segunda-feira, 9 de fevereiro de 2009

Guiné 63/74 - P3859: FAP (6): A introdução do míssil russo SAM-7 Strela no CTIG ( J. Pinto Ferreira / Miguel Pessoa)

Restos do Fiat G91-R4 nº 5419, atingido por um míssil Strela, à vertical de Madina do Boé, no dia 28 de Março de 1973. Era pilotado pelo comandante Almeida Brito (1933-1973). Na foto vêem-se guerrilheiros do PAIGC examinando os destroços.


A notícia da queda do Fiat G-91, pilotado pelo Ten Cor Pilav Almeida Brito, comandante do Grupo Operacional 1201, da BA 12, em Bissalanca. Diário de Notícias, 31/3/73.

Imagens: Cortesia do blogue do Victor Barata > Especialistas da BA12, Guiné 65/74 > Terça-feira, 31 de Julho de 2007 > Ten Cor Pilav Almeida Brito: Única vitíma mortal do Strela, por Arnaldo Sousa

O Comandante Almeida Brito tinha nascido em 1933 e concluído em 1953 o curso de aeronáutica militar na Escola do Exército (antecessora da Academia Militar). O seu desaparecimento (o corpo nunca chegriara a ser encontrado) causou profunda consternação na BA12 e em Bissau, onde era um militar muito conceituado e muito querido entre os seus subordinadas e amigos.


Imagem do míssil russo SA-7 Grail (designação da NATO).

Fonte: Wikipedia, the free enciclopedia > Strela 2 (imagem copyleft)


I. Mensagem, com data de 2 do corrente, enviada pelo nosso amigo e camarada Miguel Pessoa, ex-Ten Pilav (Bissalanca, BA12, 1972/74), hoje Cor Pilav Ref.


Caro Luís

Na sequência das linhas que te enviei sobre os mísseis Strela na Guiné, e tendo conhecimento de um texto rigoroso sobre o assunto elaborado já há uns anos, mas nunca publicado, achei por bem falar com o seu autor, o então Comandante da Esq 121 (Fiats G-91, T-6 e Do-27), (à data Capitão) Pinto Ferreira, solicitando-lhe autorização para enviar o referido texto para publicação nesse blogue.

Para além do rigor da informação nele contida (o autor teve a amabilidade de o enviar a pilotos que voaram nessa época na Guiné, para eventuais correcções), parece-me importante dar a conhecer aos frequentadores do blogue um resumo fidedigno do que realmente sucedeu e corrigir de vez o que sobre esta matéria se tem escrito incorrectamente.

Dada a anuência do autor do texto, aqui segue a informação, achando eu que deve ser dado o devido crédito a quem, pelas funções que desempenhava na época e o conhecimento profundo dos eventos relatados (porque esteve lá na maioria deles), merece toda a credibilidade.

Um abraço fraterno
Miguel Pessoa



II. A INTRODUÇÃO DO 'STRELA' (*) NA GUINÉ
por José Manuel Pinto Ferreia (Ten Cor Pilav Ref)


1. O primeiro míssil Strela foi mais sentido que visto quando uma parelha de Fiats G-91, pilotada pelos Ten Cor Brito e Ten Pessoa, executava uma missão junto à fronteira norte, em Campada – S. Domingos, no dia 20 de Março de 1973. O míssil passou entre os dois aviões sem atingir nenhum deles, mas tão próximo que o Ten Cor Brito sentiu o impacto da onda de choque do míssil.

Como era habitual sempre que um avião era alvejado, seguindo o rasto de fumo deixado, os dois G-91 iniciaram um circuito de tiro batendo o local de onde tinha sido feito o disparo, utilizando o armamento de que dispunham (bombas, 2 x 200Kg e 4 x 50Kg cada avião), com os parâmetros de tiro habituais naquela época (3000 a 4000' de altitude), o que poderia ter sido fatal para aqueles pilotos. No entanto não se verificou resposta por parte do IN.

A pedido do chefe da formação o segundo avião observou o exterior do outro, tentando detectar sinais de algum impacto, não tendo no entanto verificado qualquer anomalia. Os aviões regressaram à Base sem mais incidentes.

2. O segundo míssil, agora já detectado visualmente em 22 de Março de 1973, foi disparado contra um DO-27, pilotado pelo Fur Moreira, o qual se encontrava empenhado a fazer o Sector de Bigene. O piloto voava na área de Bigene e, pensando que se tratava de um disparo de RPG, como era habitual quando alguma aeronave era alvejada, pediu ao Centro de Operações Aéreas na BA12 que enviasse para o local a parelha de Fiats de alerta.

