domingo, 14 de fevereiro de 2021

Guiné 61/74 - P21898: Pequenas histórias dos Mais de Nova Sintra (Carlos Barros, ex-fur mil at art, 2ª C/BART 6520/72, 1972/74) (18): Saia uma "rolada" para o jantar...



Fonte: In: Guia das aves comuns da Guiné Bissau / Miguel Lecoq... [et al.]. - 1ª ed. - [S.l.] : Monte - Desenvolvimento Alentejo Central, ACE ; Guiné-Bissau : Instituto da Biodiversidade e das Áreas Protegidas da Guiné-Bissau, 2017, p. 16.


1. Mais uma pequena história do Carlos Barros:

(i) ex-fur mil, 2ª C/BART 6520/72 (Bolama, Bissau, Tite, Nova Sintra, Gampará, 1972/74), "Os Mais de Nova Sintra", os últimos a ocupar o aquartelamento de Nova Sintra antes da sua transferência para o PAIGC em 17/7/1974;

(ii) membro da Tabanca Grande nº 815, tem 2 dezenas de referências

 

A “rolada"…

por Carlos Barros


Os soldados do 3º grupo de combate de Nova Sintra andavam sempre com apetite, já que as refeições habituais não passavam de arroz com salsichas, de feijão ou de massa meada, esparguete, cortada…-, o que originava uma certa saturação alimentar.

Um dia o furriel Barros,disse para o seu grupo de combate:

- Amanhã, vamos ter uma comida especial a acompanhar a refeição habitual , vinda da cantina!

Levantou-se uma “auréola “ de volumosa expectativa entre os soldados presentes…

O Barros, numa tarde muita abrasadora, com o sol a queimar a pele, pegou na sua arma de pressão e foi caçar para junto de um pequeno riacho onde as rolas costumavam beber. Uns arbustos propiciava o esconderijo ideal para o Barros caçar, camuflando-se no meio dos seus ramos e das poucas folhas existentes naqueles ressequidos arbustos

As rolas começaram a chegar e o furriel ia disparando , abatendo várias dessas aves e, ao fim de duas horas, o Barros tinha oito rolas bem gordinhas e não prolongou a caçada porque temia que alguma vara de javalis viesse beber e com a arma de pressão pouca hipótese teria de se defender, desses perigosos e agressivos animais.

Regressou ao quartel, falou, ”clandestinamente, com os soldados Domingos Oliveira , Cruz, Pedralva, Serra e Lurdes para depenarem as rolas e as fritassem numa cozinha improvisada da caserna.

A missão dos “cozinheiros de algibeira” foi cumprida e o óleo da frigideira, esta emprestada pelo cozinheiro Rochinha, foi guardado numa garrafa de cerveja, para uma futura “investida”!

Ao jantar, o Domingos Oliveira , veio com uma improvisada e enfarruscada, panela com as rolas fritinhas e foi o delírio entre os soldados que nunca imaginaram ter aquele petisco tão saboroso, naquele ambiente de tanta penúria gastronómica.

Com o furriel Barros, a promessa feita, era promessa cumprida!...

A sorte do furriel Barros foi não ter aparecido, junto ao “riacho”, um javali sequioso caso contrário, a promessa não seria respeitada…


Nova Sintra 1974

Ex-furriel Miliciano Barros-

Bart 6520/2ª CART (1972/74)

“Os Mais de Nova Sintra”

Esposende 2 de fevereiro de 2021
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7 comentários:

Tabanca Grande Luís Graça disse...

Carlos, comia-se mal e porcamente... no mato, nos quartéis e destacamentos do mato... A ordem descrescente era: sede de batalhão, companhia, destacamento, tabanca em autodefesa... E comemos e cálamo-nos...

Curioso: na Guiné, não houve grandes levantamentos de rancho... Ou houve e e eu não dei conta ? Sim, terá havio um ou outro aqui ou acolá... Temos alguns, poucos, postes sobre este assunto...

Não fora o desenrascanço de gajos como tu, que caçavam, e que ajudavam a melhorar a dieta alimentar do pobre zé soldado... Éramos todos iguais mas uns mais do que outros...

