terça-feira, 19 de março de 2019

Guiné 61/74 - P19603: Manuscrito(s) (Luís Graça (153): Lembrando hoje o pai, o meu, o teu, o nosso pai...

1. Na poesia portuguesa a figura do pai está muito menos presente do que  a figura da mãe...

Talvez por que, durante séculos e séculos, os portugueses cresceram, não sem o pai, mas com o pai bem longe de casa, mais no mar do que na terra, a caminho das Indias e dos Brasis, lavrando o mar, construindo a primeira grande estrada da globalização, unindo os continentes, ligando povos... mas também na guerra, no exílio, na prisão, na emigração... 

As nossas mães tiveram que ser mães e pais, tiveram que nos dar o pão, o amor, a educação...para, mais tarde,  podermos pegar na trouxa e ir no encalce da figura paterna...nas navegações, na odisseia da pesca do bacalhau, no comércio marítimo, na colonização,  na guerra, no exílio, na emigração...  Foi um ciclo longo, de séculos, que estará longe de ter terminado com o chamado "fim do Império". 

Não foi por acaso que até criámos, aqui, no nosso blogue, uma série que se chama "Meu Pai, meu Velho, meu Camarada"...

Infelizmente, a nossa geração, a que fez a guerra colonial de 1961/75, já não tem os seus pais vivos... Se o fossem, seriam centenários... Mas continuamos a gostar de celebrar o Dia do Pai, todos os anos, em 19 de março... Porque "recordar é preciso", e a saudade, se não é um produto "made in Portugal", é uma palavra única, e é portuguesa... Temos saudades do nosso pai, da nossa mãe, que nos deram o ser... E queremos transmitir essa doce ideia aos nossos filhos e netos...  

Recordo-me do poema que escrevi ao meu pai, em 19 de março de 2012, no Dia do Pai, tinha ele 91 anos, e eu tive a terrível premonição de que ele já não chegaria os 92, a completar em 19 de agosto desse  ano (*)... De facto, morreria 3 semanas depois, num domingo de Páscoa.

Mas esse dia 19 de março de 2012 marcou-me também pelo "feedback" que recebi dos meus filhos e que me emocionou. Já aqui o partilhei, nessa data (*). Tomo a liberdade de o reproduzir hoje, porque continua a ser uma mensagem singela mas tocante para o Dia do Pai. Façam-na vossa, também, meus amigos e camaradas: 


"Para o nosso Pai: 

"Chegámos a casa e não parámos de chorar 
pela bonita homenagem que fizeste  ao teu Pai!

"Pai!, como consegues tocar  no coração das pessoas
com as tuas palavras, o verso curto,  
a palavra certa, o sentimento todo, 
certeiro?! 

"Pai!, como consegues adivinhar
o que sentimos nós, também,
a sofrer ao longe, mas a pensar
que os outros são fortes,
quando afinal a todos o coração enfraquece.

"Pai!, sentir o teu pai, nosso avô, a partir é triste. 
Mas foi ele, o teu pai, nosso avô, 
que disse que quem não viveu não pode viver.

"Pai!, e o avô viveu e deu a viver,
e viverá para sempre nas nossas histórias,
aquelas que tu e nós vamos contar
aos nossos filhos, sim,
por que ser avô é uma bênção,
e queremos dar-te essa alegria também.

"Pai!, toca-nos a tua sensibilidade silenciosa, 
escondida, mas forte,
pela subtileza e bondade.

"Pai!, vamos levar nas nossas vidas
a celebração da vida
através da poesia embrulhada de afetos.

"Com afeto, Joana e João

"Alfragide, 19 de Março de 2012".




2. Um poema ao pai: estou fora de casa, no Norte, ou melhor, estou em casa, no Norte (, estou sempre em casa,  no Norte!),  mas lembrei-me de partilhar com os nossos leitores, de Norte a Sul,  um dos poemas do transmontano Miguel Torga (,da terra da nossa querida Giselda Pessoa, São Martinho de Anta, Sabrosa), de que gosto muito, pela sua genial simplicidade... 

