quinta-feira, 19 de abril de 2012

Guiné 63/74 - P9771: Os nossos últimos seis meses (de 25abr74 a 15out74) 11): Cartas de Paunca, SPM 5668, Parte I (J. Casimiro Carvalho, Fur Mil Op Esp., CCAÇ 11, mai-ago 1974)







Guiné > Região de Gabu < Paunca > CCAÇ 11 (1969/74) > c. maio / Junho de 1974 > Tempos de esperança e de temor > O fur mil op esp J. Casimiro Carvalho, "herói de Gadamael", entre os fulas...


Fotos: © José Casimiro Carvalho (2007). Todos os direitos reservados.




1. Por ocasião do nosso I Encontro Nacional, na Ameira, Montemor-o-Novo, em 14 de Outubro de 2006, conheci pessoalmente o José Casimiro Carvalho, camarada que teve a grande generosidade de me confiar, na altura,  um valioso conjunto de cartas e aerogramas enviados a amigos e familares no período em que esteve em Guileje, Cacine e Gadamael (1972/73),  e depois em Colibuía-Cumbijã, já em 1974, e ainda Bissau e Paunca (a seguir ao 25 de abril de 1974).


Um seleção de excertos das suas "cartas do corredor da morte" (*)  já aqui foram publicadas oportunamente. Está na altura, por ocasião do nosso VII Encontro, em Monte Real, mo próximo dia 21, de lhe devolver os originais (!). Devo dizer que ele fez questão de os ofertar, em 2008, ao Núcleo Museológico Memória de Guiledje, por ocasião do Seminário Internacional de Guiledje (Bissau, 1-7 de março de 2008). Manifestou-me expressamente essa intenção. Em bora hora não lhe fiz a vontade, ficando eu com os originais e entregando ao museu um coleção de cópias (digitalizadas pela Fundação Mário Soares). Estou por isso em condições, cinco anos e emio depois,  de lhe devolver os originais que ele agora, sim, vai poder oferecer a uma das suas filhas, conforme é seu desejo.  São coisas pessoais e intransmissíveis, e eu fico contente de servir de "correio", entregando as cartas e os arorgramas, enviados em 1972, 1973 e 1974, de diferentes SPM: 2728 (CCAV 8530, Guileje, Gadamael, Colibuía, Cumbijã, Bissau, 1972/74) e 5668 (CCAÇ 11, Paunca, 1974).


Entretanto, fiz ainda uma seleção da correspondência relativa à sua curta mas algo atribulada passagem pela zona leste da Guiné (Nova Lamego e Paunca).


Esta correspondencia é mais um elemento, importante, para a elucidação e compreensão do período final da guerra na Guiné, tanto no sul (Guileje e Gadamael) como na zona leste (Paúnca). Recorde-se o que o nosso ranger  escreveu sobre essas peripécias em chão fula (*)


 O que se passou em Paunca já aqui foi descrito no nosso blogue: os quadros (metropolitanos, brancos) da CCAÇ 11 foram expulsos do quartel de Paunca, sob ameaça de armas, pelos soldados fulas, amotinados. Recorde-se que a  CCAÇ 11, tal como a minha CCAÇ 12, tinha-se formado originalmente em Contuboel (de Maio a Julho de 1969), fazendo parte da "nova força africana" de Spínola. Estive, portanto,  com eles menos de dois meses, em Contuboel, com a malta da CCAÇ 11 (ou melhor, na altura, a CART 11) a que pertencia o meu amigo Renato Monteiro, o mediático homem da piroga no Geba . 


A seguir ao 25 de Abril de 1974, fugido do inferno de Guileje e Gadamael, caído de paraquedas em Paúnca, na CCAÇ 11, o Casimiro Carvalhos vai conhecer o desespero e a raiva dos nossos aliados fulas, na fase do cessar-fogo e retração do nosso dispositivo militar no TO da Guiné... Este é um dos episódios mais chocantes da guerra da Guiné, aqui contados pelo nosso herói de Gadamael. Só é pena que ele tenha sido tão parco em palavras, no que diz respeito a este final da sua comissão ... 

