Guiné > Zona Leste > Região de Gabu > Carta de Piche (1957) > Escala 1/50 mil > Posição relativa de PIche, a meio da estrada entre Piche e Canquelifá, como rio Caium a sudeste.
Infografia: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné (2021)
Guiné > Zona Leste > Região de Gabu > Piche > Dunane > Temos uma dúzia de referências a Dunane, um lugar perdido no Leste, um dos muitos Bu...rakos da nossa geografia de guerra,. E este topónimo remete ora para o Cristóvão de Aguiar (CCAÇ 800, 1965/67) ora para o Zé Ferreira da Silva (CART 1689/BART 1913, 1967/69), dois dos nossos escritores de talento. A diferença entre eles é que o Zé Ferreira, um "assumido bandalho", tem carradas de humor, que é coisa que falta (va) nos escritos do açoriano. E foi ele, o Zé Ferreira, quem celebrizou, na guerra da Guiné, o nome de Dunane, com o Bife à Dunane, criado por um cozinheiro madeirense, o "Senhor Badalhoco" (, texto que já faz parte do... Plano Nacional de Leitura).(*)
Contuboel, 12 de Outubro de 1965
O meu Grupo de Combate vai dentro em breve para o destacamento de Dunane, quartel de campanha rodeado de arame farpado, sem qualquer tabanca (a que aí existia foi incendiada pelas nossas tropas, e a população que não morreu, fugiu para outros chãos) - fica então Dunane entre Piche e Canquelifá, onde existem duas companhias, uma em cada uma dessas localidades, que por aquelas bandas a guerra é mesmo a doer.
Guiné > Zona Leste > Região de Gabu > Piche > Dunane > Temos uma dúzia de referências a Dunane, um lugar perdido no Leste, um dos muitos Bu...rakos da nossa geografia de guerra,. E este topónimo remete ora para o Cristóvão de Aguiar (CCAÇ 800, 1965/67) ora para o Zé Ferreira da Silva (CART 1689/BART 1913, 1967/69), dois dos nossos escritores de talento. A diferença entre eles é que o Zé Ferreira, um "assumido bandalho", tem carradas de humor, que é coisa que falta (va) nos escritos do açoriano. E foi ele, o Zé Ferreira, quem celebrizou, na guerra da Guiné, o nome de Dunane, com o Bife à Dunane, criado por um cozinheiro madeirense, o "Senhor Badalhoco" (, texto que já faz parte do... Plano Nacional de Leitura).(*)
Foto (e legenda): © José Ferreira da Silva (2018). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]
1. Continuação da (re)publicação do "Diário de Guerra", do nosso camarada açoriano e escritor Cristóvão de Aguiar (1940-2021), que faleceu na passada dia 5, aos 81 anos (**).
1. Continuação da (re)publicação do "Diário de Guerra", do nosso camarada açoriano e escritor Cristóvão de Aguiar (1940-2021), que faleceu na passada dia 5, aos 81 anos (**).
Organização: José Martins; revisão e fixação de texto (para efeitos de publicação no nosso blogue): Virgínio Briote (,a partir da parte VI, Carlos Vinhal).
Estes excertos, que o autor cedeu amavalmente ao José Martins, para divulgação no blogue, fazem parte do seu livro "Relação de Bordo (1964-1988)" (Porto, Campo das Letras, 1999, 425 pp). (***)
(Continuação)
Estes excertos, que o autor cedeu amavalmente ao José Martins, para divulgação no blogue, fazem parte do seu livro "Relação de Bordo (1964-1988)" (Porto, Campo das Letras, 1999, 425 pp). (***)
Cristóvão de Aguiar.
Foto: Wook (com a devida vénia...)
Diário de Guerra
por Cristóvão de Aguiar
(Continuação)
Contuboel, 12 de Outubro de 1965
O meu Grupo de Combate vai dentro em breve para o destacamento de Dunane, quartel de campanha rodeado de arame farpado, sem qualquer tabanca (a que aí existia foi incendiada pelas nossas tropas, e a população que não morreu, fugiu para outros chãos) - fica então Dunane entre Piche e Canquelifá, onde existem duas companhias, uma em cada uma dessas localidades, que por aquelas bandas a guerra é mesmo a doer.
Vamos então render um outro Grupo de Combate, o do João Cortesão Casimiro, da nossa companhia, que, por estes dias mais próximos, conclui um mês de estada naquele que é considerado um dos piores destacamentos daquela zona, sem as mínimas condições para se viver como gente: água bichenta, instalações em abrigos feitos de bidões de gasolina cheios de pedregulhos, o tecto coberto de troncos e por um oleado, e tudo isto rodeado de mata e de silêncio e guerrilheiros.
