Guiné > Zona Leste > Sector L1 > Bambadinca > Destacamento do Mato Cão > Pel Caç Nat 52 > 1973 > O Alf Mil Joaquim Mexia Alves, posando com um babuíno (macaco-cão) mais o Braima Candé (em primeiro plano), tendo na segunda fila, de pé, o seu impedido, o Mamadu, ladeado pelo Manga Turé.
Guiné > Zona Leste > Mato Cão > Pel Caç Nat 52 > 1973 > O Joaquim Mexia Alves, com um elemento guineense do seu pelotão, a segurando um Macaco Fidalgo...
Fotos: © Joaquim Mexia Alves (2006). Direitos reservados
1. Comentando o poste de ontem, de Maria Joana Silva, investigadora portuguesa a fazer o seu doutoramento no Reino Unido, com um tese sobre o macacão-cão da Guiné (*):
(i) Luís Graça (CCaÇ 12, Contuboel e Bambadinca, 1969/71):
Tanto quanto me lembro e sei, nós - as nossas tropas - não caçávamos babuínos (a não ser muito esporadicamente)... Os fulas fazíam-no, um pouco às escondidas... Também os comiam, nas nossas costas -dizem que com algum sentimento de culpa. Eles sabiam que, para os tugas, carne de macaco era tabu alimentar (tal como o porco, para eles).
Nas tabancas fulas por onde passei ou onde estive em reforço ao sistema de autodefesa, vi crianças ou adolescentes com mausers (!) nos campos de cultivo: afugentavam os macacos-cães e às vezes matavam os mais atrevidos, quando eles tentavam invadir(e destruir) os campos de mancarra...
Amigos e camaradas, não façamos apressados juízos de valor, em função dos nossos padrões civilizacionais: no passado, os nossos caçadores também matavam, por exemplo, as aves de rapina, para poderem ter coelhos em abundância...
O consumo de carne de macaco era raro, entre os tugas. No meu tempo, vi uma vez um macaense, de origem chinesa, nosso camarada (já não posso precisar a subunidade, talvez a CCS do BART 2917 Bambadinca, 1970/72), preparar e assar na brasa um pequeno babuíno... No final, a carcaça fez-me lembrar os nossos bebés... Reconheço que ia quase vomitando...
Nas diversas tabancas fulas, em autodefesa, por onde andei (às vezes por períodos de algumas semanas), nunca me apercebi do consumo de carne de babuíno... Mas havia tantas coisas de que a gente não se apercebia naquela terra e naquela guerra (por exemplo, a mutilação genital feminina, o infantícídio, a feitiçaria, entre os fulas; as negociatas e a corrupção, entre os tugas)...
A única (e pouca) carne de caça que eu relutantemente comprava (ou que me ofereciam) era de gazela... A caça era uma actividade de risco nas tabancas por onde passei, de diferentes regulados: Joladu, a norte do Geba, Corubal, Xime...
Na floresta-galeria do triângulo Xime-Bambadinca-Xitole e nas matas do Cuor, era relativamente frequente depararmo-nos, no decurso de operações, com bandos de cem e mais babuínos, ruidosos e agressivos perante a invasão do seu território... Eram zonas sem população ou que a guerra tinha despovoado... Terras de ninguém, ou terras onde a guerrilha do PAIGC se movimentava muito melhor do que nós... Admito que os guerrilheiros do PAIGC - sobretudo os pertencentes a etnias animistas - caçassem o macaco-cão para comer e alimentar a população sob o seu controlo...
Quem esteve no sector L1 (Bambadinca), literalmente na e com a tropa macaca - como eu, o Humberto Reis, o Jorge Cabral, o Beja Santos ou o Joaquim Mexia Alves ... - nunca mais esquecerá o maldito Mato-Cão onde se fazia segurança às embarcações (civis) que passavam pelo Geba Estreito, entre Xime, Bambadinca e Bafatá...
De um modo geral, pode dizer-se que as populações da Guiné-Bissau, não islamizadas, tradicionalmente caçavam e comiam o sancu. Esporadicamente, mas comiam. Depois de 1980, a caça (ilegal) ao macaco-cão terá aumentado significativamente.