A parelha de alerta, armada com foguetes e metralhadoras, descolou para Norte enquanto o DO-27 se mantinha na área. Os dois pilotos dos G-91 eram os Ten António Matos e Lourenço Marques.

Quando chegaram ao local o Fur Moreira indicou o local do disparo como sendo na margem de uma mata, que corria para norte. Indicou também o local onde o tiro tinha caído, que ainda fumegava e que distava do ponto de disparo cerca de 1,5Km. A distância pareceu logo demasiado grande para um tiro de RPG porque o alcance máximo era de 400 metros.

Os dois G-91 iniciaram um circuito de tiro batendo a orla da mata, de Sul para Norte. Neste circuito o nº 1 saía para a esquerda e o nº 2 para a direita.

Entretanto são verificados dois novos disparos, que não passam perto dos aviões, mas mais uma vez com um grande rasto de fumo e também com grande alcance. Mesmo assim, a surpresa continuou a funcionar, não tendo ocorrido a nenhum dos pilotos que se pudesse tratar de um míssil.

Perante esta reacção do inimigo e porque entretanto ambos os aviões tinham esgotado o armamento, o nº 1 decidiu pedir mais dois aviões, desta feita armados com bombas, 2 x 200 Kg e 4 x 50 Kg.

O nº 1 desta parelha não chegou a descolar, pelo que só saiu o nº 2 que era o Comandante da Esquadra, Cap Pinto Ferreira.

Chegado à zona recebe indicações da parelha anterior e inicia o bombardeamento. À saída do 3º passe de bombas, e já quando passava pelos 5.000 pés [, c. 1500 m], observou, vindo da sua direita, um longo rasto de um míssil em rápida aproximação ao seu avião.

Submetendo o avião aos "Gs" que a velocidade permitia, de imediato sentiu um forte impacto no avião, o que o levou a considerar ter sido atingido. No entanto, sem indicação na cabina de quaisquer danos, rumou em direcção à Base. Os outros dois aviões seguiram-no.

O Cap Pinto Ferreira aterra o G-91 em Bissau, constatando-se então não ter sido atingido por qualquer estilhaço.

Mais uma vez, um míssil passou demasiado perto e o que o piloto sentiu foi a onda de choque.

3. O terceiro Strela atingiu o avião do Tem Pessoa, em 25 de Março de 1973.

Sobrevoando o corredor do Guileje a 1.000' (300 metros) de altitude para se furtar ao fogo das metralhadoras antiaéreas instaladas na Guiné-Conakry, numa missão de apoio ao quartel do Guileje, o avião do Ten Pessoa é o primeiro a sofrer o impacto directo do míssil:

"Fui atingido na parte traseira do avião, fiquei sem motor e depois sem comandos, e deu-me a sensação de que não teria sido uma bateria antiaérea. A minha preocupação, quando senti o impacto e a perda do motor, foi tentar pôr o motor a trabalhar normalmente, com a esperança de fazer uma ignição de emergência. Procurei o aquartelamento a que eu estava a fazer apoio de fogo, com vista à ejecção".

O Ten Pessoa acabou por perder o domínio do avião. Sem motor e sem comandos, sentindo o Fiat afundar-se rapidamente, decidiu ejectar-se. Como voava muito baixo, o pára-quedas não abriu completamente, mas a vegetação travou-lhe a queda, depositando-o no chão com uma perna partida.

Assim que se restabeleceu do choque, começou a procurar um local donde pudesse disparar, relativamente abrigado das vistas do inimigo, a pistola de sinais que lhe permitiria ser localizado pelos aviões. Avaliando rapidamente as circunstâncias em que fora abatido, concluiu que devia estar próximo do aquartelamento de Guileje, e conseguiu determinar mesmo, e acertadamente, em que direcção ele se encontrava. Arrastou-se ainda, a muito custo, algumas centenas de metros, mas não conseguiu alcançá-­lo, como era seu desejo.

Os guerrilheiros não se devem ter apercebido de que o piloto se tinha ejectado, pois a ejecção foi executada a muito baixa altitude. No decurso da noite, que passou dissimulado no meio da folhagem, Pessoa não detectou qualquer movimentação do inimigo nas cercanias.