Esta zona militar abrange, além das unidades já mencionadas, Nova Lamego, Bruntuma e Madina do Boé, onde, aí, nem se atrevem as nossas tropas a meter o nariz fora dos abrigos de cimento armado, recebendo os víveres e o correio através de helicóptero, que lança os sacos das alturas e desapega-se logo para lugar mais seguro...
Em Dunane não há população, só meia dúzia de milícias indígenas. Com cerca de trinta homens, ao fim de pouco tempo não há solidão que resista. Só é preciso é que não falte vinho nem correio, porque assim o soldado acomoda-se com mais facilidade...
Contuboel, 15 de Outubro de 1965
Recebi um rádio do comandante do batalhão acantonado em Bafatá, ao qual pertencemos, anunciando a rendição do pelotão de Dunane para o dia 18. Temos de sair às primeiras horas da manhã. E vinham também várias instruções sobre o material a levar, não esquecendo os sacos de areia nas cabinas dos Unimogs por causa de surpresas desagradáveis, que vamos atravessar zonas perigosas e algumas quase terra-de-ninguém, além das rações de combate para a viagem, que deve demorar as suas quatro horas, com paragem em Nova Lamego e Piche...
Contuboel, 15 de Outubro de 1965
Recebi um rádio do comandante do batalhão acantonado em Bafatá, ao qual pertencemos, anunciando a rendição do pelotão de Dunane para o dia 18. Temos de sair às primeiras horas da manhã. E vinham também várias instruções sobre o material a levar, não esquecendo os sacos de areia nas cabinas dos Unimogs por causa de surpresas desagradáveis, que vamos atravessar zonas perigosas e algumas quase terra-de-ninguém, além das rações de combate para a viagem, que deve demorar as suas quatro horas, com paragem em Nova Lamego e Piche...
Reuni os homens do meu pelotão e transmiti-lhes todas as ordens que achei convenientes quando à nossa futura partida (só não lhes revelei nem o dia nem a hora), ordens que são para se cumprir à risca, sem a mínima discussão. E avisei-os que comecem, desde já, a preparar os seus sacos de campanha, porque nunca se sabia quando largávamos para Dunane, a fim de render os nossos camaradas.
Dunane, 19 de Outubro de 1965
Após uma viagem atribulada e cansativa, chegámos por fim ao nosso destino. E eis-me aqui, diante de mim, nu, andrajoso, suplicante, a alma enregelada e crucificada na cruz destes dias sem nome. Nos olhos, uma fornalha de fúria e uma fome antiga não sei em que víscera, essa fome de séculos que é já grito milenário de todas as bocas em mim.
Dunane, 19 de Outubro de 1965
Após uma viagem atribulada e cansativa, chegámos por fim ao nosso destino. E eis-me aqui, diante de mim, nu, andrajoso, suplicante, a alma enregelada e crucificada na cruz destes dias sem nome. Nos olhos, uma fornalha de fúria e uma fome antiga não sei em que víscera, essa fome de séculos que é já grito milenário de todas as bocas em mim.
Eis-me, pois, aqui, disparando bombas de palavras ao concentrado silêncio da noite.
Eis-me aqui, tentando pescar estrelas no poço aberto do firmamento. Eis-me aqui, indefeso e nu, interrogando não sei que morto que vive numa parte de mim... Em frente de mim, nu e com o frio de todos os pólos, interrogo-me como se fosse réu e juiz ao mesmo tempo. E as palavras que ouço vêm da minha voz antiga, saída do mais fundo de mim, carregada de pedras e de cardos, que grita e se contorce, morre e ressuscita, e continuo, indefeso e nu, aqui em frente de mim...
Dunane, 21 de Outubro de 1965
CRISTAIS DE DOR
Cristais de dor na noite tenebrosa,
Ferindo o silêncio duro e magnético;
Nenhum gesto de luz, leve, carinhosa,
Calando na noite o grito profético.
Em bandos descem pássaros estranhos,
Trazem recados no bico agoirento;
Muito ao longe nos currais os rebanhos
Tremem e choram lágrimas de vento.
Nas palhotas sem luz sonhos vencidos,
Crianças sem estrelas nos olhos caídos,
E pão de tristeza em bocas de fome.
Silêncio, dor, tristeza, solidão,
Tudo o que tem quem vive nesta prisão,
E um número no lugar do próprio nome.