Já em relação ao dari, o chimpanzé da mata do Cantanhez, parece haver um maior respeito, por parte da população local, devido às suas semelhanças com o ser humano. No entanto, o seu habitat está condicionado e cada vez mais ameaçado pelas actividades humanas (,destruição da floresta, expansão das áreas de cultivo, captura ilegal para o mercado negro...).
Voltando ao babuíno, e às recordações do meu tempo: Era difícil precisar o nº de machos, talvez dois ou três, talvez mais (posso estar a ser influenciado pelas minhas leituras posteriores na área da etologia, pela qual me interesso...).
Nunca vi, felizmente, ninguém matar um babuíno... Em contrapartida, havia crias de babuíno que serviam de mascote nos nossos quartéis... Um triste hábito que era tolerado por todos nós... Naquela época não havia consciência ecológica, nem respeito pelos direitos dos animais...
Também nunca dei conta da utilização da pele do babuíno para efeitos medicinais, por parte das populações com quem lidei (fulas, mandingas, balantas), quer em Contuboel (Maio/junho de 1969), quer em Bambadinca (Junho de 169 / Março de 71)...
Um alfa bravo
do Luís Graça
(ii) Joaquim Mexia Alves (Pel Caç Nat 52, Mato Cão, 1973)
Caro Luís:
Resposta rápida por falta de tempo agora. Se fores ao poema que fiz quando foste à Guiné, existe lá uma referência ao Macaco Cão e a um sítio perto da Ponte dos Fulas onde eles costumavam ter um grande grupo.
Lembro-me também que os nossos guias costumavam dizer que se ouvissemos o macaco cão agitado a gritar, era sinal de que havia turras, pois eles matavam-nos para comer.
Abraço camarigo do
Joaquim Mexia Alves
___________
Nota de L.G.:
(*) Vd. poste de 10 de Janeiro de 2009 > Guiné 63/74 - P3714: Fauna & flora (1): Pedido de apoio para investigação científica sobre o Macaco-Cão (Maria Joana Silva)
Blogue coletivo, criado por Luís Graça. Objetivo: ajudar os antigos combatentes a reconstituir o "puzzle" da memória da guerra colonial/guerra do ultramar (e da Guiné, em particular). Iniciado em 2004, é a maior rede social na Net, em português, centrada na experiência pessoal de uma guerra. Como camaradas que são, tratam-se por tu, e gostam de dizer: "O Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca... é Grande". Coeditores: C. Vinhal, E. Magalhães Ribeiro, V. Briote, J. Araújo.
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4 comentários:
Joaquim: Já agora conta a história destas fotos... Os teus soldados de em vez em quando lá comiam um "cabrito pé de rocha"... É isso ? E não eram esquisitos: macaco-kom ou fidalgo, marchava tudo... Não estou a fazer juízos de valor, estou a tentar saber e compreender... Um santo domingo. LG
Luís e Joaquim
Só uma nota para dizer que quando passavamos em Mato Cão a caminho de Missirá e Bambadinca, muito antes de haver destacamento, quando se verificava que não havia macacos nas árvores era sinal de alarme, provavelmente havia gente por perto.Quer dizer, naquela zona os macacos funcionavam como nossos sentinelas.
Abraços Henrique Matos
O facto da caça ao babuíno ter aumentado a partir dos anos 80 foi referido por quase todos os meus entrevistados. Sabe porquê?
Joana Silva
Macacos, Macaquinhos, Macacões, não faltavam na área de Missirá. Ao fim do dia reuniam-se na pequena elevação existente frente ao Quartel, numa espécie de Assembleia Geral. Nunca percebemos porque escolhiam aquele local, admitindo o Amaral, que nos espiavam... Muitas vezes no trajecto entre Finete e Missirá, deparei com eles, atravessando a estrada, em fila indiana. Tanto no início, como no fim da coluna, seguiam corpulentos Macacões, talvez o chefe e o sub-chefe. Peões inteligentes, esperavam sempre que a nossa viatura passasse... Imaginei-os em Lisboa, a aguardar o sinal verde e acreditei que seriam capazes... No meu Pelotão, só existia um assumido consumidor de macacos, o nosso já conhecido Nanque, que era de etnia papel. Creio que utilizava a pele, pois os esfolava com todo o cuidado, dependurando depois os corpos durante algum tempo, antes de os cozinhar... Provei, mas preferi a tenra carne de rato, que experimentei com os balantas que capinaram Fá. Muito saborosa!...
Jorge Cabral
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