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quinta-feira, 14 de agosto de 2025

Guiné 61/74 - P27119: A nossa guerra em números (33): colonos, administradores coloniais e colonos de ocasião


Moçambique > Colonato do Limpopo > c. 1950 > Fotograma do documentário da RTP, História de África > Episódio 6 > Colonato do Limpopo (com a devida vénia...)


(...) A estratégia para o povoamento das províncias africanas por parte do Estado português é alterada nos anos 50. Pretendia-se um modelo eminentemente rural, maciço, branco, e totalmente dirigido pela administração estatal. Na base desta opção estava a ameaça de descolonização que se fazia sentir por toda a África. Para fazer face à hipótese de subversão dos nativos, impunha-se nacionalizar, com gente, os territórios ocupados.

Em Moçambique constrói-se o maior colonato, a partir das margens do Rio Limpopo, no sul do país. 13 aldeias para onde são atraídas famílias rurais portuguesas, a quem é entregue casa, gado, terreno para cultivo, sementes e alfaias.

Em troca, os colonos amortizavam a dívida para com o Estado com gado, parte da produção agrícola e impostos, além de trabalharem em regime de exclusividade. Em Angola, um projeto semelhante é construído na Cela, na província do Cuanza Sul.(...)



A. Como definir, sociologicamente, a figura do "colono" (por exemplo, em Angola e Moçambique, até 1974/75) ? (*)

Do ponto de vista sociológico, o termo "colono", aplicado ao contexto português em Angola e Moçambique até 1974/75, designa um indivíduo oriundo, em geral, da metrópole (Portugal continental ou ilhas atlânticas, incluindo Cabo Verde) que se estabelecia de forma permanente ou prolongada num território colonial, com o objetivo de nele viver, explorar recursos e, muitas vezes, exercer atividades económicas, políticas ou administrativas.

(i) Origem e estatuto:
  • o colono era normalmente cidadão da metrópole que migrava para o ultramar ao abrigo do regime colonial português ...
  • mas também das ilhas da Madeira e dos Açores,  do arquipélago de Cabo Verde (para a Guiné e São Tomé), do Líbano (para a Guiné), de Goa, Damão e Diu (para Moçambique);
  • beneficiava de um estatuto jurídico e social privilegiado em relação à população local, fruto da hierarquia racial e cultural implícita no sistema colonial.
(ii) Função e motivação:

  • procurava melhores oportunidades económicas e sociais (agricultura, comércio, serviços, pesca, indústria extrativa);
  • ou ocupava postos administrativos;
  • muitas vezes, tinha acesso a terras e recursos por via de políticas de expropriação ou reordenamento que marginalizavam comunidades indígenas (por ex., o colonato de  Cela, em Angola, em território ovimbundo).

(iii) Integração e relações sociais:

  • a vivência do colono estava frequentemente marcada por algum tipo de segregação socioespacial (bairros, escolas e serviços diferenciados para europeus e para africanos);

  • embora não houvesse um regime de "apartheid" institucionalizado,  como na África do Sul (em vigor de 1948 a 1994);

  • a sua presença fazia parte de uma estratégia, embora tardia, de povoamento e “portugalização” do território, legitimada pelo discurso oficial do “Império” e da “missão civilizadora” de Portugal;

  • a política de povoamento do Estado Novo sob a forma de colonatos (como de Cela, em Angola, e do Limpopo, em Moçambique), acabam por ser um fracasso, em termos políticos, sociais, econõmicos e demográficos (vd. aqui documentário da RTP sobre o colonato do Limpopo, 2017, 30' 52''),

(...) "Os planos de povoamendo dirigidos terminam em Angola ainda na década de 60, embora em Moçambique se tenham mantido até 1973. Os colonatos acabariam por não ser mais do que uma manobra de propaganda do Estado Novo, já que não serviram para aumentar a população branca em África – que, em 1970, era menos de cinco por cento do total em Angola e menos de 2 por centro em Moçambique -, nem para desenvolvimento económico dos territórios"- (...)


(iv) Dimensão simbólica e ideológica

  • o colono representava, para o Estado Novo, a presença física e cultural de Portugal no ultramar, funcionando como um instrumento de consolidação do domínio político e económico;
  • ao mesmo tempo, para muitos africanos, simbolizava a desigualdade estrutural e a perda de soberania e de idemtidade;
  • após as independências (1974/75), o termo “colono” passou também a ter uma conotação  política  e uma carga emocional forte, muitas vezes associado à memória do domínio e exploração colonial.

B. Diferenças entre “colono”, “administrador colonial” e “colono de ocasião”, que ajudam a perceber a diversidade de perfis destes migrantes.

Aqui vai a distinção sociológica e histórica entre os três perfis acima citados:


(i) Colono (no sentido mais restrito e clássico)
  • origem: migrante europeu (no caso português, vindo da metrópole e illhas atlânticas) que se fixa de forma permanente na colónia (sobretudo Angola e Moçambique);

  • objetivo principal: criar raízes, explorar terras, desenvolver negócios ou trabalhar em setores chave (agricultura, minas, comércio, indústria, serviços).

  • posição social: beneficia de estatuto legal e social privilegiado em relação à população africana, com acesso facilitado a recursos e direitos;

  • exemplo: agricultor estabelecido no planalto de Angola; empresário com loja em Lourenço Marques (Maputo).

(ii) Administrador colonial
  • origem: funcionário do Estado nomeado para exercer funções políticas, jurídicas ou militares no território;
  • objetivo principal: manter a ordem colonial, aplicar leis e decretos, representar a autoridade do governo português;
  • posição social: pertence à elite administrativa, com forte ligação ao aparelho de Estado e, normalmente, sem intenção de permanência vitalícia (regressava após o fim da comissão de serviço);
  • exemplo: Govrenador-geral (Angola e Moçambique); Governador de distrito em Moçambique ou chefe de posto administrativo no interior da Guiné.

(iii) Colono de ocasião (ou migrante temporário no ultramar)

  • origem: portugueses que iam para o ultramar por períodos curtos ou médios (alguns anos), muitas vezes para aproveitar incentivos económicos;
  • objetivo principal: ganhar dinheiro, obter experiência profissional ou aproveitar um momento de oportunidade (obras públicas, comércio sazonal, serviços técnicos);
  • posição social: embora também beneficiem de privilégios coloniais, não criam raízes profundas e regressam à metrópole quando a oportunidade ou contrato termina;
  • exemplo: engenheiro civil que vai supervisionar obras de estrada em Angola ou comerciante que abre um armazém durante um boom económico; professora, que acompanhou o marido militar, do QP ou miliciano, durante a guerra de 1961/74 (em Angoloa, Guiné, Moçambique); 
(iv) Resumo: podemos ver estes perfis como três camadas:

  • colono → raízes permanentes + exploração económica e social;
  • administrador colonial → poder político e jurídico, ligado ao Estado;
  • colono de ocasião → presença temporária, motivada por oportunidade económica.


Quadro comparativo: Colono × Administrador Colonial × Colono de Ocasião


Categoria/
Critério
ColonoAdministrador ColonialColono de Ocasião
OrigemMigrante da metrópole
ou ilhas atlânticas (Madeira, Açores, Cabo Verde)
Funcionário público da metrópole ou ilhas atlànticasMigrante temporário da metrópole oulhas atlânticas
Objetivo
principal
Fixar-se e explorar recursos / localAdministrar e manter a ordem colonialGanhar dinheiro ou experiência a curto/médio prazo
PermanênciaLongo prazo / vitalíciaTemporária (missão de serviço)Temporária (contrato ou oportunidade)
Vínculo&
Ligação
ao Estado

Indireta (apenas enquanto cidadão)Direta e oficialIndireta (pode trabalhar para empresas privadas ou contratos públicos)
Estatuto
social
Privilegiado face à população localElite colonial, poder formalPrivilegiado, mas com menos influência política
Tipo
de atividade
Agricultura, ,minas, comércio, indústria, serviçosAdministração, legislação, segurançaComércio, obras, serviços técnicos 
Relação com a população localSegregada, mas com contactos económicosDistante e autoritáriaGeralmente limitada e pragmática
Exemplo típicoAgricultor no planalto angolanoGovernador de distrito em MoçambiqueEngenheiro civil contratado para obra

_________________________

Fonte: IA | ChatGPT | LG

Nota sociológica:

Apesar de partilharem o privilégio de serem europeus (ou predominantemente europeus) num sistema colonial, estes grupos tinham funções, relações com o território e horizontes de vida bastante diferentes. Esta diversidade ajudava a sustentar o sistema colonial em várias frentes, económica, política e simbólica.

