sexta-feira, 1 de outubro de 2021

Guiné 61/74 - P22588: (Ex)citações (393): Estas teses elaboradas sem reflexão e apreciadas por ignorantes, obrigam-me a vir ajudar a clarificar o que respeita aos militares dos Comandos (Cor Art Ref Morais da Silva)


1. Mensagem do Cor Art Ref António Carlos Morais da Silva, (Instrutor da 1ª CCmds Africanos, em Fá Mandinga, Adjunto do COP 6, em Mansabá, e comandante da CCAÇ 2796, em Gadamael, entre 1970 e 1972), enviada hoje mesmo ao nosso Blogue:

Agradeço a publicação do meu comentário ao texto do Beja Santos porque excede o nº de caracteres autorizado.[*]

Abraço
Morais Silva




Estas teses elaboradas sem reflexão e apreciadas por ignorantes obrigam-me a vir ajudar a clarificar o que respeita aos militares dos Comandos.

Transcrevo pois os depoimentos do TenGen Sousa Pinto e do Cor Matos Gomes que não deixam dúvidas aliás há muito mais tempo esclarecidas pelo então 2º Cmdt do BatCmds/Guiné o hoje Coronel Glória Alves.



TRANSCRIÇÂO:

Título: Pronunciamento Militar do 25 de Abril de 1974

Sub Título: V Conferência do Núcleo Impulsionador das Conferências da Cooperativa Militar (NICCM)

Editor: NICCM

Coordenação e Revisão: Coronel António Carlos Morais da Silva | Transcrição de texto e Imagens: Ana Teresa Oliveira Marques | Design da capa: Coronel Sérgio Parreira de Campos

Impressão e Acabamento: ACD PRINT, S.A. Tiragem: 300 ex.

Depósito Legal: 375023/14 ISBN: 978-989-20-4761-4

Debate no final do Painel IV


Tenente-general Sousa Pinto


Sou o General Sousa Pinto, e atendendo a que o meu General (Mateus da Silva) e o Matos Gomes saíram de Bissau relativamente cedo, em relação à permanência em que Portugal ainda esteve em Bissau, eu gostaria de transmitir aqui testemunhos que me parece poderem ajudar a perceber como é que as coisas… como é que a transição correu na Guiné. A primeira questão é que, logo a partir do Verão em Junho ou Julho, agora não me lembro, o Matos Gomes falou nisso, um delegado do PAIGC, passou a estar em Bissau e a partir daí começaram a chegar elementos do PAIGC a Bissau. Eu era o Comandante da Segurança de Bissau, uma vez que a Polícia de Segurança Pública não tinha… perdeu toda a sua eficácia e eu comandava a Polícia Militar que foi reforçada. Demos instrução a um Batalhão de Cavalaria que entretanto tinha vindo para Bissau, de maneira que tinha bastante Polícia Militar sob o meu Comando. 

E entretanto chegou a Bissau o “Gazela”, o Comandante de uma das frentes, nomeado como Comandante da Segurança pelo PAIGC, portanto a partir de Julho e até Outubro, diariamente havia patrulhas mistas, entre a Polícia Militar e elementos do PAIGC que patrulhavam… Todas as manhãs eu reunia-me com o dito Gazela e combinávamos como é que esse dia ia correr, nunca houve o mais pequeno problema, nem com militares nem com civis. 

Um segundo testemunho que eu gostaria de dar, tem a ver com o seguinte, que em muita literatura que se tem publicado, está profundamente alterado. Foram postos à disposição dos comandos africanos os meios aéreos necessários para os transportar para Portugal, a eles e às famílias. Inscreveram-se para vir para Portugal cerca de trezentos elementos, não havia trezentos comandos africanos mas contando com as famílias…

