Guiné > Região de Tombali > Gandembel > CCAÇ 2317 (1968/69) > Janeiro de 1969
Foto 415 > "Uns dias antes do abandono de Gandembel/Balana [, em 28 de Janeiro de 1969,]Spínola também viria cá despedir-se".
Foto 414 > "Já o PAIGC utilizava o morteiro 120, quando nos foi enviado um exemplar idêntico"
Os homens da Companhia, essencialmente oriundos do Norte e do distrito do Porto, professavam o catolicismo com muita crença e fervor Foto 409 > "Uma missa rezada em Gandembel"
Foto 410 > "Um local de oração em Ponte Balana"
Alguns aspectos demonstrativos de determinadas facetas que os homens de Gandembel viveram
Foto 411 > "Os furriéis Vasco Ferreira e António Nabais, no Hospital em Bissau, em cura dos efeitos de estilhaços"
Foto 412> "Eu e os meus furriéis, Mário Goulart e Viriato Veiga, a tentarem desenhar o emblema da Companhia"
Foto 413 > "O grupo da ferrugem, com os condutores e os mecânicos, sob a tutela do pesado furriel Jorge Pinho
E em 28 de Janeiro, nos despedimos definitivamente de Gandembel e Ponte Balana
Foto 416 > "A ligação Gandembel a Ponte Balana, pela estrada velha (a do Balanazinho), também deixava de ser utilizada"
Foto 417 > "Do mesmo modo, a picada que nos levava à água no rio Balana e que fazia a ligação a Ponte Balana"
Foto 418 > "E também a placa indicativa, já não se tornava necessária"
Fotos e legendas: © Idálio Reis (2007). Direitos reservados..
IX Parte da história da CCAÇ 2317, contada pelo ex-Alf Mil Idálio Reis (ex-alf mil da CCAÇ 2317, BCAÇ 2835, Gandembel e Ponte Balana 1968/69) (1). Texto enviado em 28 de Fevereiro de 200. Continuação (1).
Visita do Spínola, do Bispo de Madarsuma e das Senhoras do MNF e do jornalista César da Silva no Natal de 68
Seria uma lembrança do Natal, que se aproximava? Não o foi, pois que até lá não recordo qualquer confronto, mínimo que seja. Pelo Natal, dada a solenidade do dia, chegam 2 helicópteros: um trazendo o bispo de Madarsuma, vigário castrense das Forças Armadas e um repórter do extinto Diário Popular, de nome César da Silva; outro, com Spínola e elementos do Movimento Nacional Feminino.
Após a saudação de Spínola e algumas ofertas de aerogramas e esferográficas por parte das senhoras do MNF, o seu helicóptero descola com menos carga, pois o Pai Natal deixara um saco de bacalhau e alguns frescos.
O prelado celebra a missa. No entanto, mal a finaliza, também o PAIGC o sauda em baptismo de fogo, através de uma série de morteiradas. Atónito com este desenlace, o bispo vê-se agarrado por um soldado que o empurra para dentro de uma caserna. E em breve, também se despede de Gandembel.
O dia de Natal teve a sua consoada ao almoço, com um rancho melhorado, que o Comandante-Chefe tivera a gentileza de ofertar.
E o ano de 1968 finalizava, tantos meses passados em Gandembel/Ponte Balana, tantos doentes com paludismo e outras enfermidades, e que me recorde, só por 2 vezes, tivemos a visita de um médico. Os homens qualificados para tratar as maleitas do corpo e da alma, ficavam empatados.
E no aspecto dos cuidados de saúde, com inteiro mérito, é justo salientar o trabalho empenhado e abnegado dos nossos 2 enfermeiros: o Pires Costa e o José Maria Carneiro (este passou algum tempo em Bissau, na recuperação de ferimentos de alguma gravidade em resultado de uma coluna de reabastecimentos).
Que destino, para o Novo Ano de 1969 ? ... A notícia do abandono!