Dunane, 3 de Novembro de 1965
MORTOS-VIVOS
Somos os mortos-vivos duma geração
Trancada nos aposentos do medo.
Se ousamos outra voz no coro duma canção,
Dão-nos nova alma e este degredo.
Se puderes olha em frente de olhos repousados,
Arreda o medo da mente ferida.
E teus dias serão plenos, serenados
E a vida será um salmo de vida...
Dunane, 6 de Novembro de 1965
ANSIEDADE
Conto os dias pelos dedos
Um a um sem falhar.
Triste de quem tem segredos
E não tem a quem contar...
Parti triste e triste estou
Longe de ti nesta terra,
Onde o Sol se apagou
Sob negras nuvens de guerra.
Se a dor que no peito sinto
Tivesse boca e contasse
Tudo o que peno (não minto)
Talvez ninguém acreditasse...
Dunane, 10 de Novembro de 1965
PRIMEIRA CANÇÃO DO MAR
A minha voz vem do mar,
Meus cabelos de espuma são,
É no cais que vou cantar
As penas do coração.
As coitas do coração
Ai, coimas de amargura.
Diz-me lá tu, ó canção,
Que é da velha ternura
Do mar da minha infância
E porquê vida tão dura,
Este viver sempre em ânsia?
Tatuaram-me no braço
Uma âncora de esperança...
Ai, e no peito um cansaço
Já do tempo de criança...
O mar embalou meu berço
- Velha canção de embalar
E assim rimei meu verso
Com a triste voz do mar.
O mar indicou-me o mundo
Nas rotas das caravelas...
Foram-se os sonhos ao fundo,
Rotas ficaram as velas.
Dunane, 15 de Novembro de 1965
SEGUNDA CANÇÃO DO MAR
Nas ondas do mar salgado
Escrevi o meu destino
Assim tracei o meu fado
Desde o tempo de menino.
Fez-se o mar meu amigo
Desde os tempos de outra idade:
- Quando não está comigo,
Chora triste de saudade...
Tantas vezes boiei morto
Na crista das ondas bravas,
Mesmo à vista dum porto
Onde, amor, me esperavas...
Dunane, 18 de Novembro de 1965
UM BARCO NA NOITE
Na noite subversiva havia um barco
Ancorado no cais.
O céu era o reflexo de um charco
E de outras sombras mais
Súbito acordou uma luz
Nos olhos adormecidos...
Uma candeia que conduz
A vitória aos vencidos.
Todo o Universo se encheu de asas
E de itinerários...
Trancámos as portas de nossas casas
Nós, os revolucionários...
Tudo por fim rolou na lembrança
Na noite subversiva
O barco ancorado partia para França
E nós ali à deriva...
Só nos ficou o sonho e a esperança,
E o barco ancorado partiu para França...
Dunane, 23 de Novembro de 1965
Estou com o meu pelotão há mais de um mês neste destacamento de Piche. Antiga tabanca balanta, destruída pelas nossas tropas há já algum tempo, é agora um aquartelamento destinado a um pelotão das nossas tropas e a uma secção de milícias indígenas.
Dunane, 21 de Outubro de 1965
CRISTAIS DE DOR
Cristais de dor na noite tenebrosa,
Ferindo o silêncio duro e magnético;
Nenhum gesto de luz, leve, carinhosa,
Calando na noite o grito profético.
Em bandos descem pássaros estranhos,
Trazem recados no bico agoirento;
Muito ao longe nos currais os rebanhos
Tremem e choram lágrimas de vento.
Nas palhotas sem luz sonhos vencidos,
Crianças sem estrelas nos olhos caídos,
E pão de tristeza em bocas de fome.
Silêncio, dor, tristeza, solidão,
Tudo o que tem quem vive nesta prisão,
E um número no lugar do próprio nome.
Dunane, 3 de Novembro de 1965
MORTOS-VIVOS
Somos os mortos-vivos duma geração
Trancada nos aposentos do medo.
Se ousamos outra voz no coro duma canção,
Dão-nos nova alma e este degredo.
Se puderes olha em frente de olhos repousados,
Arreda o medo da mente ferida.
E teus dias serão plenos, serenados
E a vida será um salmo de vida...
Dunane, 6 de Novembro de 1965
ANSIEDADE
Conto os dias pelos dedos
Um a um sem falhar.
Triste de quem tem segredos
E não tem a quem contar...
Parti triste e triste estou
Longe de ti nesta terra,
Onde o Sol se apagou
Sob negras nuvens de guerra.