Eu não me lembro do número, mas contando com as famílias eram trezentos e muitos. Foram reservados lugares para toda essa gente vir. É o comando africano, Capitão Sayegh, que sendo parente de alguns elementos do PAIGC se reuniu com eles no Senegal, e eles o convenceram que iriam fazer daqueles comandos africanos, a tropa de elite do PAIGC. E é o Sayegh que convence todos aqueles que já estavam inscritos a não virem. Eu assisti ao Governador Fabião a querer convencer o Sayegh que ele estava doido, ele que não impedisse quem quisesse vir, porque senão aquilo podia dar para o torto e as promessas podiam não vir a ser cumpridas. Todos eles desistiram, como se sabe vieram para Portugal aqueles que não tinham dúvidas, o Marcelino da Mata e mais três ou quatro, mas não é verdade que Portugal tenha tido qualquer coisa a ver com o facto de que eles não tenham vindo. Não vieram porque não quiseram e esse testemunho parece-me que também é importante porque há muito boa gente que pensa que as coisas não são bem assim. 

A terceira questão que eu queria testemunhar aqui que julgo que também não é do conhecimento geral, é o seguinte: Houve os acordos, houve os anexos, mas depois houve questões de pormenor que foram combinadas lá. Quando começamos a recolher as forças para Bissau, como sabem, a maior parte conhece a Guiné mas aqueles que não conhecem, Bissau por causa dos rios, era uma ilha, uma ilha grande mas era uma ilha. Não esquecer que as últimas Forças Armadas, que regressaram à metrópole, regressaram em Outubro, não me lembro agora a data mas na primeira quinzena de Outubro, 7, 8 ou 9 de Outubro (intervenções assistência). A independência tinha sido reconhecida, tinha havido cerimónias públicas com convites aos estrangeiros e tudo, a independência foi marcada para o dia em que fazia um ano da independência unilateral, portanto 17 de Setembro se não me engano (emenda da assistência) como? 24 de Setembro, portanto a Guiné já era independente, formalmente reconhecida por Portugal como independente e na ilha de Bissau ficou acordado com as forças do PAIGC, em acordo privado, digamos assim, acordo particular mas que foi cumprido, em que a Bandeira Portuguesa só seria arreada no dia em que partissem as últimas forças. Portanto a Guiné Bissau já era independente, reconhecida internacionalmente e reconhecida por Portugal e na ilha de Bissau, o Presidente da Câmara por exemplo, que já era um homem do PAIGC, a quem o Presidente da Câmara Português tinha entregue o poder no dia 24 ou até parece-me, uns dias antes da independência, mas a bandeira que estava na Câmara de Bissau continuava a ser a portuguesa até ao dia do embarque das últimas forças. Julgo que isto é pouco conhecido das pessoas e julgo que dá uma ideia de que as coisas não correram como às vezes as pintam. Era este o testemunho que eu queria dar.

********************

Coronel Matos Gomes

Ainda relativamente aos Comandos Africanos, a questão que o General Sousa Pinto colocou é exactamente assim, logo a partir de Maio, há elementos do Batalhão de Comandos Africanos que começam a ter ligações e contactos com elementos do PAIGC. É interessante também dizer que, e isto foi uma experiência que eu penso que é única no mundo, nunca houve um fenómeno de africanização da guerra tão intenso quanto se fez na Guiné e não há nenhuma Unidade parecida, nem nos Estados Unidos no Vietnam, nem nos franceses na Argélia, como aquele Batalhão de Comandos que combateu no estrangeiro várias vezes, com muito poucos quadros portugueses, três ou quatro, em situações de grande isolamento e sabendo nós, e sabíamos, que no Batalhão de Comandos Africanos havia muitos elementos com ligações fortíssimas ao PAIGC. No caso do Capitão Sayegh, ele tinha um irmão que era do PAIGC e a mulher também era. Um dos irmãos dele é actualmente professor numa universidade que existe em Bissau. O Alfredo Sisseco, era primo do Nino Vieira, o Sayegh era primo do Luís de Almeida Cabral, que depois foi Ministro. Portanto houve esse mecanismo e a crença, como aliás eu referi há pouco, em que todos nós estávamos convencidos que estes elementos se iam integrar na nova ordem. Houve sempre a intenção, num outro aspecto das negociações, que era, não foram negociados documentos, nem assinados documentos formais para definir o futuro desses militares. Esses documentos formais a partir do momento em que a Guiné fosse independente não tinham nenhum valor. O outro aspecto é que, se eu incluir a Carta dos Direitos do Homem, como aliás está praticamente incluída na Constituição da Guiné Bissau, não é isso que tem evitado esta série continuada, de quase de dois em dois anos, de golpes de Estado e de violência, portanto não são os documentos que fazem essas alterações. O que há ali, foi um pouco aquilo que eu referi desta teia de enganos, de má avaliação e que deu este resultado.
[...]