E a propósito da rola-de-colar da Guiné...Há uns anos havia "excursões" de caçadpres de rolas, que iam até à Guiné...Ficavam no Capé, perto de Bafatá... Matavam às centenas de rolas, diziam eles... Não tenho ideia de os guineenses comerem rola...

No meu tempo, em Bambadinca, o que se caçava mais era a lebre e a galinha do mato, à noite, com os faróis dos jipes... Mas nunca me chegou à mesa... Que me lembre... Também nunca fui caçador...

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Carlos Pinheiro disse...

No mato comia-se mal e porcamente e penso que toda a gente está de acordo, infelizmente, com a tua frase. Mas não penses que em Bissau se comia bem. Por exemplo, no QG só se comia bem ao almoço de Domingo. Ao jantar era seempre arroz de polvo que mais parecia massa de sapateiro. Podia-se virar o prato ao contrário e aquela mestela ficava agarrada ao prato. Claro que ao jantar de Domingo pouca malta comia no refeitório do QG. Mas os que estavam de serviço tinham que gramar aquilo. Quantas vezes o meu jantar de domingo foram duas sandes de fartura, sim de fartura, porque na cantina não havia nada, uma cerveja e estava a barriga cheia. Até ração de combate comiamos uma vez por mêm no QG acompanhada de um um caldinho de água quente....
Quanto a levantamentos de rancho presumo que houve alguns. Por exemplo, na viagem de regresso no Carvalho Araujo, que nem refeitório tinha, aliás, deram-nos um prato à entrada do navio e tinhamos que o lavar com água do mar e guardá-lo para a próxima refeição. A comida era de facto muito má e pouca mas sobrava sempre... Nove dias de dietaa a sério. No bar só vendiam cerveja, coca cola e bolacha baunilha, portanto tinhamos que comer tudo o que nos aparecia à frente. Mas no dia em que chegámos ao Funchal para o navio meter água e nafta que não havia na Guiné, suas excelências apresentaram um peixe assado no forno com muito bom aspecto. Mas a malta resolveu não comer e aproveitar a paragem no Funchal para se gastarem os ultimos patacões e matarmos a malvada. Foi levantamento de rancho? Não sei, mas ninguém comeu...cenas.

Tabanca Grande Luís Graça disse...

Carlos, obrigado pelo teu testemunho. Tu tens autoridade para falar em nome da malta, espalhada pelos vários quartéis de Bissau.

De Bissau, só posso falar quando estava de passagem... E em Bissau um gajo vingava-se da "miséria de comida no mato", e das rações de combate (que eu, pessoalmente, não comia, comecei a rejeitá-las, desde o início...). Sempre havia alguns bons sítios para se comer e beber... Tu já há uns anos fizeste o roteiro do "ventre de Bissau"...

Mesmo no mato, quem tinha algum patacão, ía às tascas, quando as havia (Bambadinca, Bafatá, Teixeira Pinto, Contuboel, Mova Lamego, Catió...), para aconchegar o estômago.

Um abraço. Cuida-te. Luia

Hélder Valério disse...

Caro camarada Carlos Barros

Esta tua recordação tem a virtude de nos lembrar como as coisas se passavam.
E serve também para que as novas gerações possam tomar conhecimento, assim o queiram, de como era possível "dar a volta" a algumas situações menos favoráveis e tirar daí ilações de como podem enfrentar os seus "novos" problemas.

Devo dizer que a minha vivência na Guiné foi passada em cerca de 25% (6 meses) em Piche e os restantes em Bissau. Por tal, sendo Piche uma sede de Batalhão, as coisas por lá, em termos de alimentação, não tinham o dramatismo que tenho conhecimento de ter havido, tanto em termos de carências, como de qualidade, como ainda de "variedade", em tantos outros locais.
Claro que estou a referir-me ao que tinha acesso, a messe de oficiais e sargentos. Admito que relativamente aos soldados não fosse melhor. Mas, devo dizer em abono da verdade, que comparativamente com a messe de sargentos do QG em Santa Luzia comi muitíssimo melhor em Piche. Além disso, o meu conhecimento e amizade iniciados em Santarém na EPC durante o CSM, com um Furriel Vagomestre permitiram-me ter acesso a algumas coisas mais "particulares".
Por exemplo, aquando da chegada dum carregamento de géneros, entre os quais de incluíam duas ou três caixas de alvarinho "Palácio da Brejoeira", destinadas expressamente a um Capitão duma Companhia de lá, houve umas quantas que se "partiram" e como tal foram "abatidas" ao rol. "Milagrosamente recuperadas" para um saboroso petisco relembro que foi a primeira vez que tomei tal vinho (o que conhecia era "vinho verde" Casal Garcia), que gostei bastante.
Outro caso foi o de uma refeição de leitão com arroz no bucho, fornecido pelo homem da Casa Gouveia, confecionado em casa do Chefe do Posto, sendo que para esse evento e para além desses dois referidos estive eu, um outro, de que no momento não recordo, e o tal
Vagomestre.
Recordo também, e ainda, umas deliciosas almôndegas com mancarra que comi na messe. Dizem que o seu sabor inigualável era dado não só pela mancarra incorporada como também por as bolinhas antes de serem mergulhadas no óleo da fritura serem "passadas" pela gordura do corpo do cozinheiro negro....