Se a dor que no peito sinto
Tivesse boca e contasse
Tudo o que peno (não minto)
Talvez ninguém acreditasse...
Dunane, 10 de Novembro de 1965
PRIMEIRA CANÇÃO DO MAR
A minha voz vem do mar,
Meus cabelos de espuma são,
É no cais que vou cantar
As penas do coração.
As coitas do coração
Ai, coimas de amargura.
Diz-me lá tu, ó canção,
Que é da velha ternura
Do mar da minha infância
E porquê vida tão dura,
Este viver sempre em ânsia?
Tatuaram-me no braço
Uma âncora de esperança...
Ai, e no peito um cansaço
Já do tempo de criança...
O mar embalou meu berço
- Velha canção de embalar
E assim rimei meu verso
Com a triste voz do mar.
O mar indicou-me o mundo
Nas rotas das caravelas...
Foram-se os sonhos ao fundo,
Rotas ficaram as velas.
Dunane, 15 de Novembro de 1965
SEGUNDA CANÇÃO DO MAR
Nas ondas do mar salgado
Escrevi o meu destino
Assim tracei o meu fado
Desde o tempo de menino.
Fez-se o mar meu amigo
Desde os tempos de outra idade:
- Quando não está comigo,
Chora triste de saudade...
Tantas vezes boiei morto
Na crista das ondas bravas,
Mesmo à vista dum porto
Onde, amor, me esperavas...
Dunane, 18 de Novembro de 1965
UM BARCO NA NOITE
Na noite subversiva havia um barco
Ancorado no cais.
O céu era o reflexo de um charco
E de outras sombras mais
Súbito acordou uma luz
Nos olhos adormecidos...
Uma candeia que conduz
A vitória aos vencidos.
Todo o Universo se encheu de asas
E de itinerários...
Trancámos as portas de nossas casas
Nós, os revolucionários...
Tudo por fim rolou na lembrança
Na noite subversiva
O barco ancorado partia para França
E nós ali à deriva...
Só nos ficou o sonho e a esperança,
E o barco ancorado partiu para França...
Dunane, 23 de Novembro de 1965
Estou com o meu pelotão há mais de um mês neste destacamento de Piche. Antiga tabanca balanta, destruída pelas nossas tropas há já algum tempo, é agora um aquartelamento destinado a um pelotão das nossas tropas e a uma secção de milícias indígenas.
Estamos em solidão absoluta e com falta de víveres. À noite, entretém-se o pessoal com o espectáculo deslumbrante dos incêndios das tabancas atacadas pelos guerrilheiros e cujas chamas se vêem ao longe lambendo o horizonte circular que deste cabeço onde se situa o aquartelamento se abarca. Nem dentro do perímetro do arame farpado se pode andar à vontade.
Contuboel, 1 de Dezembro de 1965
Chegou o novo capitão para comandar a companhia. O primeiro, o que foi ferido na tal operação simulada, com o intuito de treinar os homens para a dureza da guerra, nunca mais ninguém lhe pôs a vista em cima. Informou-me há dias o nosso primeiro Mota que ele tinha sido transferido para uma repartição do Quartel General, em Bissau, após ter estado em prolongada convalescença na metrópole. O guarda-costas, esse, foi para a Alemanha para lhe porem uma prótese nos cotos das pernas. Nesta vida da tropa são tão efémeros os sentimentos.
Contuboel, 25 de Dezembro de 1965
OUTRO TEMPO
Tempo loiro, maduro,
Nas mãos o Universo.
Sentia-me seguro
Como a rima num verso...
Depois veio o frio
Das noites de Inverno.
E pensava (agora sorrio)
Nas penas do inferno.
- Já rezaste, rica cara?
Perguntava uma velha tia.
Dizia que já terminara
E tinha a alma em dia...
(Continua)
(**) Vd. poste de 6 de outubro de 2021 > Guiné 61/74 - P22606: In Memoriam (410): Luís Cristóvão Dias de Aguiar (1940-2021), ex-Alf Mil Inf da CCAÇ 800 (Contuboel e Dunane, 1965/67), falecido no dia 5 de Outubro de 2021
(***) Último poste da série > 14 de outubro de 2021 > Guiné 61/74 - P22628: "Diário de Guerra, de Cristóvão de Aguiar" (texto cedido pelo escritor ao José Martins para publicação no blogue) - Parte VI: Contuboel (mai-set 1965), com gozo licença de férias nos Açores (de 24/8 a 25/9/1965) onde se foi casar...