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Notas do editor

[*] - Vd. poste de 30 DE SETEMBRO DE 2021 > Guiné 61/74 - P22584: Recortes de imprensa (119): Reacção de Mário Beja Santos ao artigo do "Diário de Notícias", de 29 de Setembro de 2021, "Comandos africanos nas Forças Armadas Portuguesas. Histórias de abandono e traição"

Último poste da série de 16 DE SETEMBRO DE 2021 > Guiné 61/74 - P22548: (Ex)citações (392): Vamos lá pôr os pontos nos iii... “Exageros de Marcelino da Mata?“ (Carlos Silva, ex-Fur Mil da CCAÇ 2548/BCAÇ 2879)

16 comentários:

António Martins Matos disse...


A tentar perceber os últimos posts:

1. Diz o Acordo De Lusaca, Argel e Alvor
26.º O Governo Português participará num plano de reintegração na vida civil dos cidadãos da República da Guiné-Bissau que prestem serviço militar nas forças armadas portuguesas e, em especial, dos graduados das companhias e comandos africanos.
2. Diz o Tenente-General Sousa Pinto:
Inscreveram-se para vir para Portugal cerca de trezentos elementos, não havia trezentos comandos africanos mas contando com as famílias…
3. Diz o Coronel Matos Gomes:
Houve sempre a intenção, num outro aspecto das negociações, que era, não foram negociados documentos, nem assinados documentos formais para definir o futuro desses militares. Esses documentos formais a partir do momento em que a Guiné fosse independente não tinham nenhum valor.

Comentários:
Os Comandos Africanos eram bem mais que 300. Com famílias o número facilmente chegaria a 2.000. Não acredito que alguma vez tenham sido reservados lugares para Lisboa.
O Cor Matos Gomes dá o mote: Apesar de todos os Acordos, não houve documentos para definir o seu futuro.
Já só falta explicar os fuzilamentos.

Anónimo disse...

Sem querer meter estar a meter-me em assuntos políticos, permito-me dar a minha opinião pessoal: parece-me que o comentário do Antonio Graça Abreu num post recente dá uma visão bastante aproximada do que foi a triste realidade da “transferencia" da autoridade portuguesa nas ditas províncias ultramarinas. Por mais que tente compreender mentalmente o que se passou, sem jamais o aceitar como minimamente aceitável, doe-me profundamente saber dos muitos nativos africanos que estiveram prontos a dar sua vida pelos seus camaradas ( e com muitos deles assim sucedeu) para depois da nossa saída da Guiné serem fuzilados contra um paredão. Se não há palavras para descrever esse proceder por parte das novas autoridades na Guiné, não podemos lavar as mãos como se do que se passou não tivéssemos culpa nenhuma. Creio que todos mais ou menos concordamos que tal poderia ter sido evitado se Portugal na altura procedesse diferentemente. Como diz o António Martins Matos:<
<>
João Crisóstomo

Tabanca Grande Luís Graça disse...

Recorde-se o que o alf mil Mário Beja Santos, comandante do Pel Caç Nat 52 (Missirá e Bambadinca, 1968/70) escrever sobre o então fur mil Zacarias Saegh, mais tarde graduado em capitão 'comando", inregrando o Batalhão de Comandos Africanos, e um dos homens que participou no golpe militar de 26 de abril de 1974, dando voz de prisão ao comandante-chefe e governador da Guiné, gen Bettecourt Rodrigues... Recorde-se que desse grupo de oficiais revoltosos faziam parte Ten Cor Mateus da Silva (Eng Trms), Te
n Cor Maia e Costa (Eng), Maj Folques (Cmd), Maj Mensurado (Pára), Cap Simões da Silva (Art), Cap Sales Golias (Eng Trms), Cap Matos Gomes (Cmd), Cap Batista da Silva (Cmd), Cap Saiegh (Cmd Africanos), Cap Ten Pessoa Brandão (Armada ) e Cap Mil José Manuel Barroso.

