouxe um presente da Câmara Municipal de Lisboa, livros para serem distribuídos por escolas e bibliotecas, houve jogos de futebol, andebol, futsal e basquetebol.

Para apurar qual das equipas participaria na Taça de Portugal, jogaram a UDIB e a Académica de Mindelo, ganhou a UDIB que veio a disputar a fase seguinte com o Olhanense, foi eliminada.

Spínola não descurou o fenómeno desportivo, e na entrega da Taça da Guiné de 1969 referiu que o seu intuito era atingir a “grande massa do povo guineense que pretendemos valorizar física, intelectual e moralmente no quadro da consecução de uma vida melhor”.
Mas os conflitos e o estado de sobressalto permanente tinham posto as coletividades a viver com inúmeras dificuldades. Em 1968, o Torneio de Páscoa, que já não era internacional, foi cancelado, no ano seguinte quem veio jogar na Taça de Portugal com o Sporting foi a UDIB. A despeito dos sobressaltos, ainda se fez um rali Bissau-Mansoa. Mas os dias do desporto colonial tinham os dias contados.
Victor Andrade de Melo dedica depois a sua atenção ao desporto nas zonas de conflito. Na escola-piloto de Conacri a educação física era uma matéria obrigatória. Os dias de aula iniciavam-se com sessões de ginástica e prática desportiva. Para os líderes do PAIGC, tratava-se de garantir o que consideravam um direito: os cuidados com a saúde e a higiene, bem como o acesso a uma faceta da cultura. A ginástica era ministrada no Lar dos Combatentes que acolhia os que deixavam a Guiné e iam para Conacri preparar-se para participar na luta armada. O Programa para a Preparação de Soldados das FARP lançado, em 1968, pela Escola de Formação de Combatentes, que tinha como um dos seus objetivos “preparar os nossos combatentes fisicamente, de forma a que possam levar a cabo as ações militares e as marchas com êxito […] Para conseguir este objetivo deve treinar-se o pessoal em ginástica, campos de obstáculos e em combates de corpo a corpo". Há mesmo uma carta de Nino Vieira para Luís Cabral a pedir materiais para a prática desportiva, pede explicitamente uma bola de futebol. Na Fundação Mário Soares guardam-se diferentes documentos de líderes revolucionários pedindo equipamentos desportivos, nessa mesma fundação encontram-se fotos de jogos de futebol disputados entre prisioneiros portugueses e membros do PAIGC. Em jeito de conclusão, o autor refere que “é possível inferir que os dois grupos, Forças Armadas de Portugal e do PAIGC lograram algum sucesso na mobilização pelo desporto. De um lado, era uma forma de ajudar a suportar a dura vida da guerra, uma diversão quotidiana com a qual se envolvia mais intensamente os que já a apreciaram. Do outro lado, juntamente com a ginástica, era concebido como ferramenta para a preparação do combate, para desenvolver espírito de grupo, aptidão física, controlo e disciplina."
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Notas do editor

Poste anterior de 19 de outubro de 2020 > Guiné 671/74 - P21465: Notas de leitura (1315): “Para o bem da Nação: usos políticos do desporto na Guiné Portuguesa (1949-1961)”, um artigo de Victor Andrade de Melo na Revista Análise Social de 2017 (1) (Mário Beja Santos)

Último poste da série de 20 de outubro de 2020 > Guiné 61/74 - P21469: Notas de leitura (1316): "O Cântico das Costureiras", de Gonçalo Inocentes (Matheos) - V (e última) parte (Luís Graça): Em Brá, no final da comissão, tem como companheiro de quarto o furriel mil 'comando' Vassalo Miranda, uma 'figura ímpar', grande autor de banda desenhada da nossa guerra

Guiné 61/74 - P21481: Casos: a verdade sobre... (13): a "Montanha Cabral", como chama a população local, de maioria fula, à colina Dongol Dandum (cota 171), a sul de Madina do Boé


Foto nº 1 > Guiné > Região de Gabu > Setor de Boé > Colinas do Boé > s/d>  Detalhe de imagem reproduzida, com a devida vénia, da página do Facebook de Catarina Marcelino) > Marco com a inscrição "1958"... Local: colina Dongol Dandum (cota 1971), também  conhecida pela população local como "Montanha Cabral" 


Foto nº 2  >  Guiné-Bissau > Região de Cacheu > Chão Felupe > Estrada, com cerca de 14 km de extensão, que liga Cassolol ao porto de Budjedjete > Marco com a inscrição "1951"...