Contuboel, 1 de Dezembro de 1965
Chegou o novo capitão para comandar a companhia. O primeiro, o que foi ferido na tal operação simulada, com o intuito de treinar os homens para a dureza da guerra, nunca mais ninguém lhe pôs a vista em cima. Informou-me há dias o nosso primeiro Mota que ele tinha sido transferido para uma repartição do Quartel General, em Bissau, após ter estado em prolongada convalescença na metrópole. O guarda-costas, esse, foi para a Alemanha para lhe porem uma prótese nos cotos das pernas. Nesta vida da tropa são tão efémeros os sentimentos.
Contuboel, 25 de Dezembro de 1965
OUTRO TEMPO
Tempo loiro, maduro,
Nas mãos o Universo.
Sentia-me seguro
Como a rima num verso...
Depois veio o frio
Das noites de Inverno.
E pensava (agora sorrio)
Nas penas do inferno.
- Já rezaste, rica cara?
Perguntava uma velha tia.
Dizia que já terminara
E tinha a alma em dia...
(Continua)
___________
Notas do editor:
(*) Vd. poste de 15 de março de 2018 > Guiné 61/74 - P18418: Memórias boas da minha guerra (José Ferreira da Silva) (49): O "Senhor Badalhoco" foi à Escola
(**) Vd. poste de 6 de outubro de 2021 > Guiné 61/74 - P22606: In Memoriam (410): Luís Cristóvão Dias de Aguiar (1940-2021), ex-Alf Mil Inf da CCAÇ 800 (Contuboel e Dunane, 1965/67), falecido no dia 5 de Outubro de 2021
(***) Último poste da série > 14 de outubro de 2021 > Guiné 61/74 - P22628: "Diário de Guerra, de Cristóvão de Aguiar" (texto cedido pelo escritor ao José Martins para publicação no blogue) - Parte VI: Contuboel (mai-set 1965), com gozo licença de férias nos Açores (de 24/8 a 25/9/1965) onde se foi casar...
7 comentários:
Um reparo.
A tropa não foi a incendiária daquelas (e outras) tabancas no Gabu, foi o PAIGC e o seu comandante Vitorino Costa, tirocinado em Pequim, nas quais praticou atrocidades e recrutou pela força dezenas de homens para a "reeducação" e guerra no sul.
Amílcar Cabral decidira-se pelo terrorismo no Leste, o resultado foi o seu contrário, serviu para fortalecer a oposição dos Fulas, os recrutados desertaram todos, substituiu-o pelo comandante Domingos Ramos, nosso ex-camarada, colocou-o em Quinara, no sul, morrerá no assalto à tabanca de S. João, em combate com a CCav 153, deplorável foi o acto de passear o seu cadáver pelas tabancas de Quinara.
Abr.
Como estive por aquelas paragens, estou sempre à espera de ler neste, quase tele, "Diário de Guerra", de Cristóvão de Aguiar, pormenores/descrições mais concretas sobre as localidades/tabancas Contuboel, Nova Lamego, Piche mas não aparecem, como de Dunane essas descrições.
Passei por várias vezes por Dunane nos finais de 1969 e era exatamente assim como nos descreve Cristóvão de Aguiar.
A tabanca/quartel ficava colada à berma da estrada (meio caminho Piche-Canquelifá), com um cavalo-de-frisa de porta d'armas a abrigos à prova de bombardeamento. Contavam-nos que se defendiam como nos filmes de western contra os índios.
Recordo-me de uma das vezes ter sido o meu Pelotão ir de Canquelifá ao Xime (!!!) fazer a segurança a uma coluna de reabastecimento para Piche, Dunane e Canquelifá, e no regresso ao passarmos por Dunane eles protestarem com a chegada dos "frescos" por 15 dias antes (Natal) terem sofrido de grandes caganeiras devido camarão fresco do reabastecimento.
Também foi perto de Dunane que a minha CART11 teve a primeira baixa sold. Santoné Colubali e ferimento grave do 1º.Cabo trans. Custódio Marques, devido a minas na estrada para Canquelifá.
Sabia que Dunane não tinha população civil, mas não sabia ter sido uma tabanca de balantas (?) no leste, em terra de fulas e pajadincas, e que tinham sido expulsos pela tropa, mas o nosso Luís Lomba, qual Larousse nestas coisas, diz terem sido escolhidos em Pequim para serem reeducados, provavelmente comiam com as mãos, e servirem de educadinhos no sul.