Apenas no dia seguinte, quando os helicópteros e os aviões começaram a voar na zona, é que eles poderão ter suspeitado da existência de pessoal militar no terreno. Mas quando tentaram localizar o piloto, já era tarde: pelas onze horas do dia 26 de Março de 1973, um grupo integrando elementos das Operações Especiais e de pára-quedistas do BCP12, depois de o localizar, transportou-o para um helicóptero onde a enfermeira pára-quedista Giselda Antunes lhe prestou os primeiros socorros e o assistiu na sua evacuação para o Hospital Militar de Bissau. A heli-recuperação do Ten Pessoa esteve longe de ser pacífica, tendo sido feitos disparos de mísseis contra os aviões de apoio à operação, nomeadamente a um T6 do Fur Carvalho, mas não causando estragos.

4. Três dias mais tarde, a 28 de Março de 1973, o Comandante do Grupo, Ten Cor Brito, não teve a mesma sorte da primeira vez em que fora alvejado, juntamente com o Ten Pessoa, sendo atingido à vertical de Madina do Boé, por um míssil que provocou a explosão do seu avião.

Por volta das 12H00, o Centro de Operações informara que, segundo a DGS, estaria em curso uma reunião de altos quadros do PAIGC, em Madina do Boé, considerada a capital do território independente da região abandonada em 1969 pelas nossas Forças Terrestres (todo o sul do rio Corubal).

Embora se suspeitasse de uma armadilha, foi tomada a decisão de se fazer um reconhecimento visual da zona, a baixa altitude, pelo que foi accionada a parelha de alerta, constituída pelos Ten Cor Brito e Cap Pinto Ferreira.

Chegados à área, a parelha comandada pelo Ten Cor Brito percorre para sul a estrada que vai até à base do PAIGC na Guiné Conacri, conhecida por Kamberra, a baixa altitude, o que permitiu observar um cenário de viaturas militares destruídas, desde a altura em que o Exército abandonou aquela região. Não se verificou qualquer reacção do inimigo, mesmo quando sobrevoam Kamberra .

Atingida a fronteira sul, os aviões rumam a norte em direcção a Madina do Boé. À vertical daquela posição, o nº 2 da formação, Cap Pinto Ferreira, a voar a cerca de 500 pés [, c. 150 m,] sobre o terreno, é surpreendido pela explosão do avião do Ten Cor Brito - que voava um pouco mais alto á sua frente - atingido por um Strela.

O IN lança outro míssil para o nº 2, que graças a manobras evasivas (mais de 3 "G, s") e à baixa altitude, não é atingido.

De regresso à Base e reunidos os mais altos responsáveis do Comando da Região Aérea e do Q.G., foi decidido não voltar àquele local para a recuperação do corpo do Ten Cor Almeida Brito, apesar de haver voluntários para a operação.

Naturalmente que a perda do líder do Grupo Operacional da Guiné causou grande perturbação nos pilotos, na sua maioria jovens pilotos.

5. Em 6 de Abril de 1973, agora no Norte do território da Guiné, a fortuna foi ainda mais madrasta para o Grupo Operacional 1201 da Guiné. Nesse dia, muito cedo, um DO-27 pilotado pelo Furriel Baltazar da Silva partiu de Bissalanca para uma missão de apoio a um sector de Batalhão, a norte do rio Cacheu. Numa das movimentações, transportando um médico e um sargento de Bigene para Guidaje, o avião não chegou ao destino.

Tendo-se perdido o contacto com aquele avião, de Bissalanca descolaram meios aéreos para tentar localizá-lo e, quase em simultâneo, descolou outro DO-27 incumbido de proceder a uma evacuação sanitária pedida pelo aquartelamento do Guidaje. O avião era pilotado pelo Fur Carvalho e levava a bordo a enfermeira pára-quedista Giselda Antunes.

Também este avião não chegaria ao seu destino: alvejado por
um míssil Strela, que o não alcançou por muito pouco, os comandos
do DO-27 ficaram tão danificados pela acção da onda de choque, que teve de regressar à base de origem. [Giselda Antunes e Miguel Pessoa vieram a casar mais tarde, tornando-se, com toda a probabilidade, num casal único em todo o mundo: ambos foram alvejados por mísseis terra-ar Strela, e escaparam os dois à morte.]

