segunda-feira, 2 de março de 2009

Guiné 63/74 - P3957: Sr. jornalista da Visão, nós todos fomos combatentes, não assassinos (10): José Brás, autor de "Vindimas no Capim" (1986)

1. Mensagem, de 25 de Fevereiro último, de José Brás, ex-Fur Mil da CCAÇ 1622, Aldeia Formosa e Mejo, 1966/68, autor do romance "Vindimas no Capim", que lhe valeu o Prémio de Revelação de Ficção de 1986, da Associação Portuguesa de Escritores e do Instituto Português do Livro e da Leitura.


1.1. Luís: Completa e profundamente contigo, com Vasco da Gama que não conheço senão do (muito bem) que escreve e dos lugares por onde andámos os dois, eu em 67/68, ele mais tarde (Aldeia, Mampatá, Colibuía, Cumbijã, 72/74).

Acabo de enviar isto à Visão sabendo, embora, que irá para o caixote do lixo, não apenas porque tem mais de 60 palavras (poucas palavras para a indignação). Queimei as mãos nos canos das G3 que disparava, sabendo que as balas matam mas não me sentia nem sinto um assassino nem sequer má pessoa.

Também não admito que nos ofenda, embora possa ter atenuantes o que nem sabe do que fala.

Um abraço, José Brás.

1.2. Senhor Luís Almeida Martins (*)
Revista VISÃO
visao@edimpresa.pt

Deixe citar-lhe uma velha canção do excelente brasileiro Raul Seixas:

“quem sabe sabe/quem não sabe sobra/cobra caminha sem ter direcção/que sabe a cabra das barbas do bode/a ave avoa sem ser avião”

E quem é que sobra aqui, senhor Almeida Martins? Quem é que sabe do combate que havia e não havia; dos acidentes que também vitimavam; das minas que matavam e salvavam (não acredita que também salvavam?).

Que “não se tratava de uma guerra de frentes”, diz você e com isso descobriu a pólvora, quarenta anos depois de milhares de jovens portugueses e guineenses (neste caso) lhe terem descoberto o calor da reacção química e o cheiro que ficava no ar, nas entranhas e nos membros decepados.

Na verdade o que a mim parece que o que você quer dizer é que era uma “guerrazeca” onde mais se morria de acidentes de viação do que do combate, e, às vezes numa mina ou outra, numa azelhice de comandante ou de soldado, que (de novo neste caso), que o IN (meus irmãos do PAIGC) eram uns pobres subdesenvolvidos sem arte nem engenho para “guerras a sério” e escassos de material.

Ora, amigo!

Voltaria eu à questão da cabra e do bode, se não soubesse que a vida está também muito difícil para jornalistas, enredados na falta de emprego, nos contratos a prazo e recibos verdes, nos interesses dos proprietários dos órgãos de Comunicação, na “política do chefe de redacção”, etc.

No entanto, não posso aceitar que se escreva à toa para milhares de pessoas e sobre um assunto complexo e pesado da sociedade portuguesa, beliscando (e não sei se foi isso que quis ou apenas lhe saiu como podia sair o contrário) a gente que sofridamente cumpriu aquilo que aceitou ser seu dever, uns apenas porque lhe diziam que a Pátria estava a ser atacada e, se estava, por ela dava a vida, outros já num estágio cultural e de consciência mais avançados mas amando a sua terra e os seus compatriotas e não se esquivavam ao combate.

Foi de guerrilha, sim senhor, como no Vietname e no Afeganistão, salvaguardando evidentes diferenças e protagonistas.

Sabe o que é uma guerra destas, sabe? Não sabe porque nem lá esteve nem a estudou como devia. Apenas descobriu a pólvora.

Eu estive e conheci verdadeiros heróis. Uns a quem não aprovava a bravura (mas que o eram), outros que apenas cumpriam um dever que era o de combater, sabendo que num combate destes sempre se mata e morre um pouco.

Uma guerra de frentes?

Sabe ou imagina a você o que foi a ocupação de Gadamael?

Sabe você o que é ter de aguentar dias e dias, semanas, meses, dentro de valas, aguentar a investida de centenas de guerrilheiros determinados e bem armados?

