domingo, 14 de abril de 2019

Guiné 671/74 - P19679: Jorge Araújo: Ensaio sobre as mortes por afogamento no CTIG: Parte I - Corpor 'recuperados' e 'não recuperados'


 Foto 1 > Guiné > 1965 > Fuzileiro especiais durante uma operação militar,   com percurso na água,  [foto retirada da Net, com a devida vénia: sítio Lugar do Real: autor não identificado; recolhida por Sara Viana Caseiro; cedida por Manuel de Sousa Caseiro].



Foto 2  > Guiné > 1966 > Manuel de Sousa Caseiro, fuzileiro especial, natural de Antas, concelho de Esposende, atravessa, com outros militares, um rio, na Guiné, durante uma operação militar. [Foto retirada da Net, com a devida vénia: sítio Lugar do Real: autor não identificado; recolhida por Sara Viana Caseiro; cedida por Manuel de Sousa Caseiro].





Jorge Alves Araújo, ex-Fur Mil Op Esp/Ranger, CART 3494 (Xime-Mansambo, 1972/1974); coeditor do blogue desde março de 2018


ENSAIO SOBRE AS MORTES POR AFOGAMENTO DE MILITARES DO EXÉRCITO DURANTE A GUERRA NO CTIG (1963-1974):  Parte I - CORPOS 'RECUPERADOS' E 'NÃO RECUPERADOS' 





1. INTRODUÇÃO


Como sobrevivente no naufrágio tido pela minha secção (+) do 1.º Gr Comb da CART 3494 (1972-1974), no qual participou também o camarada Cap Art [hoje Cor] Pereira da Costa, de que resultaram, lamentavelmente, três baixas, duas das quais não recuperadas, ocorrido em 10Ago1972 (5.ª feira), no rio Geba, na zona do Xime, por influência do «macaréu» [P10246 e P13482], tomei a iniciativa de proceder a um "ensaio", quantitativo e qualitativo, sobre o número de militares do Exército que morreram afogados nos diferentes planos de água existentes na Guiné, durante o conflito armado (1963-1974), dividindo-o em dois grupos: "recuperados e "não recuperados" e as suas Unidades.

Com efeito, o levantamento que hoje trago ao conhecimento do fórum é resultado dessa pesquisa, efectuada através da consulta a diferentes fontes, entre oficiais e não oficiais. Porque se trata, como foi referido, de um "ensaio", este apuramento pode vir a ser alterado em função de outras colaborações e/ou informações complementares que possam, eventualmente, surgir após a avaliação realizada por cada um de vós.

Por razões metodológicas e estruturais do presente trabalho, nesta primeira parte não se referem os nomes dos naufragados em cada uma das diferentes ocorrências, opção que será alterada a partir da segunda parte, com a identificação das Unidades que não conseguiram recuperar os corpos dos seus náufragos [último quadro desta parte I], bem como a descrição, a possível, do contexto em que as mesmas tiveram lugar.


2. A HIDROGRAFIA DA GUINÉ-BISSAU

A grande maioria da actividade operacional das NT era planeada e executada em função da geografia e hidrografia de cada local. Cada situação era um caso particular, pois o seu território, constituído por zonas do litoral e do interior, apresenta-se mapeado por uma linha (a do limite das marés) dividindo-o em duas zonas hidrograficamente distintas, que influenciavam a mobilidade daqueles que nelas tinham de circular, desafiando a vida de cada um, com particular incidência dos menos preparados e dos mais descuidados.

De acordo com a literatura consultada, a primeira, a do litoral, é a zona das planícies, das rias, dos vales muito largos, invadidos pelas marés de água salgada, enquanto a segunda, para o interior, só existem rios de água doce, não navegáveis, devido às cheias e rápidos.



Foto 3 > Guiné-Bissau > Região de Bafatá > Saltinho > Rio Corubal > 18 de Abril de 2006, dia 8 (da viagem Porto-Bissau) > 19h16 > Os banhistas de fim da tarde. Foto do nosso amigo e grã-tabanqueiro Hugo Costa.

Foto (e legenda): © Hugo Costa / Albano Costa (2006). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Lu+is Graça & Camaradas da Guiné]


Esta linha marca o limite da navegação e separa os tipos de vegetação. Há uma área enorme - cerca de 4.000 Km2, mais de 10% da totalidade do território - que fica coberta de água, o que ocorre entre a praia-mar e a baixa-mar, cuja amplitude chega a ser próxima dos 7 metros, em alguns locais. Durante as "marés da conjunção", encontro das águas dos rios com a praia-mar, observa-se nos rios Geba e Corubal - o mais extenso da Guiné - o chamado fenómeno do "macaréu", que consiste numa grande onda, como um depósito de água corrente que, num instante, enche o leito do rio que transborda e inunda de água salgada extensas zonas das baixas margens daqueles rios. 