2. CCAÇ 11, Paunca, Agosto de 1974
por J. Casimiro Carvalho




(i) Com uma arma apontada nas costas pelos seus próprios soldados 


(...) [Em 8 de Julho de 1973, saímos de Cacine, em LDG, a caminho de Bolama, e daqui] fomos para o Cumeré tirar outro IAO . Eu fui para Prabis com mais 12 homens, outros foram para Quinhamel ou Bijemita (??). Depois fomos para Colibuía-Cumbijã [janeiro-março de 1974], e aí fui destacado para rendição individual, sendo transferido para Bissau a fim de tirar estágio de Companhias Africanas, e durante esse estágio deu-se o 25 de Abril [de 1974].


Fui então para Paunca, CCAÇ 11 – Os Lacraus, onde me mantive até ao fim da minha comissão [ A primeira carta que temos de Paunca, é datada de 14 de maio de 1974, e foi escrita á máquina, e era dirigida à "maninha. Em 30 de abril de 1974, ainda estava em Bissau e dá conta, à mãe, em carta, do ambiente que se vive na cidade, com ]. Não sem antes levar um susto de morte, pois os militares africanos da CCAÇ 11 sublevaram-se. Quando eu estava a dormir, ouvi tiros, vim em calções com a Walther à cintura até ao paiol. Quando lá cheguei, eles estavam a armar-se e a disparar para o ar e eu, quando os interrogava pelo motivo de tal, senti o cano de uma arma nas costas, ordenando-me que seguisse em frente (até gelei)...Juntaram todos os quadros brancos e puseram-nos no mato...assim mesmo.


(ii) Socorridos no mato pelos inimigos de ontem!


Caminhámos muito, de noite, desarmados, e fomos até um acampamento de guerrilheiros do PAIGC, contámos a situação e eles mandaram um punhado deles a Paunca. Gritaram então lá para dentro:
- Têm 5 minutos para se entregaram e restituir o quartel aos brancos ou destruímos tudo! - Eles, os fulas, entregaram-se.


No fim, já de abalada, fomos ao paiol, juntámos todas as granadas e explosivos, e eu fui encarregado de os fazer explodir , ao redor de uma enorme árvore. Que cogumelo de fogo, impagável !


(iii) Por fim, a peluda...


Fui encarregado de comandar uma coluna de 22 viaturas até Bissau, por Fajonquito, Jumbembem Farim, Mansoa, Nhacra…Bissau. Ao fazer o espólio, não tinha G3, mas , como não tinha…
- Ó pá, estiveste em Guileje ?... Então ‘tá bem, não entregas.


A seguir vim de avião para a peluda. (...).


3.  Cartas de Paúnca, SPM 5668: Em 20 de maio de 1974, J. Casimiro Carvalho escreve um aerograma à mãe, Angelina Carvalho, então a residir em Vila Nova de Gaia:



Paunca, 20 de maio de 1974

(...) Então o Luís, está em Lamego ? Mande dizer o nº dele e o nome todo e qual é o SPM dele, pois eu estou perto. [O aerograma é acompanhado de um esboço do mapa, com a posição relativa de três localidades: Paunca - Pirada - Nova Lamego] (...)

(...) Ontem  estive de sargento de piquete e fui guardar um recinto onde havia batuque. Olha, é bonito, os fulas a lutar género luta greco-romana, eles muito fortes , e ao som da batucada. Até vibrei.

Não tenho feito nada, é só dormir, não saí nenhuma vez para o mato, pois aqui é raro, e isso só por si já vale muito. É menor o perigo que corremos. Um beijo do seu José Casimiro.

No mesmo dia escreve ao pai, Ângelo Carvalho, também outro areograma, do  SPM 5568:

Paunca, 20/5/74

Paizinho: (...) Vou pô-lo ao corrente, mais ou menos, do que se passa por aqui: Há 8 dias, fomos informados que daí em diante não podíamos fazer fogo de armas pesadas, a não ser em caso de ataque ao quartel. No mato, mesmo que encontremos um Grupo IN, só abrimos fogo se eles abrirem, e neste caso [devemos] tentar acabar com o tiroteio, logo que possível. A aviação não bombardeia. 


