quinta-feira, 18 de dezembro de 2008

Guiné 63/74 - P3650: O meu Natal no Mato (16): Os meus Natais na Guiné (Luís Dias)

1. Mensagem de Luís Dias, ex-Alf Mil da CCAÇ 3491/BCAÇ 3872, Dulombi e Galomaro, 1971/74, com data de 16 de Dezembro de 2008:

Caros Editores

Incluso um pequeno texto sobre os meus Natais na Guiné, caso o entendam publicar.

E aproveitando a época natalícia quero desejar aos Editores e respectivas famílias um óptimo Natal e um Feliz Ano Novo.

Um abraço
Luís Dias



2. Natais na Guiné

O início da nossa comissão na Guiné não poderia ter data tão manifestamente importante para todos aqueles que sentem a época natalícia. A CCAÇ 3491, integrada no BCAÇ 3872, chegou a Bissau a 24 de Dezembro de 1971, na véspera do primeiro de três Natais que iríamos passar naquele território.

Desembarcámos do navio Angra do Heroísmo, no Cais de Pidjiquiti, fardados de camuflado e com um calor e humidade que o colavam à nossa pele e ouvindo as bocas de periquito vai para o mato, dos estivadores negros e de quem assistia aos primeiros passos daqueles jovens em terras de África, saídos poucos dias antes da Metrópole e roubados ao sossego das suas vidas. Seguimos em viaturas civis para o Cumeré, onde o Batalhão ficaria instalado para o IAO e passaria aquela primeira noite.

Lembro-me de jantarmos bacalhau, de termos estado a ouvir o cantor Marco Paulo ao vivo (também esteve na Guiné) e quando já estava no quarto com os meus camaradas, por volta das 22/23 horas, fomos surpreendidos com disparos de artilharia ou de outras armas pesadas, que do quartel batiam a zona, em virtude de um flagelação inimiga a um destacamento próximo.

A correria para uma espécie de valas que existiam envolta da parada do quartel, ou para debaixo das camas, foi geral, pois todos pensávamos que estávamos a sofrer um ataque do IN. Foi o primeiro de muitos sustos e com alguns feridos ligeiros à mistura, porque nessa espécie de valas, onde alguns procuraram esconder-se, existiam muitas garrafas de cerveja partidas que cortaram muitos incautos.

Ficámos logo a saber que mesmo perto de Bissau, a pressão do IN podia fazer-se sentir – a guerra estava logo ali – e, meses mais tarde, aquando da passagem pela capital da Guiné a caminho de Lisboa para umas merecidas férias, assisti da messe de oficiais a um ataque a Jabadá, que se situava do outro lado do Rio Geba, quase em frente à principal cidade do CTIG.

Foi um Natal estranho, diferente, sem a companhia da família, imaginando que eles estavam todos juntos em casa dos meus pais. Senti bastante os milhares de quilómetros que nos separavam. Foi triste! Sei também que os meus familiares sofreram com a minha partida e com a minha falta à mesa de Natal e que os meus pais tiveram que ter o apoio, felizmente sempre presente, do meu tio Armando e da minha tia Bernardete. Este foi o primeiro Natal na Guiné, mas não seria o último.

Em Dezembro de 1972, depois de ter frequentado o Estágio das Unidades Africanas em Bolama e S. João, sob o Comando do então Major Coutinho e Lima, pessoa que me pareceu um excelente militar e um excelente ser humano, consegui regressar à minha Companhia, a tempo de passar o Natal com o meu pessoal, no nosso Dulombi. O poder contar-lhes as minhas aventuras durante o estágio, onde sofremos um ataque do PAIGC, a 13 de Dezembro (comandado pelo actual presidente da Guiné-Bissau, Nino Vieira, com recurso a canhões sem recuo e morteiros pesados e contando com o apoio de militares cubanos) e como decorrera o restante estágio. Foi a festa possível, com cânticos e algumas lágrimas de saudade. Estávamos também em alerta, dado que no princípio desse mês o IN atacara fortemente a sede do batalhão (Galomaro). Comemos o famoso bacalhau liofilizado, mas com a esperança – por sinal errada – que seria o último que passaríamos na Guiné e que em 1973 estaríamos no seio das nossas famílias.

