segunda-feira, 4 de abril de 2011

Guiné 63/74 - P8047: Notas de leitura (225): João Teixeira Pinto, A Ocupação Militar da Guiné (2) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem de Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, Comandante do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 31 de Março de 2011:

Queridos amigos,
Os relatórios de Teixeira Pinto são documentos soberbos para se perceber como a Guiné, reduzida a praças fortes, é uma colónia insubmissa e praticamente ingovernável, no início do século XX.
As resistências são sublinhadas e profeticamente o pacificador apela a um trabalho político de grande profundidade e persistência. Irá voltar para a sua última campanha em 1915, inacreditavelmente a península de Bissau hostilizava a potência colonial.

Um abraço do
Mário


João Teixeira Pinto, a ocupação militar da Guiné (2)

Beja Santos

Concluída a operação do Morés, o capitão Teixeira Pinto tinha à sua frente os revoltosos da região do Cacheu, havia que pacificar e ocupar a região dos Balantas, Papéis e Manjacos. No final do ano de 1913, Teixeira Pinto chega a Cacheu com algumas forças regulares e centenas de auxiliares comandados por Abdul Injai e mais de 50 Grumetes de Cacheu. Temia-se que os rebeldes oferecem-se grande resistência. Já em 1904, o governador Soveral Martins, à frente de 1800 homens, mostrara-se impotente para conter os revoltosos. Desta feita, Teixeira Pinto faz-se acompanhar de uma pequena força naval e utiliza como armamento várias centenas de espingardas e uma peça de artilharia. Faz a seguinte descrição: “A coluna marchava em fila indiana indo na vanguarda 40 auxiliares sob o comando de um chefe indígena, seguindo, a 100 metros, 200 auxiliares, a 100 metros a peça de 7 centímetros apoiada pelos indígenas (soldados) e Grumetes de Cacheu e na retaguarda os restantes auxiliares com o régulo do Oio, Abdul Injai.

A marcha foi bastante penosa, pelo calor asfixiantes que caia, pela falta de água e ainda pelo caminho que era apenas um carreiro irregularíssimo onde várias vezes tivemos que desarmar a peça e transportá-la às costas”. Em Cacheu, apercebeu-se de um ambiente de profunda hostilidade, põe-se em marcha, percorre matas densíssimas dando resposta aos diferentes ataques. Critica o comportamento dos Futa-Fulas e exalta o comportamento de Abdul, a puxar pelos temerosos. A marcha prossegue, destroem-se povoações, arvora-se a bandeira da República, fazem-se prisioneiros, apreendem-se espingardas. Os régulos começam-se a apresentar e aceitam pagar impostos. Do Pelundo prossegue-se para Có cujo régulo foi preso e começou a perseguição ao régulo de Bula, que também foi preso. A operação está terminada em Fevereiro de 1914. Teixeira Pinto segue para a região dos Balantas que ainda não se tinham submetido, a 3 de Março está de novo a caminho do Pelundo sempre acompanhado de Abdul Injai; as lanchas canhoneiras dissuadem os rebeldes e provocam-lhes elevados estragos.


Há neste relatório para o governador passagens de grande interesse, como se exemplifica: “De repente soa uma descarga na frente. Era a vanguarda composta de 20 auxiliares que tinha entrado numa paliçada em forma de arco de círculo reforçada com uma trincheira, tendo a terra da escavação sido lançada junto à paliçada formando parapeito e de dentro os Manjacos atiravam sobre os nossos. Mataram-nos logo 6 auxiliares incluindo o guia e feriram 7, alguns gravemente. Passada a primeira surpresa dividi a coluna em 4 grupos cercando exteriormente a paliçada sendo mortos na trincheira todos os manjacos que guarneciam. Os Manjacos, em número que sem exagero calculei em 10 000, defendiam-se com valentia, não arredando pé, morrendo grupos completos, sem que ninguém fugisse”. Teixeira Pinto coloca novos régulos, apela ao governador para a montagem de linhas telegráficas, sobretudo entre Cacheu e Bissorã. E termina assim: “Resta-me ainda tratar de um ponto. Bater e ocupar é muito mas falta ainda educar. Criar escolas, obrigando os régulos e os grandes a enviarem ali os seus filhos é de uma necessidade imediata. Em todos os postos de oficial há um sargento que poderia ser o professor, arbitrando-se-lhe uma pequena gratificação mensal. Estou convencido que, educado gentio, ele deixaria de se revoltar, o que traria uma era de prosperidade e engrandecimento para esta província. A revoltas dos indígenas é proveniente não só do seu espírito guerreiro mais ainda e principalmente da sua falta de educação”.