Quando foi formado o Governo Provisório, o presidente do Senegal,  Senghor, enviou o seu avião pessoal a Lisboa, para ir buscar o representante da Junta [de Salvação Nacional] e tentar um acordo prévio de cessar-fogo, do qual ficou assente: o PAIGC anulou todas as operações de grande vulto (como a de Guileje) que estavam planeadas para o fim da época seca, ou seja, "agora", enquanto que Portugal se comprometeu a não abrir fogo sobre guerrilheiros do PAIGC, prioritariamente.


Portanto temos praticamente um cessar-fogo não oficial, que será oficializado em Londres, no dia 25, entre Aristides Pereira e Portugal. Isto está a correr pelo melhor, não acha ? Nós andamos todos contentes, se bem que isto a mim não me vem beneficiar quanto ao fim da comissão que se avizinha. (...).

Primeira parte do documento [, Informação,] escrito à máquina e datado de Paunca, 7 de junho de 1974, dando conta dos primeiros contactos das NT com os guerrilheiros do PAIGC, no subsetor de Paunca

Paunca, 10/6/1974

Esboço de aerograma (3 folhas), escrito no dia de Portugal [10 de junho de 1974]. Uma parte do conteúdo seguirá para mãe, em carta manuscrita, enviada nesse mesmo dia. Outra parte foi [ou já tinha sido dactilografada, com data de 7/6/74] sob a forma de uma espécie de comunicado [ Informação,] cujos destinatário(s) se desconhece.


(...) GUERRA E...PAZ


Guerra... palavra que pouco dignifica. Guerra, sinónimo de destruição. Prenúncio do fim. Mas... também há a paz. E para isso se está a tarablhar neste momenmto em todo o Portugal.


Ontem [leia-se: 6 de junho de 1974], algures na Guiné, tropas portuguesas (brancas), comandadas por um oficial superior, dirigiram-se em missão de paz a um destacamento inimigo, em território português, perto da fronteira com o Senegal, deixando todo o armamento nas viaturas [e] deparando com uma colossal e bem montada emboscada de segurança. Numa atmosfera de confiança,  inimigos de ambos os lados cumprimentaram-se, os dois comandandantes inimigos entraram num amistoso diálogo, findo o qual se chegou à conclusão que... o PAIGC, como nós, anseia pela paz.


Esses mesmos inimgos disseram que teriam imenso prazer em contactar com tropas africanas, em serviço nas nossas fileiras, para trocarem impressões e concluirem o que mais lhes interessava.


Hoje [, 7 de junho,], algumas dezenas de tropas africanas, comandadas pelo mesmo oficial superior, dirigiram-se ao mesmo local, procedendo como no dia de ontem. Encontraram um clima de amizade, não foram molestados, e até foram obsequiados com galhardetes e emblemas do PAIGC. Também se procedeu à troca de pequenas peças de fardamento.


Imaginem, um momento tão importante, um momento nunca conseguido durante tantos anos de guerrilha. Parece inconcebível. Mas aconteceu. Nunca em toda a história mundial, que eu saiba, antes mesmo de um cessar-fogo, se viu istio, duas forças inimigas, como uma família, reunidas em franca amizade, esquecendo  todos os antecendentes, pois eles sabem que com isso contribuem para finaliziar o que há tanto tempo vem vitimando e continuaria a vitimar inocentes [...]


Estou deveras emocionado, eu que como tanto outros vi tombarem amigos, companheiros de farra e de luta, amigos para o bem e para o mal, e para quê ?  [...]


Ficou, nesse encontro, determinado que amanhã o inimigo vinha a um quartel nosso visitar-nos, conhecer-nos, nós que nos matavámos [uns aos outros] sem nos vermos. Enfim, agora como está previsto,  conhecer-nos-emos, se não houver imprevistos, e eu, que tanto os odiei, com o ódio que ganhei com a guerra, devido ao sangue que vi derramar, irei... talvez - quem sabe ? - ABRAÇÁ-LOS. Sim, porque eles lutaram para defenderem o que por direito lhes pertencia, um chão deles, bravos soldados como nós.