Foto nº 3 > Guiné-Bissau > Região de Cacheu > Chão Felupe > Estrada, com cerca de 14 km de extensão, que liga Cassolol ao porto de Budjedjete > Marco com a inscrição "MGHG" (sigla de Missão Geo-Hidrológica da Guiné", e não MCOG, como  regista a antropóloga Lúcia Bayan


Foto nº 4 > Guiné-Bissau > Região de Cacheu > Chão Felupe > Estrada, com cerca de 14 km de extensão, que liga Cassolol ao porto de Budjedjete >  Marco com a incrição "LN 2 0” e “R”.


Foto nº 5 > Guiné-Bissau > Região de Cacheu > Chão Felupe > Estrada, com cerca de 14 km de extensão, que liga Cassolol ao porto de Budjedjete >  Marco, sem inscrições.

Fotos (e legendas) (2, 3, 4 e 5): © Lúcia Bayan (2020). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. Caros/as leitores/as:

Parece-nos ter "descoberto" o mistério do "marco", atribuído a Amílcar Cabral e à sua passagem pela colina, que hoje teria o seu nome, "Montanha Cabral" [, Foto nº 1]. A "tradição" ou a  "crença popular local" fpi aproveitada pela ONGD Afectos com Letras, para ali erigir, a pedido da população local, de maioria fula,  um pequeno memorial da luta pela independência,... 

Recorde-se o que diz a página do Facebook da Catarina  Marcelino, deputada à Assembleia da República Portuguesa  (*):

(...) "A Associação Afetos com Letras está a construir um pequeno espaço de memória na Montanha Cabral, junto ao marco ali colocado por Amílcar Cabral em 1958 e que mais tarde se torna o local de encontro com os seus homens e onde muita da estratégia militar era definida". (...)

Há tempos publicámos aqui um poste com fotos de marcos semelhantes ao da Foto nº 1,  para os quais a antropóloga Lúcia Bayan procurava uma explicação, agradecendo a eventual a ajuda.


2. Escreveu a antropóloga Lúcia Bayan [Vd. aqui o poste P20584 (**)]

(...) Que marcos são estes? [Fotos nºs 2, 3, 4 e 5]

Na ponta noroeste da Guiné Bissau, em pleno chão Felupe, existe uma estrada, com cerca de 14 km de extensão, que liga Cassolol ao porto de Budjedjete, onde a população, para as suas idas ao Senegal, em especial Kabrousse, apanha a canoa para atravessar o rio com o mesmo nome. 

Esta é uma estrada de terra, por vezes plana e lisa, outras vezes irregular e “com dois andares”, que atravessa floresta, campos agrícolas, bolanhas secas ou com água, de acordo com a época do ano, e também as tabancas Caroai, Basseor, Tenhate e Sucujaque.[Vd. carta de Varela.]

Entre as tabancas Sucujaque e Tenhate (...) , a estrada, com uma extensão de cerca de 2,5 Km, é muito bonita, ladeada de floresta, como se de um parque ou jardim se tratasse (...).

Nesta estrada existem dois marcos de pedra que não sei identificar. Serão marcos geodésicos? Delimitações da administração colonial? Militares? Propriedade de terrenos?

Um dos marcos, que nomeei Marco 1, está situado junto à estrada, a 12° 20’ 48,27’’ N e 16° 38’ 32,01’’W (valores recolhidos por mim no local), e tem inscrições em três dos seus lados. Na face virada para a estrada está inscrito “M C O G” [,. Foto nº 3], na face traseira “1951” [, Foto nº 2 ], numa das faces laterais encontra-se inscrito “L N 2 0” e “R” e nada na outra (...)

