Adega do Zé de Remondes |
1. Mensagem do nosso camarada Francisco Baptista (ex-Alf Mil Inf da CCAÇ 2616/BCAÇ 2892 (Buba, 1970/71) e CART 2732 (Mansabá, 1971/72), autor do livro "Brunhoso, Era o Tempo das Segadas - Na Guiné, o Capim Ardia", com data de 6 de Outubro de 2020 com mais uma memória de Brunhoso:
No tempo das candeias quase todos os bens alimentares se guardavam nas despensas que pela sua situação um pouco abaixo do rés-do-chão, tinham uma temperatura amena, quer no inverno quer no verão, propicia à sua conservação.
Lembro-me que os grandes pães de trigo e de centeio, cozidos no forno de lenha pela minha mãe, se conservavam por muito tempo, quinze dias. A maioria dos outros produtos conservavam-se durante um ano, o melhor prazo para os lavradores já que as colheitas eram anuais.
O vinho guardado em pipas de carvalho durava um ano, por vezes começava a "atirar" ou envinagrar pois os lavradores não lhe punham conservantes ou por não os conhecerem ou porque bebendo-o todos os dias não se davam conta da acidez que aumentava gradualmente.
O presunto dos porcos caseiros, depois de curado, duraria muitos anos mas os porcos eram mortos à medida da necessidade anual de cada família. O presunto que combina bem com o vinho, tal como ele, guardado, numa boa adega, em condições ideais, durante alguns anos melhora a qualidade.
O presunto dos porcos caseiros, depois de curado, duraria muitos anos mas os porcos eram mortos à medida da necessidade anual de cada família. O presunto que combina bem com o vinho, tal como ele, guardado, numa boa adega, em condições ideais, durante alguns anos melhora a qualidade.
O toucinho, a parte mais gorda e menos nobre do porco atingia o seu melhor paladar na transição do Verão para o Outono, no tempo das sementeiras. O azeite era lá guardado em grandes talhas de barro ou de cimento, para consumo da casa, o excedente era vendido, com mais de um ano ficava velho e podia ganhar ranço.
Os salpicões e as linguiças, depois de passarem algum tempo no fumeiro, eram guardadas em talhas de barro com azeite.
Na despensa guardavam-se ainda as batatas e as cebolas, e guindas penduradas em cacho. O queijo era guardado em armários de rede fina, por causa das moscas e mosquitos. A "gradura", casulas, feijões, o grão de bico, os "chicharros", ou feijão frade também tinham lá lugar pendurados em sacos ou dentro de arcas de madeira.
As castanhas eram igualmente guardadas em talhas de barro e conservavam-se sãs até ao Verão.
Para alguns lavradores, a despensa era também um local de convívio ocasional para onde convidavam alguns amigos a beber um copo acompanhado com pão, azeitonas, cebola ou até mesmo presunto.
Até à instalação da eletricidade nessas aldeias, já tarde, no século anterior, as dispensas, também assim chamadas, eram indispensáveis, passe o pleonasmo, depois continuaram a ser utilizadas por muitos, pois sabiam que não havia melhor frigorífico, embora tenham adquirido também um eléctrico para alimentos mais frescos.
Em Brunhoso na adega ou despensa do Zé, tive convívios agradáveis com bons acepipes caseiros. Porém as fotografias que acompanham este texto, foram tiradas na adega do Zé de Remondes que tem também sempre bom vinho, presunto, e outros petiscos para os amigos.
Só quem já foi a uma adega destas, um pouco abaixo do nível do chão, e longe na idade e longe da cidade, beber dois copos de vinho e petiscar, sabe avaliar quanto é bom reviver o passado.
As fotos retratam em parte as despensas do passado, pois embora o espaço seja o mesmo, agora há uma miscelânea de coisas antigas e modernas.
Antigamente não havia plásticos de qualquer feitio, para acondicionar os produtos havia recipientes de barro, madeira, vime e alguns de cimento.
A funcionar há dezenas de anos como adega-despensa, agora para o José é também um museu onde guarda objetos caseiros e ferramentas agrícolas que herdou dos pais e avós e um espaço para arrumar outros bens mais actuais.