E 1969 despontava, sem nada conhecermos quanto ao destino que nos estava reservado. O PAIGC, felizmente para nós, também se parecia alhear da nossa presença, a não ser de uma forma muito fugaz, como os dias 9 e 14, com envio de mais um conjunto de morteiradas, não mais que meia centena, em cada vez.
E num relance tudo se altera. É dado a conhecer aos subalternos, a decisão do Comandante-Chefe de abandonar Gandembel e Ponte Balana, em data que não seria precisa e que o nosso destino seria muito provavelmente a província de Cabo Verde. Na antevéspera chegou-nos a confirmação que o abandono havia de ter lugar na madrugada do dia 28 de Janeiro, e o destino imediato seria Aldeia Formosa.
Como é fácil reconhecer, o que nunca faltou em Gandembel, foi um paiol bem fortalecido. E tornava-se necessário dar destino a inúmeros caixotes de munições, uma vez que não se dispunham de suficientes viaturas para os transportar de volta.
Reconheço hoje, que optámos pela pior solução. Em vez de se enterrarem todas as munições, como foi o caso dos caixotes das armas ligeiras e pesadas, decidiu-se, com excepção das granadas defensivas, e por premência de muitos soldados, que as granadas de morteiros e dos rockets serem gastas em fazer fogo, a esmo, como também as granadas ofensivas.
Na véspera da despedida, temos a 9ª e última baixa mortal´
Porventura, pela felicidade de abandonar aquele local tão aterrador, os ânimos exaltaram-se, sentimentos que se toldaram, perdeu-se serenidade e sangue-frio, a presença de espírito arredou-se.
Embora se se pedisse a melhor das atenções, no desperdiçar das granadas ofensivas, que não molestam o atirador desde que este se protegesse, na véspera da despedida, perde a vida por imprevidência, em acidente com arma de fogo, o 9º e último elemento da Companhia, o soldado António Moreira, de Joane, concelho de Vila Nova de Famalicão.
Logo que se toma conhecimento deste infausto acontecimento, tudo parou e as restantes munições ficaram por lá espalhadas. Houve ainda tempo, para se proceder à sua evacuação para Bissau.
À alvorada do dia 28, o armamento pesado é desactivado, a bandeira nacional é arriada, o gerador é colocado num Unimog, e eis que partimos em definitivo de Gandembel, passámos por Ponte Balana (ali ao lado) a buscar o grupo que aí estava e seguimos para Aldeia Formosa.
As prováveis razões de Spínola
Em definitivo, Spínola resolvera arquivar o dossiê de Gandembel/Ponte Balana. Mas, que razões o terão levado a tomar este propósito, de mandar evacuar estes postos militares, quando a situação geral tinha melhorado substancialmente nos últimos tempos?
Tento entrevê-las, ler-lhes o significado para poder emitir o meu juízo, obviamente muito subjectivo.
Spínola sempre julgou que a construção daquele aquartelamento, naquele tempo e naquelas condições, fora um colossal erro estratégico. Gandembel, fora o grande palco da guerra a que a Guiné no ano de 1968 esteve sujeita, e sempre na lista negra das más notícias.
Não se conseguiu travar ou mesmo minimizar as acções que o PAIGC mantinha no interior da Província, mesmo nas regiões do Oeste, o que comprova que o abastecimento oriundo da Guiné-Conacri continuou a processar-se sem grandes constrangimentos.
Fez acirrar ódios nas zonas envolventes a Aldeia Formosa, levando o PAIGC a agir de forma violenta e brutal, semeando o pavor nas populações indígenas que povoavam esses chãos. E, para tornar estas áreas mais sossegadas, é obrigado a fazer uso de tropa de elite, um bem demasiado escasso e tão necessário na vastidão da Província.
Em suma, Spínola julga que, de todo, Gandembel/Ponte Balana, não são garantes para a estratégia que urdira para a Guiné. De modo, que aproveita-se um pouco da situação de maior alívio, conquistada recentemente, e prefere sair sem o amargo travo da humilhação, mas com um pequena dose de honra e glória.