No quadro a seguir, pode perceber-se a linha temporal mostrando como o peso relativo destes três grupos mudou entre 1900 e 1974/1975, o que é muito útil para se entender o fim do colonialismo português.

Linha temporal (1900–1975) > Evolução do papel de colonos, administradores coloniais e colonos de ocasião em Angola e Moçambique

    Categorias / PeríodoContexto históricoColonoAdministrador ColonialColono de Ocasião
1900 / 26
(Final da Monarquia/ 1.ª Repú-
blica)
Fraca presença
europeia; colonização limitada; predomínio  de missões religiosas 
 e militares; "campanhas de pacificação"
Poucos, concentrados em zonas agrícolas 
 de fácil acesso;  continuação do recurso a degredados/ desterrados
Forte presença: a administração assegura controlo básico.Quase inexistentes (custos e riscos elevados).
1926 / 45
(Ditadura
Militar,
início do Es- do Novo e crise mundial)
Consolidação autoritária, políticas
de povoamento limitadas; economia centrada em
matérias-primas.
Crescimento lento; colonos mais estáveis começam a instalar-se.Administração estruturada e centralizada.Ainda raros; apenas em setores estratégicos como obras públicas.

1945 /61 

(Pós-guerra/ início da industriali-
zação colonial)
Expansão económica
no ultramar; incentivos
à migração; obras
públicas e agricultura mecanizada.
Cresce o número  de amílias fixas, sobretudo
em áreas agrícolas (como os colonatos de Cela e Limpopo)
Administração reforça poder e controlo social.Surge com mais força: técnicos, comerciantes e empresários de curto prazo.
1961 / 74
(Guerra
colonial)
Conflito armado, aumento do investimento estatal e privado; tentativas de “portugalização” acelerada.Maior entrada de colonos, mas também maior insegurança; comunidades europeias atingem
 o seu pico numérico.
Administração militarizada; funções civis misturam-se com funções militares.Expansão temporária devido a contratos ligados ao esforço de guerra e obras  infraestruturais.
1974/75
(Revolu-
ção, desco-
loniza-
e indepen- dência)
Colapso
do sistema colonial português.
Emigração massiva; maioria abandona o território.Quase todos regressam à metrópole.Saída rápida após término dos contratos; raros permanecem.
__________________________________

Leitura sociológica da linha temporal: 


Até 1945, a administração era o pilar principal do domínio português, com os colonos ainda em número reduzido.
  • Entre 1945 e 1961, o colono fixo tornou-se central na economia local, ao mesmo tempo que cresciam os colonos de ocasião ligados a obras públicas, comércio e serviços.

  • Após 1961, o sistema dependeu simultaneamente de três pilares: administração militarizada, colonos fixos e influxo de trabalhadores temporários especializados.

A queda foi abrupta em 1974-75, com a descolonização rápida e a saída em massa de todos os 
grupos (c. 600 mil "retornados").(**)

Fonte: IA/ChatGPT /LG (Revisão / fixação de texto: LG)

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Notas do editor LG:

(*) Último poste da série > 14 de agosto de 2025 > Guiné 61/74 - P27118: A nossa guerra em números (32): A Administração Colonial (que, no caso da Guiné, foi completamente ultrapassada, para não dizer "cilindrada",  pelas Forças Armadas)

Guiné 61/74 - P27118: A nossa guerra em números (32): A Administração Colonial (que, no caso da Guiné, foi completamente ultrapassada, para não dizer "cilindrada", pelas Forças Armadas)


Governador Manuel Sarmento Rodrigues (1945-1949) [ foto: cortesia da Revista Militar].


Também era carinhosamente conhecido com o "Mamadu" Rodrigues e havia uma tabanca chamada Sinchã Sarmento.  Capitão de fragata e depois almirante, Sarmento Rodrigues (Freixo de Espada à Cinta, 1899 - Lisboa, 1979) foi, a par do gen António Spínola, um dos melhores governadores que passou pela Guiné. Foi governador entre  abril de 1945 e janeiro de 1949, quis fazer daquele território atrasado uma "colónia-modelo" (então colónia portuguesa, parte do Império Colonial Português, e sem complexos, de natureza semântica e conceptual, e muito menos político-ideológica!),  Foi ele quem, por exemplo, em 1948, fez um primeiro esforço sério para grafar os topónimos (nomes geográficos) guineenses, através da Portaria nº 71, de 7 de julho de 1948. Apostou na construção de infra-estruturas, mas também no desporto, educação e cultura. Reforçou a aliança com os muçulmanos. Foi também reformador da administração  ultramarina enquanto ministro do Governo de Salazar (1950/55).



Guiné-Bissau > Bissau > Maio de 2025 > O antigo edifício da administração civil


Fotos: © João Melo (2025). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné.]



 Guiné > Região do Cacheu > São Domingos > CCS/BCAÇ 1933 (Nova Lamego e São Domingos, 1967/69) > Janeiro de 1969 > Cerimónias da mudança do administrador da circunscrição de São Domingos > Em primeiro plano, o cmdt do BCAÇ 1933 e o administrador cessante, cabo-verdiano.

Foto (e legenda): © Virgílio Teixeira (2018). Todos os direitos reservados [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. A administração colonial portuguesa no Estado Novo: como funcionava  ? quais eram  as principais categorias de funcionários ?


Durante o Estado Novo (1933-1974), a administração colonial / ultramarina portuguesa seguia uma lógica fortemente centralizada e hierárquica, refletindo a ideologia autoritária do regime de Salazar. 

A gestão das colónias (chamadas oficialmente “Províncias Ultramarinas” a partir de 1951, ao tempo do Ministro do Ultramar, o reformador Sarmento Rodrigues) era orientada, a mhares de quilómetros de distância, a partir de Lisboa, pelo Ministério das Colónias ( e depois do Ultramar) e executada localmente por um aparelho administrativo que espelhava a estrutura do Estado em Portugal. 

 O próprio Gabinete de Urbanização Colonial (1944-1951) (depois GUU - Gabinete de Urbanização Ultramarina)  funcionava, imagine-se!, em Lisboa, dependente do Ministério das Colónias (e depois do Ultramar): centralizava o planeamento e a execução de projetos de arquitetura e urbanismo nas então colónias portuguesas, com um foco particular nos territórios africanos.

(i) Três características fundamentais da administração colonial de então:
  • centralização em Lisboa: todas as grandes decisões políticas, económicas, financeiras e militares eram controladas pelo governo central;

  • governadores e chefes superiores: cada colónia tinha um Governador-Geral (nas maiores, como Angola e Moçambique) ou Governador (nas menores, como era o caso da Guiné), nomeado diretamente pelo Presidente da República sob proposta do Ministro do Ultramar;

  • aparelho administrativo rígido: a organização visava manter a ordem, cobrar impostos (incluindo o famigerado "imposto de palhota"),  gerir recursos,  garantir a presença cultural e linguística portuguesa, etc.