Fica aqui, pois, o meu desejo para que tudo se desenrole como desejamos, no dia de Portugal, nas conversações de Londres. Somos livres, mas ainda não temos a PAZ.

Um militar que anseia pela Paz.




4. Num segundo poste, divulgaremos mais alguns excertos de cartas escritas pelo J.Casimiro Carvalho, em Paunca, em junho de 1974. Não tenho nenhuma missiva em que ele relate à mãe, ao pai ou a outros familiares a situação de insubordinação dos soldados da CCAÇ 12, situação essa que  terá ocorrido por volta de 21 agosto de 1974 [ data em que o PAIGC tomou conta da povoação e aquartelamento, segundo o relatório da 2ª rep/QG/CTIG, já aqui divulgado]. (***)

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12 comentários:

Cherno Baldé disse...

Caro amigo Luis Graca,

Como ja descrevi noutra ocasiao na minha série de "memorias de Chico, menino e moco..." Eu vi com os meus olhos a coluna de veiculos, na sua maioria Berliets novos, atrelados de obuses 10 e 14 que sairam da zona leste para Bissau via Fajonquito, Jumbembem e Farim. Era a retirada de tropas que nao tendo perdido a guerra no terreno mas nao tinham forca animica para continuar a faze-la.

Era uma visao impressionante que deixara os nossos velhos sem palavras, velhos que acreditavam na invencibilidade dos portugueses, ver brancos, europeus no sentido mais lato.

Antes, quando o meu pai falava dos portugueses dizia, enaltecendo: Sambu Galel Tubako; batalharam e venceram sem que fossem muitos.

Em 1972, chegou a CCAC 3549 e nesta companhia integrava um soldado muito franzino que os proprios soldados apelidavam de Fininho. A companhia que vinha substituir ja integrava um Sargento de idade ja bastante avancada, quase um velho com uma dentadura postica a quem chamavamos o feiticeiro.

Para os mais velhos eram sinais de que a metropole estava a acusar o esforco da guerra e ja, quase que, nao teria pessoas a altura para enviar para a guerra. O Fininho parecia, de facto, uma crianca, um adolescente incapaz de fazer a guerra em todos os sentidos.

Voltando ao tema do Post, tao actual como é a propria situacao da Guiné neste momento, na minha opiniao, estamos a colher os frutos da sementeira lancada durante o doloroso periodo da independencia do territorio.

Nao ha nome para classificar aquilo que os portugueses fizeram aos que, acreditando na sua palavra de honra, aceitaram pegar em armas para combater os rebeldes do PAIGC, escondidos na roupagem e capa de nacionalistas.

Em tempos, descrevi num post intitulado "A (mu)danca das bandeiras" a cena do icar da bandeira do PAIGC em que o guerrilheiro nao teria conseguido fazer chegar a (mal)dita bandeira la pra cima do poste sem a ajuda do soldado portugues.

Pretendia com a cena prever e indiciar que mais tarde ou mais cedo, Portugal precisara dar mao forte a Guiné, de forma mais inteligente e diplomatica, tal como aconteceu com Timor Leste, a fim de endireitar e corrigir alguns erros do passado recente em relacao aos quais portugal tem responsabilidades a que nao podera continuar a fugir ou fingir que nao sabe. A politica de avestruz tem os seus limites.

Como disse o antigo ministro portugues dos N. estrangeiros, Luis Amado, o povo da Guiné esta manietado e refém do que resta dos antigos guerrilheiros que outrora eram as FARP e que pretendiam ter libertado o povo da dominacao e opressao estrangeira.

Um grande abraco,

Cherno Baldé

Luís Graça disse...

Cherno, amigo e irmão:

Folgo em saber notícias tuas. Quero que saibas quanto nos congratulamos, todos os teus amigos e admiradores do blogue, por voltar a ler os teus comentários, sempre inpirados e inspiradores, e que traduzem a tua grande capacidade de "fazer pontes" (nomeadamente do nosso comum passado recente para a nossa comum atualidade).

Sábado, mais de 180 amigos e camaradas da Guiné vão estar reunidos, em Monte Real, no seu encontro anual. Por certo, que te vão ter no seu coração, a ti e aos nossos demais amigos guineenses.