O Marco 2, situado a 12° 20’ 48,56’’ N e 16° 38’ 11,09’’ W, está também muito perto da estrada, mas escondido no mato e, apesar de idêntico ao primeiro, não tem qualquer inscrição (...) , provavelmente devido ao desgaste do tempo. [Foto nº 4]. (...)

[Nota do editor LG: na foto nº 3. a sigla não é MCOG, mas sim MGHG leia-se: Missão Geo-Hidrográfica da Guiné:  Vd. Decreto-lei n.º 33609 de 14 de Abril de 1944: em 1944, o Ministério das Colónias organiza e envia à Guiné uma missão geo-hidrográfica encarregada de proceder ao levantamento geodésico e cartográfico da colónia, e seguidamente ao seu levantamento hidrográfico.]

3. Só o nosso "mais velho" António Rosinha  respondeu,  na altura,  ao repto da antropóloga,  Lúcia Bayan, fazendo uso da sua grande sabedoria, experiência, africanismo e inteligência emocional... Afinal, os nossos "mais velhos" veem sempre muito mais longe, mesmo quando estão sentados na base do poilão, do que os "djubis", os putos, dependurados lá no cocuruto da árvore sagrada!...

O Rosinha, com o seu apurado "olhar clínico", não teve dúvidas: "não, minha senhora, esses marcos não podem ser marcos geodésicos"... Afinal, ele foi um experiente topógrafo em Angola e depois na Guiné-Bissau (,aqui ao serviço da famosa TECNIL).

Foi ele que nos deu uma "pista preciosa" que,  juntando à informação da antropóloga. nos levou à MGHG - Missão Geo-Hidrográfica da Guiné... ("E não MCOG, senhora doutora!... Veja com mais atenção as fostos dos marcos que tirou no chão felupe"...).

Escreveu o nosso querido amigo e camarada, o "cólon" António Rosinha:

(...) Um vértice (ou Marco) geodésico é um sinal que indica uma posição cartográfica exacta e que forma parte de uma rede de triângulos com outros vértices ..

Aqui na "Metrópole" os marcos geodésicos são normalmente troncos de cone e em Angola, eram troncos de pirâmide em geral.

Normalmente todos com alturas de mais de metro e meio em locais altos e se possível intervisíveis com outros vértices directamente, caso contrário usando torres metálicas centradas sobre esses marcos.

Também nas minhas andanças guineenses, junto de um canal, (que já não me consigo recordar onde) encontrei um marco de cimento igual aos das fotos.

Não é possível que esses marcos da foto e o tal que eu também encontrei há mais de 25 anos, pertencessem a uma rede geodésica principal.

Para mim, foram marcos coordenados por oficiais da marinha, em levantamentos geográficos parciais, para posterior ligação a uma futura rede geodésica.

Nem compreendo para que outra coisa serviria construir uns marcos com fundações tão frágeis.

Era muito caro e muito custoso fazer cartografia na Guiné, havia a MGA, Missão Geográfica de Angola, mas aí, terra muito rica, eram enormes marcos para toda a vida.

Guiné, cuitada!

23 de janeiro de 2020 às 18:38


4. Comentário do nosso editor LG:

O Patrício Ribeiro, lá da sua "ponta do Vouga", acaba de nos mandar um texto, documentado com  fotos, sobre as diversas viagens que já fez à região do Boé. Não se esqueçam que ele está há manga de luas a viver e a trabalhar na Pátria de Cabral.

Sobre a "Montanha Cabral", diz-nos que nunca ouviu falar desse lugar, ou dessa designação. Falou, de resto, com  com "dois  investigadores portugueses,  que tu conheces, o Geólogo, Paulo Aves,  e o Biólogo, Luís Catarino, que também fizeram trabalhos no Boé":  mas também eles não conhecem essa "Montanha Cabral",

 E depois acrecenta: "Parabéns à Joana Benzinho e sua equipa, que com muito sacrifício, andam a levar a língua Portuguesa a locais de difícil acesso. Depois da AMI nos anos 80  com a sua equipa médica, chega mais alguém a falar Português ao Boé, esta língua é pouco falada naquela zona."

Em resumo,  nenhum de nós, nem o Cherno Baldé, nunca tinha ouvido falar da tal mágica e sagrada "Montanha Cabral"... E se o Cherno Baldé não conhece, poucos guineenses conhecerão...