Entretanto, para substituir o avião danificado partiu de Bissalanca outro DO-27, pilotado pelo Fur António Carvalho Ferreira.

Tendo embarcado em Bigene o Major Mariz, comandante do Batalhão ali estacionado, este avião aterrou por fim em Guidaje, donde descolou mais tarde com quatro pessoas a bordo: o piloto, o major, um militar ferido e um enfermeiro para o assistir durante a viagem para Bissau. Apenas se sabe que, dadas as características da pista, descolou para norte, entrando por território do Senegal. Nunca mais foi visto!

O primeiro DO-27 desaparecido acabou por ser localizado algures no mato, entre Bigene e Guidaje. Transportado de imediato para o local em helicópteros, um pelotão de pára-quedistas limitou-se a constatar a morte dos quatro ocupantes. Nessa altura, voando na área em protecção da acção terrestre, o T-6 do major Mantovani foi abatido por outro míssil Strela, tendo o piloto morrido na queda do aparelho.

Manuel dos Santos, o homem que chefiara o grupo do PAIGC enviado à União Soviética para aprender a operar os mísseis, e que então acumulava as funções de comissário político da Frente Norte com as de comandante dos mísseis em todo o território, podia dar-se por satisfeito: naquelas poucas semanas do primeiro semestre de 1973, os seus homens desferiram um duro golpe na capacidade operacional do inimigo.

6. O último avião a ser abatido por um Strela, antes da independência, teve lugar 9 meses depois, em 31 de Janeiro de 1974, numa missão de apoio próximo ao quartel de Canquelifá, no leste da Guiné; a parelha de Fiats era constituída pelos Ten Cor Vasquez e Ten Gil.

O avião do Ten Gil foi atingido ao fim do dia, durante a recuperação de um passe de bombas (a cerca de 7.000'), eventualmente feito sem a necessária aceleração, entrando assim no envelope do míssil.

O piloto ejectou-se, conseguido fugir para Norte, passando a noite para lá da fronteira com o Senegal. Ao amanhecer, iniciou uma caminhada para sul, a fim de tentar encontrar a estrada Nova Lamego – Buruntuma.

Entretanto, estavam já na zona os meios de busca e salvamento, constituídos por um DO-27 e Pára-quedistas transportados em ALIII, bem como uma parelha de Fiats em alerta, estacionada em Nova Lamego, com o Cap Pinto Ferreira e o Ten Matos.

O Ten Gil avistou os aviões que o procuravam, só que, quando tal aconteceu, já se encontrava demasiado a Sul (que jeito teria feito um rádio... - só apareceram uns meses depois) ; continuou a andar e, cansado e cheio de sede, resolveu entrar numa tabanca onde pediu água.

Foi recebido de um modo amistoso, deram-lhe água e laranjas, o que o levou a oferecer 1000 Pesos, a quem o levasse a um quartel da tropa. À vista de tal quantia, foi o próprio homem grande da tabanca que, pegando na sua bicicleta, o levou ao posto da tropa mais próximo - Dunane, situado na estrada Piche-Canquelifá.

Aí chegados e como os militares eram todos africanos, o piloto pediu que o levassem até um quartel com militares brancos, o que fez o homem grande pedalar rijo até Piche.

Foi desse posto avançado FT que, cerca das 17:00 e via rádio, informaram os Fiats que o "Papá Índia Lima Oscar Tango Oscar ia para (as duas letras do indicativo de Piche) de Bravo Índia Charlie Índia Charlie Lima Echo Tango Alfa".

Chegado a Piche, o Ten Gil pagou a dívida ao homem grande e foi transportado no Dakota para Bissau, onde chegou cerca das 23H00.

Devido aos excessos da comemoração acabou a noite no Hospital de Bissau; aí chegado, e como não houvesse camas disponíveis, foi obrigado a dormir na área da Psiquiatria; o enfermeiro, que entretanto entrara de serviço, como o viu demasiado agitado (era do chagrin ...) e estando na área dos PSICOS, resolveu amarrá-lo à cama, donde só muito mais tarde se conseguiu libertar.

Regressou à Base na manhã de 2 Fevereiro, sem mais problemas.

7. Em síntese, o sucesso inicial do PAIGC, teve como principal origem a falta de informações sobre o sistema do míssil, seu envelope e capacidades, que deveriam ter sido antecipadas aos operadores daquele teatro de operações. Recorde-se que, o Strela ou SAM 7, era já bem conhecido da guerra do Vietname.