Metaforicamenmte falando (como tu também gostas de falar, ou não pertencesses a uma cultura sábia e milenar!)), eles vão "rezar" para que Deus, Alá, o todos os bons irãs e os todos os djinés de boa vontade te protejam, a ti, à tua família, a todos os nossos amigos, a todo o bom e sofrido povo da Guiné-Bissau...

Quem sabe se para o ano não poderás estar presente no nosso VIII Encontro Nacional ?

Antº Rosinha disse...

Cherno, os africanos são vítimas da colonização, escravatura e descolonização impostas pela europa.

Mas esta geração deste blog só entra na era da descolonização.

A Guiné-Bissau é como que um enclave igual à Gâmbia no meio de países com alguma "alergia" a esses enclaves.

Embora as fronteiras físicas existam, mas as fronteiras humanas são muito difusas, como geral em toda a África.

Os antídotos de Bissau são muito mais fracos do que os da Gâmbia.

Esperemos que não haja nenhum desmoronamento fatal.

Hoje veio uma notícia que o 1º min. português pediu ao congénere inglês para ajudar.

Os franceses ainda mantêm a legião para efeitos da Costa do Marfim e arredores.

Mas os tugas não nasceram para estas coisas e os guineenses, angolanos e moçambicanos antigos sabiam isso muito bem.

Mas não havia argumentos contra aquela "guerra fria" e aquela demagogia.

Já estavam a morrer milhões (1+6 zeros) nos dois congos, no Biafra, no Ruanda e Burundi, e ainda nas Nações Unidas se escondia esse facto, mensalmente quando o ministro português discursava a dizer que não dava a independência a ninguem.

Luís Graça disse...

Por feitio e formação intelectual, sou mais inclinado a "tentar compreender" do que a "pretender explicar"... A imagem que o Cherno reteve no fim que se adivinhava (aos olhos das populações locais, e nomeadamente fulas, do nordeste da Guiné, o "chão fula",por excelência) é poderosa, e tem uma grande eficácia simbólica ao nível da perceção dos acontecimentos: por um lado o "Fininho"... e por outro o velho Sargento de dentadura postiça...

(...) "Em 1972, chegou a CCAC 3549 e nesta companhia integrava um soldado muito franzino que os próprios soldados apelidavam de Fininho. A companhia que vinha substituir ja integrava um Sargento de idade ja bastante avancada, quase um velho com uma dentadura postica a quem chamavamos o feiticeiro.

"Para os mais velhos eram sinais de que a metrópole estava a acusar o esforço da guerra e já,quase que, não teria pessoas a altura para enviar para a guerra. O Fininho parecia, de facto, uma criança, um adolescente incapaz de fazer a guerra em todos os sentidos." (...)

Poderosa também a imagem da longa fila de homens, viaturas e armas que "retiram" do nordeste para Bissau, o "terminal da guerra"...

Finalmente, premonitória (e de antologia!) a cena do arrear da bandeira: (...) "a cena do içar da bandeira do PAIGC em que o guerrilheiro não teria conseguido fazer chegar a (mal)dita bandeira lá pra cima do poste sem a ajuda do soldado português" (...).

Cherno Baldé disse...

Caro Luis,

Ainda, estou fazendo das tripas coracao para nao fugir como da outra vez, mas ja tenho os sapatos na mao para quando o precisar fazer nao ser embaracado.

Esta alusao a fuga faz-me lembrar a historia de um velho homem grande fula que, no inicio da guerra colonial e fugindo de um ataque da guerrilha a sua aldeia foi agarrado ou teria agarrado, inadvertidamente, numa liana, aparentemente, solta no caminho da fuga. O homem, cheio de medo, teria conseguido arrastar a liana uma dezena de metros e de repente a liana recuperou as forcas e teria arrastado atirando-o para tras. Entao o velho, assustado e convencido que seriam os bandidos a arrasta-lo gritara:
- Aiihh!...matem-me dignamente, que sou muculmano!