(ii) Principais categorias de funcionários:

(a) Governador-Geral  (Angola, Moçambique) / Governador (Guiné)
  • máxima autoridade na colónia;
  • competências políticas, militares e administrativas;
  • nomeação política, geralmente militares de carreira ou altos quadros civis.
(b) Secretário-Geral
  • no. 2  do governo colonial / eminência parda do governador
  • coordenava as direções e serviços administrativos.
(c) Administradores de Circunscrição / Concelho:
  • responsáveis por áreas administrativas menores (circunscrições: semelhantes a municípios: por exemplo na Guiné: Bissau, Bolama, Bafatá,  Teixeira Pinto,  Cacheu, Farim, Catió, etc.).
  • ligavam a população local ao governo colonial;
  • Manuel da Trindade Guerra Ribeiro, natural de Chaves, é a figura mais conhecida nos anos 60/70:   atuou como administrador colonial (administrador da circunscrição/concelho de Bafatá, nos anos 60) e, mais tarde, foi intendente,  exercendo funções durante o período do general Spínola, já no início dos anos 70.
(d) Chefes de Posto Administrativo:
  • autoridade em zonas rurais e remotas;
  • funções de polícia, cobrança de impostos,  mediação de conflitos, etc.:
  • por exemplo, a circunscrição (mais tarde, concelho de Bafatá, um vasto território da zona leste) em 1969 tinha os seguintes postos administrativos: Bambadinca, Contuboel, Xitole, Galomaro, Gã-Mamudo.
(e) Magistrados e funcionários judiciais:
  • juízes, escrivães, procuradores do Ministério Público.
  • aplicavam as leis portuguesas (adaptadas ao “indigenato” até 1961, e procurando  respeitar os usos e costumes jurídicos de cada etnia).
(f) Funcionários técnicos:
  • engenheiros, médicos, enfermeiros. professores, agrónomos, geógrafos, topógrafos, etc.
  • muitas vezes com estatuto especial de “funcionários ultramarinos”.

(g) Polícia e militares:


  • tropas coloniais, Polícia de Segurança Público (PSP), PIDE/DGS, no plano político;
  • polícia administrativa ("cipaios"):
  • garantiam a ordem e reprimiam revoltas .

Observ1 - É difícil (se não impossível)  fornecer um número exato e definitivo de funcionários da administração colonial portuguesa em Angola, Guiné e Moçambique em 1979.  As estatísticas da época muitas vezes agrupavam diferentes categorias de pessoas e trabalhadores, e os números variam entre as fontes.

Observ2 - Até 1961, vigorava o Estatuto do Indigenato, que criava uma divisão legal entre “indígenas” e “cidadãos portugueses”, com direitos, deveres e tratamento administrativo diferentes. A partir de 1961, houve uma crescente "militarização" da administração civil (muita acentuada, por exemplo, com o  gen Spínola na Guiné, entre 1968 e 1973).

A Administração Civil sofria de graves carências, em termos quantitativos e qualitativos, no que dizia respeito a recurso humanos e a meios técnicos e financeiros, sendo completamente ultrapassada (para não dizer "cilindrada") durante o consulado de Spínola.(**)

Segue-se um quadro esquemático e um gráfico com a hierarquia da administração colonial portuguesa no Estado Novo, permitindo visualizar melhor a sua estrutura.

  

Quadro esquemático da administração colonial portuguesa no Estado Novo:


Ministério do Ultramar (Lisboa) │ └── Governador-Geral (Angola / Moçambique) Governador (colónias menores) │ ├── Secretário-Geral │ ├── Direções de Serviços Centrais │ ├─ Finanças │ ├─ Obras Públicas │ ├─ Educação │ ├─ Saúde │ └─ Agricultura │ ├── Administradores de Circunscrição / Concelho │ ├─ Chefes de Posto (zonas rurais) │ │ └─ Autoridades tradicionais “reconhecidas” (sob controlo)
(régulos na Guiné e em Moçambique; sobas em Angola;
liurais em Timor) │ ├── Magistratura e Serviços Judiciais │ └── Forças de Segurança ├─ Polícia Colonial / PSP ├─ PIDE/DGS └─ Tropas coloniais (Exército e milícias locais)



Leitura rápida do esquema:
  • Topo → Lisboa decidia quase tudo.
  • Meio → Governadores geriam a colónia com um núcleo de secretários e diretores.
  • Base → Administradores, chefes de posto, polícia administrativa e forças policiais/militares garantiam o controlo direto sobre a população.
As autoridades locais  (sob o sistema do Indigenato até 1961) tinham funções subalternas, limitadas, subordinadas, em grande parte simbólicas: régulos (na Guiné e em Moçambique), sobas (erm Angola), liurais (em Timor).

A polícia administrativa, a par da PIDE, era particularmente odiosa.
 
Gráfico: a hierarquia da administração colonial




(Pesquisa: IA / ChatGPT / Gemini  + LG | Revisão / fixação de texto: LG)

___________________

Notas do editor LG:


(*) Último poste da série > 12 de agosto de 2025 > Guiné 61/74 - P27113: A nossa guerra em números (31): Angola e Moçambique: População europeia total: ~535 mil / 600 mil | Total geral de "retornados" (incluindo os restantes territórios): c. 500 mil / 520 mil pessoas

(**) Vd. postes de:

20 de novembro de 2018 > Guiiné 61/74 - P19213: O nosso blogue como fonte de informação e conhecimento (59): os reordenamentos no desenvolvimento sócio-económico das populações, brochura da Repartição de Assuntos Civis e Ação Psicológioco [ACAP], do QG / CCFAG - Parte I


21 de novembro de 2018 > Guiné 61/74 - P19214: O nosso blogue como fonte de informação e conhecimento (60): os reordenamentos no desenvolvimento sócio-económico das populações, brochura da Repartição de Assuntos Civis e Acção Psicológica [ACAP], do QG / CCFAG - Parte II

(...) 1. Estando a Guiné sob a pressão de um estado de subversão que visa a conquista das populações por vários meios, entre os quais a luta armada; existindo um Quadro Administrativo [QA] com graves deficiências quantitativas e qualitativas e possuidor da falta de meios para realizar a manobra de contra-subversão em tempo útil e, ainda, por razões de controle e segurança, não é possível à Administração Civil encarar sozinha, de momento, o esforço que se pretende realizar.

Assim, porque possuidoras de vários meios, humanos, técnicos e de defesa, as Forças Armadas estão aptas a colaborar, com carácter temporário, com as estruturas administrativas na solução dos problemas sócio-económicos. Porque, também, os problemas de desenvolvimento social e económico constituem a manobra da contra-subversão que é preciso fazer rapidamente e pertence à missão das Forças Armadas [FA].

As FA são, pois, chamadas a participar temporariamente em funções que seriam da competência civil, se os quadros administrativos estivessem em condições de as desempenhar, e que lhes serão totalmente confiadas quando as condições o permitam. São funções de colaboração e reforço da orgânica...[ilegível].

2. (...) Os civis do Quadro Administrativo (QA) pensam e actuam de maneira diferente. E a diferença reside em dois pontos distintos: a estagnação e carências várias do próprio QA e no diferente carácter de obrigatoriedade de uns e outros.

As Forças Armadas são uma organização profundamente hierarquizada, com escalões de comando definidos, com leis e regulamentos mais rígidos e pormenorizados, prevalecendo um forte espírito de disciplina. Arreigados a conceitos burocráticos ultrapassados e morosos por natureza , regulados por leis mais vastas, com um carácter de disciplina menos acentuado e relativo momento a leis de carácter mais geral, os civis do QA têm um diferente comportamento face a situações que exigem a resolução adequada em tempo próprio. A base de toda a actuação entre militares e civis terá de basear-se na compreensão e na colaboração, já que ambos servem o objectivo comum. (...)

quarta-feira, 13 de agosto de 2025

Guiné 61/74 - P27117: Historiografia da presença portuguesa em África (493): A Província da Guiné Portuguesa - Boletim Oficial da Colónia da Guiné Portuguesa, 1937 (48) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá, Finete e Bambadinca, 1968/70), com data de 13 de Março de 2025:

Queridos amigos,
Vamos finalmente saber alguma coisa sobre as operações de Canhabaque, que decorreram no ano anterior, o governador concede múltiplos louvores e vale a pena observar um punhado de régulos premiados, um bom número deles irá aparecer no apoio às autoridades portuguesas, durante a luta de libertação. A colónia vè crescer a sua administração, estruturam-se mais e mais serviços, o governador vê-se que tem mão dura com os atos de corrupção. Pela leitura atenta das reuniões de Conselho de Governo vê-se que há um apreciável anseio em expandir as infraestruturas, em melhorar a urbanização de Bissau, nesta altura é inevitável a transferência da capital de Bolama para aqui, aliás os diferentes serviços básicos vão sendo transferidos, desde a saúde às comunicações. Há expetativas que ficarão por concretizar, irão materializar-se quando o comandante Sarmento Rodrigues aqui chegar com alguns alforjes de dinheiro e um dinamismo insuperável.