Foi preciso perderem-se 6 aviões e 4 pilotos, para se passar a operar com contra-medidas adequadas, o que permitiu não ter mais perdas durante cerca de 9 meses.

Refira-se que o PAIGC continuou a utilizar o Strela na Guiné, evoluindo para mísseis mais sofisticados, em que desapareceu o rasto de fumo que, no início, permitia o avião aperceber-se da sua aproximação supersónica, passando mais tarde a ser possível vislumbrar apenas um foco de luz, proveniente da cabeça do míssil.

Assim, a partir de Abril de 1973, na zona do objectivo o Fiat G-91 passou a manobrar por forma a manter um mínimo de 3 a 4 Gs e a retaliar de forma intensiva , com bombas de 750 libras, sempre que era lançado um míssil.

Este tipo de armamento, chegou a ser utilizado no apoio próximo a aquartelamentos na fronteira, caso do Guidaje onde foram largadas bombas de 750 libras no arame farpado! Aliás este aquartelamento deixou de ser abastecido por terra, uma vez que as colunas militares não conseguiam passar. Ao ponto de uma coluna de veículos militares, carregados de armamento e explosivos, ter sido emboscada e abandonada pelo nossas FT, e ter sido dada a ordem ao Cap Pinto Ferreira, para bombardear e destruir a referida coluna, o que foi feito.

Diga-se, em abono da verdade, que o apoio próximo habitual às tropas no terreno, com o DO-27 a fazer PCV com foguetes e o T-6 no acompanhamento das colunas no seu trajecto, deixou ser exequível. O DO-27 ficou limitado às evacuações e o T-6 foi abolido. Os Fiats e os Helicópteros, com contra-medidas adequadas, continuaram a cumprir as suas missões.

José Manuel Pinto Ferreira


III. Comentário de L.G.:

Caro Miguel: Como já tive ocasião de to dizer, por mail e pessoalmente, é um honra podermos publicar o texto do teu e nosso camarada Pinto Ferreira, enriquecido com as tuas notas de rodapé. Obrigado pela tua generosidade e paciência. Os vossos contributos são importantes para o esclarecimento de muitas coisas da história da guerra colonial na Guiné, sobre as quais falamos (e escrevemos), às vezes, com muita ligeireza... e ignorância.

Como já te apercebeste, o nosso blogue não tem nenhum bandeira, a não ser a da camadaragem e da verdade. Somos um blogue de memórias e de afectos. Quero que os camaradas da FAP se sintam aqui tão confortáveis como os outros, do Exército e da Marinha. Este é um bom espaço para publicar, os nossos escritos, os nossos documentos, as nossas fotos... Estamos a caminho de um milhão de páginas visitadas... Saúdo o Pinto Ferreira e convido-o a sentar-se também connosco à volta do poilão... Como eu costumo dizer, a nossa Tabanca Grande não tem portas nem janelas... Obrigado, Pinto Ferreira, obrigado, Miguel Pessoa.

____________


P.S. Uma nota de rodapé preparada, não pelo autor do texto anterior, mas por mim (**), com base no conhecimento que ao longo destes episódios fui (fomos) adquirindo:

a. Desde o seu aparecimento em 20 de Março de 1973, até à saída da Força Aérea do território da Guiné, foram assinalados quase 60 disparos de mísseis SAM-7 Strela, tendo o último sido registado já depois de 25 de Abril de 1974, contra um AL-III (Alf Cruz Dias?) que cruzava o rio Tombali na zona da Pobreza, embora sem danos para o helicóptero.

b. As ondas de choque sentidas pelos aviões eram derivadas da velocidade atingida pelo míssil, que rondava Mach 1,5 (1,5 vezes a velocidade do som), provocando no seu percurso uma onda de choque que podia ser sentida pelos aviões quando o míssil passava "a raspar".

c. Por sua vez os mísseis tinham um alcance de 11.000'/12.000' [c. 3300 / 3600 m], o que, por não poderem ser lançados na vertical, permitia supor que uma altitude de 10.000' seria segura para cruzar os céus da Guiné - método seguido pelos DO-27 e pelos "aviões da pesada" nas deslocações longas, bem como pelos Fiat G-91 nos percursos para e no regresso da zona de operação (o Fiat G-91 passava com relativa facilidade dessa altitude para baixas altitudes). Já o AL-III, assim como o DO-27 em percursos curtos, faziam as suas deslocações a baixa altitude, de modo a evitar o míssil (que, disparado com um ângulo pequeno em relação ao horizonte, podia ser atraído pelo calor irradiado pelo terreno, falhando o alvo).