Sabe o que era ter de fazer a estrada Gadamae-Guileje-Gadamael, cerca de quinze quilómetros de emboscadas e minas (as tais minas), numa mata onde os pilotos da FA nos diziam “tá bem, vou despejar ali, mas não vejo ninguém”?

Conheceu o Banharia, homem do Porto que disparava a MG em corrida e gritando “sanguinho e molho” a proteger o Alf Ávila que, desarmado carregava companheiros, um em cada braço, retirando os seus corpos da zona de morte?

Não os conhece porque nunca os viu chorar os amigos mortos e, penso eu, a própria violência da trama em que tinham de agir.

Portanto, amigo (outra vez), estude um pouco a coisa, pergunte sem complexos e…escreva uma coisa séria.

Porque eu sei que daqui a cinquenta anos alguém ainda escreverá sobre o tema, uns como você, a esmo e apenas porque tem de manter o emprego, outros estudando, lendo…trabalhando e, nisto, talvez sofrendo as tristezas e as alegrias dos que o viveram no tempo e no lugar.

Confesso que não me agrada o que lhe digo aqui, imaginando que o estou a dizer a um dessas centenas de jovens que saem das Universidades com necessidade de trabalho e pouco conhecimento da vida, quer dizer, mal preparados culturalmente.
As minhas desculpas, então.

José Brás

Nota - Sei que nem lerão esta prosa, quanto mais considerá-la para publicação. Ainda assim aqui fica, provavelmente para outras serventias, porque a indignação é um direito que quero guardar.
_____________

Nota de L.G.:

(*) Vd. último poste da série > 1 de Março de 2009 > Guiné 63/74 - P3956: Sr. jornalista da Visão, nós todos fomos combatentes, não assasinos (9): João Melo e Carlos Machado, Tigres do Cumbijã

4 comentários:

Anónimo disse...

Camarada e Amigo José Dinis,
Obrigado pelas tuas palavras e pela tua intervenção. Repito se efectivamente o jornalista afirmou :"falta pois pedir-vos desculpa sem ambiguidades se não soube transmitir com clareza o que pretendia", dou o assunto por encerrado, aguardando a intervenção do nosso Comandante nesse sentido, apenas lamentando que nem todos os comentários dos nossos camaradas,assinados,tenham sido publicados.
Escrevo-te, pois vou retomar a tarefa de contar a historia da minha companhia, com a publicação da segunda parte de Nhacobá, para depois lançar um texto sobre o que me parece ter sido a intenção do Gen.Spínola naquela região. Será polémico? A ver vamos!
Se tiveres pachorra, gostaria de saber:
1.Qual a editora do teu livro?
2.Fala-me sobre o Cumbijã do teu tempo. Foi na tua altura que o Schultz mandou retirar a tropa?
3.Conheces Nhacobá?
4.Fala-me sobre o Mejo.
vascodagama1946@hotmail.com
Um grande abraço do Camarada e Amigo,
Vasco da Gama

Anónimo disse...

Caro Vasco da Gama,
Desculpa, mas este é o Zé Brás, e não o Zé Dinis.
Não deve haver problemas entre a malta, pois uma gafezita é sempre possível. Mas passei por aqui e resolvi teclar.

Um Abraço,

Mário Fitas

Anónimo disse...

Caros Amigos Camaradas e Escritores
1.Para o José Brás as minhas desculpas pela troca do nome. Cometi um erro "do tamanho do Cumbijã". Aproveito para te dizer que após aturada investigação já sei que a tua obra foi publicada pelas Publicações Europa América.

2.Para o Mário Fitas o meu obrigado pela correcção. Aguardo a resposta à minha pergunta relativamente à editora do teu livro que eu também gostaria de ter.

Para os dois um grande abraço de simpatia e amizade.

Anónimo disse...

Caro Vasco,
Dei-me conta da tua confusão acerca da autoria do livro, que é do José Brás. Aproveito para te saudar, pois através da frase que identificaste, desenrolou-se um inequívoco movimento de solidariedade. Para além de que o fizeste com grande sensibilidade e pertinência.
Aos Camaradas,
Abraços fraternos
J Dinis