segunda-feira, 21 de setembro de 2020

Guiné 61/74 - P21379: (In)citações (168): Por favor não misturem as instituições, o Movimento Nacional Feminino e a Cruz Vermelha Portuguesa (José Belo, régulo da Tabanca da Lapónia)



Logo da CVP. Cortesia da Wikipedia


1. Mensagem de José Belo, régulo da Tabanca da Lapónia:

 
Date: domingo, 20/09/2020 à(s) 07:24
Subject: Cuidados a serem usados quanto a misturas de instituições


Caro Luís:
 
Dentro do espírito do texto "Não há só dinossauros na Lourinhã "...

Deverá haver cuidados vários quanto a não misturar, ou mesmo associar, o Movimento Nacional Feminino com a Cruz Vermelha Portuguesa. (*)

A criação, estatutos, objetivos, em muito ultrapassavam, e felizmente ainda hoje ultrapassam, a criação e os objetivos do MNF [, Movimento Nacional Feminino].

O MNF,  criado com o fim de propagandear e apoiar o esforço de guerra de um regime. No período referido, um regime retrógrado de ditadura.

Muito se pode debater a figura (carismática?) da Senhora de Supico Pinto e os seus passeios pela Guiné. Assunto certamente tão interessante para as novas gerações como (ou menos),as descrições  de dinossauros.

Para os que "viveram" a guerra da Guiné, quase escreveria os "dinossauros", colocam-se as seguintes perguntas:

(i) Por muito boas que fossem as intenções dos passeios da Senhora de Supico Pinto, quais os seus resultados práticos?

(ii) Quais as melhorias reais obtidas para o dia a dia dos militares visitados?

Certamente que algumas "plumas coloridas" terão adornado as folhas de serviço dos militares organizadores, acompanhantes, e não menos dos  (alguns!) de...alta-graduação.
 
Quanto ao resto lá caímos nas ...Caridadezinhas! (**)

Um abraço,

J. Belo

2. Comentário anterior do editor LG (*):


Temos falado aqui do papel, mais "mediático",  do Movimento Nacional Feminino (que teria, no seu auge, cerca de 80 mil mulheres inscritas), no apoio psicossocial aos combatentes e suas famílias... 

Papel que numa fase inicial (, com o início da guerra em Angola), substituiu a instituição militar nesse apoio,,,, O Exército não tinha pessoal especializado para exercer essas tarefas... Parece que fomos todos apanhados com os "acontecimentos de 1961", quando havia sinais por todo o lado de que o "terrorismo", a "subversão", os "ventos da história", o "nacionalismo" dos povos africanos e asiáticos, o "anticolonialismo", etc,.também chegariam à(s) nossa(s) porta(s)...

Mas temos ignorado a secção feminina da Cruz Vermelha Portuguesa, que apoiou sempre os feridos, os deficientes e os prisioneiros... Esta instituição teve menos visibilidade na comunicação social...E as suas missões eram mais discretas, se não mesmo "secretas" (no caso dos prisioneiros)...

A Cecília Supico Pinto ocupou a ribalta, ofuscou o papel, discreto mas valioso, de outras mulheres... Por analogia com o "eucalipto", poder-se-ia dizer que secou tudo à sua volta... E no entanto irá criticar, no fim da sua vida, a sua biógrafa por falar "excessivamente" da Cilinha... Autocrítica serôdia ?!...

3. Comentário de António J. Pereira da Costa:

Olá,  Camaradas

Mesmo estando a "gastar cera com ruins defuntos", venho recordar que o Movimento Nacional Feminino nunca teve nem no seu auge, nem no sei fim cerca de 80 mil mulheres inscritas.
Se assim fora,  a sua acção teria sido mais eficaz e visível.

No apoio psico-social aos combatentes e suas famílias os resultados foram pobres, como se sabe. Talvez numa fase inicial (no início da guerra em Angola), tenha substituído a instituição militar, mas pontualmente.

O Exército não tinha pessoal especializado para exercer essas tarefas (e nunca teve), mas o MNF também se "desgastou" depressa. Meios materiais também eram escassos e, sendo caros... era necessário embaratecer a guerra, como sabemos.

Fomos todos apanhados com os "acontecimentos de 1961", quando havia sinais por todo o lado de que o "terrorismo", a "subversão", os "ventos da história", o "nacionalismo" dos povos africanos e asiáticos, o "anticolonialismo", etc,.também chegariam à nossa porta...
É isto que é indesculpável, mas foi assim!