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19 de Agosto de 2006 > Guiné 63/74 - P1038: Operação Macaréu à Vista (Beja Santos) (6): Entre o Geba e o Oio, falando do Saiegh e dos meus livros

https://blogueforanadaevaotres.blogspot.com/2006/08/guin-6374-p1038-operao-macaru-vista.html


(...) Saiegh na véspera, depois do jantar, dera-me um sinal de cortesia levando-se ao seu abrigo para bebermos um uísque. Olhando à volta do seu ambiente privado, vi frascos que me lembraram aqueles que se encontram nos laboratórios de biologia. Vendo-me intrigado, sopesando as palavras mas atirando-as a frio, esclareceu-me:
- São restos dos meus despojos. Aproveito sobretudo orelhas.

Aclarei a voz e fui cortante:
- Saiegh, ainda nada sei desta guerra, mas asseguro-lhe que a partir de hoje não haverá despojos humanos, nem relíquias nem troféus. Não trago ódios nem os vou despertar. Recordo-lhe que esta disposição é irrevogável.

Os olhos de Saiegh cuspiram fogo, mas ele conteve a dimensão da chama. Com o tempo, virei a saber que este descendente de sírio-libaneses também se movia por razões raciais, independentemente dos seus interesses económicos têm sido profundamente afectados pela luta de guerrilhas. O nosso conflito estava armado, mas passados estes anos todos reconheço que ele me deu uma colaboração exemplar, apagando-se progressivamente do mando e da decisão militar. Irei chorar amargamente no dia em que soube do seu fuzilamento (...).

JB disse...

Ao isolar-se,conveniente para uns e ingenuamente para outros,os trágicos fuzilamentos de alguns dos comandos guinéus caí-se numa quase virginal narrativa das duras realidades de uma guerra de libertação nacional de mais de uma década de luta intensa.
Será por todos conhecida a sorte dos “colaboradores”,tanto na Europa do pós guerra como em algumas das antigas colónias de outras potências ocidentais.
A Guiné não viria a ser a miraculosa excepção ,como alguns em Portugal e entre os comandos africanos,aparentemente acreditaram.
Justiça para os vencidos?
Sejam eles militar ou politicamente vencidos?
Os que têm levado uma vida profissional de luta por regras básicas do Direito Internacional sabem bem a extensão desta simples interrogação.
Para alguns,na sua busca obsessiva de culpas nos adversários políticos,torna-se quase um exercício académico todas as discussões relacionadas com fuzilamentos dos vencidos….principalmente quando praticados por outros povos.

Mas não devemos levar as nossas pseudo ingenuidades políticas,ou intelectuais,ao ponto de convenientemente esquecer que fuzilamentos foram pedidos no Portugal pós Abril de 74.
Em verdade grupos extremamente opostos o sugeriram.
Primeiro no pós 11 de Março (Plenário militar realizado em Lisboa na Manutenção Militar) e no 25 de Novembro (Biblioteca do Regimento de Comandos).
Em ambos surgiram listas com nomes a serem fuzilados.
Felizmente para Portugal que em ambas as situações elementos mais conscientes souberam controlar os exaltados.
E nestes casos não se tratava de adversários que tinham lutado uma década com armas na mão, mas antes de adversários….políticos!
Seriam outros os contextos?
Certamente.
Mas a situação “fuzilamentos” é comum.
(Aparentemente, o referir-se estas incomodas realidades no Portugal de hoje pode ser considerado “fracturante” pelos mais sensíveis,o que não é de modo algum a intenção deste simples…criador de renas…em liberdade!)

Um abraço do J.Belo

Anónimo disse...

