segunda-feira, 5 de março de 2012

Guiné 63/74 - P9562: Humor de caserna (26): Chocos recheados para curar o paludismo (Henrique Cerqueira)

1. Mensagem do nosso camarada Henrique Cerqueira (ex-Fur Mil da 3.ª CCAÇ/BCAÇ 4610/72, Biambe e Bissorã, 1972/74), com data de 1 de Março de 2012:

Olá Camarada Carlos Vinhal
Hoje deu-me uma vontade danada de escrever uma estória para o nosso blog.
Há mais ao menos três semanas estou praticamente prisioneiro em casa pois tive a infeliz ideia de contrair uma pneumonia. Após uma passagem pelo hospital e depois de devidamente receitado aqui estou eu quase como novo.
Por me sentir melhor é que me deu esta vontade de escrever, se bem que durante estas semanas tenho andado muito entretido no nosso blogue que tem sido muito fértil em “casos”, mas mais uma vez os nossos camaradas demonstraram que após a tempestade vem sempre a bonança. O bom senso, a boa formação e acima de tudo a experiência de vida foram os ingredientes principais nessas “discussões” mais ao menos “desabridas”.
Mas a ideia de escrever hoje tem um pouco de paralelismo como que me aconteceu estas semanas, ou seja :


“O Meu Primeiro Ataque de Paludismo”

É verdade sim senhor, este meu primeiro contacto com o Paludismo na Guiné foi duplamente aterrador e angustiante…

Como a maior parte da malta que esteve no interior da Guiné sabe, alimentos frescos era coisa que raramente havia nos aquartelamentos, salvo uma ou outra peça de caça ou peixe da bolanha que aparecia. Em Biambe, quando ao fim de três meses, mais ao menos, a comer esparguete com chouriço leofilizado, arroz e sangacho de atum, enfim a tal comida “Gourmet” do nosso camarada Martins, tivemos a noticia que iríamos receber frescos vindos de avião, penso que pelo Nord-Atlas (não sei se está bem escrito). Nessa altura de fartura de alimentos frescos, que tinham que ser consumidos rapidamente por falta de armazenamento de frio, significava refeições abundantes. Nessa precisa altura cá o Henrique apanha um bruto dum paludismo com febres altíssimas, delírios etc., todas aquelas coisas “boas” que o paludismo nos dá.

A agravar o meu estado anímico porque o físico estava de rastos, o “bandido” do cozinheiro, como tinha recebido chocos nos frescos, cozinhou-os com recheio e tiveram a lata de mos levarem à cama num prato dizendo que me faria bem. Já estão a imaginar aqui o rapaz com 40º de febre a comer aquilo, não é?

Bom, mais tarde o paludismo passou, mas para mim não houve daquela fresca e boa comidinha.

Voltei a ter mais vezes paludismo mas o mais dramático foi mesmo o meu primeiro. É que para agravar, nessa altura já andávamos quase todos de pernas literalmente abertas por causa da micose e furúnculos que creio eu ser originado pela falta de carne e legumes. Felizmente tínhamos por lá alguma fartura de whisky que ajudava a combater o mal do corpo e da alma.

Esta é mais ou menos a descrição do meu batismo de “fogo com o inimigo n.º 1” da malta que era enviada para a Guiné. Já agora um grande abraço para o nosso enfermeiro e outros que espalhados por toda a Guiné lá foram dando conta do recado em altíssimas situações de risco com a saúde dos seus camaradas.

Mais tarde escreverei sobre os nossos Enfermeiros de Campanha.
Henrique Cerqueira

O 1.º Cabo Aux Enf.º Pereira da CCAÇ 675 em acção de assistência a um ferido

Foto incerta no livro "Golpes de Mãos - Memórias de Guerra", do nosso camarada José Eduardo Rodrigues Oliveira, ex-Fur Mil Enf.º da CCAÇ 675, com a devida vénia.
____________

Notas de CV:

(*) Vd. poste de 9 de Dezembro de 2011 > Guiné 63/74 - P9170: (Ex)citações (164): Furriel, turra é preto e vaca é branca!... (Henrique Cerqueira)

Vd. último poste da série de 28 de Fevereiro de 2012 > Guiné 63/74 - P9545: Humor de caserna (25): Métodos de sobrevivência dos maltrapilhos do arame farpado (C. Martins)

4 comentários:

Henrique Cerqueira disse...

Camarada Carlos Vinhal
Grato pela foto que publicaste a reforçar o meu texto meio brincalhão meio a sério.No entanto em referencia aos nossos enfermeiros haverá muito que escrever,pois que tive diversas vezes que recorrer aos seus conhecimentos e presenciei no local a sua grande capacidade improviso e profissionalismo.Também houve algumas situações menos felizes,mas mesmo assim guardo gratas recordações desses Especialistas das nossas companhias.
Um grande abraço a todos.
Henrique Cerqueira.

Hélder Valério disse...

Caro amigo Henrique Cerqueira

Pois é, a escolha da 'hora da doença' não era possível (a menos que fosse provocada, como no "valente soldado Scheveik") e a ti logo te calhou a dose de paludismo com a chegada dos frescos.

Fiquei com curiosidade: chocos recheados? com quê?
Normalmente "recheadas" são as lulas (espero que as distingas das 'potas') mas os chocos costumam ser utilizados em caldeirada, fritos (inteiros, os mais pequenos, 'à algarvia', ou às tiras) grelhados (pois vão à grelha e não ao forno para serem 'assados'), estufados...
Se o 'recheio' era a 'sua tinta', tudo bem, mas os congelados não servem para isso.

Abraço
Hélder S.

Henrique Cerqueira disse...

Ó camarada Helder
És mesmo um castiço,nessa dos chocos recheados.
Eu estava com uma carga de febre do caraças e só ouvia a malta dizer ,vamos comer chocos recheados...Como queres que eu saiba se eram chocos,potas,lulas . Uma coisa te digo se estivesse bom de saúde eu comeria qualquer desses animais ,nem que fossem recheados com as próprias entranhas.
De qualquer modo te digo que hoje até nem gosto muito de chocos,mas após a tua questão penso que devo experimentar uma das tuas sugestões.
Um grande Abraço Hélder Valério
Henrique Cerqueira

Henrique Cerqueira disse...

Caro Helder Valério
Só depois de ter comentado é que li um email do Carlos Vinhal.E olha que ele enviou-me uma data de receitas de chocos recheados.Olha que o Carlos é um Homem do Mar.
Isto foi mesmo para brincar um pouco com o meu camarada Hélder.
Mais um abraço.
Henrique Cerqueira