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Nota do editor
Último poste da série de 7 de fevereiro de 2018 > Guiné 61/74 - P18294: Brunhoso há 50 anos (13): Viagens de comboio ao Porto (Francisco Baptista, ex-Alf Mil da CCAÇ 2616 e CART 2732)
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Nota do editor
Último poste da série de 7 de fevereiro de 2018 > Guiné 61/74 - P18294: Brunhoso há 50 anos (13): Viagens de comboio ao Porto (Francisco Baptista, ex-Alf Mil da CCAÇ 2616 e CART 2732)
9 comentários:
Caro Amigo e Camarada.
(E,não menos,companheiro na colónia de “férias” que foi a nossa Buba!)
Com os textos consegues criar insinuante nostalgia.
Não feita das amarguras tão frequentes nos menos jovens como nós,mas antes como calor envolvente surgido de cinzas ainda ardendo.
Sente-se a aceitação,orgulho e interiorização de uma forma de vida que,durante infindáveis gerações acabou por formar mais um dos muito especiais “povos” que constituem a nossa tão diversificada “gente”.
Lisboeta,chico esperto de Estoris e Cascais,vivendo há muitas décadas entre as verdadeiras esquizofrenias que são as abissais diferenças entre as minhas raízes Lusitanas,as tradições e família escandinavas,e a muito especial maneira de olhar (todo o resto!)do mundo desde os Estados Unidos ,para mim os teus textos são ..... viagens de reencontro.
E,se só por isso,fico-te grato.
Um grande abraço do J.Belo
Olá amigo Francisco Baptista os hábitos dos nossos antepapassados em parte eram comuns em quase todo o nosso país com pequenas alternativas, dou um exemplo nas linguíças a minha mãe era normal não utilizar o azeite, utilizava sim a manteiga ou seja a gordura dos fritos da carne do porco principalmente do lombo e das costelas que devido ao colorau ou pimentão ficava com um tom rosado a que nós dava-mos o nome demanteiga encarnadinha, nessa manteiga metia as linguiças numa panela de gemalte e aí se conservava todo ano sem perder qualidade e até aumentava o paladar. Um abraço amigo.
Não sei bem se me libertei dos fantasmas da minha guerra da Guiné ou se tentei esquecê-los e vão. Penso que já fiz o luto dos camaradas que conheci e lá perderam tudo e procurei dar uma palavra de ânimo a outros que voltaram feridos no corpo e na alma. A maioria de nós que lá estivemos, sabemos que aquela era uma guerra ligeira, com episódios imprevistos, perigosos e muitas vezes mortais. Nos tempos de acalmia íamos vivendo uns e outros, com o entusiasmos dos vinte anos, procurando esquecer as perdas e outras mágoas com cerveja ou Whisky. A vida fluía e Buba, onde ambos estivemos tinha as melhores condições ambientais e paisagísticas para os macacos-cães e outros macacos pretos ou brancos. Gostaria muito de ter estado lá contigo no bar dos oficiais e sargentos a beber um copo e a contemplar o rio Grande Buba ao entardecer na maré -cheia. A minha guerra como operacional já a encerrei. com alguns textos no Blogue, agora o que recordo mais da Guiné é o calor tropical, os meses sem gota de água da estação seca e os dias da época das chuvas, que inundavam a terra. Estações com cheiros fortes e distintos. Gostei de viver lá, amei Buba, amei a Guiné Eu que sou um "escritor" de afectos, amo a minha aldeia, na sua dimensão territorial e intemporal e por isso escrevo para que a sua memória e dos seus antepassados, fique registada e a minha consciência de cidadão pague o tributo que lhe devo.
Um grande Abraço José Belo. És um grande amigo.