Caros amigos,

Este tema já foi bastante debatido aqui neste espaço da TG e nunca se conseguiu chegar a nenhuma conclusão sobre responsabilidades (quem?..como?... quando?...porqué?...), assim sendo, talvez só resta dizer que, os guineenses (portugueses?!?) que lutaram debaixo da bandeira portuguesa são os únicos culpados do que lhes aconteceu em consequência da independência da Guiné, porque altamente formados e versados sobre a história mundial em geral e dos conflitos coloniais em particular deviam saber qual o destino reservado aos colaboradores. Não vale a pena querer responsabilizar ao estado português e ao seu exército sobre un caso menor num "império colonial" em descalabro institucional completo.

Todavia, não deixa de chamar a atenção a composição da delegação portuguesa na assinatura do chamado acordo de Argel. Salvo erro da minha parte, nenhum desses Senhores conhecia ao fundo os meandros da guerra na Guiné e dois dos presentes (Mario Soares e Almeida Santos) eram politicos da esquerda e simpatizantes dos movimentos de libertação e, como tal como se podia acreditar na sua boa fé em defender os "colaboradores" e voluntários a sua própria desgraça ????...Não seria mais judicioso da parte portuguesa contar com a colaboração de oficiais que conheciam e bem a realidade da guerra na Guiné e que faziam parte do Conselho do estado na altura como o Ten. Coronel Almeida Bruno ou o Coronel pára Rafael Durão, entre outros ?!?!?...

A finalizar e na minha humilde opinião, Portugal, como nação e antiga potência colonial nunca poderá fugir por completo da responsabilidade moral pelo que aconteceu aos que aceitaram a sua mobilização e serviram sob a sua bandeira. Os últimos acontecimentos no Afganistão estão ai bem fresquinhos para servirem de exemplo, para quem quiser aceitar e compreender a precariedade e ambiguidade em que se colocam as pessoas que arriscam suas vidas aceitando vestir a pele de um colaborador mesmo sendo estrangeiro e pior ainda numa quase guerra civil.

Com um abraço amigo,

Cherno Baldé



Morais Silva disse...

Não tenho dúvidas de que foi garantida a vinda para a metrópole dos militares comandos que o desejassem. Espanta-me que o depoimento PÚBLICO de um Oficial General presente na Guiné quando do fim da nossa presença, seja tratado em tom depreciativo apenas, porque sim! A contragosto publico o depoimento do 2ºCmdt, depois Cmdt do BatCmds/Guiné ao tempo da retirada portuguesa. Trata-se do então Capitão Comando Glória Alves que corrobora tudo o que foi afirmado pelo TenGen Sousa Pinto.
Dado o limite do nº de caracteres dividirei o depoimento em duas mensagens.

No Batalhão de Comandos da Guiné em 1974
Por Coronel Art.ª “Cmd” Glória Alves (1)
Em 13 de Junho de 1974 desembarquei no aeroporto de Bissalanca, em Bissau, nomeado 2º comandante do Batalhão de Comandos da Guiné (B.Cmds/G.), que se encontrava em Brá. Acompanhava o comandante nomeado para a mesma Unidade, Major Florindo Morais.
Após a apresentação, passei a ocupar-me das funções que normalmente cabem a um 2º comandante, que eu desempenhava com o posto de capitão – administração e logística, instalação, cargas, material de guerra e de aquartelamento, etc.
Entretanto regressaram a Portugal as duas companhias de comandos do recrutamento metropolitano que lá se encontravam, o que deixou o comandante do batalhão sozinho no comando das três companhias de comandos africanos, a 1ª,a 2ª e a 3ª.
Em determinada altura recebi ordens do comando para fazer uma lista do pessoal do B.Cmds/G., que estivesse interessado em ir para a Metrópole e continuar a prestar serviço no Exército Português. As condições propostas eram as seguintes: podiam fazer-se acompanhar das respectivas famílias (alguns, muçulmanos tinham mais do que uma mulher) e seriam reintegrados no actual posto (o que no caso dos soldados era equivalente ao de cabo readmitido). Estas instruções foram transmitidas pela cadeia de comando do batalhão e adesão foi média. Recordo-me que, de entre cerca de 600 militares (200 por companhia) que constituíam o batalhão, ofereceram-se para seguir para a Metrópole cerca de 200 militares. Neste sentido alertei o comando para efeitos de reserva de lugares nos meios de transporte que, na altura, várias vezes por dia escalavam o aeroporto e o porto de Bissau.
Os que permaneceram na Guiné e optaram por integrar o novo País teriam que se adaptar ao trabalho normal na sociedade civil, com direito ao pagamento dos seus vencimentos até ao final de 1974.
Paralelamente a estas actividades de desmobilização e na sua consequência, teria que ser entregue todo o armamento orgânico pertencente ao Exército Português e que se encontrava distribuído ao B.Cmds/G. Estas instruções foram, como as restantes, determinadas pelo comando legítimo, comunicadas pela cadeia hierárquica do batalhão e cumpridas na íntegra pelos militares que o constituíam.
(continua)