Peçam, amigos e camaradas, aos vossos filhos ou netos, que vos acompanharem no jantar desta noite, para o ler, em voz alta, à mesa, lenta, compassadamente. Saboreiem-no... porque a poesia é também para se comer e beber... E tenham um bom resto de dia do Pai, amigos e camaradas! Bebo um copo à vossa saúde, com votos de longa vida!


Bucólica

por Miguel Torga


A vida é feita de nadas:

De grandes serras paradas
À espera de movimento;

De searas onduladas
Pelo vento;

De casas de moradia
Caiadas e com sinais
De ninhos que outrora havia
Nos beirais;

De poeira;

De sombra de uma figueira;

De ver esta maravilha:
Meu Pai a erguer uma videira
Como uma mãe que faz a trança à filha.




Miguel Torga
In: TORGA, M. – Antologia poética. Coimbra, ed. autor, 1981, p. 247.

____________

Nota do editor:

(*) Vd. poste de 19 de março de 2012 > Guiné 63/74 - P9628: Meu pai, meu velho, meu camarada (25): Bo vida ta na balança... (Luís Graça)

3 comentários:

Anónimo disse...




Gostei do poema do Luís Graça e gostei do poema do Miguel Torga, conheci S. Martinho de Anta, tão pobre, só tojo, urzes e pouca vinha à volta da aldeia mas o grande escritor e poeta transmontano irá continuar a agigantar-se lá como uma árvore centenária
Um abraço

Francisco Baptista

Anónimo disse...




Gostei do poema do Luís Graça e gostei do poema do Miguel Torga, conheci S. Martinho de Anta, tão pobre, só tojo, urzes e pouca vinha à volta da aldeia mas o grande escritor e poeta transmontano irá continuar a agigantar-se lá como uma árvore centenária
Um abraço

Francisco Baptista

Anónimo disse...

Só agora vi e li este tão sensivel poste sobre o dia do pai!
Deixei de ver o Blogue às 17 horas, foi pena, porque poderia ter outro efeito, mas já veio um pouco tarde. Já terminaram as celebrações desta efeméride, mas fica a sensação, ainda presente de e fica o coração cheio, são pieguices de velho, paciência!
Já dei uma olhada aos postes de 2012, fico com a sensação que nunca acarinhei assim o meu pai!
Também tive uma vez a premonição da chegada da morte do meu pai, com 78 anos, em 2 de Junho de 1995. Tinha feita uma festa total de familia em 29 Janeiro de 1993 - os meus 50 anos. Tudo bem. Depois fiz a maior festa com mais familia, em 25 de Maio de 1995, 2 anos depois, fazia então os meus 25 anos de casado. O meu pai, e também a minha mãe não estiveram presentes, ele não se sentia bem, estava a passar por uma doença que nunca soubemos o que era, ele não nos contava nada. Eu tinha aquela sensação que as coisas não iam muito para além desse ano, mas só foi preciso passar apenas uma semana e acaba por morrer no Hospital Santo António. Foi um choque imenso, apesar das relações pai e filho não serem as mesmas que hoje tenho com os meus filhos. Era militar de carreira, não existiam afectos de parte a parte, ou, havia poucos afectos, agora não importa falar disso. Ou não quero falar, já quase se passaram 24 anos. Depois foi a minha mãe, e acabou a familia.
Eu tenho um coração duro, mas tenho uma sensibilidade enorme, queria as coisas de outra forma, mas nada era como aquilo que eu queria. Fiz a minha vida à minha custa, nunca obti nada de especial dos meus pais, recordo-os todos os aniversários da sua morte, sinto um vazio dentro de mim, e não sei explicar o que se passa.
Se amanhã tiver mais cabeça,talvez voltemos ao assunto, por hoje é tudo.
Espero que todos tenham recebido igual ou melhor do que recebi de afecto dos meus filhos.
O Dia do Pai! Não será também, ou só apenas mais um dia comercial?

O Vosso camarada e amigo,

Virgilio Teixeira