Francisco Baptista
Amigo e Camarada José Colaço, entretido a escrever ao camarada e amigo José Belo e a atender um chamamento da minha mulher só me dei conta do teu comentário depois. No Nordeste Transmontano, em tempos dei-me conta que nalgumas aldeias davam o tratamento de conservação, que referes aos salpicões e linguiças, penso que nessas terras não se colhia azeite, não sei se seria o caso da tua. Tu e grande parte dos que já leram os meus textos sabem que as tradições , os hábitos de vida, a moral e os costumes, os trabalhos duros e a miséria da vida , eram comuns a todas as aldeias por esse Portugal fora. Quando falo e valorizo os homens da minha terra, do tempo dos meus pais, será talvez porque cresci num tempo em que Brunhoso teve homens grandes, mas a minha homenagem vai para todos esses homens e mulheres que se sacrificaram tanto para criar a geração de cinquenta, sessenta, setenta
Muito obrigado meu amigo do coração, como dizem os tripeiros.
Francisco Baptista
Francisco, ainda não tive acesso ao teu livro... Gostava de ter as tuas crónicas de Brunhoso em letra de forma... Mas continuo a adorar os teus textos, aqui publicados, ricos, socioantropologicamente falando...
Só conheci Trás-os-Montes depois do 25 de Abril. Antes, os portugueses não viajavam "cá dentro" , era escassa a mobilidade , a não ser para para as elites, que no Verão faziam as termas ou iam para os Algarves e demais praias do litoral...
Como casei com uma "moçoila" do Norte, tive acesso a algum dos "saberes" (e "sabores") que referes no teu texto: em Candoz, na fronteira do concelho de Marco de Canaveses com Baião, Resende e Cinfães, a despensa chamava-se "loja", a parte mais baixa da casa, muitas vezes escavada na rocha de granito, e com chão de "saibro", sempre fresca no verão...
Era lá que se fazia o vinho tinto verde, no lagar, se pendurava e desmanchava o porco, se guardava o presunto e as demais partes do porco, que era morto em geral no Natal / Ano Novo... (Morto atado no carro de bois, uma espetáculo cruel para os putos!).
O frigorífico chamava-se "salgadeira", uma enorme arca, de madeira de pinho bravo, cheia de sal... Era lá que se guardava o "governinho" da dona de casa...Era lá que o vinho verde tinto "fervia" nos pipos de carvalho: de baixo teor alcoólico, aguentava-se até maio...O branco, feito em bica aberta, esse, engarrafava-se, era para os "fidalgos" e para os dias de festa...
Fazia-se também o "bagaço", que se guardava em garrafões de 10 e 20 litros, empalhados... Houve uma época em que se produzia e vendia livremente para as tascas do Porto...que o batizavam com água do rio...
Mas no Douro Litoral, o "frigorífico" também eram as "minas", onde durante a II Guerra Mundial se escondia o milho, para evitar as "requisições" do Goveno, na época do racionamento...
Não, não havia o fabuloso pão de centeio e trigo da tua terra, apenas a enome "broa" de milho que se cozia todas as semanas... Também nas "minas" se guardava o sável e a lampreia, na sua época...
Eu vivi a minha infância numa vila da Estremadura, mas com contacto regular com a aldeia da minha mãe: os meus tios caçavam, matavam o porco, fazia vinho, tinham frutas e legumes, criação doméstica, patos, coelhos, galinhas, perús...Mas também tinham acesso aos recuros d0 mar, ali a escassos cinco quilómetros: a sardinha, o chicharro, o carapau, a "arraia"...
Não, não se fazia presunto, nen salpicões, como em Candoz ou em Brunhoso, porque o clima marítimo era inimigo do fumeiro... Fazia-se, isso, sim os "chouriços de carne", os "chouriços de sangue"...
Todas as casas da aldeia tinham, além da residência da família, uma adega, um logradouro ou quintal com "estrumeira", e anexos agrícolas (com lugar para a carroça, e os animais de tração: o burro, o macho, o cavalo)...
Mas cedo, nos anos 60, começou a generalizar-se a mecanização da lavoura: veio a motocultivadora, o trator, etc. Cozia-se o pão de trigo, todas as semanas, ainda não havia o "pão de plástico",o horrível papo-seco ou o "pão de carcaça" que só tinha alguma graça quando se comprava, quentinho, na padeira da vila... Em todas as aldeias, havia dois, três ou quatro ou até mais moinhos de vento...
Depois as grandes vinhas e as grandes searas de trigo desapareceram... E a nossa paisagem rural modificou-se profundamente. A partir dos anos 60, quando fomos para a tropa e para a guerra, nada será mais como dantes...