Um abraço do
Mário


A Província da Guiné Portuguesa
Boletim Oficial da Colónia da Guiné, 1937 (48)


Mário Beja Santos

O grande destaque para os acontecimentos deste ano é o do crescimento da Administração, espalha-se de modo capilar por todo o território, veremos, enfim, referência aos acontecimentos de Canhabaque, há mão dura para os atos de corrupção. Regressou o major Carvalho Viegas à Guiné, depois de uma apreciável ausência, em que este substituído pelo Encarregado de Governo, capitão Salvação Barreto. A A.E.G. Lusitana, representante da Telefunken, fica responsável pelo fornecimento e instalação na Guiné de postos radiotelefónicos e radiotelegráficos. Já no segundo semestre será criada a secção de estatística da colónia (suplemento ao Boletim Oficial n.º 35, de 2 de setembro); processa-se formalmente uma orientação da lavoura com a criação de um organismo dito estreme (puro, que não tem mistura) destinado a estudar todos os problemas que se relacionam com a produção agrícola, o organismo chama-se Conselho Técnico da Agricultura, tem a principal finalidade de promover que sejam modificados os métodos e sistemas de agricultura empregados pelos indígenas (BO n.º 39, de 27 de setembro, com a legislação respetiva publicada no BO n.º 40).

Falou-se atrás que o Boletim Oficial vai dando conta de várias demissões por roubos administrativos, como se passa a referir. No Boletim Oficial n.º 3, de 18 de janeiro, ficamos a saber que Jorge António Medina, secretário do Quadro Administrativo e chefe de posto, que estava na inatividade por dois anos, era arguido de ter desviado em seu proveito próprio, do cofre da Administração da Circunscrição Civil de Farim, uma quantia superior a 28 contos, e tinha pretendido atribuir o desvio ao aspirante Eduardo Melo, na data gravemente doente no hospital de Bissau, onde faleceu.

Nos autos provou-se a má-fé com que procedera, ludibriando o seu superior hierárquico, que na sua honestidade confiara; havia contra ele as agravantes de já ter sido punido com a pena de regresso à categoria inferior em consequência de um desvio de 6 contos e também pelo desaparecimento de conhecimentos de cobrança do imposto de palhota, numa quantia superior também a 6 contos.

O conselho disciplinar, de forma retórica procede a despacho, elabora portaria a demiti-lo; na mesma data, o conselho disciplinar demite o professor auxiliar do ensino primário Zeferino José Simão Monteiro de Macedo por atos praticados contra a moral e prestígio da função pública, tinha levado alunos de ambos os sexos da escola oficial a seu cargo a banharem-se no rio, em completo estado de nudez e numa promiscuidade imoral; levou os alunos a uma dança regional, caracterizadas por gestos e atitudes obscenos, dançando conjuntamente com eles… Houve depois relações sexuais com uma aluna, com a mulher de um aluno.

Foi-me dado ver pela primeira vez que havia apartheid puro e duro, consagrado na legislação. No Decreto n.º 27:491, do Ministério das Colónias, publicado no Boletim Oficial n.º 9, em 1 de março, pode ler-se, tendo em consideração que os caminhos-de-ferro de algumas colónias não dispõem de carruagens de 3.ª classe próprias para nelas puderem viajar os cabos e os soldados europeus, era necessário providenciar que se evitasse que aquelas praças viajassem em promiscuidade com os indígenas durante largos períodos de muitas horas; o governador-geral do Estado da Índia tinha procurado providenciar sobre a matéria, a fim de ser mantida a dignidade da farda. Assim sendo, era decretado que quando os cabos e soldados europeus viajassem, por motivo de serviço, em caminho de ferro onde as respetivas carruagens de 3.ª classe não possuíssem compartimentos especiais para europeus, sendo apenas destinado a indígenas, tinham o direito ao transporte em 2.ª classe.

Temos finalmente uma referência a Canhabaque, consta da Portaria n.º 37, Boletim Oficial n.º 13, de 20 de março. Ficamos a saber que tinha cessado as medidas de exceção do arquipélago dos Bijagós:
“Sendo certo que o prolongado estado de insubmissão do indígena – obrigando o Governo à adopção de um regime de força – o empobreceu pela perda do seu armentio (rebanhos) e outros valores, o que aconselha que se anotem medidas de proteção que restabeleçam, naquela ilha, o primitivo índice de riqueza indígena, determina-se que entre imediatamente em vigor:
1.º Que seja restabelecido, na ilha de Canhabaque, o regime de administração civil, constituindo a área da ilha um posto administrativo com sede em Inorei integrado na circunscrição civil dos Bijagós;
2.º Que seja criado, na mesma ilha, um centro comercial fixado na sede do posto, sendo expressamente vedado o exercício do comércio fora dele;
3.º Que a concessão de licenças do comércio fique rigorosamente limitada a firmas individuais ou coletivas que se encontrem matriculadas no Tribunal do Comércio.”
E os indígenas de Canhabaque passavam a ter completa liberdade de se movimentarem.

No suplemento ao n.º 14 do Boletim Oficial n.º 9, de 8 de abril, publicam-se várias portarias emanadas do gabinete do governador, louvores. “Terminadas as operações militares na ilha de Canhabaque, com o bom êxito das quais ficou a Colónia inteiramente pacificada, e sendo de justiça publicamente patentear o esforço dos que expuseram a vida em serviço da Pátria e da civilização, não se poupando a sacrifícios, mostrando patriotismo, desinteresse pessoal e destemor, operando numa região de climas deveras inóspito, e através de uma serrada vegetação em que todas as emboscadas são fáceis”, louvam-se tenentes de infantaria e um tenente-médico, dois sargentos, vários primeiros-cabos, é promovido a capitão de 2.ª linha o então tenente de 2.ª linha, régulo de Badora, Boncó Sanhá, pela maneira decidida como mandou os auxiliares do seu regulado durante as operações na ilha de Canhabaque; também promovido a capitão de 2.º linha o régulo de Sancorlá, Bram Jam, pela coragem, brio e valentia que deu provas num combate, apesar de ver cair morto, a seu lado, o seu filho primogénito, a tenente de 2.ª linha, o alferes de 2.ª linha, régulo do Ganadú, Demba Danelho, pela dedicação, coragem e valentia que dera provas; e também promovidos a alferes de 2ª linha os régulos de Quinará, Buli Jassi, Braima Baldé e do Cossé, Infali Baldé, pela coragem e valentia que deram provas.

E termina-se com mais medidas disciplinares, constantes do Boletim Oficial da Guiné n.º 46. Desta feita estava envolvido o capitão do extinto quadro de administração de saúde das colónias, António das Neves Jacob:
“a) Sendo Fiscal do Hospital de Bolama, apesar de fazer expedir de uma maneira irregular circulares para o fornecimento de géneros para dietas, continuava a proceder incorretamente, não respeitando as propostas mais vantajosas, prejudicou os interesses do Estado;
b) Pretendeu mancomunar-se com o seu subordinado e inferior hierárquico, combinando com este as repostas a dar ao encarregado do inquérito;
c) Falta de lealdade para com o diretor do hospital, dando-lhe a assinar um recibo e não lhe levando à assinatura o talão respetivo, diversamente escriturado;
d) Praticou graves irregularidades de escrituração das contas e recibos dos doentes;
e) Serviu-se de dinheiros do Estado para pagamento das suas contas circulares, sem lhes ter dado entrada na fazenda, como cumpria.” Com todas as atenuantes somadas, não acusando o seu registo disciplinar castigo algum, o governador aplicou-lhe o mínimo de pena de inatividade por 181 dias, ficou com direito às regalias concedidas aos militares das Forças Armadas e tem vencimento militar, perde as gratificações de comissão e de serviço.