De seguida, Teixeira Pinto, sempre acompanhado de Abdul Injai, dirige uma coluna de operações aos balantas entre os rios de Farim e Geba, propõe-se construir um posto militar em Nhacra. Adianta o seguinte comentário: “A raça Balanta está-se reproduzindo de uma maneira extraordinária e não lhe chega já o território ocupado. Assim, a leste, foi-se infiltrando pelo território mandinga e a oeste pelos Papéis e Brames. Os rios de Farim e Geba não obstam à sua expansão. Nota curiosa – não se deixa absorver pelas outras raças, antes pelo contrário elas é que são absorvidas pela raça balanta. O Balanta tem a qualidade de ser valente e trabalhador mas tem os defeitos de ser traiçoeiro, de ser ladrão, de não cumprir os seus compromissos e de cada um se governar a si mesmo não aceitando a autoridade de ninguém. O Balanta é tido na Guiné como o povo mais guerreiro e valente. O povo Balanta não tem régulos; nas tabancas ou povoações não há chefes e cada um manda na sua casa e só respeitam o que tem mais força e o que tem dado provas de ser mais ladrão”.


A operação teve duas fases. Saíram de Bula, desta vez o comando dos irregulares foi dado a Mamadu Sissé, indo na cauda Abdul Injai e dezenas de cavaleiros. Seguiram para Binar a partir daí tiveram lugar as refregas com mortos e feridos. Seguiram para Encheia onde destruíram povoações e depois para Bissorã. Aqui vão dar-se grandes combates. Seguem-se negociações, mas a situação fica no empasse. Na segunda fase, a coluna deslocou-se de Mansoa para Jugudul, a marcha é penosa, em Nhacra terão lugar tiroteios e em Xangué apresentam-se os Balantas com bandeiras brancas, caíram traiçoeiramente sobre os irregulares em resposta foram mortos os assassinos. Teixeira Pinto lembra ao governador que é necessário proibir de vez a venda de pólvora de espingardas e espadas. Apela à renovação do transporte de tropas, os barcos do governo estavam permanentemente avariados o que obrigava a fretar embarcações o que iria lesar as actividades comerciais.

É neste relatório que Teixeira Pinto pede recompensas para o tenente de segunda linha Abdul Indjai, sobretudo a sua nomeação para régulo do Oio, Abdul era ao tempo régulo do Cuor, há muita intriga à sua volta, deveria ser recompensado pelo seu mérito e valentia. Estamos em Agosto de 1914, Teixeira Pinto faz um resumo dos actos de ocupação e das resistências vencidas. Queixa-se de não ter sido devidamente aproveitado pelo ex-governador Carlos Pereira, quando chegou à Guiné. Refere-se aos ódios movidos à volta de Abdul Indjai, sobretudo a ambição do administrador de Farim que pretendia a anexação do Oio à sua circunscrição. Com o governador José Andrade Sequeira, foi nomeada uma comissão de quatro oficiais que não encontrou nada contra o comportamento de Abdul Injai. Só com a retirada de Teixeira Pinto da Guiné é que começou a perseguição a Abdul, que o militar deplora e depõe a seu favor: “Tenho-me sacrificado pela Guiné, recusei convites, não quis a minha percentagem de imposto de palhota que ofereci à província, tudo isto faço com prazer para conseguir a ocupação definitiva da Guiné”. E termina assim o seu relatório datado de 11 de Dezembro de 1914: “A Guiné será a pérola das colónias portuguesas pela sua riqueza e pela sua situação depois de bem ocupada e bem administrada”.

Teixeira Pinto voltará à Guiné para a sua última campanha, em 1915: contra os Papéis e Grumetes revoltados da ilha de Bissau.

(Continua)
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Nota de CV:

2 de Abril de 2011 > Guiné 63/74 - P8038: Notas de leitura (224): João Teixeira Pinto, A Ocupação Militar da Guiné (1) (Mário Beja Santos)

1 comentário:

Carlos Vinhal disse...

De: António José Pereira da Costa [mailto:ajpc@gawab.com]
Enviada: segunda-feira, 4 de Abril de 2011 23:42
Para: (DGC) Beja Santos
Assunto: O Livro de Teixeira Pinto

Olá Camarada
Levava-nos longe a análise do livro.

Poderíamos fazê-lo sob vários ângulos, como por exemplo aquela dos 10.000 (dez mil) manjacos... Ena tantos! (digo eu).

Mas, se assim fosse, poderíamos perguntar: se havia 10.000 homens prontos a combater contra as autoridades porque seria? Como se mobilizavam em tão grande quantidade para morrer? E as mulheres e filhos que ficaram(?) nas tabancas? É muita gente e pouca popularidade e aceitação para nós.

E os corpos que foi feito deles? Os jagudins não tinham "bicos a medir" e ficariam obesos...

Enfim, aqui temos um livro que, bem analisado, poderá dar as raízes da "guerra" 63 - 74.

Não creio que a "educação dos gentios" resolvesse o problema. Antes pelo contrário.

É necessário recordar que só se revolta quem está oprimido e que às vezes quem é culturalmente mais evoluído revolta-se mais e melhor.

Não se pode dizer que os portugueses brancos (porque não dizê-lo?) tivessem uma aceitação elevada naqueles tempos. Porquê?

É capaz de não ser fácil de advinhar....

Fico por aqui
Um ab do
António Costa

PS: Se merecer atenção dos editores este comentário pode ser publicado