Mas também, e como escrevemos ao Cherno, é importante associar o território à memória das gentes... Também nós, portugueses, temos as nossas "lendas e narrativas", desde Ourique a Alcácer Quibir, passando por Aljubarrota e os Montes Hermínios... Afinal, um povo que as não tenha, as tais "lendas e narrativas", é um povo morto ou moribundo...

 A ONGD Afectos com Letras está no seu direito de ir ao encontro das necessidades expressas ou sentidas pela população local,  com esta iniciativa de erguer, nas colinas do Boé,  um pequeno memorial ao papel histórico do Amílcar Cabral como líder de um movimento nacionalista que levou o território à independência. 

Que a população local, de maioria fula, chame "Montanha Cabral" à colina Dongol Dandum, está no seu legítimo e pleníssimo direito. 

No tempo da guerra colonial, essa designação não existia. Sobre isso, acaba-nos de falar ao telefone o ten gen ref José Nico que teve protagonismo na "guerra de Madina do Boé", travada em meados de 1968 (***). 

Para ele, só pode tratar-se da colina Dongol Dandum, base de fogos do PAIGC nos ataques e flagelações contra o quartel de Madina do Boé. E onde se posicionavam também os "snippers", os temíveis franco-atiradores, diz o Manuel Coelho, ex-fur mil trms, da CCAÇ 1589, que ia lerpando,,,

Afinal, estamos aqui, numa boa, não para "fazer história", que é uma coisa chata e enfadonha, que deixamos aos senhores historiadores diplomados, mas tão simplesmente  para partilhar memórias... E, já agora, também para nos divertirmos e cuidar da nossa boa saúde mental... 

De facto, mal de nós, antigos combatentes, quando um dia viermos aqui reconhecer em público: "Eh!, malta, já não me lembro do que me esqueci!"... 

Quem nunca conheceu a "Montanha Cabral", não pode lembrar nem esquecer... Infelizmente foi palco de alguns sangrentos combates onde morreram ou ficaram feridos portugueses, guineenses, cabo-verdianos e cubanos (***)... Esta é que foi a verdade, nua e crua, a de uma guerra que nunca deveria ter acontecido  (****)

 Mantenhas. Cuidemo.nos!

PS1 - Nunca é de mais reiterar, publicamente, a nossa homenagem aos valorosos cartógrafos militares portugueses. A cartas do chão felupe / região do Cacheun(Varela, Susana, São Domingos, etc.) da Guiné resultam do levantamento efectuado em 1953 pela Missão Geo-Hidrográfica da Guiné – Comandante e oficiais do Mandovi, daí a razão de ser dos marcos assinalados pela Lúcia Bayan. O mesmo se passa com as cartas de Madina do Boé (1958), Béli (1959), Jabiá (1959)...

PS2 - Em 1958 Amílcar Cabarl já não estava na Guiné. Em 1953, foi contratado como engenheiro agrónomo pela Repartição Prvincial dos Serviços Agrícolas e Florestais da Guiné Portuguesa e, nessa qualidade, foi o rsponsável pelo planeamento e execução do Recenseamento Agrícola da Guiné. Teve então ocasião, em 1953, de percorrer quase toda a Guiné, incluindo a região do Boé. Em 1956/60 foi colaborador eztraordinário da Junta de Investigações do Ultramar, bem como da Direção Geral dos Serviços Agricolas (1958/60), ambas com sede em Lisboa. 


Excerto do "curriculum vitae" profissional do engº Amílcar Cabral, redigido em francês, s/d.
 