Utilizou os estratagemas que estavam à sua mão. E decidiu, porventura angustiado, por que não desejava que houvesse outros maus exemplos, apesar de sentir que a evolução da guerra crescia de forma exponencial.
Foi uma decisão acertada? Se se atender aos factos que ocorreram posteriormente, claramente julgo que não. O PAIGC fica quase inteiramente livre, e amplifica o seu arco de actuação, de modo retumbante, com uma forte actuação nas zonas de Buba, Aldeia Formosa e Guileje. Os casos mais conhecidos nos tempos imediatos, como o brutal desastre de Madina do Boé, a morte dos 3 majores, o aprisionamento do capitão cubano Peralta, a odisseia que foi a construção da estrada de Buba−Aldeia Formosa, são bastante paradigmáticos.
Spínola, ao aperceber-se da situação de desastre a que a Companhia estava votada, do forte poder bélico que o PAIGC demonstrava, seria mais ousado na antecipação da retirada. E evitaria as perdas sofridas de muitos militares.
Na qualidade de ex-militar que viveu todos os dias de Gandembel/Ponte Balana, sinto que, os homens desta Companhia foram uns meros joguetes de uma estratégia macabra, hedionda, vergonhosa. Jamais teve, até à chegada dos paraquedistas, o apoio que merecia. E tenho de reconhecer em Spínola, um militar de uma enorme dimensão, pois que se não fora a sua persuasão, talvez poucos homens desta Companhia restariam.
E talvez por isso, reconheço que havia felicidade estampada nos nossos rostos quando deixámos Gandembel, não o nego. Mas, para trás, ficava definitivamente um palco infernal, e já bastava de tanto castigo.
Mas o abandono não foi da nossa laia. E hoje, ao escrever estas linhas, perpassa algum frémito de emoção, porquanto os momentos dramáticos foram tantos e tão intensos quanto as marcas profundas de sofrimento ou as incontornáveis mazelas taciturnas e dolentes. As violências pessoais, só contaram para o inventário de nós mesmos.
Resistimos sem vacilações ou soçobros, mas tudo parece ter-se volatilizado num ápice, quando o que ocorreu se prolongou por quase 11 meses. E talvez por isto, porque não sei descrever de outro modo, por lá restaram as nossas sombras ou mesmo os fantasmas que tantas vezes ainda nos assolam.
De todo, a odisseia de Gandembel/Ponte Balana ficava encerrada, e cabe-vos agora a vez de lerem a transcrição de uma parte da reportagem do Diário Popular:
A fixação em Gandembel não foi, de modo algum, obra fácil. Pelo contrário, exigiu esforços e sacrifícios indizíveis. Para que o leitor possa fazer uma ideia aproximada, dir-lhe-emos apenas o seguinte; Gandembel tem a superfície de 40 decâmetros quadrados e está toda minada de valas e cercada de arame farpado com espaços armadilhados; os soldados vivem em abrigos fortificados, construídos com milhares de toneladas de toros de árvores, pedra e terra removida. Pois tudo isso foi feito a braços, visto que os nossos rapazes só dispunham de uma moto-serra e duas viaturas. No gigantesco trabalho participaram todos os soldados, com a respectiva arma numa das mãos e, na outra, uma pá, um machado, uma picareta ou, simplesmente, nada!. Trabalharam continuamente, de dia e de noite, mas apenas nos intervalos dos combates que eram obrigados a travar ou que eles procuravam por força das circunstâncias, pois Gandembel nunca deixou de constituir alvo permanente para o inimigo, que contra ele ainda hoje dirige brutais ataques, quase sempre apoiados por armas pesadas.
No conjunto das fotografias que consegui obter, e que vou enviando, faço ressair uma que efectivamente é bastante elucidativa do que intentei dar-vos nota: Gandembel, entre pequenos e grandes, de maior ou menor duração, mais ou menos sofridos, sofreu 372 ataques.