Bombas contra Franco
Luta da Mantampa, Papéis, Guiné Portuguesa
Imagem de evento Bijagó, 1946
'Beleza Bijagó, Guiné', fotografia de Domingos Alvão, postal fotográfico da 1.ª Exposição Colonial Portuguesa, 1934
Indígena Bijagó, Guiné, 1940

(continua)
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Nota do editor

Último post da série de 6 de agosto de 2025 > Guiné 61/74 - P27097: Historiografia da presença portuguesa em África (493): A Província da Guiné Portuguesa - Boletim Oficial da Colónia da Guiné Portuguesa, (o segundo semestre de 1936) (47) (Mário Beja Santos)

Guiné 61/74 - P27116: Felizmente ainda há verão em 2025 (16): Key West, na Flórida, EUA: é um casa portuguesa, concerteza, onde, além do pão e vinho sobre a mesa, também há cobras venenosas no quadro da electricidade... (José Belo)








EUA  > Flórida > Key West > Casa do Joseph Belo... com um triplo "look", luso-sueco-americano,,,


Fotos: © José Belo  (2025. Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné.]



1. Mensagem do
Joseph Belo (Key West, Florida, EUA)

Data - 12 agosto 2025 17:03

Assunto - Numa casa portuguesa fica bem pão e vinho sobre a mesa...

... Mas na solarenga Key West, na Flórida, além do pão e vinho sobre a mesa, surge cobra venenosa no quadro da electricidade.

A um veterano de destacamento isolado no Sul da Guiné dos finais dos anos sessenta só lhe faltava……isto!

Um abraço amigo do J. Belo


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Nota do editor LG:

Último poste da série > 12 de agosto de 2025 > Guiné 61/74 - P27115: Felizmente ainda há verão em 2025 (15): Camaradas, perguntar não ofende: "Pode a CPLP vir a transformar-se em CPLB" ?... E a gente a pensar que em bom português "nois sintendi"... (António Rosinha, ex-colon, ex-retornado de Angola, ex-cooperante na Guiné-Bissau)

terça-feira, 12 de agosto de 2025

Guiné 61/74 - P27115: Felizmente ainda há verão em 2025 (15): Camaradas, perguntar não ofende: "Pode a CPLP vir a transformar-se em CPLB" ?... E a gente a pensar que em bom português "nois sintendi"... (António Rosinha, ex-colon, ex-retornado de Angola, ex-cooperante na Guiné-Bissau)


1. Mensagem de António Rosinha, ex-colon, ex-retornado de Angola, ex-emigrante no "Brasiu", ex-cooperante na Guiné-Bissau do Luís Cabral e do 'Nino' Vieira, beirão,  portuguès dos sete costados, grão-tabanqueiro de pedra e cal (comn 154 referências no blogue)... Mesmo tendo sido expulso do paraíso em 1974, não perde o bom humor...


Data - segunda, 11/08/2025, 18:22 

Assunto - CPLP a transformar-se em CPLB?


E se, quando ao telefone, ouvimos uma voz feminina de um call center a comunicar-nos em paulista, ou carioca ou baiano, nos fizessemos desentendidos aqui em Portugal, que não entendemos aquele sotaque, como no Brasil dizem que não entendem os portugueses?

Será que pelo menos elas se esforçariam para dobrar um pouquinho mais a língua?

Gosto de ouvir o Lula ou o tal Bolsonaro,quando em Nova York na ONU, se exprimem num português perfeitamente paulista ou carioca.

Ao contrário de todos os nossos políticos, que falam em qualquer língua , conforme seja o ouvinte para quem falam nem que seja da Cochinchinha. Mas em português nunca... 

Quem me inspirou esta ideia de não abdicarmos do português de Portugal, foi um treinador de futebol. Já tinha ouvido um treinador com sotaque do norte em São Paulo a mandar vir com jornalistas brasileiros. Mas com sotaque da Camacha bem fechadinho, foi um madeirense , aos microfones num jogo do brasileirão e os jornalistas entenderam tudinho, pelo menos não pediram para repetir.

Se, com doutores, são acordos atrás de acordos ortográficos, transformando um idioma ao sabor não se sabe de quem, quando há falantes de português em angolano, em cabo-verdeano, em África são 5, e ainda lá longe, Timor, e no próprio Brasil tem gauchos, nordestinos, baianos...e muitos mais, cada um com seu jeito, porque não manter a ortografia toda como está?

E entreguem o problema ao pontapé na bola, que como todo o Brasil, terra do Rei Pélé, já verificou, com este processo, "nois sintendi".

E a uniformização e globalização serão menos complicadas não mexendo na matriz, que já se mexeu demais. E os doutores,e os políticos que metam a viola no saco de uma vez por todas.

A matriz devia ser sempre respeitada.

Mas é muito difícil para todas as origens de brasileiros, entender "como é que se chegou aqui".


Há sempre o argumento que a razão está do lado da maioria, o que não faltará quem imagine um dia transformar a CPLP em CPLB.

Não estariamos com estes problemas de acordos ortográficos, se os ventos não tivessem desviado aquela "regata" de Cabral 
que ia a caminho da Índia, e foi parar às terras de Vera Cruz.

Mas com ou sem acordo, os brasileiros lá vão escrevendo a sua história, mas em português, por enquanto.

Cumprimentos,  Antº Rosinha


2. A expressão "nois sintendi" é uma forma coloquial de dizer "nós entendemos" no português falado do Brasil.

Ela combina dois desvios da norma culta: 

(i) "nois" → forma popular de "nós" (comum em fala informal de algumas regiões); 

(ii) "sintendi" → variação fonética de "entendemos" ou "entendi", provavelmente influenciada pelo som nasal e pela troca de vogais.

O uso dessa expressão costuma ser intencional para criar um efeito humorístico, caricato ou para imitar a fala de determinadas regiões ou grupos, especialmente em memes e redes sociais.

A expressão "nois sintendi" ficou popular principalmente por causa de memes brasileiros que exageram erros gramaticais e fonéticos para criar humor.

(a) Origem e contexto:
  • surgiu de uma mistura de estereótipos linguísticos de fala rural, sertaneja ou dio interior com erro intemcional de conjugação verbal.
  • começou a aparecer em fóruns, páginas de humor no Facebook e depois no Twitter e TikTok por volta de 2018–2019;
  • é usada para ironizar uma compreensão óbvia ou reforçar que algo foi entendido de forma exagerada.

(b) Função caricatural / humorística:

  • não é só um erro de português, é uma marca de personagem, o tal “brasileiro simples e direto” (sic) que não liga p'rá gramática e fala do jeito que acha mais fácil;
  • assim como "pobrema" (problema) ou "menas" (menos), vira um meme linguístico que circula mesmo entre quem fala corretamente 
  • outras expressões de português deturpado,  muito comuns no Brasil, em linquagem coloquial: "Prástico" → plástico. | "As criança" → as crianças. | "A gente vamos" → a gente vai. | "Pruquê" → por que. | "Dibre" → drible (famoso por causa do jogador Denílson). | "Almoçei" → almocei, mas dito com “l” bem marcado. | "É memo?" → é mesmo? | "Nois vai" → nós vamos)

Essas expressões aparecem muito em memes, bordões de humoristas e piadas de internet, e geralmente a graça está em “fingir” que se fala errado. Para o falante do portuguès de Portugal, é uma... "algarviada" do camandro... E a  gente a pensar que em bom português "nois sintendi"...


(Pesquisa: IA / ChatGPT + LG | Revisão / fixação de texto, negritos, título, links: LG)

Guiné 61/74 - P27114: Blogpoesia (806): Versejar em Nova Sintra - 3: "Nova Sintra", pelo Cap Fonseca e Silva da CCS/BCAV 2867 (Aníbal José da Silva, ex-Fur Mil Alimentação)

Vista aérea de Nova Sintra

1. Em mensagem de 1 de Julho de 2025, o nosso camarada Aníbal José Soares da Silva, ex-Fur Mil Vagomestre da CCAV 2483 / BCAV 2867 (Nova Sintra e Tite, 1969/70), enviou-nos alguns versos alusivos a Nova Sintra.
Publicamos hoje "Nova Sintra", da autoria do (então) Capitão Fonseca e Silva da Companhia de Comando e Serviços do BCAV 2483.