d. Da experiência recolhida pelos pilotos de Fiat G-91 no seu contacto com o Strela, verificou-se por mais que uma vez, que os mísseis passavam (ou acertaram, no caso de 31JAN74) pelo avião alvejado a uma altitude entre os 4.000' e os 7.000' (1.300 a 2.300 metros), em situações de recuperação adequadas (o que significava forças de 5 a 6 G's em volta).

e. Em todo o conflito o Fiat G-91 nunca foi equipado com sistemas passivos ou activos de defesa contra este tipo de armamento do PAIGC. Como já foi referido no texto anterior, as contra-medidas tomadas foram, fundamentalmente, a utilização de novos parâmetros de voo, a vigilância mútua das aeronaves nos voos de formação (de modo a detectar atempadamente qualquer disparo contra uma delas) e um maior cuidado nas recuperações dos passes (com recurso a manobras mais apertadas, nos limites de operação do Fiat G-91), de modo a evitar que o míssil conseguisse obter uma curva de perseguição adequada para o abate do avião.

(*) Míssil SAM-7, nome de código Grail, conhecido como Strela (стрела, flecha, em russo) [Vd. entrada na
Wikipédia > Strela 2]. Fui confirmar no Google, teclando SAM-7, e a designação que apresentam é STRELA. Foi assim que escrevi no texto.

(**) Miguel Pessoa (ex-Ten Pessoa, piloto de Fiat G-91 na Guiné entre NOV72 e AGO74)

Informações (ou melhor, confidências) que o Miguel Pessoa me mandou em 30 de Janeiro último sobre a sua dramática experiência nos céus (e depois no chão...) de Guileje:

(...) "De referir que o António Matos não terá chegado a ver-me nem ao avião. Nessa altura eu ainda devia estar estendido no chão, desacordado (ejectei-me baixo e o paraquedas lá foi abrindo, sendo ajudado na travagem por uma árvore de grande porte - logo havia de escolher uma mata densa para 'aterrar'...). Mesmo assim, acabei por entrar demasiado depressa pelo chão, provocando a fractura do peróneo... e a perda de consciência. Provavelmente até foi a árvore que me safou.

"Pelo que me foi contado mais tarde, a minha localização só foi conhecida próximo das 17H00, quando o Ten Cor Brito visualizou um dos meus 'very-lights' e, seguindo-lhe o rasto, conseguiu lobrigar o meu paraquedas meio metido na árvore. A verdade é que a densidade da mata não permitia aos pilotos ver o chão (nem o meu avião), nem eu conseguia ver os aviões no ar... (Mesmo os 'very-light' tinham que ser disparados enviezados, para não baterem na copa das árvores).Como te lembras, a noite cai num ápice... e bastante cedo! Daí a decisão acertada de adiar a minha recuperação para a madrugada do dia seguinte.Mas a noite que passei no Corredor do Guileje e a posterior recuperação ficam para outra vez.

E sobre o Ten Cor Brito, o Miguel Pessoa também me confidenciou o seguinte (que quero partilhar com o resto dos amigos e camaradas da Guiné, por ser também também uma pequena homenagem a um grande militar que honrou as Forças Armadas Portuguesas):

(...) "Era um piloto por quem tinha grande admiração e com quem tive algo em comum: Fomos os dois primeiros pilotos a ser alvejados por um Strela (que passou pelo meio dos nossos dois Fiats) em Campada (na fronteira norte) no dia 20 de Março; e fomos também os dois primeiros a ser abatidos por um Strela - eu em 25 e ele em 28 de Março. Infelizmente ele não teve tanta sorte como eu. Estou convencido que ele contribuiu decisivamente para eu poder estar agora aqui a enviar-te estas linhas. E isso eu não esqueço".