Citação:
(s.d.), "Curriculum Vitae - Amílcar Lopes Cabral", Fundação Mário Soares / Arquivo Mário Pinto de Andrade, Disponível HTTP: http://hdl.handle.net/11002/fms_dc_84145 (2020-10-26)


(***) Vd. poste de 30 de abril de  2018 > Guiné 61/74 - P18585: FAP (103): Pedaços das nossas vidas (3): Madina do Boé, "O Algarve na Guiné", por TGeneral PilAv José Nico (José Nico / Mário Santos)

(****)  Último poste da série > 1 de outubro de 2020 > Guiné 61/74 - P21406: Casos: a verdade sobre... (12): O mistério das ruínas de Ponta Varela e Mato Cão... Afinal, tratava-se de estações liminigráficas instaladas pela Brigada dos Estudos Hidráulicos da Guiné (1956-1965)

domingo, 25 de outubro de 2020

Guiné 61/74 - P21480: Blogpoesia (702): "Pesadelos da guerra", "Administrador dos passos" e "As mãos do artista", da autoria de J. L. Mendes Gomes, ex-Alf Mil Inf da CCAÇ 728

1. A habitual colaboração semanal do nosso camarada Joaquim Luís Mendes Gomes (ex-Alf Mil Inf da CCAÇ 728, Cachil, Catió e Bissau, 1964/66) com estes belíssimos poemas, enviados, entre outros, ao nosso blogue durante esta semana:


Pesadelos da guerra

Sofri pesadelos, acordado, na guerra.
Atravessei o adamastor e o cabo da boa esperança.
Regressei intacto.
Esfacelado por dentro.
Esperava a gratidão de quem cá ficou.
A primeira de muitas grandes ilusões.
A humanidade é imprevisível.
Em vez da união entre os regressados,
Campeou o desenfianço.
Cada um, por seu gosto e paladar.
Uma grande maioria atravessou as fronteiras.
Na ilusão de enriquecer.
À procura da árvore das patacas.
Foram servir de moleques
Nas obras dos outros.
Esmigalhou-se a família lusitana.
Vão ser precisas várias gerações
Para curar as feridas...


Berlim, 19 de Outubro de 2020
15h3m
Jlmg


********************

Administrador dos passos

Não sou senhor dos meus passos.
Os administro como melhor sei e parece.
Nele eu vou, se possível, em tranquilidade.
Sem pressas. Para não tropeçar.
As quedas atrasam ou comprometem a marcha.
E, se quero atingir meu porto,
Não posso desperdiçar o tempo.
Minha bússola é a paciência e a contenção.
Tenho de cuidar bem meu corpo.
Fazer suas revisões à hora.
Parar para descansar, de vez em quando.
Às vezes, a subida é íngreme e espinhosa.
Nunca desligar o motor nas descidas.
Podem faltar os travôes.
O precipício surge quando menos se espera.
Os barrancos estão cheios de carcaças velhas.


Berlim, 22 de Outubro de 2020
9h55m
Jlmg


********************

As mãos do artista

Ligadas à sua mente por liames insondáveis,
Traduzem sobre a tela suas mensagens.
Seu mundo é a beleza.
Seu mar é o oceano onde navegam.
Sua cor é das flores.
Seu brilho é das estrelas.
Fazem de cor e bem tudo o que sabem.
Não têm segredo os seus caminhos.
Vivem sós seu privilégio.
Usuários.
Revelam seu olhar pelos olhos de sua alma.
Têm o dom que lhes deu a Natureza.
Não é seu.
É para dar a quem vai pelo seu caminho.


Berlim, 23 de Outubro de 2020
15h37m
Jlmg

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Nota do editor

Último poste da série de 18 de outubro de 2020 > Guiné 61/74 - P21461: Blogpoesia (701): "A força do sangue", "Ruela estreitinha" e "Coincidência ou acaso", da autoria de J. L. Mendes Gomes, ex-Alf Mil Inf da CCAÇ 728

sábado, 24 de outubro de 2020

Guiné 61/74 - P21479: Memória dos lugares (414): Região de Gabu, setor de Boé, Colinas do Boé: Montanha Cabral... Alguém sabe onde fica, exatamente, essa "montanha" (fello, em fula), que faz parte das "lendas e narrativas" do PAIGC ?