VERSEJAR EM NOVA SINTRA - 3

NOVA SINTRA

Em largo de areia e terra,
No meio de mata cerrada,
Vivem homens em buracos
Na corrida do tempo passado!

Fazendo dum sorriso
Uma boa e larga anedota!
Fazendo duma palavra dada
Conversa para dias e anos!

Em casa de chapa e tronco
Vivem homens de olhos encovados,
Sempre os mesmos, meses e meses,
Na amizade sã dos deserdados.

Olhando outros em local farto
De quartos limpos em parede caiada,
Não olham com inveja ou enfado,
Mantêm a noção de camarada!

Na singeleza destas quadras
Vai o amor de um poeta pelintra
Que sentiu o que outra devia sentir
Em terras de Nova Sintra.

Autor
Capitão Fonseca e Silva


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Breve história sobre a razão de ser destes versos

O Capitão Fonseca e Silva foi o Comandante da CCS do meu Batalhão, o BCAV 2867, que esteve sediado em Tite nos anos 69/70.
Por divergências havidas com o Comandante do Batalhão, Tenente Coronel Trinité Rosa, o Capitão como castigo ou punição foi desterrado durante duas semanas para o quartel de Nova Sintra. Pela leitura das duas últimas quadras conclui-se que os versos lhe são dirigidos.
De referir que o Comandante do Batalhão nunca passou qualquer noite em Nova Sintra, bem como o Capitão de Operações do Batalhão, o médico e até o Padre. O único que lá esteve durante uma semana foi o 2.º Comandante, o Major Martins Ferreira.

Aníbal Silva
Arcozelo/Gaia 01 de Julho de 2025

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Nota do editor

Último post da série de 5 de agosto de 2025 > Guiné 61/74 - P27093: Blogpoesia (805): Versejar em Nova Sintra - 2: "Despedida de Nova Sintra", por Manuel Gouveia de Oliveira, Soldado Atirador (Aníbal José da Silva, ex-Fur Mil Alimentação)

Guiné 61/74 - P27113: A nossa guerra em números (31): Angola e Moçambique: População europeia total: ~535 mil / 600 mil | Total geral de "retornados" (incluindo os restantes territórios): c. 500 mil / 520 mil pessoas


Angola > Colonato de Cela > Aldeia de Freixo >  Família de colonos, oriunda do distrito da Guarda, uma das 22 que partiram para Angola, em 10 de março de 1953. Do lado direito, um padre católico, missionário, de chapéu colonial na mão.  

Fonte: Capeia Arraiana, 10 de março de 2015 (com a devida vénia...)


Legenda:

"Colonos da Guardam parte para Angola: 

No dia 10 de Março destacamos a partida de Lisboa de famílias do distrito da Guarda para colonizarem Angola em 1953.

Há 62 anos 22 famílias oriundas do distrito da Guarda partem de Lisboa para Angola a bordo do navio Benguela, a fim de se fixarem no planalto Amboim.

Salazar quis colonizar as terras do interior angolano enviando da metrópole pessoas oriundas da província, de modo a construir as chamadas 'aldeias novas', que constituíam os Colonatos. 

As habitações eram similares às das aldeias de onde os colonos eram originários e o objectivo era a exploração agrícola dos terrenos angolanos.

Muitas dessas aldeias receberam os nomes das aldeias de onde os camponeses eram originários. Exemplo disso foram as aldeias de Vimieiro, Freixo e Santiago de Adeganha, que faziam parte de um conjunto de 15 aldeias, que foram sendo construídas ao longo do Rio Cossoi, na região de Cela, distrito de Cuanza Sul, na zona de transição entre as regiões cafeícolas e o Planalto Central Angolano, cobrindo uma área de cerca de 300.000 hectares.

Os novos colonos foram instalados pela Brigada de Colonização Europeia dos Serviços de Agricultura. Em Maio de 1951, foram iniciadas as obras de instalação. A 23 de Julho de 1952, por força da Portaria Provincial nº 7884, foi criada a Secção de Colonização, sediada em Nova Lisboa (Huambo), à qual ficaram afectos as obras de colonização da Cela e os Colonatos de Caconda e 31 de Janeiro. Os primeiros colonos chegaram ao Colonato de Cela, mais precisamente à aldeia do Vimieiro."

(Ver aqui, nos Arquivos da RTP, um documentário de 20' 26'', sobre o Colonato de Cela, com data de 22 de março de 1961.  Foi um dos maiores e mais ambiciosos projetos agrícolas de colonização branca em Angola, implantado nos anos 1950 na região do planalto do Cuanza-Sul, mais precisamente na Cela, na altura, Santa Comba Dão, hoje município do Waku Kungo, a cerca de 300 km a sudeste de Luanda.)

Fonte: Capeia Arraiana (jornal regiuonal "on line", diário, de .acesso gratuito. Tem âmbito: nacional mas "privilegiando o concelho do Sabugal, a região raiana, os distrito da Guarda e de Castelo Branco, as Beira Alta e Beira Baixa e a emigração").

 

1. O termo “colonos”, em Angola e Moçambique (mas também em São Tomé e Príncipe e, em menor grau, na Guiné.Bissau)  remete para uma  categoria algo difusa. 

Nos últimos anos da guerra colonial / guerra do ultramar  havia uma percentagem relevante de população de nacionalidade portuguesa que estava em África de forma não permanente (sobretudo militares e pessoal administrativo destacado).


(i) Angola (1974)

População europeia total: ~335 mil /350 mil

Distribuição aproximada:

  • colonos permanentes (famílias, comerciantes, agricultores, técnicos, etc.): ~270 mil / 280 mil;
  • funcionários civis do Estado (professores, médicos, enfermeiros, magistrados, etc.): ~15 mil /  20 mil
  • militares destacados (rotação 2 anos, incluindo quadro permanente e milicianos): ~40 mil / 50 mil

Observação: Angola tinha um núcleo urbano e rural de colonos estáveis (alguns de há 2 ou 3 gerações), sobretudo no planalto central e em Luanda.

(ii) Moçambique (1974)

População europeia total: ~200 mil  / 250 mil 

Distribuição aproximada:

  • colonos permanentes: ~160 mil /  180 mil;
  • funcionários civis: ~10 mil / 15 mil;
  • militares destacados: ~25 mil /  35 mil

Observação: Lourenço Marques (hoje, Maputo) concentrava cerca de ⅓ dos europeus; havia também forte presença na Beira, Nampula e zonas de agricultura do Vale do Zambeze.


(iii) Total Angola + Moçambique


População europeia total: ~535 mil / 600 mil

  • colonos permanentes: ~430 mil / 460 mil
  • funcionários civis: ~25 mil / 35 mil 
  • militares destacados: ~65 mil / 85 mil 

(iv)  O êxodo

“Colonos”: 

  • a categoria não engloba todos os europeus; 
  • nos censos coloniais, “europeu” incluía não só os colonos permanentes, mas também militares em serviço temporário e pessoal administrativo que não tinha intenção de permanecer.

Grande parte dos militares regressou a Portugal logo em 1974/75; a saída massiva de famílias de colonos aconteceu entre meados de 1974 e 1976.

Em Angola, a transição para a independência (1975) foi acompanhada de guerra civil e violência urbana, acelerando o êxodo. 

Em Moçambique, o Acordo de Lusaca e as políticas iniciais da FRELIMO levaram também a uma saída rápida, embora um pouco mais ordenada.

2. Quais as estimativas mais credíveis do número de  “retornados” que chegaram a Portugal, vindos de Angola e Moçambique em 1974, 1975 e 1976 ?

Vamos então ao número dos “retornados” (termo usado em Portugal para designar quem regressou das antigas colónias após 1974).