No interior das rias existem portos naturais e a extensão das vias navegáveis, por navios de longo curso, é da ordem dos 300Km. Nas vias iluviais, a navegação faz-se em cerca de 950Km. As principais são o Cacheu, Mansoa, Rio Grande de Buba, Tombali, Cumbijã e Cacine. No Geba, que termina pela chamada ria de Bissau, situa-se o porto natural da capital. Os cursos de água da zona interior, ao contrário do que acontece na zona do litoral, não têm água salgada, por não chegar a eles o efeito das amplas marés; são de caudal muito variável ao longo do ano, reduzindo-se na época seca de tal forma que, muitos dos rios secundários deixam de ter água. A existência de rápidos [foto acima] só permite que sejam navegáveis em pequenas extensões. As três principais bacias hidrográficas são a do Cacheu, do Geba e do Corubal. A Guiné apresenta ainda, principalmente na época das chuvas, importantes lagoas que cobrem extensas áreas de terrenos planos e desaparecem, em geral, na época seca.

No interior das rias existem portos naturais e a extensão das vias navegáveis, por navios de longo curso, é da ordem dos 300Km. Nas vias iluviais, a navegação faz-se em cerca de 950Km. As principais são o Cacheu, Mansoa, Rio Grande de Buba, Tombali, Cumbijã e Cacine. No Geba, que termina pela chamada ria de Bissau, situa-se o porto natural da capital. Os cursos de água da zona interior, ao contrário do que acontece na zona do litoral, não têm água salgada, por não chegar a eles o efeito das amplas marés; são de caudal muito variável ao longo do ano, reduzindo-se na época seca de tal forma que, muitos dos rios secundários deixam de ter água. A existência de rápidos [foto acima] só permite que sejam navegáveis em pequenas extensões. As três principais bacias hidrográficas são a do Cacheu, do Geba e do Corubal. A Guiné apresenta ainda, principalmente na época das chuvas, importantes lagoas que cobrem extensas áreas de terrenos planos e desaparecem, em geral, na época seca.


3.  OS DADOS DO "ENSAIO" – QUADROS ESTATÍSTICOS 

Partindo da coleta de dados apurada, o tratamento estatístico que seguidamente se dá conta está representado por quadros de distribuição de frequências, simples e acumuladas, conforme se indica em cada um dos títulos. Cada quadro relata os valores quantitativos de cada um dos elementos das variáveis categóricas ou quantitativas relacionadas, tendo em consideração os objectivos que cada contexto encerra.



Quadro 1 – Da análise ao quadro supra, verifica-se que o número total de militares do Exército que morreram por afogamento no CTIG (1963-1974), e que constituíram a população deste estudo, é de 144.

 Verifica-se, também, que desse total, 113 (78.4%) eram soldados; 22 (15.3%) 1.ºs cabos; 7 (4.9%) furriéis; 1 (0.7%) 2.º sargento e 1 (0.7%) major. Quanto aos anos em que se registaram maior número de casos: em 1.º lugar está o de 1969, com 51 (35.4%) mortos. 

Para esta cifra contribuiu significativamente o episódio da «Jangada de Ché-Che», ocorrido em 06Fev1969, no Rio Corubal, com 47 mortos. Em 2.º lugar está o ano de 1965, com 20 (13.9%) mortos, dos quais 8 pertenciam ao PMort 980 registados na sequência do acidente no Rio Cacheu, em 05Jan1965, durante a «Operação Panóplia». No ano de 1972, verificou-se um outro acidente, o 3.º, desta vez no Rio Geba, em 10Ago1972, envolvendo o 1.º GrComb da CArt 3494, com 3 mortos.




Quadro 2 – Da análise ao quadro supra, verifica-se que o número total de militares do Exército que morreram por afogamento no CTIG (1963-1974) cujos corpos não foram recuperados é de 63 (43.8%). 

Verifica-se, também, que desse total, 48 (76.2%) eram soldados; 10 (15.9%) 1.ºs cabos; 4 (6.3%) furriéis e 1 (1.6%) 2.º sargento. Quanto aos anos em que se registaram maior número de casos: estes correspondem aos mesmos indicados no quadro 1, ou seja: 1969 com 49 (77.8%) casos, 47 dos quais relacionados com a «Jangada de Ché-Che», no Rio Corubal; 1965 com 4 (6.3%) casos, 3 dos quais na «Operação Panóplia», no Rio Cacheu, e 1972 com 3 (4.8%) casos, sendo 2 no Rio Geba (CArt 3494) e 1 no Rio Cacheu (CArt 3417).



Quadro 3 – Da análise ao quadro supra, verifica-se que o número total de militares do Exército que morreram por afogamento no CTIG, durante o 1.º triénio (1963-1965) é de 34 (23.6% do total). 