Abraço e saúde
Valdemar Queiroz
Da "má fama" o então capitão de infantaria José Curto, o carrasco de Vitorino Costa, não se livrou. Provavelmente ainda hoje, na região de Quínara,o seu nome (pelo terror que inspirava) é recordado pelos mais velhos. Pelo menos, era assim em 2008...quando eu lá estive, na Guiné-Bissau, e visitei a região de Tombali. Deve ser caso único, de entre os "tugas", tirando o nome de Spínola e poucos mais...
Continuamos a saber pouco de Dunane, se era originalmente uma tabanca fula, mandinga, pajadinca ou até balanta. Talvez o Cherno Baldé nos possa elucidar. DE qualquer modo, estou grato pelos contributos do Valdemar de Queiroz (que conheceu a região) e do Manuel Luís Lomba, a par do CRitsóvão de Aguiar e do Zé Ferreira...
No subsector, o L1 (Bambadinca), que me calgou em sorte, havia, isso, sim, tabancas balantas, junto ao rio Geba e ao Corubal, que forma riscadasd do mapa... Infelizmente, a sua história é aqui pouco falada, tirando talvez Samba Silate...
Caros Camaradas
Para melhor caracterizar a minha estadia no chamado "Hotel Dunane", naqueles tempos difíceis, lembro/junto ao "Bife à Dunane", "A guerra em Dunane" e "O Alferes Maluco".
https://blogueforanadaevaotres.blogspot.com/2012/01/guine-6374-p9331-memorias-boas-da-minha.html
https://blogueforanadaevaotres.blogspot.com/2011/07/guine-6374-p8529-memorias-boas-da-minha.html
NOTA: As histórias são verdadeiras.
Abraço do
Silva da Cart 1689
Ferreira, aquele P8529 é uma delícia.
Em 1968, Dunane e a descrição do que por lá se passava até parecia uma estância balnear da "La France d'outre-mer". Em 1969/70, Dunane já era um osso duro de roer.
Além destas tuas fotografias, é pena, por eu gostar de ver, não haver no blogue fotografias de Dunane para se conhecer como era a tabanca/quartel. E seriam umas imagens para dar mais uma ideia de como foi a guerra na Guiné.
Aquela fotografia na tabanca, vestido como quem vai jantar a um Restaurante da Vila, é das boas fotos do nosso blogue e que pena não ser o zoom de um grande plano de Dunane.
Abraço e saúde
Valdemar Queiroz
p.s. pelos vistos eram frequentes as diarreias em Dunane.
Todas as histórias de guerra são verdadeiras, mesmo com o traço grosso da caricatura ou o ácido corrosivo do humor negro. Por isso até havia alferes malucos e generais de opereta, na nossa "Guinesinha" (como lhe chamava a Cilinha)...
José Emídio Marques
Camaradas. Foi com muita atenção que li e tomei conhecimento das atividades históricas e lúdicas do José Ferreira na escola primária, penso no Porto, e dos textos do nosso camarada Cristóvão Aguiar , relatos e poesia de lamento por se ter vida e não se poder viver.
A todos que da lei da morte se vão libertando, um grande "bem Haja".
Manter a história viva na primeira pessoa é o mais importante.
Como todos nós sabemos não havia informação na "metrópole " do que se passava nos teatros de guerra.
Eu quando escrevia para os meus pais ou para a namorada, tinha medo do que escrevia, amigos e conhecidos meus tinham sido presos pela PIDE.
Foram muitas gerações que sofreram as agruras da guerra a qual deixou marcas muito profundas em quem a viveu intensa e longamente. Eu acabei por ter o privilégio de estar somente sete meses.Mas, quando cheguei aos ADIDOS em Bissau deram-me logo a notícia que a minha cia.já tinha um morto.--Fiquei gelado!
Numa diligencia da minha actividade profissional, em que consistia na citação de penhora de pensão de reforma, o executado exaltou-se contra a sua mulher e contra mim , porque era uma dívida à NOS, ao ponto de querer agredi-la. A mulher desabafou comigo que o se marido era traumatizado de guerra. De imediato perguntei onde tinha estado e a resposta não se fez esperar. Piche na Guiné.
Quando comecei a falar da Guiné o semblante e a atitude do homem mudou totalmente e ainda estive um bom bocado a conversar com ele.
A fraternidade e a solidariedade de guerra representam muito.
Embora não tivesse conhecido o nosso camarada Cristóvão Aguiar, quero manifestar as minhas condolências à sua família.
Um grande abraço.
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