1. Mensagem de Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, Comandante do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 23 de Setembro de 2010:
Queridos amigos,
Junto o que faltava quanto à recensão do importante livro de António E. Duarte Silva.
Escrito por investigadores portugueses, não conheço nada de mais profundo nem mais rigoroso instrumento de análise.
Um abraço do
Mário
A independência da Guiné-Bissau e a descolonização portuguesa (2)
Beja Santos
A Guiné depois do 25 de Abril: o processo jurídico-político da descolonização
O processo de independência da Guiné-Bissau definiu os termos e os limites da descolonização portuguesa, foi o seu factor decisivo e o paradigma da formação dos novos Estados do PALOP. Esta tese aparece claramente desenvolvida no livro “A Independência da Guiné-Bissau e a Descolonização Portuguesa”, um incontornável estudo que adopta uma perspectiva multidisciplinar e de que é autor António E. Duarte Silva (Edições Afrontamento, 1997).
Este investigador não se compraz com a vertente política e jurídica, fá-la cruzar com as perspectivas históricas e sociais, entrosando-as com o desenvolvimento do nacionalismo guineense. Daí resulta um conjunto de olhares de grande angular, permitindo ler os porquês da formação da Guiné-Bissau, o seu modo e consequências. Vejamos abreviadamente o que nos permite a leitura do trabalho de António Duarte Silva.
Logo em 1961, quando Amílcar Cabral previu que o Governo de Salazar iria recusar conversações para a independência, escreveu: “Estamos seguros de que a liquidação do colonialismo português arrastará a destruição do fascismo em Portugal”. Nesse ano de 1961 a oposição ainda privilegiava a democratização, não punha frontalmente em causa o império colonial. A mudança virá sobretudo em 1964 quando o PCP passou a defender “o exercício pelos povos das colónias portuguesas do direito à auto-determinação”. Nessa época coincidiram os EUA e a URSS: descolonizar era fundamental. Não cabe aqui recapitular tudo quanto aconteceu entre 1961 e 1974, no campo da guerra colonial. “O problema do Ultramar” entrara, a partir de 1973, numa irreversível quadratura do círculo, com o triunfo do MFA, com a própria postura das Forças Armadas nos três teatros de operações, com o conjunto de exigências manifestadas pelo PAIGC, era impossível embarcar numa qualquer tentativa federalista, perdera-se tempo de mais para conjecturar processos democráticos ocidentais para a auto-determinação e referendos. A atmosfera internacional era igualmente inequívoca: a ONU reclamava a Portugal a aplicação dos princípios e resoluções referentes à auto-determinação e independência dos povos coloniais. E assim aconteceu.
O autor descreve detalhadamente o que aconteceu depois do 25 de Abril em Bissau e um pouco por toda a Guiné, a adesão popular ao fim das hostilidades, os comícios de apoio ao PAIGC, as sucessivas reuniões entre as novas autoridades e o movimento de libertação: Dakar, Londres, Argel. As propostas de Spínola, uma a uma, caíam por terra, ele foi obrigado a proceder à declaração de que Portugal ia negociar com os movimentos de independência. O acordo de Argel marcou o reconhecimento da independência da Guiné-Bissau e consequente transferência de administração. Em 19 de Outubro de 1974 a direcção do PAIGC entrou oficialmente em Bissau. Uma multidão compacta enchia a antiga Praça do Império e aclamava Nino, Luís Cabral e Aristides Pereira. Chega o momento de apreciar os meandros políticos e jurídicos do novo Estado. Sem querer repetir o que aparecerá desenvolvido no seu livro “Invenção e Construção da Guiné-Bissau” (Edições Almedina 2010), apercebe-se que a Constituição do Boé legitima um partido único que comanda a todos níveis um estado soberano. Importa relevar que a Guiné-Bissau é, quanto aos modos de formação do Estado, um Estado criado por descolonização graças a uma declaração unilateral de independência. Encontra legitimidade no direito à auto-determinação consagrado pela ONU e enquadra-se, a todos os níveis naquilo que foi a contestação colonial, a partir dos anos 50. Foi no uso desta argumentação e na demolição das teses do Governo de Salazar, mostrando aos observadores internacionais o controlo de largas parcelas do território que Cabral se impôs como nome sonante na arena internacional. Acresce que há um dado histórico que hoje se pode ver à lupa com absoluta nitidez: Cabral, além de impulsionador do PAIGC, foi um dos obreiros do MPLA e liderou claramente o movimento anti-colonial, de língua portuguesa.
Condicionou a independência da Guiné à das outras colónias. É, pois, legítimo dizer que o processo independentista da Guiné-Bissau se constituiu como uma locomotiva de toda a descolonização. Vale igualmente a pena acompanhar a vasta documentação brandida pelo autor relativa à formação do Estado, que permite uma leitura inequívoca sobre os termos do reconhecimento da Guiné-Bissau, um caso paradigmático de um país que começou por ter uma causa, consolidar um movimento político, encontrar um líder de craveira excepcional, dotar-se de um exército destemido e respeitado, assenhorear-se de largas parcelas do território, dotando-o de vida própria, fazer aprovar uma constituição, ver-se reconhecido na cena internacional e, na consonância deste procedimento, ter contribuído para a falência do regime colonizador.
É nestes termos que o autor desvela todo o processo de independência da Guiné-Bissau como o factor dominante que levou a escancarar as portas à descolonização, entre 1974 e 1975.
É um documento de trabalho imprescindível, pelo que se sugere que António E. Duarte Silva combine harmoniosamente o que escreveu em 1997 com o seu trabalho recentemente publicado este ano. Na actualidade, e numa perspectiva externa à Guiné-Bissau, nada há de mais profundo e objectivo, no campo das investigações sociais, políticas e jurídicas, em simultâneo.
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Nota de CV:
Vd. último poste da série de 24 de Setembro de 2010 > Guiné 63/74 - P7031: Notas de leitura (149): A Independência da Guiné-Bissau e a Descolonização Portuguesa, de António Duarte Silva (1) (Mário Beja Santos)
Blogue coletivo, criado por Luís Graça. Objetivo: ajudar os antigos combatentes a reconstituir o "puzzle" da memória da guerra colonial/guerra do ultramar (e da Guiné, em particular). Iniciado em 2004, é a maior rede social na Net, em português, centrada na experiência pessoal de uma guerra. Como camaradas que são, tratam-se por tu, e gostam de dizer: "O Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca... é Grande". Coeditores: C. Vinhal, E. Magalhães Ribeiro, V. Briote, J. Araújo.
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1 comentário:
Amigo Beja Santos, não conhecia este livro porque me despertou interesse.
Neste post descreveste:
""...Acresce que há um dado histórico que hoje se pode ver à lupa com absoluta nitidez: Cabral, além de impulsionador do PAIGC, foi um dos obreiros do MPLA e liderou claramente o movimento anti-colonial, de língua portuguesa.""
Creio ser um facto desconhecido por muitos. Vim a encontrar referência idêntica(pelo menos até agora, visto ser uma obra de 957 págs e algumas a duas colunas) no livro " O meu Testemunho " de Aristides Pereira.
Um abraço. Gosto dos teus post.
Carlos Filipe
ex CCS BCAÇ3872 Galomaro
não sei será de interesse:
foradolugaretempo.blogspot.com
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