Guiné > Região de Gabu > Setor de Boé > Colinas do Boé > s/d> Catarina Marcelino, com o "homem grande" de Dandum (?), na "Montanha Cabral", junto a marco de cimento que ostenta uma data gravada: 1958.  (Reproduzido, com a devida vénia, da página do Facebook de Catarina Marcelino)



Guiné-Bissau > Região de Gabu > Setor de Boé > 30 de junho de 2018 > Dandum (?) > "Montanha Cabral" : memorial > Foto reproduzida, com a devida vénia, da página do Facebook da ONGD Afectos com Letras


1. Na página do Facebook da ONGD Afectos com Letras, que tem sede em Pombal, criada em 2009 e  liderada pela Joana Benzinho, pode ler-se em poste de 19 de maio último:

(...) Apesar da pandemia, a vontade de fazer acontecer não esmorece. E os nossos projetos vão avançando na medida do possível.

Na montanha Cabral, em Boé, está praticamente terminado o bangaló que vai acolher um pouco da história da luta pela independência da Guiné-Bissau, relatada por quem a viveu. 

Assim que possível iremos ali instalar um painel informativo, forrar o telhado com palha e um painel solar que irá permitir ter som e imagem a recordar os tempos em que esta montanha marcou a história da luta de libertação. (...)
 


2. Pergunta o nosso editor LG:

Onde fica essa "Montanha Cabral" ?...Só pode ser nas "Colinas do Boé" onde, na realidade, não há "montanhas" [ que, segundo o dicionário, são montes elevados e de cumes extensos], mas tão só algumas elevações de terreno que atingem cotas entre os 100 e os 300 metros, no máximo (, em português, colinas, outeiros, cabeços...).

Parece que o ponto mais alto, nas Colinas do Boé, situa-se a 361 metros acima do nível do mar... Ainda não descobrimos onde fica exatamente... O setor do Boé terá hoje mais de 12 mil pessoas, de maioria fula,  distribuidas por mais de 8 dezenas de tabancas... Era uma zona desertificada no tempo da guerra.  

A  paisagem das Colinas de Boé, que domina o setor, é uma  extensão do maciço de Futa Jalom,  situado na Guiné-Conacri, a sudeste.  Por aqui correm os  rios Corubal, Fefine e Mael Bane. No setor situa-se o Parque Nacional do Boé, com mais de 1300 km2. É uma zona sensível, do ponto de vista ecológico, rica em fauna e flora. Ver aqui um vídeo do Daribó, o projeto de conservação, de base comunitária, do chimpanzé.

Já agora que acrescente-se que o ponto mais alto do Futa Jalom, na Guiné-Conacri,  é o Monte Loura [, Fello Loura, em fula], com mais de 1.500 m. A altitde média, no maciço do Futa Jalom, são os 900 metros..

Um dos "tags" (marcadores) usados no poste acima  é Dandum, uma tabanca fronteiriça, já visitada em 2018 pelo nosso amigo e camarada Patrício Ribeiro (*). A "Montanha de Cabral", que faz parte das "lendas e narrativas" do PAIGC, está, pois, associada a este topónimo.

Ora Dandum, atualmemte, deve ficar a sul de Madina do Boé, próximo da frinteira, a sul [vd. infografia].

Esta é uma região pouco ou nada conhecida pela maior parte de nós e que, devido aos maus acessos, também é pouco ou nada procurada pelos ex-combatentes portugueses,   "turistas de saudade"... De Madina do Boé, de Beli, de Cheche, do rio Corubal,,, também não ficaram boas recordações, bem pelo contrário... 

Daí termo-nos lembrado de reconstituir e documentar o percurso do Patrício Ribeiro, nesse início da estação das chuvas de 2018. Publicamos, em próximo poste,  alguns excertos das  crónicas dessa viagem,  com  algumas das fotos, reeditadas e renumeradas (*).


Carta da Província da Guiné (1961) > Escala 1/500 mil > Detalhe: a região do Boé
Posições relativas de Canjadude, Ché-Ché (ou Cheche), Madina do Boé, Diquel, Dandum, Lugajole e Vendu Leid


Infografia: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné (2018)

3. Na página do Facebook da conhecida ativista e deputada à Assembleia da República, Catarina Marcelino, com data de 26 de fevereiro de 2020, encontramos mais informação sobre a tal "Montanha Cabral":

(...) Nasce um projeto de reconhecimento histórico nas colinas do Boé. A Associação Afetos com Letras está a construir um pequeno espaço de memória na Montanha Cabral, junto ao marco ali colocado por Amílcar Cabral em 1958 e que mais tarde se torna o local de encontro com os seus homens e onde muita da estratégia militar era definida. 