Morais Silva disse...

(continuação)
Ainda na sequência da desmobilização do B.Cmds/G., fui nomeado presidente da Comissão Liquidatária (CL) e passei a movimentar-me entre o quartel e o Quartel-General (QG), com vista à regularização dos vários processos de carácter administrativo-logístico, que foram sendo resolvidos e arquivados, como certamente constará da documentação, entregue pela CL no BC5, em 1975.
Das diligências para providenciar transporte a quem queria ir para a Metrópole, interessa referir que, dos 200 nomes de militares interessados em fazê-lo, e que perante mim se inscreveram, fui sendo contactado individualmente no meu gabinete do Quartel por cada um dos inscritos, no sentido de riscar o seu nome, porque tinham decidido ficar. Isto até ao riscar do último nome. Assim, dos militares inicialmente interessados em ir para a Metrópole nenhum manteve o seu desejo. Lembro-me de ter indagado, nalguns casos, a que se devia tal decisão e de me ter sido respondido que, após pensarem melhor, tinham decidido ficar na Guiné. Como já referi, o material foi entregue e arrumado em contentores pelo pessoal do B.Cmds/G., nomeadamente pelos sargentos metropolitanos responsáveis pelos materiais, e embarcados para Lisboa. As instalações do batalhão mantiveram-se intocáveis e não ocupadas até à data do meu regresso à Metrópole (8-10-1974), por via aérea, tendo eu recolhido o guião do B.Cmds/G. e um saco de crachás, de que fiz entrega no R.Cmds, na Amadora. Resta acrescentar que a parte final foi mais acompanhada por mim, dado que fui nomeado comandante interino em Agosto de 1974 e que o comandante regressou a Lisboa no início de Setembro. Nessa fase e até sair da Guiné, estive diariamente no quartel de Brá com elementos da CL (chefe do conselho administrativo, chefe da Secção de Justiça, sargentos das companhias), tendo fechado a cancela no próprio dia em que embarquei para Portugal. Ao contrário do comandante, não tive quaisquer contactos directos com o PAIGC, nem na mata, nem noutro local. Deve também ser salientado que durante a presença das forças portuguesas na Guiné, não tive conhecimento oficial ou oficioso de quaisquer represálias sobreelementos ou ex-elementos do B.Cmds/G. por parte do PAIGC.Deve também ser acrescentado que, mais do que a minha opinião, tentei cingir-me aos factos que presenciei.Mais histórias haveria para contar, mas entendi que este pequeno relato sintetiza o que de importante testemunhei durante os quase quatro meses da minha comissão como 2ºcomandante do B.Cmds/G.
Para terminar, e embora não tenha anteriormente prestado serviço nesta Unidade, nem na Guiné, visto que fiz duas comissões nos “Comandos” de Moçambique, como alferes/tenente (4ªC.Cmds) e capitão (3ªCCmds/Moçambique), é justo referir que com o Batalhão de Comandos da Guiné se extinguiu uma das mais nobres e heróicas unidades militares portuguesas. Janeiro de 2007

JB disse...

Diz a sabedoria popular: Quanto a factos não há argumentos!

Mas para alguns serão os factos suficientes?

J.Belo

Anónimo disse...

Confirmo ---
Soube que foi dada a possibilidade aos comandos africanos de virem para Portugal.

Também a alguns militares sem serem comandos foi dada essa possibilidade, nomeadamente aqueles que tiveram atos valorosos em combate (condecorados).