Verifica-se, também, que desses, 24 (70.6%) eram soldados, 6 (17.6%) 1.ºs cabos, 3 (8.8%) furriéis e 1 (3.0%) 2.º sargento. O número de corpos não recuperados neste período foi de 7 (20.6%). O número de Unidades Militares que contabilizaram estas perdas foi de 24. 


Quadro 4 – Da análise ao quadro supra, verifica-se que o número total de militares do Exército que morreram por afogamento no CTIG, durante o 2.º triénio (1966-1968) é de 27 (18.8% do total). 

Verifica-se, também, que desses, 25 (92.6%) eram soldados e 2 (7.4%) furriéis. O número de corpos não recuperados nesse período foi de 3 (11.1%). O número de Unidades Militares que contabilizaram essas perdas foi de 24, número igual ao período anterior (quadro 3).



Quadro 5 – Da análise ao quadro supra, verifica-se que o número total de militares do Exército que morreram por afogamento no CTIG, durante o 3.º triénio (1969-1971) é de 63 (43.7% do total). 

Verifica-se, também, que desses, 49 (77.8%) eram soldados; 11 (17.4%) 1.ºs cabos; 2 (3.2%) furriéis e 1 (1.6%) major. O número de corpos não recuperados nesse período foi de 50 (79.4%). O número de Unidades Militares que contabilizaram essas perdas foi de 18, menos 6 do registado nos anteriores trimestres (quadros 3 e 4).



Quadro 6 – Da análise ao quadro supra, verifica-se que o número total de militares do Exército que morreram por afogamento no CTIG, durante o 4.º triénio (1972-1974) é de 20 (13.9% do total). 

Verifica-se, também, que desses, 15 (75%) eram soldados e 5 (25%) 1.ºs cabos. O número de corpos não recuperados nesse período foi de 3 (15%). O número de Unidades Militares que contabilizaram estas perdas foi de 18, menos 6 do registado nos dois primeiros triénios (quadros 3 e 4) e igual ao triénio período anterior (quadro 5). 



Quadro 7 – Da análise ao quadro supra, verifica-se que o número total de militares do Exército que morreram por afogamento no CTIG (1963-1974) cujos corpos não foram recuperados é de 63 (43.8% do total).

 Quanto aos corpos não recuperados, verifica-se que a CCaç 1790, com 26 (41.3%) casos, e a CCaç 2405, com 19 (30.1%) casos, foram as Unidades Militares que contabilizaram maior número, sendo estes consequência do acidente da «Jangada de Ché-Che» em que elementos das duas Companhias de Caçadores estiveram envolvidos. Segue-se o PMort 980, com 3 corpos não recuperados, no Rio Cacheu, na «Operação Panóplia", e a (minha) CArt 3494, com dois, no Rio Geba (Xime), durante uma missão, não cumprida, a Mato Cão, situado na margem direita desse rio. Das 16 Unidades Militares que não conseguiram recuperar os corpos dos seus naufragados, 11 (17.5%) tiveram apenas um caso.

Nota:

Em função das fontes consultadas, não nos foi possível completar todas as variáveis categóricas, como é o exemplo dos locais (n/n) de alguns afogamentos. Caso alguém disponha de informações mais precisas, faça o favor de dizer.

Por outro lado, considerando que são referidos nomes de rios, que desconheço, transcritos como o indicado nos documentos oficiais, é possível que alguns deles contenham erros ortográficos. Aguardo a sua correpção.

Continua…

Fontes consultadas:

Estado-Maior do Exército; Comissão para o Estudo das Campanhas de África (1961-1974). Resenha Histórico-Militar das Campanhas de África; 6.º Volume; Aspectos da Actividade Operacional; Tomo II; Guiné; Livro I; 1.ª edição, Lisboa (2014); pp 16-17.
Estado-Maior do Exército; Comissão para o Estudo das Campanhas de África (1961-1974). Resenha Histórico-Militar das Campanhas de África; 8.º Volume; Mortos em Campanha; Tomo II; Guiné; Livro 1; 1.ª edição, Lisboa (2001); pp 23-569.
Estado-Maior do Exército; Comissão para o Estudo das Campanhas de África (1961-1974). Resenha Histórico-Militar das Campanhas de África; 8.º Volume; Mortos em Campanha; Tomo II; Guiné; Livro 2; 1.ª edição, Lisboa (2001); pp 23-304.

Outras: as referidas em cada caso.

Termino, agradecendo a atenção dispensada.

Com um forte abraço de amizade e votos de muita saúde.

Jorge Araújo.

01Abr2019.

8 comentários:

Tabanca Grande Luís Graça disse...

Jorge: aqui vão os nossos parabéns, mais um valioso trabalho de pesquisa sobre o TO da Guiné (1961/74)...