Convém ter presente que:

  • o termo abrangeu sobretudo civis (colonos permanentes e funcionários),
  • mas também militares do quadro permanente que decidiram não permanecer em África;
  • a maior parte regressou entre meados de 1974 e final de 1976;
  • os registos não são perfeitos: alguns vieram para Portugal via outros países (África do Sul, Brasil, etc.), outros ficaram em trânsito.

Estimativas mais sólidas (base: Comissão de Apoio aos Retornados e dados do SEF)

(i) Angola

Total estimado de retornados: ~310 mil / 330 mil.

Pico de chegadas: junho / novembro de 1975, coincidindo com a intensificação da guerra civil e a retirada das tropas portuguesas.

Inclui: famílias de colonos, pessoal técnico, comerciantes, agricultores e parte do funcionalismo público.

(ii) Moçambique

Total estimado de retornados: ~180 mil / 200 mil.

Pico de chegadas: agosto de 1975 / início de 1976, sobretudo após as nacionalizações de empresas e imóveis em 1975.

(iii) Outras colónias:

Guiné-Bissau: ~3 mil / 5 mil (a maior parte militares e funcionários civis).

Cabo Verde: ~20 mil /25 mil

São Tomé e Príncipe: ~15 mil / 20 mil


(iv) Total geral de “retornados” (1974–1976)

Estimativa mais consensual: c. 500 mil / 520 mil  pessoas.

Aproximadamente 62/65%  (menos de 2/3) vieram de Angola, 35/36% (pouco mais de 1/3) de Moçambique, e uma pequena fração das restantes colónias.

(v) Conclusão:

Estes valores confirmam que o número de colonos permanentes em Angola e Moçambique somado era claramente inferior a 1 milhão. 

Os "retornados" representam, grosso modo, a quase totalidade dessa população fixa de origem europeia, já descontando militares temporários.




(Pesquisa: LG / ChatGPT / Revisão e fixação de texto, negritos, título: LG)

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Nota do editor LG:

Último poste da série > 11 de agosto de 2025 > Guiné 61/74 - P27110: A nossa guerra em números (30): 17 milhões de portugueses perderam a nacionalidade com a descolonização e a independência dos antigos territórios do "ultramar português" em África

segunda-feira, 11 de agosto de 2025

Guiné 61/74 - P27112: Notas de leitura (1828): "Histórias de Amor em Tempo de Guerra, Guiné 1963-1974", por Rui Sérgio; 5livros.pt, 2017 (Mário Beja Santos)


1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá, Finete e Bambadinca, 1968/70), com data de 15 de Julho de 2024:

Queridos amigos,
Tem sido graças ao bom acolhimento que me dá a Biblioteca da Liga dos Combatentes que vou lendo as investidas do médico Rui Sérgio pelas suas memórias da Guiné. Não resiste a falar de Galomaro, nem dos Bijagós nem da região de Pitche e Nova Lamego, por ali andou ele e gente do seu batalhão. Compõe agora quatro histórias que gizou como um guião para um filme: a mulher de um oficial de informações precisa de ter um filho que o marido não lhe pode dar e daí os encontros libidinosos com um furriel paraquedista; o Neco de Leixões, encaminhador para casas de alterne na vida civil e que passou a apresentar-se como percussionista e vocalista no Chez Toi, já na idade avançada o Neco acha que todas aquelas meninas deveriam ter sido condecoradas com a Medalha de Mérito Militar; Tomaz e Bárbara também têm como pano de fundo o Chez Toi, até o médico Dr. Rui Sérgio aparece como salva-vidas, Bárbara e Tomaz casarão na catedral de Bissau; e como o amor redime sempre, um grupo de quatro marinheiros frequenta na estrada de Bor um espaço onde atuam moças cabo-verdianas, também tudo acabará em casamento e o autor dá como comprovada a capacidade dos tugas em espalharem a sua bondade e poder de miscigenação já que a genética da portugalidade tem muito que se diga.

Um abraço do
Mário



Sim, o amor não nos deixa em descanso em tempos de guerra

Mário Beja Santos

O alferes miliciano médico Rui Sérgio, que cirandou entre Galomaro, Gabu e Bijagós, mostra fervor pela Guiné, dedicou-lhe um acervo de livros, chegou a vez de falarmos de Histórias de Amor em Tempo de Guerra, Guiné 1963-1974, 5livros.pt, 2017. Apresenta quatro histórias como um guião para um filme, despede-se com um poema onde se revela taciturno, diz-se contentar em viver só, com ilusões e sentimentos que jamais realidade serão.

Primeira história, um furriel paraquedista, vindo de uma operação no Morés, tenta nos CTT de Bissau uma ligação para a metrópole. Rui Sérgio não esconde que é médico e que tem que dar explicações, neste caso falando do intertrigo, a propósito de virilhas empapadas, gretadas e cheias de micose. Enquanto espera pela chamada, mete conversa com uma metropolitana, esta diz ser mulher de um oficial de informações no Quartel-General e professora de liceu. O furriel, que aspira chegar a Lisboa para terminar o sétimo ano, pergunta se ela lhe pode dar explicações de matemática, biologia e físico-química.

Um dia, lá em casa, e na ausência do marido que está em missão em Nova Lamego, irrompem os ardores libidinosos. O furriel não se sente muito bem pela sua consciência, passados uns tempos o casal partiu para Lisboa. Há depois uma terrível operação em Guidaje, ele é ferido, e foi evacuado de Bissau para Lisboa. Acontece o 25 de Abril, o furriel casa-se e tem uma filha, um acidente de viação leva-lhe a mulher. Um dia, numa esplanada do Príncipe Real reencontra aquele amor de ocasião de Bissau na companhia de uma filha. Mais tarde o furriel recebe um telefonema da mulher do oficial de informações, ela conta-lhe a seguinte história:
“Espero que não te zangues comigo e não aches que te usei, mas a verdade é que antes de irmos para a Guiné, e após exames analíticos, pois não engravidava, soube que o meu marido tinha azoospermia e que não podia ser pai. Ocultei tal facto para não ferir a virilidade e o desejo de ser pai, dizendo-lhe que a culpa seria minha. O facto de termos caído nos braços um do outro levou-me a engravidar. A minha gravidez e a minha vinda coincidiram com o facto de seres ferido em combate. Nunca mais te vi, agradecia todos os dias a Deus o ter-te posto no meu caminho e teres me dado a nossa filha que salvou o meu casamento.” Choraram abraçados um ao outro com a certeza de que a guerra da Guiné não fora assim tão má.

A segunda história envolve o Neco de Leixões, tinha historial de barman em estabelecimentos noturnos, após a recruta e especialidade foi colocado como criado de mesa na messe de oficiais do RASP, daqui foi mobilizado para a Guiné, deixou imensas saudades, era bom angariador de prostitutas, encaminhando embarcadiços para as casas de alterne. Partiu para a Guiné numa companhia de comandos e serviços como amanuense. Rui Sérgio usa indiferenciadamente a sua narrativa na primeira e na terceira pessoa do singular, umas vezes para descrever o contexto outras para pôr a personagem a falar. Em Bissau encontra um tenente-coronel com quem passara borgas e noitadas nos bares de Matosinhos, nos tempos em que ele era capitão, ele passa a impedido deste oficial superior, um dia encontra o Pinto, filho do dono da casa de câmbios mais famosa de Valença, a Casa Condessa, que atuava como guitarrista no Chez Toi, também conhecido como o Gato Negro, Rui Sérgio descreve ao pormenor. Agora, na velhice, o Neca de Leixões acha que todas aquelas meninas que trabalhavam naquele espaço lúdico de Bissau deveriam ser condecoradas com a Medalha de Mérito Militar.