Relativamente ao que o Carlos Pinheiro refere quanto à comida nas instalações militares de Bissau, só posso referir a messe de sargentos do QG em Santa Luzia, como acima indiquei.
Comi lá algumas vezes, que remédio, e não era bom, não senhor.
Recordo particularmente o arroz e as suas variedades: havia o "arroz vermelho" que pretendia ser arroz de tomate a acompanhar peixe frito; havia o "arroz amarelo" com pretensão a ser arroz de caril a acompanhar estilhaços de frango; havia o "arroz verde" com algumas folhas de verduras misturadas e/ou ervilhas; havia o "arroz branco" normalmente a acompanhar uns "bifes de sola", por norma bastante duros.

Hélder Sousa

Valdemar Silva disse...

Já referi noutros postes, na nossa CART11 "Os Lacraus", aquartelada em instalações próprias em Nova Lamego e Paunca, toda a tropa metropolitano do soldado ao capitão comia do mesmo rancho geral, os restantes soldados africanos eram desarranchados.
Como a Companhia nunca esteve totalmente junta, havia sempre Pelotões destacados em operações ou reforço doutras Unidades ou em destacamentos, o rancho geral era em menores quantidades, mais apurado e até com alguma qualidade. Era nosso vagomestre, o fur.mil. Ferreira (que será feito dele?) quem fazia as encomendas e as compras directas, entrando muitas vezes em "guerras" com o 1º. Sargento ao ponto deste o avisar 'com estas contas qualquer dia ainda se atira ao Geba'.
Assim, podemos considerar não se comia mal e, mesmo assim, o fur.mil. Macias, alentejano tinha que ser caçador e até tinha trazido uma espingarda caçadeira, em Nova Lamego saía à caça com dois soldados conhecedores da zona trazendo belas galinholas, lebres ou pombos-verdes para o petisco da ceia.
No destacamento de Guiro Iero Bocari, com dois Pelotões, tínhamos um cozinheiro para dezoito elementos e embora a comida não fosse uma especialidade era sempre muito bem confecionada. Oh! Guiro Iero Bocari... quem me dera.

Abracelos e cuidado que o gajo anda chatear a rapaziada.
Valdemar Queiroz

Tabanca Grande Luís Graça disse...

Algumas vezes em que estive destacado em tabancas fulas em autodefesa, cheguei a comprar carne de gazela aos caçadores locais... Mas tinha que ser consumnida logo, passada pela brasa com um pitada boa de sal...

Hoje pergunto-me como é que eu me desenrasquei, só com uma secção, todos desarranchados, os guineenses... Às vezes era só eu e o soldado operador de transmissões. Em geral, tinha um cozinheiro,improvisado, guineense,o 1º cabo José Carlos Suleimane Baldé... Valeu-me a sua dedicação: pagava lhe em géneros e ajudava-o a melhorar o seu português escrito...

Nas tabancas havia fruta e pouoc.... E o vagomestre mandava-nos alguns géneros (, para mim e o trnsmissões)...

Enfim, sobrevivi, sobrevivemos...

Valdemar Silva disse...

Luís, o José Carlos Suleimane Baldé era do meu Pelotão na Recruta/Instrução em Contuboel e fazia-nos confusão os dois nomes cristãos.

Abracelos
Valdemar Queiroz