Nunca dei pela acção da secção feminina (ou masculina)  da Cruz Vermelha Portuguesa, mas admito que tenha apoiado os feridos, os deficientes e os prisioneiros... Como? Não sei. Admito que as suas missões fossem discretas, se não mesmo "secretas" (no caso dos prisioneiros)... Era interessante esclarecer esta questão e qual a atitude do Governo para com ela.

A Cecília Supico Pinto ocupou a ribalta, ofuscou o papel, discreto mas valioso, de outras mulheres(?)... Quais?

Pelos apoios de que dispunha e pela necessidade do Regime se mostrar apoiado pelas "mulheres portuguesas", foi sempre apresentada como exemplo a seguir, numa manobra de propaganda, pura e simples, que não teve qualquer resultado palpável.

Quem não a viu ou não sentiu a sua acção (a grande maioria), só se deixou enganar com a manobra se desistiu de observar.

Como, já disse, cumpriu o seu papel histórico e nada mais.

4. Comentário de Manuel Carvalho (*):

Caros camaradas,

Um amigo da Tabanca de Matosinhos e do meu Batalhão que foi ferido e passou algum tempo no Hospital Militar em Bissau diz que a Dona Maria Helena Spínola que era a Presidente da Cruz Vermelha na Guiné e nessa qualidade ia muitas vezes ao Hospital visitar os doentes e levava revistas, tabaco, livros e ia perguntando pelos problemas de cada um e ele como tinha sido evacuado por ferimentos estava sem dinheiro, não demorou muitos dias a aparecer lá o 1º Sargento da Companhia e levar-lhe algum dinheiro. 

Todos sabemos que alguns prisioneiros foram libertados por ação da Cruz Vermelha e esta Senhora terá tido alguma influência nisso certamente. 

Estas duas Senhoras, cada uma com o seu estilo,  tiveram na minha opinião uma atividade muito importante no sentido de minorar o sofrimento,  principalmente das nossas Praças que ganhavam miseravelmente mal e qualquer ajuda por pequena que fosse era sempre bem vinda daí a popularidade da Dona Cecília.

7 comentários:

Anónimo disse...

Com deficiências permanentes,físicas ou psicológicas,as baixas foram...15.507.

O Hospital da Cruz Vermelha foi inaugurado em Fevereiro de1968 e teve a sua origem na Casa de Saúde de Benfica,construída pela Cruz Vermelha Portuguesa para dar resposta,na avaliação,diagnóstico e tratamento dos doentes com graves ferimentos sofridos na guerra colonial,desenvolvendo as áreas da traumatologia e neurocirurgia.

Com um longo historial de apoio à instituição militar na Grande Guerra,Flandres e África (Principalmente Moçambique),as suas origens anteriores à ditadura tornavam a Cruz Vermelha mais discreta e menos comprometida politicamente ,como o era o Movimento Nacional Feminino.
De qualquer modo não deixava de depender diretamente do governo e sais diretrizes.

O número de mortos,feridos e incapacitados (físicos e psíquicos) da guerra é algo que ,aparentemente nada diz às novas gerações.
Mas talvez a culpa não seja só deles.
Escreveu Maria M.Cruzeiro em -Um silêncio demasiado ruidoso :

“Por um complexo jogo de luz e sombras,rasuramos do longo passado episódios infelizes,atirando sobre eles sucessivas camadas de silêncio.
Compensamos essa ausência com fogos-fátuos de uma mitologia delirante “.

Um abraço
J.Belo

Tabanca Grande Luís Graça disse...

Recorde-se que foi no Hospital da Cruz que António de Oliveira Salazar foi operado, há 52 anos, no dia 6 de setembro de 1968, depois de ter sido internado de urgência na vésperia, na sequência de um hematoma provocado pela queda de uma cadeira de lona, ocorrida um mês, quando estava de férias, em 3 de agosto, no Forte de Santo António do Estoril.

Calculou o Exoresso que a doença de Salazar custou ao Estado o equivalente hoje a 1,5 milhões de euros.

Recorde-se que o Hospital da Cruz Vermelho não era público...

https://expresso.pt/dossies/dossiest_actualidade/doss_salazar_40_anos/doenca-de-salazar-custou-ao-estado-mais-de-15-milhoes-de-euros=f595975

Tabanca Grande Luís Graça disse...