Desejaria, ao terminar esta descrição sobre Gandembel/Ponte Balana, tão-só confirmar que o rio Balana e o seu pequeno Balanazinho, (nas partes que me foi dado conhecer), formavam uma paisagem de uma rara e extasiante beleza, com um tipo de vegetação arbórea e arbustiva muito rica e diferenciada. A fauna era abundante e muito variada, e tantas vezes nas suas margens, no rumorejar das águas, ainda continuo a ouvir o mavioso cacarejo de bandos de galinhas do mato, que por ali abundavam placidamente.
E o que foram as colunas de reabastecimento para Gandembel?
Até breve. Um cordial abraço do Idálio Reis.
(Continua)
_____________
Nota de L.G.:
(1) Vd. posts anteriores:
16 de Fevereiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1530: Fotobiografia da CCAÇ 2317 (1968/70) (Idálio Reis) (1): Aclimatização: Bissau, Olossato e Mansabá
9 de Março de 2007 > Guiné 63/74 - P1576: Fotobiografia da CAÇ 2317 (1968/70) (Idálio Reis) (2): os heróis também têm medo
12 de Abril de 2007 > Guiné 63/74 - P1654: Fotobiografia da CCAÇ 2317 (1968/70) (Idálio Reis) (3): De pá e pica, construindo Gandembel
2 de Maio de 2007 > Guiné 63/74 - P1723: Fotobiografia da CCAÇ 2317 (1968/70) (Idálio Reis) (4): A epopeia dos homens-toupeiras
9 de Maio de 2007 > Guiné 63/74 - P1743: Fotobiografia da CCAÇ 2317 (Idálio Reis) (5): A gesta heróica dos construtores de abrigos-toupeira em Gandembel
23 de Maio de 2007 > Guiné 63/74 - P1779: Fotobiografia da CCAÇ 2317 (1968/70) (Idálio Reis) (6): Maio de 1968, Spínola em Gandembel, a terra dos homens de nervos de aço
21 de Junho de 2007 > Guiné 63/74 - P1864: Fotobiografia da CCAÇ 2317 (1968/70) (Idálio Reis) (7): do ataque aterrador de 15 de Julho de 1968 ao Fiat G-91 abatido a 28
8 de Julho de 2007 > Guiné 63/74 - P1935: Fotobiografia da CCAÇ 2317 (1968/70) (Idálio Reis) (8): Pára-quedistas em Gandembel massacram bigrupo do PAIGC, em Set 1968
Blogue coletivo, criado por Luís Graça. Objetivo: ajudar os antigos combatentes a reconstituir o "puzzle" da memória da guerra colonial/guerra do ultramar (e da Guiné, em particular). Iniciado em 2004, é a maior rede social na Net, em português, centrada na experiência pessoal de uma guerra. Como camaradas que são, tratam-se por tu, e gostam de dizer: "O Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca... é Grande". Coeditores: C. Vinhal, E. Magalhães Ribeiro, V. Briote, J. Araújo.
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1 comentário:
Sim Alferes Reis, foi um sofrimento desde o momento em que saimos de Guilege para Gamdembel, antes de lá chegarmos, mais ou menos a um quilometro, tivemos a morte num fornilho do nosso Alferes Leitão e, a partir daí iniciamos o que viria a ser um constante confronto, com curtos intervalos.
Um que me lembro e não posso tirar do meu pensamento, foi aquele que o inimigo conseguiu encostar à rede um beteria de canhões e disparou sem interrupção, eu, que estava entregue ao morteiro 120, não pude de forma alguma fazer mais que o primeiro dispar e, este fi-lo porque o morteiro estava sempre com uma munição.
Tambem me lembro que foi nesse dia que o Fur. Ferreira foi ferido pelo soldado básico, que não conseguiu segurar a G3, caindo para trás com o dedo no gatilho.
Alferes Reis, não é fácil esquecer a forma como o Fur. Alves ficou sem as pernas, nessa missão de abastecimento de água em que eu tambem estava presente.
Aqui mais uma vez não consigo esquecer-me dos nossos sofrimentos numa guerra estúpida.
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