A terceira história intitula-se Tomaz e Bárbara. Tomaz era tenente do Quadro Especial de Oficiais. Tirara o curso em Mafra, como aspirante fora colocado em Tancos, onde concluiu a especialidade de sapador. Mobilizado para a Guiné, cumpriu a primeira comissão no batalhão de Tite, trabalhou na desminagem da picada para Nova Sintra. É numa ida para Bissau que passou a ingressar no Quadro Especial de Oficiais, viu a sua comissão encurtada, veio até à Academia Militar, está agora em estágio no batalhão em Pitche, participa novamente nas atividades de desminagem, desbravava-se a picada de Nova Lamego até Pirada, um pelotão de Paúnca fazia a proteção à picada, as colunas deslocavam-se com uma GMC à frente, quando a coluna chegava a Nova Lamego um pelotão da CCS protegia-os até Pitche.

Aqui começa verdadeiramente a história. No trajeto para Canquelifá, a coluna é emboscada, causou dois feridos graves, um dos quais um alferes amigo de Tomaz. Este não descansou enquanto não foi a Bissau para visitar o amigo. Depois de jantar foi ver as moças no Gato Negro, aí conhece Bárbara nascida no Largo da Rua Chã, menina de 18 anos, católica temente, batizada na Sé Patriarcal do Porto. Rapidamente teremos derriço entre Bárbara e Tomaz. Este está de volta à região de Pitche, mal chega há um grande ataque do PAIGC a Copá, Pirada e Buruntuma, toda a zona Leste ficou em estado de sítio, tiveram que vir os comandos africanos e o grupo de Marcelino da Mata. A população de Copá fugiu, tiveram que vir os paraquedistas. O pelotão de Tomaz tem um comportamento formidável na desminagem da picada para Copá. Entretanto chega a notícia de que Bárbara tinha sido internada no Hospital Civil de Bissau com uma crise palúdica severa.

O autor não resiste a autorretratar-se, pois Tomaz é apresentado como médico do batalhão de Galomaro que tinha ido a Bissau acompanhar a evacuação de feridos e prestava assistência itinerante nos Bijagós (era esta a situação de Rui Sérgio). E temos novamente o médico Rui Sérgio em ação, ficamos a saber como Bárbara foi tratada:
“O médico mandou aplicar soro Ionosteril-G (Soro Polieletrolítico com glicose a 5%) com um fluxo rápido de 90 gotas por minutos, para uma hidratação adequada. Resochina 500 mg em infusão endovenosa de 8 em 8 horas. Aplicou-lhe intramuscularmente uma injeção de Fenobarbital para a agitação e Dolviran em supositório para a temperatura.”

Bárbara recupera. Tomaz chega ao fim do estágio, Bárbara e Tomaz casam na catedral de Bissau. Até na Guiné Jesus faz milagres.

A última história intitula-se Amor em tempo de guerra. Jorge oferece-se como voluntário para a Marinha, tem uma compleição física notável e uma musculatura bem desenvolvida. Ligado desde os 11 anos à mecânica e eletricidade, foi-lhe destinada a especialidade de Armas Pesadas. No início de 1972 é mobilizado e colocado nos Serviços de Reparação Naval da Armada. Viaja de avião com gente fixe, trabalha na manutenção de armamento das Lanchas de Fiscalização sediadas na base. Teremos seguidamente uma descrição de armas, fuzileiros, vias fluviais, formou-se uma dupla entre o Jorge e o José Russo, frequentam o Gato Negro, juntam-se mais dois, o Zé Bófia e o César Red River, passam a frequentar uma casa de cabo-verdianas nas estrada de Bor, os quatro amigos vão-se afeiçoando a quatro meninas do sítio, depois de muitas peripécias, numa refrega Jorge é ferido, por atos de bravura será condecorado com a Cruz de Guerra de 1.ª Classe, tudo acabará em bem, o quarteto marcou o dia de casamento na catedral de Bissau com as meninas de Bor.
“O amor também venceu a guerra e a capacidade dos tugas de espalharem a sua bondade, a sua capacidade de miscigenação, a sua entrega de amor e a alma lusófona, que espalha constantemente a sua portugalidade que geneticamente é uma mistura amerinda, africana, árabe, luso-galaica.”

Aqui finda o guião para um filme.

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Nota do editor

Último post da série de 8 de agosto de 2025 > Guiné 61/74 - P27100: Notas de leitura (1827): Para melhor entender o início da presença portuguesa na Senegâmbia (século XV) – 5 (Mário Beja Santos)

Guiné 61/74 - P27111: Felizmente ainda há verão em 2025 (14): e sentados à mesa redonda ou oval somos todos iguais...os do Norte e os do Sul... (Luís Graça)







Fotos nºs 1, 2 e 3 > Lourinhã > 9 de agosto de 2025 > Almoço: Batatada de peixe seco, à moda da "chef" Alice...

Fotos nºs 4 e 5 > Lourinhã > 10 de agosto de 2025 > Restos:  um entradinha (camarões panados, bem regados com limão), a saladinha...que escapou ao fotógrafo, e a "roupa velha" (uma espécie de batatada de peixe seco à Gomes de Sá:  vai ao forno, leva muita salsa, ovo fatiado e  azeitonas)

Fotos (e legendas): © Luís Graça (2025). Todos os direitos reservados [Edição: Blogue Luís Garça & Camaradas da Guiné]


1. Dirão alguns: não são  comidinhas de verão, frescas, leves, saborosas... Estamos de acordo... Diz o nosso nutricionista de serviço, que as nossas comidinhas de verão têm que ter estas 3 características, a combinação perfeita: (i) leves (nada de sobrecarregar o organismo); (ii) frescas (para combater o calor); e (iii) saborosas (aproveitando a variedade e a abundância dos produtos da época, das frutas aos legumes, do peixe aos mariscos)...

 De facto, com  a chegada dos dias quentes e compridos, o nosso corpinho e o nosso palato  não aceitam comidas pesadas, proteicas, calóricas, de difícil digestão, como os pratos de inverno...

A preferência deve ir para pratos com estas 3 caraterísticas (leveza, frescura e sabor). Não é apenas uma questão de gosto, mas também uma resposta fisiológica do nosso corpo.

Já recomendámos ao nosso vagomestre, que a ementa da messe  tem de recair agpora em ingredientes e confeções que combinam estas três coisas: (i) promovam a hidratação, (ii) sejam de fácil digestão;  e (iii) sejam ricos em nutrientes essenciais para repor as perdas através da transpiração.

Em resumo, temperaturas mais altas, alimentos com menos calorias, de fácil digestão e que promovam a hidratação...
 
A batatada de peixe seco sempre foi, nas comunidades de lavradores e pescadores, da Lourinhã, uma comida de inverno. Mas agora come-se quando há os ingredientes indispensáveis, e nomeadamente o peixe seco (raia, sapata, cação, safio...), que se cozinha como o bacalhau, depois de demolhado.... Serve-se com muito azeite e alho, triturado no almofariz... E, claro, também vai bem com um dos nossos muitos bons vinhos brancos, fresquinhos...

E a propósito de ingredientes, é bom que se diga que não é um prato barato: a "arraia" seca está ao preço do bacalhau, a sapata (espécie protegida) só se arranja no "mercado negro"...

No dia seguinte, com os restos que sobrou (e foi outro tanto!), faz-se uma espécie de "batatada de peixe seco à Gomes de Sá", com um toque final, soberbo, da "chef" Alice, no que fiz  respeito aos molhos e à temperatura do forno...

Essencial são os amigos, de férias, que gostam de se juntar à mesa...  e que sabem que "na casa desta mulher come-se tudo o que ela fizer e nos der"...Sentados à mesa redonda ou oval, somos todos iguais. Estes/as  "companheiros/as", do último fim de semana, eram, do Norte (Esposende) e  nunca tinham provado estas iguarias...

Em suma, todas as ocasiões são boas para  se comer uma batatada de peixe seco... Na Marquiteita e na Ventosa do Mar sõa mesmo no píncaro do verão. (Nas nossas casas é quando quiser e puder...). O que não há na Marquiteira e na Ventosa do Mar (a batatada é sempre no último dia da festa, por ainal uma segunda feira), é a possibilidade de, no dia seguinte, ir comer os restos (ou a "roupa velha", como se diz no Norte): a tal espécie de batatada de peixe seco à Gomes de Sá, e que  vai ao forno, mas a receita é da "chef" Alice. (Falem com ela.)
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