_________

Nota de L.G.:


Vd. os cinco primeiros postes desta série, FAP >
23 de Janeiro de 2009 > Guiné 63/74 - P3783: FAP (1): A diferença entre o desastre e a segurança das tropas terrestres (António Martins de Matos, Ten Gen Pilav Res)

31 de Janeiro de 2009 > Guiné 63/74 - P3825: FAP (2): Em cerca de 60 Strellas disparados houve 5 baixas (António Martins de Matos)

1 de Fevereiro de 2009 >Guiné 63/74 - P3826: FAP (3): A entrada em acção dos Strella, vista do CAOP1, Mansoa, Março-Maio de 1973 (António Graça de Abreu)

4 de Fevereiro de 2009 > Guiné 63/74 - P3839: FAP (4): Drama, humor e... propaganda sob os céus de Tombali (Miguel Pessoa, Cor Pilav Ref)

5 de Fevereiro de 2009 >
Guiné 63/74 - P3844: FAP (5): Reflexões sobre o Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné (João Carlos Silva)
Vd. outros postes relacionados com o Strela no CTIG:
29 de Janeiro de 2009 >Guiné 63/74 - P3816: Dossiê Guileje / Gadamael 1973 (5): Strellado nos céus de Guileje, em 25 de Março de 1973 (Miguel Pessoa, ex-Ten Pilav)

19 de Abril de 2007 >
Guiné 63/74 - P1675: 28 de Março e 5 de Abril de 1973: cinco aeronaves da FAP abatidas pelos toscos mísseis terra-ar SAM-7 Strella (Victor Barata)

17 de Abril de 2007 >
Guiné 63/74 - P1668: In Memoriam do piloto aviador Baltazar da Silva e de outros portugueses com asas de pássaro (António da Graça Abreu / Luís Graça)

25 de Abril de 2007 >
Guiné 63/74 - P1699: Guileje, SPM 2728: Cartas do corredor da morte (J. Casimiro Carvalho) (1): Abatido o primeiro Fiat G 91

2 comentários:

Luís Graça disse...

É interessante analisar, com mais pormenor, o conteúdo da notícia do "Diário de Notícias"... A censura (na época, eufemisticamente chamada 'exame prévio') deixou passar a notícia (perturbante para as famílias dos militares e para a opinião pública, em geral) do abate de um avião (Fiat G-91) da nossa Força Aérea e, mais grave ainda, da morte do seu piloto, um oficial superior...

Mas esta notícia não é totalmente fidedigna nem inocente... Como se pode ler na notícia, a aeronave, que procedia a um voo de reconhecimento, em território nacional, junto à fronteira sul, é abatida por um "foguetão terra-ar"... O leitor imagina logo uma rampa de lançamento de foguetões, suposição que é validada pelo resto da frase: "lançado da República da Guiné"...

O propósito de manipulação (e propaganda) é evidente: importava reforçar a ideia de que a guerra, na Guiné, era feita contra um inimigo que actuava do exterior, com apoio do exterior, que vivia e se refugiava no exterior... O que em grande parte era verdade... Mas pelo relato que acabamos de ler, o malogrado Ten Cor Almeida Brito é atingido "à vertical de Madina do Boé", pelo que o apontador do Strela só podia estar "em território nacional", dado o limitado alcance do míssil...

É, portanto, uma notícia que podia funcionar como uma arma de dois gumes: (i) causar ansiedade e medo na população; (ii) vitimizar o nosso país, vítima de agressores estrangeiros (a tese diplomática, de resto, defendida pelo regime)...

Para a generalidade dos leitores do "Diário de Notícias", na época,
era muito difícil ou mesmo impossível perceber as subtilezas da notícia... Mesmo os nossos pilotos, no princípio, também ficaram confundidos com a nova arma (de resto já amplamente usada no Vietname)...

Notável, em todo o caso, foi a volta que a FAP conseguiu dar à situação, ou melhor, ao Strela, passando da confusão total (e do medo) em Março e Abril de 1973, para o controlo dos céus e a manutenção da supremacia aérea no CTIG logo em finais de Maio / princípios de Junho e até ao fim da guerra... Daí a importância deste artigo do Pinto Ferreira, com preciosas notas do Miguel Pessoa...LG

Anónimo disse...

Pois é, está finalmente a fazer-se justiça à nossa Força Aérea. Merecem tudo estes nossos pilotos.
Eu não esqueço que fui insultado (em privado, não saiu no blogue, nem tinha nada que sair!) há uns seis meses atrás por um camarada muito conhecido no nosso blogue por ter defendido a tese de que, pós Strella, a guerra não acabou, os aviões continuaram a voar, (e de que maneira!), e os valorosos combatentes do PAIGC, no terreno, não derrotaram as tropas portuguesas.
Um abraço,
António Graça de Abreu