Quando largou a liana ou esta o largou, caiu nos pés da sua propria mulher em fuga que o teria perguntado do paradeiro das criancas ao que prontamente teria respondido:
-Oh mulher deixa estar as criancas, ainda tenho muitas aqui. E falava correndo e apontando com a mao a parte de tras da sua cintura masculina.

Um grande abraco e mantenhas a todos os Tabanqueiros que se vao reunir em Monte Real.

Ja prometi ao José Cortes e a CCAC 3549 participar no proximo encontro-convivio da companhia. Trata-se apenas da manifestacao de um desejo, um desafio a tentar superar.

Cherno Baldé

Manuel Reis disse...

Amigo Carvalho:

Esta situação criada em Paúnca era do meu desconhecimento. Só te faltava mais esta!

A ser verdade o conteúdo da carta que escreveste ao teu pai em 20/57/4, pela 1ª vez fica claro, para mim, a intenção que presidiu à nossa colocação em Cumbijã. De facto, falava-se na possibilidade da Ccav 8350 reocupar Guileje, mas tudo nos parecia um processo intimidatório e nunca foi levado a sério.

Um abraço amigo.

Manuel Joaquim disse...

Meu caro Cherno Baldé:

Em 1º lugar folgo muito em te voltar a "ver" por aqui. Sinceramente, estou muito preocupado com a situação e com todas as atribulações por que passa a população guineense.
Situação que também me atinge diretamente, através da Ajuda Amiga e do seu presidente que por aí está, espero que fisicamente bem.

Dizes: "Não há nome para classificar aquilo que os portugueses fizeram aos que, acreditando na sua palavra de honra, aceitaram pegar em armas ..."
Há nome há. Pode ser o doce "vergonha" ou o violento "traição".
Mas não foram "os portugueses" que o fizeram, assim como não são "os guineenses" que estão a fazer o que agora está bem visível na Guiné-Bissau. Foram alguns portugueses como hoje são alguns guineenses.
Portugal, na altura da guerra colonial, tinha uma sociedade fraca e doente, sem capacidade de intervenção política, grande parte dela alheia às decisões do poder político mas sujeita ditatorialmente a essas decisões.
Voltando ao teu comentário, confirmo que muitos "fininhos" e muitos "feiticeiros" integravam as forças militares, resultado de uma mobilização cega, tipo arrastão. Os física e psiquicamente aptos já não chegavam para preencher as necessidades.
Quanto aos "vossos mais velhos" perceberem sinais de fraqueza no esforço de guerra, sem pessoas à altura para o manter, só tenho a dizer que eram pessoas muito inteligentes e dedutivas. Qualidades que , ao contrário, escasseavam nas cabeças pensantes que, na altura, detinham o poder político em Portugal.

Com fervorosos votos que a "tempestade" não te cause quaisquer danos, nem aos teus entes queridos,

Um grande abraço

Anónimo disse...

Caro Cherno

É com mágoa e tristeza que te informo que se avizinham tempos muitos difíceis para os guineenses muito para além do que sofreram até agora.

Prepara-te para...
Desejo do fundo do meu coração o melhor para ti e para a tua família.

C.Martins

Cherno Baldé disse...

Caro amigo Manuel joaquim,

Obrigado pelas palavras de apoio moral e de solidariedade com o povo da Guiné.

Obrigado, também, pela oportuna correccao as minhas palavras imbuidas de alguma provocacao. E certo que nao se tratava de todos os portugueses e, também, é certo que apos 38 anos de independencia, mesmo que seja de facada, nao é de todo razoavel continuar a bater na vaca fria.

Mas, nao obstante, o meu percurso pessoal de observador e testemunha involuntaria dos acontecimentos da guerra colonial e do seu desenlace final impoe-me a obrigacao moral de fazer chegar junto de vos, sem ressentimentos, sem gesticulacao inutil, os sentimentos de dor e de amargura de gentes que ingenuamente acreditaram e se entregaram por uma causa sobre a qual estavam longe de conhecer os reais contornos.

Nao ha rancor nas minhas palavras e se quiserem saber, também eu e os Guineenses de forma geral, temos um pedaco de Portugal dentro de nos, mas como dizia o antigo Bispo de Bissau "so a verdade nos libertara". E a verdade esta nestas tuas palavras serenas as quais subscrevo totalmente.