É inscrível que tenham morrido tantos camaradas nossos, por afogamento...Boa parte deles por certo não sabia nadar... Nem o exército se terá preocupado com o seu treino de competências em natação... Mesmo os fuzileiros... Será que todos sabiam nadar ?

Na Guiné todos os cursos de água eram traiçoeiros... LG

Tabanca Grande Luís Graça disse...

vd. também trabalho anterior do nosso colaborador permanente José Martins:

27 DE ABRIL DE 2014
Guiné 63/74 - P13054: Aqueles que nem no caixão regressaram (8): Terão morrido, no CTIG, entre 1963 e 1974, 143 combatentes nossos, por afogamento (6,9% do total de mortos) (José Martins)

António J. P. Costa disse...

Olá Camaradas

Creio que também seria necessário observar as características dos rios da Guiné e das correntes (violentíssimas) das águas que invadiam as áreas alagadiças.
Como sabem a morte por afogamento não é comum entre os nascidos e criados na Guiné.
Sabemos que houve elementos do In que "desapareceram"nas cambanças ou ao atravessar os rios em dongos.

Um Ab.
António J. P. Costa

Valdemar Silva disse...

Julgo que nos anos 60 pouca rapaziada sabia nadar.
Nesses tempos, podiam se contar aqueles que nas praias da Costa do Estoril e da Caparica saíam a nadar para fora de pé.
Passei, dos 16 aos 20 anos, férias em Troia no tempo do campismo selvagem, e dos sete que nós eramos só dois sabiam nadar.
Eu, com as lições do fur.mil.Pechincha, só me aventurei, já com 24 anos, a nadar fora de pé no rio Geba, em Contuboel, na Guiné. Quando fomos a primeira vez à piscina de Bafatá, já nadei sem medo.

Portgual um país de pescadores e marinheiros poucos sabiam nadar.
Coitados dos que morreram afogados.

Valdemar Queiroz

Juvenal Amado disse...

Grande trabalho de recolha que se junta a outros que o nosso camarada Jorge Araújo nos tem trazido aqui.
Aliás o ex furriel Jorge Araújo foi participante do cruzeiro que fizemos de Bissau até Lisboa no Niassa e fez anos à dias desembarcá-mos .

Um abraço

Anónimo disse...

Ao ler os comentários acerca dos militares que não sabiam nadar, mais uma vez, em pensamento fui levado até Cobumba. Certo dia estando alguns elementos da nossa companhia a falar das dificuldades que sempre existiam quando era necessário atravessar alguns rios já que a esmagadora maioria não sabia nadar, eu pertencia a essa maioria, estavam junto a nós uns meninos da tabanca que se fartaram de rir por nós não sabermos nadar. Para eles era estranho, não sei o que terão pensado, mas talvez como éramos atrasados, no que a esse assunto dizia respeito até tinham razão. Foi algo que me marcou que não mais esqueci

António Eduardo Ferreira

Anónimo disse...

Caro Camarada Juvenal Amado, e restante auditório.

Pois é verdade... no passado dia 4Abr fez quarenta e cinco anos que regressámos, por via marítima, do nosso "ERASMUS", a bordo do Niassa. Passados estes anos, ainda recordamos algumas das muitas experiências (práticas) vividas naqueles tempos cada vez mais longínquos.
Fez parte do nosso processo e projecto de vida... ainda que, para alguns jovens, como nós, eles tenham sido curtos, lamentavelmente, como é o caso da presente narrativa (levantamento).
Cada um de nós vai pensando "a sua prática", ou seja, vai procurando dar valor, e sentido, a cada uma das diferentes práticas desta passagem terrena, sempre efémera, na busca do ainda-por-fazer. Em todas as dimensões da nossa vida, a prática ou transforma, ou... não é prática.
É isso que ainda continuamos a fazer, por exemplo, nas redes sociais de que a nossa «TABANCA» é um meio... e uma prática.

Quando concluir alguns textos que tenho em mãos, farei uma pequena síntese histórica de como nasceu e se desenvolveu a natação em Portugal.

Boa semana para todos.
Com um forte abraço de amizade.
Jorge Araújo.

paulo santiago disse...

Em Agosto/70,ainda não estava no Saltinho,só lá cheguei em Outubro.O quartel,naquela data ainda não tinha balneário,só veio a ter em 71.No mês de Agosto,época das chuvas,o caudal do Corubal,era avassalador e com corrente fortíssima.Aquela ponte submersível,e aquelas rochas da foto acima,ficavam submersas em vários metros de água.Havia um canto onde,com cuidado,se podia tomar um "banho fula",nada de nadar,nada de mergulhar.Segundo me contaram,o 1º Cabo da CCAÇ 2701,mergulhou e foi de imediato arrastado pela corrente.Andou por lá um heli mas o corpo não foi recuperado.

Paulo Santiago