Não aceitaram por receio de integração na sociedade portuguesa, devido a cultura diferente nomeadamente devido à religião e organização familiar (poligamia).

Outros ficaram muito contentes porque receberam os vencimentos até dezembro e isso permitia-
comprarem vacas e até "pontas".

Foram fuzilados por vingança e também por MEDO, porque quando a população começou a verificar o descalabro da "governação" do paigc, estes constituíam naturalmente um grande perigo.

Alguns soldados do meu pelart tinham familiares no paigc.
Felizmente nenhum foi fuzilado mas soube que de outros pelarts assim aconteceu
Em 98 quando da guerra civil alguns ostentavam e mostravam com orgulho toda a documentação portuguesa (B.I. caderneta militar, etc).

Quando fui a CANQUELIFÁ em junho de 98, em missão sanitária, para surpresa minha, estavam formados vinte e três homens que me receberam com todas as formalidades militares (sentido continência e apresentação)para gaudio da enfermeira que me acompanhava que ria convulsivamente da situação e eu tentei não me rir também por respeito aqueles homens.
Sabiam que eu tinha sido militar na Guiné e pensaram que ia levar-lhes o tão prometido subsidio do governo Português.

AB

C.Martins



António Martins Matos disse...


Em conclusão:
A culpa dos fuzilamentos dos que tinham jurado defender Portugal deveu-se apenas e só a eles mesmos. Apesar dos nossos denodados esforços, preferiram receber algum “patacão” e ficar na sua terra.
Podemos ficar descansados.
Aliás, nem sei por que razão discutimos estes assuntos, não são novidade. Já no tempo da Ínclita Geração aconteceu o mesmo com o D. Fernando, o Infante Santo (1402-1443), filho de D. João I. Ficou lá por Tanger. Que o Infante D. Henrique bem queria que ele voltasse…

Tabanca Grande Luís Graça disse...

Meu caro Prof e Cor Art jubiladissimo mas sempre ativo Morais da Silva: por lapso, não chego a referir a fonte do depoimento do Glória Alves, mase julgo que seja o mesmo dos dois anteriores depoimentos, Sousa Pinto e Matos Gomes. E que os nossos sagrados mortos possam por fim descansar em paz. É triste, para quem os conheceu em vida, que continuem a ser utilizados, nas nossas tricas, como armas de arremesso político-ideológico.

Tabanca Grande Luís Graça disse...

Gralha: "não chegou".

JB disse...

Caro Luís Graça

Como “armas de arremesso “político-ideológicas”?

Nalguns dos casos repetitivos o termo “clínico-patológico” estará talvez mais perto da realidade.

Um abraço
J.Belo

Morais Silva disse...

Devido a "deformação" profissional sou incapaz de entender discurso que não seja directo e de interpretação única (clarinho, clarinho para militar entender).
Carreei informação sobre os comandos africanos para sustentar o que o Beja Santos disse e que transcrevo:
“Em documentação que se pode consultar em qualquer arquivo, verificar-se-á que o último governador em exercício, Carlos Fabião, convocou todas estas forças especiais de comandos e fuzileiros e propôs-lhes a vinda para Portugal, seriam integrados nas Forças Armadas Portuguesas, viriam mesmo com família; caso não aceitassem, e mesmo depois de lhes ter sido referido a eventualidade de futuras tensões com o PAIGC, decidiram ficar e receber vencimentos até dezembro de 1974.”
Sobre a descolonização referi que percentagem elevada do nosso aparelho militar cá e lá soçobrou, virou tropa fandanga e impediu-nos de “impor” ou “negociar”.
Finalmente, a descolonização não foi exemplar nem deixou de o ser antes FOI UM DESASTRE que destroçou a vida e a fazenda de milhares de compatriotas.

Morais Silva disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
JD disse...

Subscrevo os comentários do TenGen Martins de Matos, sendo que o segundo interpreto-o com ironia, como imagino tenha sido a intenção do autor. Também o comentário do Cherno coloca o dedo na ferida, ao salientar a parcialidade de negociações que não tiveram em devida consideração a condição dos militares portugueses de origem guineense.
JD