Amigo C. Martins, no estado em que a Guiné esta, ja nao ha nada que nos possa assustar mais. Se calhar é melhor que seja agora e no imediato, assim talvez as proximas geracoes possam ser poupadas desta pouca vergonha institucionalizada.

Um abraco amigo,

Cherno Baldé

Anónimo disse...

Foram várias e complexas as razões por que Portugal resistiu aos "ventos da história", como são várias e complexas as razões para o actual estado de sítio na Guiné-Bissau.
Naqueles tempos, os portugueses integravam-se no número de europeus colonizadores, quando venceu os autoctones e estabeleceu um regime colonial.
Depois, aqui e ali aconteceram relações de simpatia, com emigrantes com grande facilidade para a aculturação. Até na tropa, distinguiam-se militares que rapidamente pareciam assimilados pelas culturas tradicionais, e mesclavam-se com a população.
Os mais velhos aceitavam a situação que ainda era suportável. Em poucos anos, foi o desabar. Mas pior que isso, foi o sentimento de orfandade da nova nação, face à insuficiência de apoios dos países socialistas que em breve se desintegravam, e da suspensão de apoios dos países ocidentais e puritanos, que, à distância, e por razões ideológicas, contribuiram para a guerra, e mais tarde, não contribuem para a consolidação da paz.
Pelo meio, claro, não se pode ignorar a falta de formação dos novos dirigentes, que, se calhar, pensam que o poder é uma espécie de prémio para vencedores.
Desejo para o futuro da G.B., que a juventude possa encontrar boas soluções colectivas, e convencer as potências de que pode valer a pena.
Mas o mundo é egoista.
Um grande abraço para os bons guinéus.
JD

Anónimo disse...

Diz o José Dinis (JD)e com toda a razão:

"Em poucos anos, foi o desabar. Mas pior que isso, foi o sentimento de orfandade da nova nação, face à insuficiência de apoios dos países socialistas que em breve se desintegravam, E DA SUSPENSÃO DE APOIOS DOS PAISES OCIDENTAIS E PURITANOS (sublinhado meu) que, à distância, e por razões ideológicas, contribuiram para a guerra, e mais tarde, não contribuem para a consolidação da paz.
Pelo meio, claro, não se pode ignorar a falta de formação dos novos dirigentes, que, se calhar, pensam que o poder é uma espécie de prémio para vencedores".

E tenho de concordar.

Todos sabemos porque razão os ditos países socialistas apoiavam os movimentos independentistas mas também a razão de o ocidente apoiar precisamente o oposto.

Estávamos em plena guerra fria e havia que arregimentar o maior número de países para cada bloco.

E, nada disto, quer de um lado quer do outro, era feito de forma inocente.
Antes pelo contrário.

Libertação dos povos? Qual libertação dos povos?

Era a luta pelo poder económico e, principalmente, pelo poder geo-estratégico mundial, no fim, todos intimamente ligados.

E sempre me questionei do porquê de os tais "países ocidentais e puritanos" (países do norte da Europa, entre outros), terem contribuído com tantos milhões para aqueles movimentos.

Milhões esses que serviriam para comprar armamento aos tais países socialistas (já que estes não o davam, mas sim vendiam-no. Isto, a fazer fé num comentário que li há alguns dias).

Mas então, porque que é que os tais "países ocidentais e puritanos" que contribuíram com tantos milhões no caso para o PAIGC, não acautelaram ao menos, eles sim:

1- A formação de quadros para o período pós-independência?

2- A promoção da paz entre os vários líderes e facções, cujas diferenças já se adivinhavam e cujos desfechos já se previam?

3- A promoção do investimento económico adequado às características da Guiné e do povo guineense?

4- A promoção do bem-estar do povo guineense?

Depois do enorme contributo que deram para a guerra, era o mínimo que podiam ter feito pela paz.

Ou vamos continuar a deitar todas as culpas para os militares de Abril (que até acabaram com a guerra) e para os políticos portugueses que promoveram a descolonização?