Para lá chegarmos fomos até Gabu {, antiga Nova Lamego], depois para Tchetche onde atravessámos o rio Corubal, rio que guarda a memória da morte de muitos portugueses na retirada da Madina do Boe [, em 6 de fevereiro de 1969], e por fim fizemos uma picada dificil com muitas pedras até ao local onde nos encontrámos com o Homem Grande da Tabanca que nos falou desses tempos passados, mas também do presente e do futuro. (...)

De qualquer modo, vamos perguntar ao Patrício Ribeiro (, que está agora no "Puto", na sua "ponta", em Águeda, junto ao rio Vouga, a resguardar-se das investidas do SARS-Cov-2), se, nas últinas andanças lá pelas Colinas do Boé, em 30 de junho e 1 de julho de 2018 (*), ele deu com a tal "Montanha Cabral" (**)...
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Notas do editor:

21 de julho de 2018 > Guiné 61/74 - P18861: Bom dia, desde Bissau (Patrício Ribeiro) (7): Os meus passeios pelo Boé - Parte I: 30 de junho de 2018: a travessia do Rio Corubal, de jangada, em Ché Ché

(**) Último poste da série > 28 de setembro de  2020 > Guiné 61/74 - P21401: Memória dos lugares (413): O meu Seiko 5 (five), comprado na Casa Costa Pinheiro, parou ao fim se 50 anos... (Carlos Pinheiro, ex-1.º Cabo TRMS Op Mensagens)

Guiné 61/74 - P21478: Os nossos seres, saberes e lazeres (418): No Alto Minho, lancei âncora na Ribeira Lima (12) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 29 de Abril de 2020:

Queridos amigos,
Não há bem que não acabe, aqui fica o relatório do último dia em Ponte de Lima, já pairam no ar notícias inquietantes de um vírus, nos noticiários relevam-se termos como pandemia, confinamento, quarentena, é suposto que em breve seja anunciado um estado de emergência. Por aqui deambulo sem palpitações ou receios de me infetar, mas à cautela já nem a mão estendemos a amigos e conhecidos. Foi uma viagem surpreendente, como repetidamente se veio a afirmar, era um dever de amizade e a confirmação de tudo quanto se lia sobre estes pontos do Alto Minho que tanto emocionavam um amigo cego, que vibrava com a história de Ponte de Lima e Viana do Castelo, sobretudo, nestes locais viveu até à adolescência, e muitas vezes regressou, marcado pela paternidade minhota. Há um travo amargo, o que ficou por ver, os arrabaldes, a passagem por Viana do Castelo foi visita de médico, nunca se conseguiu entrar na Igreja da Misericórdia, nem se visitou o esplêndido barroco da Correlhã, mas outros exemplos podiam ser dados. Isto para acentuar que foi uma viagem memorável e que Deus permita que se possa repetir.

Um abraço do
Mário


No Alto Minho, lancei âncora na Ribeira Lima (12)