Salazar não era um português como os outros:

(...) Oliveira Salazar foi internado no dia 6 de Setembro de 1968 no Hospital da Cruz Vermelha, onde foi submetido de urgência a uma intervenção cirúrgica. A governanta de Salazar, D. Maria de Jesus Freire, manifestou o desejo que fosse no Hospital de Jesus, em Lisboa. A opção dos médicos, ditada sobretudo pelo chefe da equipa de cirurgia, Vasconcelos Marques, recaiu sobre a Cruz Vermelha. Este era, na altura, "talvez o hospital mais bem apetrechado e onde Vasconcelos Marques operava habitualmente a sua clínica particular" - explicou numa entrevista ao Expresso Maria Cristina Câmara, que fazia parte da equipa, como anestesista. (...)

https://expresso.pt/dossies/dossiest_actualidade/doss_salazar_40_anos/o-ventilador-que-salvou-a-vida-de-salazar=f596480

https://expresso.pt/dossies/dossiest_actualidade/doss_salazar_40_anos/o-ventilador-que-salvou-a-vida-de-salazar=f596480

Tabanca Grande Luís Graça disse...

Ironicamente foi um "ventilador sueco" que terá salvo a vida de Salazar....


(...) Salazar ficou internado no quarto nº 68, protegido por uma brigada da PIDE, enquanto o Governo decretou censura total. Quando entrou em coma, o hospital comprou um ventilador sueco, bem como uma cama especial.(...)

https://expresso.pt/dossies/dossiest_actualidade/doss_salazar_40_anos/o-ventilador-que-salvou-a-vida-de-salazar=f596480

Manuel Carvalho disse...

A propósito das muitas dificuldades por que passavam alguns camaradas nossos, principalmente aqueles que ganhavam menos, havia um fulano na minha companhia que do orçamento dele só bebia uma cerveja por mês e porquê? Ele era casado tinha dois filhos o ordenado de Soldado eram cerca de seiscentos escudos para dar para tudo tinha de fazer muita ginástica e beber muita água que lá era de péssima qualidade. Quando o homem ia beber aquilo era anunciado com antecedência (tal dia e hora fulano vai beber a cerveja)havia um ajuntamento ele sentado numa lata ia bebendo saboreando pausadamente e o pessoal á volta ria comentava batiam palmas a cada golada. Depois havia um ou outro que lá lhe pagava uma cervejita e era assim a vida.

Um abraço

Manuel Carvalho

Tabanca Grande Luís Graça disse...

Manel,quando regressei da Guiné, em março de 1971, fiquei uns tempo pela santa terrinha e arranjei um emprego nas finanças (. Acabei por terminar a minha carreira, na Direção Geral das Contribuições e Impostos, no Centro de Estudos Fiscais, na sede, em Lisboa, como técnico superior, 15 anos depois, ingressando entretanto no ensino superior...)

Lembro-me de uma cena pungente, que se repetia todos os meses: um conterrâneo meu, que eu não conhecia, ia levantar à Tesouraria das Finanças lá da terra, a sua "pensão de sangue": era deficiente das Forças Armadas, tinha perdido uma perna, numa mina A/C, possivelmente na Guiné... Ele não vivia na vila, mas numa aldeia dos arredores. Usaba uma prótese e deslocava-se de motorizada. A prótese vinha atada na motorizada. Quando chegava, enconstava a motorizada na parede do edifício (que era contíguo edifício do tribunal da comerca e ao notariado)... "Aparafusava" a prótese ao coto (da perna amputada, muito aciam do joelho), dava um jeito ao cabelo e subia um lanço de escudas, com cerca de meia dúzia de degraus, subindo até ao 1º andar... Com enorme dignidade, sem uma única palavra, bom dia ou boa tarde... Recebia a massa das mãos do tesoureiro (que se há de suicidar depois do 25 de Abril...), e fazia o percurso inverso... Chegava à motorizada e desaparafusava a prótese, voltando-a a prendê-la na parte de detrás da mororizada... Era a sua companheira...

Nunca falei com ele, mas aquela cena, todas as vezes que a via, era um murro no estômago...

Fernando Ribeiro disse...

Desculpem esta minha intervenção, mas permitam-me uma nota de caráter estritamente pessoal. O Hospital de Jesus, onde a governanta de Salazar queria que o ditador fosse operado, foi o hospital em que eu, com dez anos de idade, fui submetido a duas intervenções cirúrgicas aos olhos. Eu sofria de um acentuadíssimo estrabismo, que foi quase totalmente resolvido, mas nunca consegui ter uma visão binocular. Ambos os meus olhos estão perfeitamente funcionais, mas só vejo com um olho de cada vez. Não tenho, por isso, visão tridimensional, nem sei o que isso é. Nada disto impediu que eu malhasse com os cornos na guerra em Angola. O Hospital de Jesus ficava (e fica) mesmo ao lado da igreja das Mercês, muito perto, portanto, de S. Bento.