No ano seguinte o meu Grupo de Combate, depois de ter estado uma temporada em apoio ao Batalhão de Piche, passou a prestar apoio ao Batalhão de Nova Lamego, tendo passado ainda por Pirada. Soubemos, entretanto, que não obstante a comissão ter terminado em Outubro, só seríamos substituídos em 1974. Víamos camaradas que tinham vindo em rendição individual e com menos tempo do que nós partirem e nós nada. Esta situação, aliada ao problema dos mísseis terra-ar que tornavam as evacuações dos feridos em combate no mato bastante difíceis, tinham proporcionado um abaixamento do moral das nossas tropas, implicando um trabalho psicológico acrescido para os graduados, para que a disciplina e as regras de segurança, em especial em operações, se mantivessem em elevado grau de eficiência.

Um Natal nestas condições, com o sonho desfeito de voltarmos a casa no tempo previsto, com 24 meses de Guiné já cumpridos e estando fora da Companhia, foram difíceis de gerir e de digerir e os sentimentos que lavravam entre todos nós, eram um misto de revolta e de raiva. Lembro-me que, após a ceia de Natal em Nova Lamego, o Grupo de Combate, pela meia-noite, foi para o mato, substituir outros camaradas que estavam desde o fim da tarde emboscados, para que eles pudessem também vir comer a ceia. Ali ficámos a fazer segurança até ao alvorecer, cada um a pensar, com certeza, na importância de mais um Natal afastado da sua terra, da sua família, dos entes queridos.

Foi efectivamente o último, mas regressámos vivos e voltámos a comemorar estas datas com as nossas famílias e amigos. Outros, infelizmente, não tiveram a mesma sorte, porque a boa estrela perderam, numa qualquer picada, trilho, vala, ou bolanha, nas terras da Guiné.

Digo-vos caros camaradas que desde esses tempos passei a ver o Natal com outro olhar… com outro sentimento.

Aproveito a oportunidade para desejar a todos aqueles que nos lêem, em especial aos amigos e camaradas da Tabanca Grande e aos elementos da CCAÇ 3491, um Bom Natal e um Ano Novo Próspero, extensivo às respectivas famílias e que a Boa Estrela nos guie.

Luís Dias
_______________

Notas de CV:

Vd. último poste da série de 16 de Dezembro de 2008 > Guiné 63/74 - P3636: O meu Natal no mato (15): Salsichas com arroz na messe de Sargentos, na Consoada de 1968... (Jorge Teixeira)

Vd. último poste de Luís Dias, de 8 de Julho de 2008 > Guiné 63/74 - P3037: Os nossos regressos (8): E vieram todos. Luís Dias.

2 comentários:

Luís Graça disse...

Caro autor, JT, e editor, CV:

Tomei a liberdade de alterar o título, que dá mais força e sentido ao texto... Um bom conteúdo exige sempre um bom continente...

Desculpem o abuso, mas sou fã das estórias/histórias do Zé Teixeira e quero que elas brilhem alto no céu da nossa blogosfera... Esta e todas as outras histórias que temos vindo a publicar no nosso blogue, do Zé e dos demais camaradas que ousam escrever... O talento (literário) não existe: pratica-se, todos os dias... também com "sangue, suor e lágrimas"... Sabem qual é dose: 99% de transpiração, 1% de inspiração... Ao trabalho, amigos e camaradas da Guiné. Um Alfa Bravo. Luís

Juvenal Amado disse...

Caro Luis Dias
Foi um Natal bem pesado psicologicamente para todos nós. Acabados de chegar, quase dormentes e pelo o meu lado um pouco embriagado. A falta da família e a incerteza no dia seguinte, tudo se conjugou para que nunca mais esse Natal, fosse esquecido.
Como tu bem lembras mal sabiamos que ainda lá passariamos mais dois.
No último estava em Galomaro um pelotão da 3491 comandado pelo alferes Parente.
Francamente não me lembrava do Marco Paulo.

Boas Festas e um grande abraço

Juvenal Amado