Um abraço para todos

José Vermelho

Um abraço para todos

José Vermelho

António Rodrigues disse...

Revejo-me Plenamente em tudo o que escreveu sobre os últimos meses da nossa presença na Guiné, nomeadamente em Paúnca, o nosso Camarada Ex-Furriel Casimiro Carvalho nas cartas que escrevera aos seus familiares contando-lhes o que estava a acontecer naquela altura do final da guerra.

Nessa altura encontrava-me em Bajocunda tendo também participado num dos primeiros encontros naquela região com Guerrilheiros do PAIGC.

Ao viver tudo aquilo, também eu pensava que de certa forma era um dos privilegiados, porque de tantos milhares que passaram pela Guiné, poucos foram os que puderam no final apertar a mão ao inimigo, conviver com eles durante alguns meses e presenciar o final da guerra.

Ao ler o comentário acima do nosso Amigo Cherno Baldé vieram-me à memória duas situações uma das quais eu presenciei e que são as seguintes:

A primeira foi quando a 22 de Agosto retira-mos de Bajocunda e Pirada a caminho de Bafatá, passando por Sonaco, reparei que vários Homens Grandes dessa Tabanca, nos acenavam à nossa passagem dizendo-nos adeus, mas com lágrimas nos olhos, talvez sentindo já saudades da nossa presença, isso a mim tocou-me fundo e nunca mais esqueci essa cena.

A segunda é quando o Cherno nos fala da dificuldade que o homem do PAIGC tem em fazer subir a sua Bandeira a quando da passagem de testemunho no quartel de Fajunquito.
Precisamente em Paúnca, onde também se encontrava uma força do meu BCAV/8323 de Pirada, no dia da entrega dessa localidade ao PAIGC a 21-08-74 aconteceu uma situação idêntica, que se encontra escrita no jornal "OS CAVALEIROS DO GABÚ"
do BCAV/8323 com data de 05-09-74 Com o Título "FEITOS E FACTOS" e que passo a transcrever.

" Um dos factos mais importantes ocorridos no sector do Batalhão, foi, pela sua espontaneidade, oportunidade, prontidão, eficiência e significado, um acto que poucos presenciaram, mas que... há fotografias disso! Ocorreu em Paúnca, no dia em que, solenemente, se fez a entrega do Quartel e da localidade ao PAIGC 21-08-74 às 13.30 horas. Depois de uma alocução proferida pelo Exmo. Major Moniz Barreto, desceu com toda a solenidade, ao toque dos clarins,a Bandeira Portuguesa.
Acto continuo, o Furriel Reis Pires, antes ex-furriel,pois já era um elemento dos quadros do PAIGC da área, e ali presentes, subiu ao paiol, para, com a mesma solenidade, fazer hastear a Bandeira da Guiné Bissau. Começa o cerimonial. Tocam os clarins a marcha da continência. Os militares perfilam-se, e sobe a Bandeira tricolor, vermelha, verde e amarela. Quando esta ia a meia haste,parte-se a adriça, e a Bandeira fica solta, até que cai. A marcha de continência prossegue. Perplexidade. Confusão, apenas momentânea. A salvar a situação, zarpa leste o Soldado BALASTEIRO, do Pel.Rec/CCS/BCAV 8323, que estava entre os presentes, sobe ao mastro, como um gato ( um gato não o fazia...), com a adriça nos dentes. Lá no alto, passa-a pelo rodízio, e começa, imóvel na ponta do mastro, lentamente, a puxar a corda, fazendo subir a Bandeira com a mesma solenidade, enquanto os clarins tocavam a marcha de continência, perante os militares portugueses e do PAIGC, perfilados em religioso respeito. Pôs-se corda nova. A Bandeira lá ficou, ondulante e segura.

Este o facto. Inédito! Enorme!
Agora o significado: a Guiné, precisa de estruturas novas, para "subir". Mas, os Portugueses, como o BALASTEIRO, estarão sempre prontos a ajudar os seus irmãos da Guiné Independente, sem neocolonialismos, generosamente!
Bem haja o BALASTEIRO! Bem hajam os Portugueses generosos e prontos ao sacrifício, sem olhar às situações de perigo."