Mário Beja Santos

Esta inolvidável peregrinação caminha para o seu termo, hoje é dia reservado a Ponte de Lima, as notícias sobre o coronavírus são cada vez mais alarmantes, vêm aí restrições severas, fala-se em confinamento, logo de manhã, no próximo dia, ruma-se a Lisboa, há uma certa suspeita de que vale a pena passar por Pedrógão Pequeno e encher uma mala com livros, nos noticiários de rádio fala-se em quarentena, ao menos que haja leituras e boa música, o resto virá por acréscimo. Contempla-se este magnífico painel de azulejos, o tema é a Restauração, a aclamação de D. João IV, bate certo neste templo religioso que vem dos confins da Idade Média.
É uma deambulação sem itinerário, voltou-se a visitar alguns parques, estátuas, percorreu-se cuidadosamente a Rua do Arrabalde de S. João de Fora e também a Rua Lima Bezerra, não se esqueceu a Casa de Nossa Senhora de Aurora que se visitou com tanto gosto, com o seu jardim aprimorado, acolhimento de estalo da anfitriã que zela aquele património seja mantido com desvelo, uma casa destas exige restauro permanente, conservação permanente.
E os jardins? Sai-se deste ponto da Ribeira Lima assegurando ao leitor que se cumpriu à risca o guia turístico e o que confere a Ponte de Lima a Rota das Camélias: o passeio ribeirinho, o parque temático do Arnado, com os seus diversificados jardins, o jardim Sebastião Sanhudo, a inevitável Avenida dos Plátanos, o jardim dos Terceiros, e mesmo junto ao edifício da autarquia, o jardim Dr. Adelino Sampaio. Já se anda com os pés a escaldar, mas o dia está magnífico, e o maravilhamento é intenso.
Havia um encontro aprazado com um limiano que é personalidade conhecida da terra pelo denodo com que se bate para que seja respeitada a memória dos combatentes, carteamo-nos regularmente, ele reservara-me surpresa, visitar Ponte de Lima do alto. E que grande surpresa. Começou por me levar a uma elevação onde se desfruta do vale do rio Trovela, as águas que por ali correm vêm dos montes da Boalhosa, passando por Fornelas e pela Feitosa. O que é que há de especial nesta floresta? Uma floresta antiga, ali pontificam amieiros, carvalhos, castanheiros, sobreiros, salgueiros, ainda não entrou a praga do eucalipto, e não constam pinheiros. Antes porém, houve subida ao Monte da Madalena, na freguesia de Fornelos, estamos a 240 metros de altitude, há por ali até um parque em espaço arborizado e aprazível, e está aberto um restaurante, aqui se pode desfrutar uma panorâmica sobre o populoso concelho.
O Mário Leitão insistiu que fôssemos às Lagoas de Bertiandos e S. Pedro d’Arcos, ele foi um pioneiro para que ali houvesse uma reserva natural, expliquei-lhe que tentara por ali cirandar, quase impossível, os caminhos estavam praticamente alagados, só de galochas, que eu não trouxera. E tranquilizei-o, haverá regresso, iremos os dois a esse paraíso da biodiversidade. Insistiu numa fotografia a dois, e eu fiz questão de mostrar o livro das Lagoas de Bertiandos, um dos motivos do próximo regresso.
Lagoas de Bertiandos e S. Pedro d’Arcos
No caminho de regresso encontrou-se este espigueiro em bom estado, tão importante património como as casas, pontes, jardins e lagos que me encheram os olhos. Há um lugar icónico, que é o Soajo, em que estes armazéns de cereais assentam na robustez da pedra, o que produz um efeito de ponto fortificado, que não é, terá sido impressão minha, depois de ter palmilhado aquele magnífico Castelo de Lindoso, de perpétua memória.
Procuro uma síntese de tudo quanto me foi dado observar, tanto em património natural como construído: o bucolismo genuíno da Ribeira Lima, as belas veigas e gândaras dos pequenos vales, o rio longo e plácido, aquela ponte histórica, nó viário fulcral desde tempos antigos e também da alvorada da nossa nacionalidade; a vila cuidada, o seu casario que assinala um passado dinâmico; as visitas a Ponte da Barca, Arcos de Valdevez e Viana do Castelo, por haver reporte, a diferentes níveis sentimentais com a pessoa que aqui se veio homenagear, uma vida que se extinguiu em janeiro de 2020, 90 anos há pouco feitos, e que continua a deixar-me inconsolável. Daí as imagens que se seguem, de tempos imemoriais, até uma lápide para mim indecifrável, mas que tanto me comoveu. São imagens de saudade, valem pelo que valem.
Os estudantes coimbrões falam da hora da despedida nas suas baladas, vai anoitecendo, daqui a pouco não me vou poupar ao meu último caldo verde, porque aqui a comida tem fama e proveito, primeiro o dia tem aquela luz ofuscante que anuncia a escuridão repleta; era inevitável que a última imagem fixasse um troço da Ribeira Lima, que associo sempre a todos aqueles jornais que lia regularmente a um cego ávido de informações da terra-mãe. Cumpri o meu voto, espero dobrá-lo e redobrá-lo, por definição toda a viagem é inacabada.
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Notas do editor:

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