Temos, Francisco, uma grande dívida para contigo por seres o grande cicerone de Brunhoso do teu tempo de menino e moço...Já lá estive perto, mas ainda não se proporcionou conhecer a tua terra natal... Temos que combinar um encontro...
Saúde e longa vida. Mantenhas. Luís Graça
Amigo do coração parafraseando as tuas palavras o olival no Alentejo nos meus tempos de criança baseava-se em uma meia duzia ou uma duzia de oliveiras nos quintais e uma grande % das habitações nas aldeias nem quintal tinham, nada se compara com os tempos de hoje, o Alentejo agora os olivais é um mundo onde era searas de trigo é de perder de vista os olivais alinhados pela mão do homem para o cultivo, tratamento e apanha da azeitona tudo mecanizado. Com o próprio lagar na propriedade caso da Oliveia da Serra "passe a publicidade".
Mais um belo texto Francisco. Como deves imaginar, na minha aldeia não longe da tua, também tenho uma "adega" semelhante à que tu mostras como a adega do Zé. Muito poderia dizer sobre a minha mas agora foi atua vez… Só quero referir o que me aconteceu comprovando o que tu contaste em relação ao vinho que por não levar conservantes se vai estragando e o dono não se vai apercebendo. Há uns anos quem me tratava, lá na aldeia, da feitura do vinho, como era normal, parte do vinho era para ele e uma menor quantidade para mim. Nesse ano fui a casa dele, o Sr. Miguel, buscar os garrafões a que tinha direito. Em casa, na primeira refeição, vai de provar o vinho. Era intragável. Peguei nos garrafões e fui devolvê-los ao Sr. Miguel adiantando-lhe que o vinho não prestava. Resposta dele: eu ando a bebe-lo e sabe-me bem…
Um grande abraço e continua a escrever.
Fernando
Luís, o mestre és tu, que fazes uma bela descrição da economia familiar de duas regiões distintas e da forma como conservavam os alimentos.
Na despensa da minha casa, que ainda existe, um pouco alterada, e como menos objectos de museu do que a do meu amigo Zé, não se fazia o vinho. O meu pai não herdou nem plantou vinha, bebia pouco mas comprava todos os anos uma pipa em terras de Miranda para dar de beber aos trabalhadores. Todos os anos se matavam dois porcos, eramos muitos em casa, que eram curados na despensa. Os presuntos estavam algum tempo cobertos com sal grosso e penso que depois com cinza. Quando começavam a ficar rijos eram pendurados do tecto. Nunca se punham no fumeiro como no Minho e Douro Litoral por serem zonas com muita humidade. O frio seco do Inverno e as condições de temperatura permanente da adega "curavam" os presuntos. O tempo de despensa ou adega, o sitio era o mesmo dava qualidade aos alimentos. Recordo -os a todos com gulodice e saudade e quando entro numa ainda guarnecida com alguns desses produtos, como a do meu amigo, parece-me que estou a entrar num lugar sagrado.
Em Trás-os-Montes o clima e a comida dos animais, erva e plantas da horta, davam qualidade aos alimentos, a cozinha transmontana era simples, a posta da vaca. tal como a marrã do porco só precisavam de algum sal quando a assar em boas brasas, as batatas, as cebolas. as vagens e outras hortaliças eram boas e saudáveis. O presunto e o toucinho depois do tratamento inicial ia-se fazendo e melhorando na despensa. Os grandes pães de trigo e centeio tinham um gosto que já não há, por lá ainda há padarias que fazem grandes pães de trigo, de centeio é raro, com um gosto que se aproxima. O Douro Litoral e Minho têm uma cozinha trabalhada que faz as delícias de qualquer comilão, sei-o bem. a minha mulher é de Viana
A escrita já vai longa, caro Luís, convidava-te para o almoço que talvez te agradasse. Não é trabalhado como gosta a minha cozinheira minhota preferida, é simples à maneira da minha terra. Batatas cozidas com nabiças acompanhadas de alheiras grelhadas. O pão trigo é de Mogadouro. É bom.
Abraço
Francisco Baptista
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